Carta IEDI
Europa Pós Covid-19: o plano de reativação da União Europeia
A exemplo do que ocorreu em muitas partes do mundo, a pandemia da Covid-19 afetou os países da União Europeia de forma sem precedentes, com a rápida transformação da emergência sanitária em uma crise econômica de grandes proporções. As estimativas sugerem que economia da Bloco pode encolher mais de 7% em 2020, com recuperação parcial em 2021.
Os europeus, contudo, saíram na frente ao desenhar um ambicioso e abrangente plano de reativação de sua economia, associando objetivos de curto prazo, como o aumento do emprego e o crescimento do PIB, a metas de longo prazo, como a construção de uma economia ambientalmente sustentável e o avanço da digitalização. A Carta IEDI de hoje apresenta os principais elementos do plano de recuperação da União Europeia.
Proposto pela Comissão Europeia, órgão executivo da União Europeia, em 26 de maio de 2020 e sancionado em 21 de julho de 2020 pelo Conselho Europeu, órgão decisório composto pelos 27 chefes de Estado e/ou de Governo, o Plano de Recuperação Europeu combina medidas de curto prazo com ações de transformação estrutural de longo prazo no âmbito do orçamento plurianual (MFF) 2021-2027, reforçado pelos recursos adicionais do novo instrumento de recuperação, denominado Fundo Next Generation EU (NGEU).
Para financiar o esforço de reativação da economia europeia, a Comissão Europeia foi autorizada a captar o montante de até € 750 bilhões a preços de 2018 nos mercados de capitais mediante a emissão de títulos em nome da União Europeia até 2026.
Esses recursos que irão compor o Fundo NGEU se somam aos € 1.074 bilhões das dotações orçamentárias para o período 2021-2027 financiados com recursos próprios e contribuições dos Estados-membros. Ou seja, ao todo chega-se a € 1,8 trilhão destinado à reativação da economia europeia.
Pela proposta da Comissão Europeia, € 500 bilhões dos recursos do Fundo NGEU seriam alocados aos Estados-Membros sob a forma de subvenção (grants) e € 250 bilhões sob a forma de empréstimos.
Porém, o acordo alcançado entre os líderes do Conselho Europeu, depois de uma longa e dura negociação com o grupo dos chamados países “frugais” (Áustria, Dinamarca, Holanda, Suécia e Finlândia), o volume de subvenções foi reduzido para € 390 bilhões e o volume dos empréstimos subiu para € 360 bilhões, ambos os valores a preços de 2018.
Os recursos levantados no mercado de capital serão repassados aos Estados-membros por meio de instrumentos e programas, nos montantes e modalidades acordados pelos líderes da União Europeia, articulados aos objetivos estratégicos das transições gêmeas ecológica e digital, principais políticas de transformação estrutural do Bloco.
Os programas e instrumentos que integram o Plano de Recuperação estão organizados em torno de três eixos.
O primeiro eixo consiste no apoio aos Estados-membros, após o choque da Covid-19. Como o investimento tem um papel vital a desempenhar para uma recuperação equilibrada e sustentável, o grosso dos recursos do Fundo NGEU (mais de 98%) será utilizado para apoiar o investimento estatal e as principais reformas estruturais nos Estados-membros.
A prioridade será daqueles países e/ou regiões onde o impacto da crise e as necessidades de resiliência são maiores. Integram esse eixo, os programas Mecanismo de Recuperação e Resiliência (RRF), Assistência de Recuperação para a Coesão e os Territórios da Europa (ReactEU), Fundo Agrícola Europeu de Desenvolvimento Rural (EAFRD) e o Fundo para uma Transição Justa (JTF).
O segundo eixo tem como foco o relançamento da economia por meio do incentivo ao investimento privado, especialmente em setores e tecnologias essenciais, considerados estratégicos para garantir a competitividade a longo prazo da União Europeia. A Comissão propôs o reforço do InvestEU, o principal programa de investimento da Europa.
Na proposta do Plano de Recuperação encaminhada ao Conselho Europeu, esse 2º eixo também incluía o Instrumento Temporário de Apoio à Solvência, destinado a apoiar a reposição de capital das empresas viáveis em risco de insolvência em razão da crise. Porém, essa proposição não foi aprovada pelos líderes europeus, que preferiram reforçar o Mecanismo de Recuperação e Resiliência que integra o Eixo 1.
O terceiro e último eixo se concentra nas lições extraídas da crise. A pandemia sublinhou o valor da cooperação e evidenciou a necessidade de a União Europeia desenvolver com urgência a sua capacidade de resposta às crises e aumentar a resistência a choques futuros.
Por essa razão, o Plano de Recuperação prevê a alocação recursos adicionais para os programas que impulsionam o crescimento e fortalecem a cooperação e capacidade da Europa de resistir e superar crises futuras, casos do mecanismo de proteção civil da União Europeia RescEU e do Horizon Europe, que é o principal programa europeu de fomento à pesquisa e inovação.
A Itália é o país que receberá o maior volume de recursos concessionais do Fundo NGEU por via do programa RRF, seguido por Espanha, França, Polônia e Alemanha. Para ter acesso a esses recursos, os países terão de apresentar um plano nacional de recuperação a ser avaliado pela Comissão Europeia e aprovado pelo Conselho Europeu por maioria qualificada.
Introdução
A Carta IEDI de hoje apresenta os principais elementos do ambicioso e abrangente plano de reativação econômica da União Europeia, fortemente afetada pela crise da COVID-19. Proposto pela Comissão Europeia, órgão executivo da União Europeia, em 26 de maio de 2020, o Plano de Recuperação Europeu combina medidas de curto prazo com ações de transformação estrutural de longo prazo no âmbito do orçamento plurianual 2021-2027, reforçado pelos recursos adicionais do novo instrumento de recuperação, denominado Next Generation EU (NGEU).
Tendo como seus principais inspiradores e defensores Angela Merkel, primeira ministra da Alemanha, e Emmanuel Macron, presidente da França, esse Plano foi sancionado, no dia 21 de julho de 2020, pelo Conselho Europeu, órgão decisório composto pelos 27 chefes de Estado e/ou Governo, responsável pela definição das orientações e prioridades políticas gerais da União Europeia, na reunião mais longa de sua história.
O acordo para a aprovação do Plano ocorreu após longa e dura negociação entre o grupo liderado pela Alemanha e França, e o grupo dos países, autodenominados “frugais”, Áustria, Dinamarca, Holanda, Finlândia e Suécia.
Enquanto o primeiro grupo defendia maior solidariedade em relação aos países mais afetados pela pandemia e sem espaço fiscal para medidas de larga escala, casos de Espanha e Itália, o grupo dos “frugais” se opunha ao volume de recursos do Plano que seria alocado sob a forma de subvenção, ou seja, de transferência direta de recursos que não serão reembolsados pelos beneficiários.
Como reflexo dessas negociações, foram introduzidos ajustes em termos tanto da forma de alocação dos recursos aos Estados-membros como dos instrumentos, programas e montantes. Em consequência, alguns programas primordiais da União Europeia, como o fundo de transição climática e o Horizonte Europa, voltado ao fomento à inovação, terminaram sendo bastante afetados.
Para financiar o esforço de reativação da economia europeia, a Comissão Europeia foi autorizada a captar o montante de até € 750 bilhões a preços de 2018 nos mercados de capitais mediante a emissão de títulos da União Europeia.
Esses recursos se somam aos € 1.074 bilhões das dotações orçamentárias para o período 2021-2027 financiados com recursos próprios, elevando a mais de € 1,8 trilhão o volume de recursos destinados à reativação da economia europeia.
Os recursos serão repassados aos Países-membros sob a forma de empréstimos e/ou de subvenção por meio de instrumentos e programas articulados aos objetivos estratégicos das transições gêmeas ecológica e digital, principais políticas de transformação estrutural do Bloco.
As informações apresentadas nessa Carta IEDI foram extraídas de documentos oficiais do Conselho Europeu - Conclusions adopted by the European Council at the Special meeting (17, 18, 19, 20 and 21 July 2020) - e da Comissão Europeia - Europe's moment: Repair and Prepare for the Next Generation e The EU budget powering the recovery plan for Europe, ambos datados de 27.5.2020 -, disponibilizados em seus respectivos sítios, https://www.consilium.europa.eu/ e https://ec.europa.eu/, bem como de infográficos e folhetos informativos sobre os programas e instrumentos divulgados pelos dois órgãos.
Respostas da União Europeia aos Danos da Covid-19
A pandemia da Covid-19 afetou os países da União Europeia de forma sem precedentes, com a rápida transformação da emergência sanitária em uma crise econômica de grandes proporções.
A contenção do contágio forçou todos os Estados-Membros da UE a impor restrições de grande alcance que refrearam a produção e o comércio de bens e serviços. Por toda a União Europeia, milhões de pessoas perderam o emprego ou se viram em regimes de trabalho temporário.
O confinamento, as preocupações com renda e perspectivas de emprego, a piora das condições financeiras e a incerteza generalizada sobre o curso futuro da crise acarretaram, por sua vez, o colapso nos gastos e investimentos de famílias e empresas, agravando os problemas do lado da oferta. Emprego, renda e empresas saudáveis foram colocados em risco de maneiras não vistas em crises anteriores.
Em conjunto, estes fatores devem ocasionar uma brutal contração da economia da UE. Após o recuo de 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre de 2020 em comparação com o trimestre anterior, as estimativas da Comissão Europeia indicavam, no final de maio, que o PIB da UE cairia cerca de 15% no segundo trimestre de 2020, em comparação com o mesmo período do ano anterior.
No geral, as estimativas sugeriam que economia da UE ir encolher mais de 7% em 2020, com recuperação lenta e parcial de 6,1% esperada para 2021. Na hipótese de se verificar uma segunda onda e medidas de bloqueio estendidas, o PIB do Bloco poderia registrar uma queda de até 16% no PIB em 2020.
Embora toda a Europa tenha sido foi afetada pelos efeitos socioeconômicos da pandemia, os impactos e o potencial de recuperação são muito diferentes entre os Estados-membros. Países e regiões com economias dependentes de serviços voltados ao cliente final, de exportações ou de um grande número de pequenas empresas foram mais fortemente afetados do que outros.
Ainda que todos os Estados-Membros tenham apoiado tanto quanto possível os seus trabalhadores e empresas, nem todos possuem capacidade para atuar na mesma escala. Ante o risco de uma recuperação desequilibrada, que poderia ampliar as disparidades cada vez maiores no Bloco, julgou-se absolutamente necessária uma resposta no âmbito da Comissão Europeia.
Diferentemente do que ocorreu na crise financeira internacional de 2008-09, os líderes da União Europeia agiram rápido, adotando, já em 23 de março de 2020, medidas com vistas a flexibilizar tanto a utilização dos recursos orçamentários do Bloco, permitindo uma efetiva mobilização para o combate da pandemia dos recursos orçamentários disponíveis, como a aplicação da cláusula de escape do pacto fiscal da União Europeia e das regras que restringem os auxílios estatais ao setor privado.
Tais medidas conferiram maior liberdade aos Estados-membros para apoiar a economia e responder de forma coordenada aos impactos da pandemia.
De igual modo, o Banco Central Europeu (BCE) atuou de forma determinada para evitar o colapso da economia e proteger empresas e empregos, assegurando a liquidez dos mercados financeiros e de crédito, mediante um amplo programa de compras de ativos financeiros e flexibilização de regras regulatórias de capital e liquidez, entre outras ações.
Em 9 de abril de 2020, o Eurogrupo, instância que reúne os ministros de Finanças dos dezenoves países que integram a área do Euro, apresentou um pacote de emergência da ordem de € 540 bilhões de euros. No âmbito dessa resposta abrangente de política econômica à crise da Covid-19, endossada pelo Conselho Europeu, em 23 de abril de 2020, foram criadas três importantes redes de segurança para trabalhadores, Estados-Membros e empresas:
1. Apoio temporário para mitigar os riscos de desemprego em caso de emergência (SURE). Essa iniciativa, que havia sido proposta pela Comissão Europeia, concede financiamento aos Estados-Membros de até € 100 bilhões, cobrindo parte dos custos relacionados à criação ou extensão dos regimes nacionais de trabalho temporário.
2. Suporte do Mecanismo Europeu de Estabilidade (ESM) à crise pandêmica. Por meio das suas Linhas de Crédito com Condições Melhoradas (ECCL), o ESM disponibilizou € 240 bilhões para os dezenove países da área do Euro. Cada país poderá sacar, até o final de 2022, recursos no montante máximo equivalente a 2% do seu PIB de 2019 exclusivamente para o financiamento nacional de custos diretos e indiretos de saúde, cura e prevenção relacionados à crise Covid-19. Os empréstimos são concedidos com prazo de dez anos.
3. Fundo de garantia pan-europeu do Banco Europeu de Investimento (BEI) para suporte à liquidez de pequenas e médias empresas (PMEs) severamente atingidas pelos efeitos econômicos da pandemia. Com dotação de € 25 bilhões, esse fundo viabilizou a concessão de € 200 bilhões de financiamento às PMEs por toda a Europa, contribuindo para preservar condições equitativas de concorrência no mercado único.
Embora importante como primeira resposta à crise, o pacote emergencial para mitigação dos impactos da pandemia foi considerado insuficiente para relançar a economia. Por isso, nessa mesma reunião, os membros do Eurogrupo concordaram sobre a necessidade de a União Europeia avançar na criação um fundo temporário e direcionado para preparar e apoiar a recuperação econômica coletiva, impulsionada pela solidariedade, coesão e a convergência.
Esse fundo forneceria financiamento aos países por meio do orçamento da UE para programas concebidos para relançar a economia em linha com as prioridades europeias e garantindo a solidariedade da UE com os Estados-Membros mais afetados.
Os recursos desse fundo de recuperação seriam combinados aos recursos próprios do quadro orçamentário financeiro plurianual (MMF) 2021-2027 da União Europeia, adaptado para refletir o impacto e a dimensão dos desafios da crise, de modo a permitir aos Estados-membros apoiar a recuperação de suas economias.
Os governos da Alemanha e da França assumiram a tarefa de fazer avançar a ideia de preparar um plano para a recuperação e reconstrução econômica. E, em 26 de maio de 2020, a Comissão Europeia apresentou a proposta do Plano de Recuperação, que combina os recursos próprios do MFF 2021-2027 com um extraordinário esforço de recuperação de € 750 bilhões no âmbito do fundo New Generation EU (NGEU), a ser constituído com recursos captados pela Comissão Europeia por meio da emissão de títulos de dívida direta da União Europeia no mercados de capitais. Pela proposta, dos recursos do Fundo NGEU, € 500 bilhões seriam alocados aos Estados-Membros sob a forma de subvenção e € 250 bilhões sob a forma de empréstimos.
Ao longo de quatro dias e quatro noites, o Conselho Europeu que, decide por unanimidade, discutiu e negociou detalhes do Plano. Após uma dura negociação em torno do volume de recursos a serem alocados de forma concessional, reduzidos a € 390 bilhões a preços de 2018, como já mencionado, os líderes da UE fecharam um acordo em 21 de julho de 2020 e o Plano de Recuperação foi aprovado. Os detalhes serão apresentados na próxima seção.
Somados aos € 540 bilhões já disponibilizados para as redes de segurança de emergência para trabalhadores, empresas e Estados-Membros, o “poder de fogo” global da UE para apoiar a recuperação econômica alcança quase € 2,4 trilhões. O Quadro abaixo sumariza as respostas da União Europeia à crise da Covid-19.
O Plano de Recuperação: Next Generation EU e o MFF 2021-2027
O Plano de Recuperação proposto pela Comissão Europeia para ajudar a reparar os danos socioeconômicos da pandemia do coronavírus, preparar a saída da crise e lançar as bases para uma Europa moderna e mais sustentável prevê a mobilização de mais de € 1,8 trilhão (a preços constantes de 2018), no âmbito de um orçamento plurianual da UE reformulado e reforçado pelo fundo de recuperação, denominado Next Generation EU.
Como já mencionado, a fim de dotar a União Europeia dos meios necessários para enfrentar os desafios colocados pela pandemia de Covid-19, a Comissão Europeia foi autorizada a captar recursos em nome da União Europeia nos mercados de capitais. Essa autorização para a emissão de dívida é limitada em termos de dimensão, duração e âmbito.
A Comissão Europeia poderá captar até € 750 bilhões a preços de 2018 por meio da emissão de bônus, títulos de dívida direta, em nome da União Europeia, com maturidade entre três e 30 anos, até o mais tardar no final de 2026.
As obrigações decorrentes desta emissão de dívida serão honradas nos futuros orçamentos da UE, com reembolsos ocorrendo após 2027 e até 2058, o mais tardar. Esses recursos captados no mercado de capitais irão compor o Fundo NGEU, em reforço ao orçamento financeiro plurianual (MFF) 2021-2027 e serão destinados exclusivamente aos programas destinados a reparar os danos socioeconômicos da pandemia, relançar a economia e preparar um futuro melhor para a próxima geração.
O orçamento plurianual da União Europeia é financiado por recursos próprios tradicionais (TOR), provenientes de taxa uniforme de 0,3% aplicada às bases do imposto sobre valor agregado (VAT) de todos os Estados-membros e de receitas com tarifas alfandegárias aduaneiras, e por recursos próprios adicionais como as contribuições dos Estados-membros baseadas na Renda Nacional Bruta (RNB), limitadas a 1,2% da soma da RNB de todos os países-membros.
A partir de 1º de janeiro de 2021, as fontes de recursos próprios da União Europeia serão ampliadas, com a inclusão das receitas de uma contribuição nacional calculada sobre o peso de resíduos de embalagens de plástico não reciclado (0,80 centavos de euro por quilograma).
Está prevista a criação de um mecanismo de ajustamento fronteiriço das emissões de carbono (imposto de carbono sobre as importações provenientes de países poluidores) e de uma taxa digital, com introdução no mais tardar em 1º de janeiro de 2023. Também está em estudo a criação de um imposto sobre as transações financeiras. As receitas das novas fontes de recursos próprios introduzidas após 2021 serão utilizadas para o reembolso antecipado da dívida contraída para o funding do Fundo NGEU.
Os recursos do Fundo NGEU serão canalizados a partir de vários instrumentos, programas e prioridades acordados pelos líderes da União Europeia, organizados em torno de três eixos: apoio aos países-membros, relançamento da economia e lições extraídas da crise.
Todos os programas, mesmo aqueles que preveem ações imediatas e de curto e médio prazo, estão articulados aos objetivos estratégicos da transição gêmea: ecológica e digital, principal política de transformação estrutural do Bloco.
Eixo 1 - Apoiar os Estados-Membros na recuperação
O investimento público tem um papel vital a desempenhar para uma recuperação equilibrada e sustentável. Por essa razão, a maior parte dos recursos do Fundo NGEU (mais de 98%) será utilizado para apoiar o investimento público e as principais reformas estruturais nos Estados-membros, priorizando aqueles países e/ou regiões onde o impacto da crise e as necessidades de resiliência são maiores.
Na proposta da Comissão, esse primeiro eixo receberia 87% (€ 655 bilhões) dos recursos do Fundo NGEU, mas o Conselho elevou esse montante a €737,5 bilhões.
Integram esse eixo, os programas Mecanismo de Recuperação e Resiliência (RRF), Assistência de Recuperação para a Coesão e os Territórios da Europa (ReactEU), Fundo Agrícola Europeu de Desenvolvimento Rural (EAFRD) e o Fundo para uma Transição Justa (JTF):
1. Mecanismo de Recuperação e Resiliência (RFF). Principal programa do Plano de Recuperação em termos de volume de recursos, consiste no apoio financeiro em grande escala a investimentos públicos e reformas essenciais para uma recuperação sustentável, nomeadamente em áreas verdes e digitais, com objetivo de tornar as economias dos países da UE mais resilientes e melhor preparadas para o futuro. Esse programa será inteiramente financiado com os recursos do Fundo de recuperação NextGenerationEU.
Na proposta original da Comissão Europeia, o RRF teria uma dotação de € 560 bilhões, dos quais € 250 bilhões seriam repassados aos Estados-membros sob a forma de empréstimos e € 310 bilhões sob a forma de subvenções (grants).
Porém, o Conselho Europeu elevou a dotação do programa para € 672,5 bilhões, ampliando para € 360 bilhões a parcela a ser repassada sob a forma de empréstimos, reduzindo recursos que seriam destinados ao Fundo de Transição Justa e aos programas do Eixo 2 e Eixo 3. Os recursos restantes serão alocados sob a forma de subvenção.
Para poder se beneficiar do programa, os países terão de apresentar um plano nacional de recuperação baseado nas recomendações do Semestre Europeu, instância de governança que define o ciclo de coordenação das políticas econômicas e orçamentárias da União Europeia, a ser avaliado pela Comissão Europeia e aprovado pelo Conselho Europeu por maioria qualificada. A necessidade de aprovação dos planos nacionais de recuperação pelo Conselho foi uma exigência da Holanda.
As estratégias de recuperação dos países da UE devem:
• Abordar os principais desafios identificados no Semestre Europeu, em áreas como competitividade, produtividade, educação e habilidades, saúde, emprego e coesão econômica, social e territorial.
• Garantir o foco adequado desses investimentos e reformas sobre os desafios relacionados às transições verde e digital, para ajudar a criar empregos e crescimento sustentável e tornar a União Europeia mais resiliente.
Na avaliação dos planos nacionais, a Comissão irá considerar os critérios de consistência com as recomendações específicas por país, bem como o reforço do potencial de crescimento, a criação de emprego e a resiliência econômica e social do Estado-membro.
A contribuição efetiva das ações propostas para as transições verde e digital também será um pré-requisito para uma avaliação positiva. Se os critérios de avaliação dos planos nacionais de recuperação e resiliência forem cumpridos, os Estados-membros poderão receber subvenções, com a possibilidade de complementar com empréstimos.
No caso dos recursos concessionais, a alocação máxima para cada país da UE será função da população, PIB per capita e taxa de desemprego no período 2015-2019. Essa chave de alocação vale para os anos 2021-2022.
Para o ano de 2023, o critério de desemprego será substituído, em igual proporção, pela perda do PIB real observada ao longo de 2020 e pela perda acumulada do PIB real observada no período 2020-2021. 70% das subvenções concedidas pelo RRF serão empenhadas nos anos de 2021 e 2022. Os 30% restantes serão totalmente empenhadas até ao final de 2023.
A Tabela abaixo apresenta a distribuição das alocações das subvenções previstas no âmbito desse programa. Observa-se que a Itália é o país que receberá o maior volume de recursos concessionais do Fundo NGEU por via do programa RRF, seguido por Espanha e França.
Já no caso dos empréstimos, o volume máximo do empréstimo para cada Estado-Membro fixado pelo Conselho é de até 6,8% da sua Renda Nacional Bruta (RNB). Esse percentual é mais elevado do que o limite de 4,7% da RNB previsto na proposta original da Comissão Europeia. Os empréstimos podem ser solicitados junto com o plano ou em outro momento acompanhado de um plano revisado.
As subvenções e os empréstimos serão desembolsados de acordo com o cumprimento dos marcos e metas. Atendendo a uma exigência da Holanda por um controle mais rígido da utilização dos recursos do Fundo NGEU, em caso de denúncia de “desvio grave”, os desembolsos para um Estado-membro poderão ser congelados até que uma decisão final seja tomada pelo Conselho Europeu.
2. Assistência de Recuperação para a Coesão e os Territórios da Europa (REACT-EU). Esta nova iniciativa proporcionará um funding adicional à dotação orçamentária da política de coesão de apoio aos Estados-membros. As regiões mais afetadas pela crise terão acesso a um apoio rápido e flexível no âmbito dessa nova iniciativa REACT-EU, de modo a garantir que a recuperação seja justa e inclusiva.
Com um orçamento de € 47,5 bilhões (ante os € 50 bilhões originalmente propostos pela CE), exclusivamente financiado com recursos do Fundo NGEU, esse programa estará disponível a partir de 2020 e terá alocação até 2022 entre os Países-membros, de acordo com o seu nível de prosperidade e os efeitos socioeconômicos da crise. Isso garantirá que não haja interrupção no financiamento das principais medidas emergenciais de mitigação da crise e apoio aos mais necessitados.
Desembolsados sob a forma de subvenção, os recursos do REACT-EU irão financiar as ações nacionais para uma recuperação verde, digital e resiliente. Isso incluirá investimentos para reparar os mercados de trabalho, inclusive por meio de subsídios à contratação, esquemas de trabalho de curta duração e medidas de emprego jovem, apoio a sistemas de saúde e fornecimento de capital de giro para pequenas e médias empresas, bem como investimentos essenciais nas transições ecológicas e digitais.
Esse programa irá apoiar todos os setores econômicos, incluindo o turismo e a cultura. Parte dos recursos também pode ser usada para ajudar pessoas que sofrem de privação alimentar e material.
3. Fundo Agrícola Europeu de Desenvolvimento Rural (EAFRD). As zonas rurais terão um papel vital a desempenhar na concretização da transição verde e no cumprimento dos objetivos ambientais e climáticos da Europa. Por essa razão, o Plano de Recuperação da União Europeia incluiu um reforço da ordem de € 7,5 bilhões no orçamento do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural, com recursos do Fundo NGEU que serão concedidos sob a forma de subvenção aos Estados-membros.
O EAFRD ajudará os agricultores e as áreas rurais na realização das mudanças estruturais necessárias à implementação do Acordo Verde Europeu e, em particular, para apoiar a realização das ambiciosas metas das novas estratégias Biodiversidade e Farm to Fork, que visam proteger a biodiversidade e acelerar a transição a um sistema alimentar justo, saudável e ambientalmente sustentável.
4. Fundo para uma Transição Justa (JTF). O Fundo para uma Transição Justa é parte integrante do Mecanismo para uma Transição Justa, criado em janeiro de 2020, no âmbito do Plano de Investimento do Acordo Verde Europeu. Com uma dotação de € 100 bilhões, o Mecanismo foi concebido para apoiar as regiões mais vulneráveis da União Europeia a lidar com os impactos socioeconômicos da transição para a neutralidade climática.
À luz da crise do coronavírus, não só a necessidade de uma recuperação sustentável e verde se tornou ainda mais premente, como também a necessidade de fornecer apoio às regiões mais vulneráveis.
Assim, como parte do Plano de Recuperação, a Comissão Europeia propôs um reforço de € 30 bilhões provenientes do Fundo NGEU e um financiamento adicional de € 10 bilhões no âmbito do orçamento plurianual 2021-2017 para o Fundo de Transição Justa.
Porém, o Conselho Europeu cortou grande parte dos recursos destinados ao JTF, que recebeu uma dotação de apenas € 17,5 bilhões ante os € 40 bilhões sugeridos pela Comissão Europeia, dos quais € 10 bilhões provenientes do Fundo NGEU, que serão repassados sob a forma concessional. O acordo final dos líderes manteve a disposição de que apenas os países que assinaram o objetivo da UE de neutralidade climática até 2050 serão elegíveis para obtenção de financiamento no âmbito desse programa.
Esses recursos extras serão utilizados para aliviar os impactos socioeconômicos da transição verde nas regiões mais afetadas. Por exemplo, apoiando a requalificação dos trabalhadores, ajudando as PMEs a criar novas oportunidades econômicas, investindo na transição para energia limpa e na economia circular e diversificando a atividade econômica geral nas regiões mais afetadas.
Eixo 2 - Relançar a economia da UE, incentivando o investimento privado
Na avaliação da Comissão Europeia, o investimento privado será duramente atingido pela crise, com uma queda estimada em mais de € 1 trilhão em 2020-2021. Para inverter esta tendência e criar as condições para uma recuperação impulsionada pelo investimento privado em setores e tecnologias essenciais, de 5G a inteligência artificial e de hidrogênio limpo a energia renovável offshore, que são a chave para garantir a competitividade a longo prazo do Bloco, a Comissão propôs o reforço do InvestEU, o principal programa de investimento da Europa, para mobilizar investimentos em toda a União em áreas como as infraestruturas sustentáveis e a digitalização.
InvestEU. O programa InvestEU tem como seu objetivo geral o apoio às políticas da União Europeia por meio da mobilização de investimentos públicos e privados dentro do espaço europeu. São elegíveis os investimentos que cumprem o critério de adicionalidade, enfrentando as deficiências do mercado e situações de investimento abaixo do ideal que dificultam a realização dos objetivos da UE em matéria de sustentabilidade, competitividade e crescimento inclusivo.
Na proposta da Comissão Europeia, o programa InvestEU teria o seu tamanho e escopo ampliados para responder às maiores necessidades de investimento privado da economia europeia, proporcionando suporte crucial às empresas na fase de recuperação e assegurando uma forte concentração dos investidores privados nas prioridades políticas da União a médio e longo prazo, em particular o Acordo Verde Europeu e a digitalização.
Com aumento da sua dotação orçamentária para € 15,3 bilhões, o programa InvestEU poderia gerar investimentos de mais de € 240 bilhões de euros, ao aumentar a capacidade de tomada de risco do Banco Europeu de Investimento e dos bancos nacionais de fomento no apoio à recuperação econômica.
Como parte deste processo de fortalecimento do programa, a Comissão propôs igualmente a criação do Mecanismo de Investimento Estratégico, como uma nova janela (a quinta) do InvestEU. Esse mecanismo irá apoiar projetos de investimentos transfronteiriços nas cadeias de valor que são cruciais para a resiliência e autonomia estratégica futuras do mercado único europeu, em consonância com a agenda da União Europeia e a Nova Estratégia Industrial para a Europa. A forte dimensão transfronteiriça das cadeias de valor significa que uma abordagem europeia coordenada é vital para o sucesso dessa iniciativa.
Além de apoiar a construção de cadeias de valor mais fortes na União Europeia e incentivar liderança industrial europeia em setores estratégicos para as transições gêmeas verde e digital, essa nova janela do InvestEU irá apoiar igualmente a infraestrutura crítica, o desenvolvimento de tecnologias nascentes, novos ecossistemas de empreendedores e projetos estratégicos transfronteiriços.
Pela proposta da Comissão Europeia, esse novo mecanismo contaria com uma dotação de € 15 bilhões provenientes do Fundo NGEU, elevando a € 31,3 bilhões a dotação total do Programa InvestEU.
Todavia, no acordo final dos líderes no Conselho Europeu, a dotação orçamentária destinada ao Programa InvestEU no Plano de Recuperação foi substancialmente reduzida para € 7,4 bilhões, dos quais € 5,6 bilhões financiados pelo Fundo NGEU e € 2,8 bilhões do orçamento plurianual MFF 2021-2027.
Nesse 2º Eixo do Plano de Recuperação originalmente proposto pela Comissão Europeia, estava prevista igualmente a criação, no âmbito do Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos (EFSI), de um Instrumento Temporário de Apoio à Solvência para apoiar empresas viáveis em risco de insolvência em razão da crise.
Na União Europeia, milhares de empresas sólidas e economicamente viáveis enfrentaram problemas de liquidez e solvência devido às dificuldades financeiras ocasionadas pela crise econômica. Na estimativa da Comissão Europeia, as necessidades de reposição de capital próprio das empresas podem ficar entre € 720 bilhões e € 1,2 trilhão somente em 2020.
Para ajudar a mobilizar investimento privado em empresas com problemas mediante o fornecimento de garantias parciais contra perdas, € 26 bilhões do Fundo NGEU seriam destinados ao novo instrumento temporário. Essas garantias seriam operacionalizadas pelo Banco Europeu de Investimento. Porém, o Conselho Europeu não aprovou a criação desse novo instrumento.
Eixo 3 – Extraindo lições da crise
A pandemia sublinhou o valor da cooperação e demonstrou que a União Europeia precisa desenvolver com urgência a sua capacidade de resposta às crises e aumentar a resistência a choques futuros.
Por essa razão, no Plano de Recuperação, a Comissão Europeia propôs a criação de um novo programa de saúde, o EU4Health, para reforçar a segurança sanitária e preparar-se para futuras crises sanitárias, e a alocação recursos adicionais para os programas que impulsionam o crescimento e fortalecem a cooperação e capacidade da Europa de resistir e superar crises futuras, casos do RescEU e do Horizon Europe.
Na proposta da Comissão Europeia, o novo programa EU4Health receberia uma dotação de € 9,4 bilhões, dos quais € 7,7 bilhões seriam provenientes do Fundo NGEU e o restante do orçamento plurianual 2021-2027.
Esses recursos seriam investidos ao longo do período 2021-2027 para:
• fazer frente a ameaças de saúde transfronteiriças;
• disponibilizar medicamentos, dispositivos médicos e outros suprimentos essenciais de saúde a preços acessíveis para pacientes e sistemas de saúde, com uso prudente e eficiente de medicamentos, como antimicrobianos, e apoio a produtos médicos inovadores e manufatura mais ecológica;
• fortalecer os sistemas de saúde, melhorando a acessibilidade, eficiência e resiliência dos sistemas de saúde, reduzindo as desigualdades no acesso aos cuidados de saúde, intercâmbio de melhores práticas em promoção da saúde e prevenção de doenças, e apoio a cooperação global em desafios de saúde para melhorar a saúde, reduzir as desigualdades e aumentar a proteção contra ameaças à saúde global, entre outros.
Porém, no acordo final dos líderes no Conselho Europeu, a criação desse ambicioso programa foi descartada.
1. RescEU. O mecanismo de proteção civil da União Europeia, será ampliado, com vistas a reforçar a infraestrutura de resposta a futuras crises em decorrência de emergências médicas, desastres e incidentes químicos, biológicos e nucleares. O mecanismo também se tornará mais flexível, ampliando a capacidade de ação conjunta da União Europeia no espaço europeu.
Na proposta da Comissão Europeia, a dotação financeira do RescEU seria elevada a € 3,1 bilhões, dos quais € 2,0 bilhões provenientes do NGEU. No remanejamento realizado pelo Conselho Europeu, o RescEU recebeu dotação ligeiramente menor: € 3 bilhões, sendo € 1,9 bilhão com recursos do fundo de recuperação.
Esses recursos irão financiar investimentos em infraestruturas de resposta a emergências, em capacidade de transporte e em equipes de apoio a diferentes tipos de emergências, inclusive médica. Isto irá garantir uma resposta da UE mais oportuna e eficaz as emergências em grande escala no futuro.
2. Horizon Europe. É o principal programa de fomento à pesquisa e inovação e também seria reforçado para financiar atividades de pesquisas e inovação em saúde, resiliência e transições verdes e digitais.
Na proposta da Comissão Europeia, esse programa receberia uma dotação total de € 94,4 bilhões, dos quais € 13,5 bilhões em financiamento adicional do Fundo NGEU, para promover atividades de pesquisa e inovação relacionadas à área de saúde, resiliência, e transições verdes e digitais, contribuindo para reforçar a capacidade europeia de resposta, de forma eficaz e rápida, a emergências e o investimento em soluções baseadas na ciência.
Porém, como já mencionado, após as negociações no Conselho Europeu, o volume de recursos adicionais aportados ao programa Horizon Europe foi muito menor do que o sugerido pela Comissão Europeia.
Na área da saúde, os recursos adicionais serão usados para aumentar o esforço de pesquisa para desafios como a pandemia do Coronavírus, a extensão de ensaios clínicos, medidas de proteção inovadoras, virologia, vacinas, tratamentos e diagnósticos e a tradução de resultados de pesquisas em medidas de política de saúde pública.
Nos domínios de pesquisa e inovação relacionados ao clima, a ampliação dos recursos do Horizon Europe reforçará o apoio à competitividade da indústria da UE em setores econômicos relacionados e promoverá uma recuperação consistente com os objetivos do Acordo Verde Europeu. O reforço orçamentário também irá viabilizar recursos adicionais para inovações emergentes e revolucionárias por pequenas e médias empresas, startups e mid-caps.
Outros programas da UE foram igualmente ampliados para alinhar totalmente o MFF 2021-2017 com as necessidades de recuperação e as prioridades de políticas. Entre os quais, a Política Agrícola Comum, o Fundo Europeu Marítimo e das Pescas, o Programa do Mercado Único e Programas de Apoio à Cooperação Fiscal e Aduaneira, o Mecanismo Conectar a Europa, Erasmus +, o Programa Europa Criativa, o Programa Europa Digital, entre outros.
E, para tornar o orçamento da UE mais flexível e reativo, a Comissão Europeia propôs um aumento da flexibilidade dos instrumentos especiais de emergência, que podem mobilizar recursos em grande escala para fazer face a desafios imprevistos, como o Fundo de Solidariedade da UE, que presta apoio aos Estados-Membros e regiões afetadas por catástrofes de grande escala, e o Fundo Europeu de Ajustamento à Globalização, que apoia trabalhadores que perderam seus empregos em decorrência de grandes eventos de reestruturação.
Na Tabela e Quadro apresentados abaixo estão sumarizadas as dotações orçamentárias proposta pela Comissão Europeia em 26 de maio de 2020 e as efetivamente aprovadas pelo Conselho Europeu no dia 21 de julho e os eixos e os programas do Plano Recuperação, respectivamente.
Estratégias Estruturais: as transições gêmeas ecológica e digital
Como assinalado, o Plano de Recuperação da União Europeia está estritamente articulado com as estratégias estruturais de crescimento de longo prazo consubstanciadas no Pacto Ecológico Europeu (Green Deal) e no Plano de Transformação Digital.
Acordo Verde. O Pacto Ecológico Europeu é um conjunto de iniciativas políticas da Comissão Europeia com o objetivo abrangente de tornar a Europa neutra em termos climáticos em 2050. O Pacto prevê metas de redução das emissões de gases com efeito de estufa até 2030 para, pelo menos, 50% e para 55% dos níveis de 1990. Esse Pacto é a estratégia de crescimento de longo prazo da Europa.
Em consonância com Pacto Ecológico, os investimentos públicos e privados na recuperação da economia financiados com os recursos do Fundo Next Generation EU devem respeitar o juramento verde de “não causar danos”. As prioridades identificadas no Semestre Europeu, os Planos Nacionais de Energia e Alterações Climáticas (NECP) e os Planos de Transição Justa deverão orientar estes investimentos.
Os investimentos ecologicamente sustentáveis serão apoiados por 25% do orçamento da UE consagrados aos investimentos climáticos e também pelo financiamento adicional para o Horizonte Europa, refletindo o papel crucial da pesquisa e inovação na mudança para um ambiente limpo, economia circular, competitiva e neutra para o clima.
Os investimentos previstos no Plano de Recuperação devem ajudar o Acordo Verde europeu a se tornar um motor de criação de empregos. Cumprir as metas climáticas e energéticas existentes para 2030 pode adicionar 1% do PIB e criar quase 1 milhão de novos empregos verdes.
Estima-se que o investimento numa economia mais circular tem potencial para criar pelo menos 700 mil novos empregos até 2030 e ajudar a UE a reduzir a sua dependência de fornecedores externos e aumentar a sua resiliência às questões de abastecimento global.
Para ajudar a desbloquear o investimento privado necessário, a certeza e a previsibilidade a longo prazo são essenciais. A taxonomia de financiamento sustentável da UE orientará os investimentos na recuperação da Europa para garantir que estejam em conformidade com nossas ambições de longo prazo.
Para garantir que os interesses ambientais e sociais sejam totalmente integrados nas estratégias empresariais, a Comissão Europeia apresentará em 2021 uma nova iniciativa sobre uma governança empresarial sustentável.
Para além de proporcionar certeza a longo prazo, a recuperação ecológica também deve ajudar a relançar a economia da Europa de forma rápida e a nível local. Segundo a Comissão Europeia, a próxima Onda de Renovação se concentrará na criação de empregos em construção, reforma e outras indústrias de mão de obra intensiva. O objetivo será pelo menos dobrar a taxa de renovação anual do parque imobiliário existente.
Os Estados-membros poderão também utilizar fundos do Mecanismo de Recuperação e Resiliência para este fim, em conformidade com as prioridades identificadas no Semestre Europeu ou nos NECP. Isso ajudaria a economizar dinheiro nas contas de energia, proporcionar condições de vida mais saudáveis e reduzir a pobreza energética.
A crise também demonstrou o papel crucial que o transporte desempenha, com o transporte interrompido e as rotas logísticas em todos os modais afetando as cadeias de valor e as economias nacionais.
O Mecanismo Conectar a Europa, o InvestEU e outros fundos apoiarão o financiamento da instalação de um milhão de pontos de recarga, renovação limpa da frota por cidades e empresas, infraestrutura de transporte sustentável e permitirá a mudança para a mobilidade urbana limpa. O investimento público para relançar a recuperação do setor de transportes deve vir com o compromisso da indústria de investir em uma mobilidade mais limpa e sustentável.
Proteger e restaurar a biodiversidade e os ecossistemas naturais é fundamental para aumentar a resiliência dos países europeus e prevenir o surgimento e propagação de surtos futuros. Isso redobra a importância da Estratégia de Biodiversidade da UE para 2030 recentemente adotada e da futura Estratégia Florestal da UE.
Transição Digital. Lançada em fevereiro de 2020, a estratégia de transformação digital da União Europeia tem como objetivos: abrir novas oportunidades de negócios para as empresas; encorajar o desenvolvimento de tecnologia confiável; promover uma sociedade aberta e democrática; possibilitar uma economia vibrante e sustentável; ajudar a combater as mudanças climáticas e alcançar a transição verde.
A pandemia e as suas consequências nas vidas e economias realçaram a importância da digitalização em todas as áreas da economia e da sociedade da UE. As novas tecnologias mantiveram negócios e serviços públicos funcionando e garantiram que o comércio continuasse fluindo.
Essas tecnologias ajudaram a todos a ficar conectados, a trabalhar remotamente e a apoiar a aprendizagem dos filhos. Também impulsionaram as compras pela Internet e os modelos de negócios online.
No longo prazo, a intensificação do uso das tecnologias digitais provavelmente desencadeará mudanças permanentes e estruturais na vida social e econômica: mais teletrabalho, aprendizagem em ambiente digital, comércio digital, governo eletrônico.
Isso destaca o potencial de desenvolvimento de uma identidade eletrônica universalmente aceita, identidade eletrônica pública, para permitir o acesso simples, confiável e seguro a serviços públicos digitais transfronteiriços.
De acordo com a Comissão Europeia, quatro elementos serão fundamentais para uma recuperação digital, que estimule a inovação competitiva e forneça aos usuários mais opções.
Em primeiro lugar, é preciso investir em mais e melhor em conectividade. A rápida implantação do 5G terá efeitos indiretos em toda a sociedade digital e aumentará a autonomia estratégica da Europa.
Isso apoiará esforços mais amplos para construir uma infraestrutura que possa lidar com processos e aplicativos emergentes e futuros. Também fornecerá a largura de banda necessária para saúde, educação, transporte, logística e mídia, que são essenciais para nossa resiliência, competitividade e recuperação econômica.
Em segundo lugar, será preciso ter uma presença industrial e tecnológica mais forte em partes estratégicas da cadeia de suprimentos digital. A crise evidenciou a importância tanto da conectividade e das tecnologias digitais como da segurança da tecnologia, reafirmando a necessidade de a Europa ter soberania tecnológica onde for importante, bem como manter o comércio aberto e o fluxo de inovação em andamento.
Por essa razão, o investimento de recuperação será canalizado para capacidades digitais estratégicas, incluindo inteligência artificial, cibersegurança, comunicação segura, infraestrutura de dados e nuvem, redes 5G e 6G, supercomputadores, quantum e blockchain. Esta será uma prioridade no Mecanismo de Recuperação e Resiliência, no InvestEU e no Mecanismo de Investimento Estratégico.
Em terceiro lugar, a Europa precisa construir uma verdadeira economia de dados como um motor para a inovação e a criação de empregos. Os dados oferecem oportunidades para empresas desenvolverem produtos e serviços. Para tirar o máximo partido disso, são necessários espaços de dados europeus comuns em setores e áreas essenciais, incluindo o apoio à indústria europeia, a implementação do Pacto Ecológico Europeu, saúde, mobilidade e administração pública.
O quarto elemento é a necessidade de um ambiente de negócios online mais justo e fácil. Esse ambiente é atualmente dominado por várias plataformas grandes, cuja posição e maior acesso aos principais recursos de dados têm um impacto na capacidade das pequenas empresas europeias para iniciar, expandir ou tirar o máximo partido do mercado único.
Para enfrentar essas questões e tirar o máximo de partido do Plano de Recuperação na transição digital, a Comissão Europeia propôs uma nova Lei dos Serviços Digitais, com o objetivo de melhorar o enquadramento jurídico dos serviços digitais, com regras claras para as plataformas online.
Espera-se que esta nova lei venha a oferecer maior segurança aos consumidores online, evitar o abuso de poder de mercado por parte das plataformas e garantir um mercado justo com oportunidades iguais para empresas menores.
Considerações Finais
Na avaliação da Comissão Europeia, o acordo alcançado no âmbito do Conselho Europeu para aprovação do ambicioso plano de reativação deu à União Europeia, no momento atual de extraordinárias dificuldades e incertezas, as melhores chances de sucesso.
A captação de recursos junto aos mercados de capitais para o Fundo Next Generation EU irá desbloquear todo o potencial do orçamento da UE para relançar a economia e impulsionar a sustentabilidade, a resiliência e a autonomia estratégica da Europa, ampliando a escala de apoio necessária nas circunstâncias atuais.
O orçamento financeiro plurianual reforçado para 2021-2027 proporcionará o financiamento essencial para necessidades imediatas e para investimentos de longo prazo nas transições verdes e digitais.
O sucesso do plano de recuperação dependerá não apenas da sua escala e ambição, mas também da velocidade de ação e da capacidade de ajustar a resposta à luz dos desenvolvimentos.
O apoio financeiro é considerado urgentemente necessário para colocar a economia de volta nos trilhos, para proteger a subsistência de todos os europeus, manter as empresas em funcionamento e apoiar as que mais precisam em muitas partes da União. O tempo também é curto para chegar a um acordo sobre a dotação dos programas estruturais de longo prazo para um futuro mais justo, mais verde e digital.
Mas antes mesmo da finalização do processo decisório do Plano de Recuperação da UE, o presidente francês, Emmanuel Macron, anunciou, no dia 3 de setembro, o France Relance (https://www.economie.gouv.fr/files/files/directions_services/plan-de-relance/annexe-fiche-mesures.pdf), o plano nacional de recuperação da França, em linhas com as definições do Plano de Recuperação da União Europeia.
Do total dos € 100 bilhões que serão investidos na reativação e reconstrução da economia francesa nos próximos meses, € 40 bilhões serão provenientes do Fundo de recuperação NGEU e do orçamento plurianual reforçado da União Europeia. Isso sugere o poder de alavancagem do Plano europeu sobre os planos nacionais e sua capacidade de articulá-los em torno de suas diretrizes.
As prioridades do France Relance são:
• Ecologia, com ações para acelerar a conversão ecológica da economia e do tecido produtivo;
• Competitividade e soberania tecnológica, incentivando a produção e a geração de empregos no país, com programas de realocação da produção de bens essenciais em saúde, insumos industriais, agroalimentares, redução dos impostos corporativos e projetos para o desenvolvimento de tecnologias críticas para o futuro, como 5G ou quantum.
• Coesão, com investimentos massivos na formação dos jovens e em programas de inserção.