Carta IEDI
A recuperação e seus obstáculos
Em agosto de 2020, teve continuidade a recuperação da economia brasileira, depois do choque provocado pela Covid-19 nos meses de março e abril. Este processo, contudo, não ocorre sem obstáculos importantes, como a presença ainda necessária de protocolos de segurança sanitária, rupturas nas cadeias produtivas e demanda fragilizada pelo desemprego alto e grande incerteza. A redução do valor do auxílio emergencial será mais um obstáculo a ser superado nos próximos meses.
Entre os grandes setores da economia, o comércio varejista foi quem mais cresceu em ago/20, registrando +4,6% em seu conceito ampliado ante a jul/20 com ajuste sazonal. Além da possibilidade de recorrer a vendas online, têm sido decisivos o progressivo relaxamento do isolamento social, a reabertura dos pontos de venda e mudanças nas cestas de consumo, em favor da compra de bens de uso doméstico em detrimento de certos serviços.
A indústria veio em seguida, com uma ampliação de +3,2% de sua produção física na série com ajuste sazonal. Embora ago/20 tenha sido seu quarto mês consecutivo de crescimento, o setor registrou nítida desaceleração (+8,3% de jul/20). A perda de fôlego industrial se mostrou, inclusive, bastante disseminada, caracterizando a trajetória de todos os seus macrossetores, notadamente bens de capital, e 73% de seus parques regionais.
Esta acomodação reflete bases maiores de comparação e outros fatores de fragilidade e surge antes de a indústria retornar a níveis de produção anteriores à crise da Covid-19 e antes do programa de auxílio emergencial ter seu valor reduzido. Diante disso, o importante é que este não seja o início de uma nova fase de baixo crescimento.
Já o setor de serviços, cujo faturamento real cresceu +2,9% em ago/20, tem uma recuperação mais fraca e recente do que do que na indústria e no comércio. Vale lembrar que nem todas as suas atividades foram autorizadas a funcionar e que nos casos que exigem maior proximidade física os consumidores se mostram reticentes, por medo da Covid-19.
Em ago/20 apenas 2 dos 5 ramos de serviços identificados pelo IBGE reforçaram seus resultados: serviços prestados às famílias e transportes, justamente aqueles com menores bases de comparação e que mais se beneficiaram da flexibilização recente do isolamento social.
Devido à desaceleração da indústria e à recuperação restringida dos serviços, o indicador IBC-Br do Banco Central, que funciona como uma proxy do PIB, apontou variação de +1,06% na passagem de jul/20 para ago/20, já descontados os efeitos sazonais. É um resultado favorável, porque indica reativação da economia, mas nota-se que é a menor taxa desde que voltamos a crescer em maio.
Assim, em ago/20 o nível geral de atividade econômica captado pelo índice IBC-Br encontrava-se 4,2% abaixo daquele de fev/20, isto é, antes do choque da Covid-19. Muito disso devido à maior defasagem do setor de serviços, que estava 9,8% abaixo de fev/20. A indústria, se tivesse mantido seu ritmo de crescimento teria fechado a lacuna, mas como desacelerou, manteve-se 2,6% aquém do nível de produção de pré-crise.
O único setor que já cumpriu esta etapa foi o comércio varejista, cujas vendas reais em ago/20 ficaram 8,2% acima daquelas de fev/20, em seu conceito restrito, e 2,2% acima em seu conceito ampliado, que inclui as vendas de veículos, autopeças e material de construção.
Estas diferenças também se notam entre os diferentes segmentos que compõem a indústria, o comércio e os serviços. No ranking dos resultados para a comparação de ago/20 frente a fev/20, as três primeiras posições são ocupadas por segmentos do varejo: móveis e eletrodomésticos (+24,2%), material de construção (+19,2%) e outros artigos de uso pessoal e doméstico (+12,3%).
Os ramos da indústria mais bem posicionados ocupam da quarta à sétima posição, a começar pelo de equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos (+11,5%), seguido pela indústria extrativa (+9,5%), de móveis (+8,0%) e de bebidas (+6,0%). Entre aqueles que mais longe estão do patamar pré Covid-19 estão veículos (-22,4%) e vestuário e acessórios (-31,0%).
Cabem a segmentos de serviços as piores posições, sob liderança do transporte aéreo, que se encontra em nível 52,8% abaixo daquele de fev/20, e serviços de alojamento e alimentação prestados às famílias, 43,9% abaixo do pré-crise. O agregado especial para atividades turísticas calculado pelo IBGE, ao incluir serviços classificados nestes dois ramos, tem uma defasagem de -47,7%.
Indústria
A indústria logrou seu quarto mês consecutivo de recuperação no mês de agosto de 2020, registrando +3,2% frente ao mês anterior, com ajuste sazonal. Os dados do IBGE mostram que este desempenho decorreu da maioria de seus ramos e de forma ainda mais disseminada entre seus parques regionais.
Dos 26 ramos industriais, 16 conseguiram crescer em agosto, isto é, 61% do total, bem como todos os seus macrossetores, com destaque para bens de consumo duráveis. Regionalmente, das 15 localidades acompanhadas, 12 apontaram alta da produção industrial na passagem de julho para agosto, isto é, 80% do total. Entre estes parques no azul, 7 cresceram mais do que a média Brasil, incluindo a indústria paulista (+4,8%), que é a mais completa e diversificada do país.
A despeito deste desempenho favorável, houve perda importante de dinamismo para a indústria geral, antes mesmo de retomar o patamar de produção de fev/20, anterior ao choque da Covid-19. A taxa de +3,2% de ago/20 é menos da metade daquela de jul/20 (+8,3%).
Esta acomodação reflete bases maiores de comparação, mas também vários outros fatores que continuam presentes e afetam o setor, como demanda fraca, necessidade de protocolos de segurança sanitária, dificuldade de obtenção de insumos em certos setores, incertezas elevadas com a continuidade de programas emergenciais etc. O importante é que este não seja o início de uma nova fase de baixo crescimento.
Convém sublinhar que o nível de produção de ago/20 permaneceu 2,6% abaixo daquele de fev/20, ou seja, a indústria ainda não voltou ao nível de produção anterior ao início do surto de coronavírus no Brasil. É também o caso de 61% dos ramos industriais. Entretanto, há quem esteja muito mais longe deste ponto, como bens de capital: 13,6% abaixo do pré-pandemia. A única exceção entre os macrossetores são os bens intermediários, 2,3% acima do nível de fev/20.
Também é majoritária a parcela dos parques industriais que ainda não retornaram ao nível de produção de fev/20: 60% do total das localidades. Entretanto, em alguns casos, notadamente na região Sudeste, isto está próximo de acontecer. São Paulo, por exemplo, encontra-se apenas 0,6% abaixo do patamar de fev/20 e Rio de Janeiro mero 0,1% aquém. Não tivessem sofrido desaceleração em ago/20, já teriam cumprido esta etapa da recuperação.
Entre os que já superaram o choque da Covid-19, destacam-se estados do Norte e Nordeste do país. É o caso do Amazonas, que, em ago/20, estava 7,6% acima do patamar de fev/20, Ceará 5% acima e Pernambuco 0,7% acima. O Pará também já havia superado este patamar em 5,5%, mas neste caso a pandemia pouco afetou seu ritmo de produção industrial, muito concentrada no setor extrativo.
Completam a lista destes casos positivos, as indústrias de Minas Gerais, 2,6% acima do nível de fev/20, a despeito da queda -0,4% registrada na passagem de jul/20 para ago/20 com ajuste sazonal, e de Goiás, em nível 3,9% superior ao pré-crise.
Em contraste, quatro parques industriais apresentam os piores desempenhos, não apenas por estarem abaixo do nível de fev/20, mas também por terem apresentado perda de dinamismo entre jul/20 e ago/20 e queda na comparação com o mesmo mês do ano anterior.
Este quadro concentra-se na região Sul, cujo surto de coronavírus se intensificou depois do restante do país, atingindo Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Mas é mais grave nos casos da Bahia, que praticamente ficou estável em ago/20 (+0,6% ante jul/20, com ajuste), permanecendo 12% abaixo do patamar de fev/20, e do Espírito Santo, com queda de -2,7% em ago/20 e 13,6% aquém do pré choque da Covid-19.
Comércio
Assim como a indústria, o comércio varejista voltou a crescer em agosto de 2020, levando suas vendas a níveis superiores ao do mês de fevereiro, isto é, antes do choque da Covid-19. Esta primeira etapa da recuperação está vencida. Basta saber, agora, qual o padrão de crescimento daqui para frente, diante do desemprego muito elevado e de um quadro ainda restrito do crédito.
O resultado foi de +3,4% ante a jul/20, com ajuste sazonal, e de +4,6% se consideradas também as vendas de veículos, autopeças e material de construção. Com isso, o varejo restrito superou em 8,2% o nível de vendas de fev/20 e o varejo ampliado em 2,2%.
Mesmo na comparação com o ano passado, o varejo já desponta em terreno positivo: +6,1% no seu conceito restrito e +3,9% em seu conceito ampliado, de modo a reduzir as perdas que ainda existem no acumulado de 2020.
Este desempenho do comércio, mais favorável do que os da indústria e dos serviços, se explica pela possibilidade de recorrer a vendas online como canal alternativo de vendas no período em que as lojas físicas tiveram que ficar fechadas, mas também ao progressivo relaxamento do isolamento social e reabertura dos pontos de venda.
As famílias que conseguiram preservar emprego e renda, ao passarem por uma mudança compulsória de sua cesta de consumo, também podem ter substituído parte de seus gastos com serviços, como viagens, serviços pessoais e de lazer, restaurantes e etc., por consumo de bens comercializados pelo varejo.
Assim, os três ramos que melhor se encontram em comparação com fev/20 são móveis e eletrodomésticos, cujas vendas em ago/20 estavam 24,2% acima do pré-crise, material de construção, 19,2% acima, e outros artigos de uso pessoal e doméstico, que incluem as vendas de lojas de departamento, 12,3% acima.
Na passagem de jul/20 para ago/20, 70% dos ramos de varejo ampliaram suas vendas reais. Tecidos, vestuário e calçados; outros artigos de uso pessoal e doméstico; e veículos e autopeças foram os que mais cresceram. Para todos estes, a reabertura das lojas físicas é um aspecto fundamental já que os consumidores tendem a preferir as compras presenciais.
As vendas de veículos, embora tenham crescido +8,8% em ago/20, registraram desaceleração frente aos meses anteriores. Esta é uma evolução indesejada já que é um dos ramos do varejo que mais longe se encontram do patamar pré-crise. Seu nível em ago/20 estava 12,9% abaixo daquele de fev/20, só perdendo para o ramo de livros, revistas e papelaria (-39,2%).
Outros segmentos que reduziram velocidade em ago/20 na série com ajuste sazonal, mas que ainda têm perdas a serem compensadas são combustíveis (-8,8% ante fev/20) e equipamentos e material de escritório, de informática e comunicação (-5,5%).
Já as vendas de supermercados, alimentos, bebidas e fumo (-2,2%) e as de farmacêuticos, perfumaria e cosméticos (-1,2%) passaram por uma acomodação, registrando queda na passagem de jul/20 para ago/20, já descontados os efeitos sazonais. No primeiro caso, vale pontuar a elevação de preços de alguns de seus itens, que fez com que o IPCA de alimentos e bebidas no acumulado de jan-ago/20 chegasse a +4,9% ante +0,7% para o IPCA geral.
Serviços
Em agosto de 2020, os serviços cresceram +2,9% frente ao mês anterior, já descontados os efeitos sazonais. Ou seja, a recuperação do setor vem se mantendo e já soma três meses seguidos, embora seja mais fraca do que na indústria e no comércio varejista.
Tanto é que é o setor que mais longe se encontra de seu nível anterior ao choque da Covid-19. A comparação de ago/20 com fev/20 aponta uma lacuna de -9,8% a ser compensada pelos serviços, enquanto para a indústria é de apenas -2,6%. O varejo ampliado, a seu turno, já se encontra a 2,2% acima do patamar de fev/20.
Isso se deve ao fato de que, apesar da progressiva flexibilização do isolamento social, o setor de serviços ainda não pôde normalizar suas atividades. Seja porque os protocolos de segurança sanitária não permitem a utilização de sua capacidade total de atendimento, seja porque os consumidores se mostram reticentes por medo da Covid-19 e pela perda de renda ao longo da crise. É uma reação com obstáculos importantes.
Na passagem de julho para agosto, 4 dos 5 segmentos de serviços registravam avanços. O destaque positivo ficou a cargo do segmento de serviços prestados às famílias, cuja alta de +33,3% compensou o retrocesso pontual registrado no mês de julho. Seu componente referente a serviços pessoais acelerou de +3,7% para +9,1% de jul/20 para ago/20, mas o maior impulso veio de alojamento e alimentação, com alta de +37,9%, devido à reabertura de bares, restaurantes e hotéis.
Apesar destes resultados positivos, os serviços às famílias ainda estão 42% abaixo do nível de fev/20. Só não estão piores que as atividades turísticas, que se encontram 47% abaixo do pré-crise. Muito disso é porque este agregado especial calculado pelo IBGE considera também as viagens aéreas, que estão 53% abaixo de fev/20.
O segundo melhor resultado coube a transporte e correios, que, ademais, apresentou aceleração ante o resultado de jul/20. Sua alta de +3,9% foi puxada pelos transportes terrestres (+4,3%, com ajuste), em resposta à reação econômica geral, e pelo transporte aéreo (+14,6%), que, depois da paralisação em mar-abr/20, vem recompondo sua malha aeroviária.
À exceção destes segmentos, todos os outros três identificados pelo IBGE acusaram perda de dinamismo em ago/20. Os serviços profissionais, administrativos e complementares cresceram somente +1%, devido à forte desaceleração de seu componente técnico-profissional, com serviços mais qualificados.
Outros serviços, que incluem atividades bastante diversificadas, como financeiras, imobiliárias, rurais etc., vêm se aproximando da estabilidade desde a reação inicial de jun/20. Agora em agosto variou apenas +0,8%. Já para os serviços de informação e comunicação, a perda de fôlego foi mais acentuada e levou o segmento a registrar -1,4%, devido ao componente de tecnologia da informação (-4,1% ante jul/20).