Carta IEDI
Riscos Globais no Pós Pandemia, segundo o Fórum Econômico Mundial
A Carta IEDI de hoje aborda os principais pontos do recém-publicado Relatório de Riscos Globais do Fórum Econômico Mundial (WEF). Em sua 16ª edição, o relatório centra-se nos riscos e consequências da pandemia de Covid-19 para o aumento das desigualdades em termos de acesso a saúde, tecnologia e oportunidades de emprego e da fragmentação da sociedade.
O estudo se baseia na Pesquisa de Percepção de Riscos Globais (GRPS) realizada anualmente junto a 650 lideranças mundiais do WEF. A partir de uma lista de trinta e cinco riscos de alto impacto mundial, agrupados nas categorias de risco econômico, ambiental, geopolítico, social e tecnológico, os participantes indicaram o horizonte de tempo em que esses riscos poderão se tornar uma ameaça crítica para o mundo.
Entre as ameaças mais imediatas _ aquelas que são mais prováveis nos próximos dois anos _ se destacam os riscos sociais (como doenças, desemprego, erosão da coesão social etc), mas também riscos de falhas de cibersegurança, desigualdade digital, estagnação econômica prolongada, ataques terroristas e danos ambientais causados pelo homem.
No horizonte de 3 a 5 anos, os riscos econômicos aparecem com destaque. Incluem bolhas de ativos, instabilidade de preços, choques de commodities e crises de dívida. Aparecem também riscos geopolíticos, inclusive em torno de recursos naturais.
Já no horizonte de 5 a 10 anos, predominam os riscos ambientais, como perda de biodiversidade, crises de recursos naturais e fracasso da ação climática, associados a riscos geopolíticos. Completam o cenário possíveis efeitos adversos de tecnologia, reação contra a ciência etc.
Embora o fracasso das ações climáticas seja considerado pelos participantes do GRPS como o risco de longo prazo mais preocupante e o segundo mais provável e de maior impacto, o WEF também enfatiza os efeitos negativos de uma maior disparidade digital e sua elação com o desemprego.
Na avaliação do WEF, os efeitos da pandemia da Covid-19, assim como alguns aspectos da resposta política à crise sanitária, ainda que necessários, aumentaram as disparidades de distintas naturezas que já existiam dentro dos países e entre eles, prejudicaram desproporcionalmente certos setores e grupos sociais e complicaram o caminho para o mundo alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas até 2030 e do Acordo de Paris.
Por exemplo, estima-se que 18% das micro e pequenas empresas na China, que respondem por cerca de 80% dos empregos do país, quebraram somente entre fev/20 e mai/20. Nos Estados Unidos, 20% das empresas com menos de 500 funcionários fecharam definitivamente entre mar/20 e ago/20, segundo WEF. Com a recessão global, a WEF avalia que mais de 150 milhões de pessoas teriam sido levadas à pobreza extrema, aumentando o total para 9,4% da população mundial.
Na crise econômica da Covid-19, os jovens entre 15 e 24 anos foram os primeiros a perder seus empregos durante o confinamento e a ter sua renda comprometida. Ao mesmo tempo, em muitos países tiveram o acesso à educação e ao aprendizado interrompidos pela ausência de conectividade digital, de apoio adulto ou de espaço adequado para estudar em casa.
Destaca-se no relatório que 80% dos alunos ficaram fora da escola em todo mundo, com a suspensão do ensino tradicional em sala de aula. Apesar da adaptação para o ensino remoto via televisão, rádio e internet, estima-se que pelo menos 30% da população estudantil mundial não teve acesso à tecnologia para participar do ensino à distância.
Entre os efeitos da pandemia da Covid-19 está igualmente a aceleração da Quarta Revolução Industrial, expandindo a digitalização da interação humana, o e-commerce, a educação online e o trabalho remoto. Essas mudanças transformadoras prometem enormes benefícios, mas o WEF lembra que também podem exacerbar as desigualdades digitais, minando as perspectivas de uma recuperação inclusiva.
O relatório do WEF alerta que no mundo dos negócios, as pressões econômicas, tecnológicas e de reputação do momento presente trazem o risco de uma reorganização desordenada. As ameaças incluem estagnação prolongada nas economias avançadas e perda de potencial de crescimento nos mercados emergentes e em desenvolvimento, a falência de pequenas empresas, ampliando as lacunas em relação às grandes empresas e reduzindo o dinamismo dos mercados, bem como a exacerbação de desigualdade, dificultando o desenvolvimento sustentável de longo prazo.
O ambiente de negócios global pode se tornar mais oneroso e incerto como resultado de tendências protecionistas ampliadas e o enfraquecimento do multilateralismo, à medida que alguns Estados se voltam cada vez mais para dentro em uma tentativa de fortalecer a autossuficiência e proteger empregos domésticos.
O não enfrentamento das desigualdades econômicas e da divisão da sociedade pode paralisar ainda mais as ações sobre as mudanças climáticas, que constituem uma ameaça existencial para a humanidade. Porém, na avaliação do WEF, se os riscos ambientais não forem enfrentados no curto prazo, a degradação ambiental se cruzará com a fragmentação social, com consequências dramáticas.
Introdução
A Carta IEDI de hoje resume os principais pontos do recém-publicado Relatório de Riscos Globais do Fórum Econômico Mundial (WEF), disponível em http://wef.ch/risks2021. Em sua 16ª edição, centra-se nos riscos e consequências do aumento das desigualdades em termos de acesso a saúde, tecnologia e oportunidades de emprego e da fragmentação da sociedade, amplificadas pela dinâmica da pandemia da Covid-19.
O relatório do WEF alerta que a crescente fragmentação da sociedade - manifestada por meio de riscos persistentes e emergentes para a saúde humana, aumento do desemprego, ampliação da divisão digital e desilusão dos jovens - pode ter consequências graves em uma era de desafios econômicos, ambientais, geopolíticos e tecnológicos combinados.
O não enfrentamento das desigualdades econômicas e da divisão da sociedade pode paralisar ainda mais as ações sobre as mudanças climáticas que constituem uma ameaça existencial para a humanidade.
O relatório se baseia na Pesquisa de Percepção de Riscos Globais (GRPS) realizada anualmente junto a 650 membros das diversas comunidades de liderança do WEF. Esta última edição traz ainda a contribuição do novo Conselho sobre Riscos Fronteiriços, formado por Diretores de Risco, que ampliaram o universo de possibilidades de risco na próxima década, indicando choques potenciais com sinais mais fracos, mas que teriam grandes impactos se manifestados.
Percepção de Riscos Mundiais
A Pesquisa de Percepção de Riscos Globais (GRPS) realizada pelo WEF submeteu aos 650 entrevistados uma lista de trinta e cinco riscos de alto impacto mundial, agrupados nas categorias de risco econômico, ambiental, geopolítica, social e tecnologia, que podem se concretizar em um horizonte de até dez anos. Um Quadro com a relação e breve descrição desses riscos é apresentada ao final dessa resenha.
Os participantes indicaram o horizonte de tempo em que esses riscos devem se tornar uma ameaça crítica para o mundo. Entre as ameaças mais imediatas _ aquelas que são mais prováveis nos próximos dois anos _ se destacam os riscos sociais, tais como doenças infecciosas, crises de emprego e meios de subsistência, decepção generalizada dos jovens e erosão da coesão social.
Outros riscos iminentes identificados incluem: concentração do poder digital, desigualdade digital, estagnação econômica prolongada, ataques terroristas e danos ambientais causados pelo homem.
Os riscos econômicos aparecem com destaque no horizonte de médio prazo, período de 3 a 5 anos, incluindo bolhas de ativos, instabilidade de preços, choques de commodities e crises de dívida; seguido por riscos geopolíticos, incluindo relações e conflitos interestatais e geopolitização de recursos.
Já no horizonte de 5 a 10 anos, predominam os riscos ambientais, como perda de biodiversidade, crises de recursos naturais e fracasso da ação climática, ao lado de riscos geopolíticos como armas de destruição em massa, colapso de Estados ou de instituições multilaterais. Completam o cenário sombrio de ameaça à existência, os riscos de efeitos adversos de tecnologia, o colapso da seguridade social, a reação contra a ciência e o colapso de uma indústria sistemicamente importante.
Os entrevistados classificaram igualmente os riscos globais em termos do grau de preocupação, de maior probabilidade e os de maior impacto. O fracasso das ações climáticas é considerado o mais preocupante no horizonte de dez anos, seguido por doenças infecciosas e crises dos meios de subsistência, erosão da coesão social, perda de biodiversidade, crises de dívida e estagnação prolongada.
Entre os riscos de maior probabilidade nos próximos dez anos, quatro são riscos ambientais, com destaque para condições climáticas extremas, insucesso da ação climática e danos ambientais causados pelo homem. Os demais referem-se a doenças infecciosas, concentração de poder digital e desigualdade digital.
Já entre os riscos considerados de maior impacto na próxima década, as doenças infecciosas ocupam o primeiro lugar, seguidas por fracasso nas ações climáticas e outros riscos ambientais; bem como armas de destruição em massa, crises de recursos naturais e crises de meios de subsistência.
Como já mencionado, nesta última edição do relatório, o universo de possibilidades de risco na próxima década foi ampliado, com a inclusão dos Riscos de Fronteiras. Os Diretores de Risco apontaram nove choques potenciais, com sinais mais fracos, mas de alto impacto caso se concretizem.
A lista inclui riscos geopolíticos, como guerra acidental e colapso de uma democracia, riscos sociais, com destaque para levante anárquico, riscos ambientais, e riscos tecnológicos, tais como interface máquina-cérebro, edição de genes para aperfeiçoamento humano, controle neuroquímico e proliferação de armas nucleares de pequena escala, entre outros.
A Pandemia da Covid-19 e o Aumento das Disparidades
Desde 2006, a Pesquisa de Percepção de Riscos Globais sinalizava o risco de pandemia global e outros riscos relacionados à saúde. Naquele ano, o relatório advertiu que uma “gripe letal, com sua propagação facilitada pelos padrões de viagens globais e não contida por mecanismos de alerta insuficientes, representaria uma ameaça aguda”.
Os impactos incluiriam “grave comprometimento de viagens, turismo e outros setores de serviços, bem como cadeias de abastecimento de manufatura e varejo”, enquanto “o comércio global, o apetite de risco dos investidores e a demanda de consumo” poderiam sofrer danos a longo prazo.
Em 2020, o risco de uma pandemia global tornou-se realidade. Na avaliação do WEF, os efeitos da pandemia da Covid-19, assim como alguns aspectos da resposta política, ainda que necessários, aumentaram as disparidades existentes dentro das comunidades e entre as nações, prejudicaram desproporcionalmente certos setores e grupos sociais e complicaram o caminho para o mundo para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas até 2030.
A pandemia, que já causou a morte de mais de 2,5 milhões de pessoas no mundo, sobrecarregou os sistemas de saúde, expondo sua falta de capacidade. Hospitais ficaram rapidamente lotados ao redor do mundo, incluindo vários países da Europa, Índia, México, África do Sul e Estados Unidos. Essa situação se repetiu na segunda onda de contágio atualmente em curso. Tal como ocorreu na primeira onda, alguns países continuam relatando escassez de suprimentos médicos.
Os efeitos de longo prazo da Covid-19 na saúde dos pacientes recuperados permanecem desconhecidos. Os impactos colaterais da pandemia à saúde, tais como atraso no tratamento de emergências, doenças crônicas e sofrimento psicológico, continuarão a ter consequências devastadoras em todo o mundo.
Com a crise sanitárias e as tentativas de contenção da transmissão do coronavírus, a economia global mergulhou em sua crise mais profunda em tempos de paz, com contração do produto mundial estimada em 4,4% em 2020. A contração econômica deverá aumentar a desigualdade em muitos países; mas uma recuperação econômica desigual pode exacerbar as desigualdades.
De acordo com o WEF, apenas vinte e oito países devem ter crescido em 2020, com a China sendo único país do G-20 entre eles. Em países de renda baixa e média-baixa, impactos humanitários graves e duradouros podem ser exacerbados por níveis mais baixos de apoio financeiro e menos ajuda humanitária. As más condições de trabalho e a falta de proteção social provavelmente agravarão o impacto sobre os 2 bilhões de trabalhadores informais no mundo.
O impacto da pandemia sobre os meios de subsistência foi catastrófico, especialmente para aqueles que, além de não possuir poupança, perderam seus empregos ou enfrentaram cortes de salários. Horas de trabalho equivalentes a 495 milhões de empregos foram perdidas no segundo trimestre de 2020, o que corresponde a 14% de toda a força de trabalho mundial.
As micro, pequenas e médias empresas (MPMEs), que, em geral, são coletivamente os maiores empregadores tanto nas economias desenvolvidas como em desenvolvimento, foram as mais atingidas pela crise da Covid-19.
Por exemplo, na China, onde as MPMEs respondem por cerca de 80% dos empregos, estima-se que 18% das empresas quebraram entre fevereiro e maio. Nos Estados Unidos, 20% das empresas com menos de 500 funcionários fecharam definitivamente entre março e agosto. Em diversos países, muitas das MPMEs que sobreviveram aos confinamentos iniciais continuam dependentes do apoio do Estado, em razão de restrições contínuas e diminuição da confiança do consumidor.
O relatório do WEF ressalta que os danos da crise da Covid-19 foram agravados por desigualdades preexistentes de gênero, raça, idade e renda. Os grupos desfavorecidos entraram na crise com menor resiliência como resultado de disparidades no bem-estar; estabilidade e segurança financeira; e acesso à saúde, educação e tecnologia. Com a recessão global, mais 150 milhões de pessoas serão levadas à pobreza extrema, aumentando o total para 9,4% da população mundial.
Como as lacunas na saúde pública, a desigualdade digital, as disparidades educacionais e o desemprego, riscos que resultam de uma combinação complexa de desigualdades existentes e do impacto da pandemia, afetam mais os grupos vulneráveis, a coesão social pode se desgastar ainda mais. Em um tal contexto, a crescente fragmentação da sociedade, revelada por meio de riscos persistentes e emergentes para a saúde humana, aumento do desemprego, aumento da divisão digital e desilusão dos jovens, pode ter consequências graves em uma era de riscos econômicos, ambientais, geopolíticos e tecnológicos combinados.
A crise da Covid-19 explicitou igualmente os laços tênues que permeiam o sistema internacional. As principais tendências apontam para um enfraquecimento ainda maior do multilateralismo sustentado por normas comuns e para a proliferação do uso da desinformação, de ataques cibernéticos, de ataques direcionados e da captura de recursos como armas geopolíticas.
A intensificação da competição entre os Estados Unidos e a China, o uso mais agressivo de ferramentas de influência geopolítica e o crescente nacionalismo estão estimulando a mudança de uma ordem mundial global baseada em regras para uma ordem mundial baseada no poder.
Embora essas dinâmicas afetem todos os Estados, seu impacto é particularmente prejudicial sobre as potências médias, economias avançadas e emergentes, que, em conjunto, respondem uma parcela muito maior do PIB mundial do que os Estados Unidos e a China somados e costumam ser as campeãs da cooperação multilateral nas áreas de comércio, diplomacia, segurança e, mais recentemente, saúde global.
Na avaliação do WEF, as potências médias representam a primeira e a melhor esperança para reformar e reposicionar instituições da arquitetura internacional pós-Segunda Guerra Mundial, enfraquecidas nas duas últimas décadas. No entanto, se as tendências atuais persistirem, essas potências intermediárias terão dificuldade para reforçar a resiliência contra crises em um momento em que a coordenação global é mais necessária.
O enfraquecimento da cooperação global pode comprometer as ações de combate às mudanças climáticas, cujo fracasso é considerado pelos participantes do GRPS como risco de longo prazo mais preocupante e o segundo mais provável e de maior impacto. Para o WEF, as necessárias transformações em direção a uma economia verde não devem ser adiadas para depois da superação do choque da pandemia.
Fosso Digital
Como já mencionado, a “desigualdade digital” foi classificada pelos entrevistados na Pesquisa de Percepção de Riscos Globais (GRPS) como uma ameaça crítica para o mundo nos próximos dois anos. A crescente lacuna digital pode minar as perspectivas de uma recuperação inclusiva. O progresso em direção à inclusão digital é ameaçado pela crescente dependência digital, a automação acelerada, a supressão e manipulação de informações, lacunas na regulamentação da tecnologia e desigualdade nas habilidades e capacidades tecnológicas.
A pandemia da COVID-19 acelerou e ampliou a Quarta Revolução Industrial estimulando a rápida expansão do e-commerce, educação online, saúde digital e trabalho remoto. Na visão do WEF, essas mudanças continuarão a transformar dramaticamente as interações e meios de subsistência humanos muito depois que a pandemia tiver passado. Porém, embora possam trazer enormes benefícios às sociedades, esses desenvolvimentos também correm o risco de exacerbar e criar desigualdades.
A rápida digitalização das interações humanas e do local de trabalho expandiu o conjunto de habilidades digitais essenciais, incluindo comunicação, segurança cibernética e processamento de informações, comparativamente ao que era anteriormente necessário para utilização da internet. Como poucos têm acesso ao conhecimento e à qualificação digital, são cada vez maiores as diferenças entre os indivíduos no que se refere sua autonomia digital e oportunidades de ganhar a vida nos mercados de trabalho crescentemente digitais.
Esse diferencial está se ampliando entre os países e dentro deles. O aumento desse fosso digital pode enfraquecer mais a coesão social, que já está diminuindo em muitos países, e minar as perspectivas de uma recuperação inclusiva.
Como mostra o gráfico abaixo, o uso da Internet varia de mais de 87% da população em países de alta renda a menos de 17% em países de baixa renda. Além disso, dentro dos países, inclusive daqueles de alta renda, o acesso aos recursos digitais é estratificado por status socioeconômico. Durante a pandemia, no Reino Unido, por exemplo, famílias vulneráveis se viram forçadas a escolher entre subsistência e conectividade.
Tanto nas economias desenvolvidas quanto nas emergentes, a rápida mudança para o trabalho remoto deve render ganhos de produtividade a longo prazo. Porém, sem investimentos em educação básica e em qualificação e requalificação para aumentar a alfabetização digital, existe o risco de criar novas disparidades entre os trabalhadores dos setores do conhecimento e aqueles em setores práticos que não podem trabalhar remotamente e/ou não possuem as habilidades digitais e ferramentas para encontrar outro emprego em áreas como indústria de transformação, varejo e alguns campos da saúde.
Trabalhadores vulneráveis, em particular no setor informal, onde 60% da força de trabalho mundial encontra emprego e cujos meios de subsistência foram duramente atingidos pela crise da Covid-19, provavelmente priorizarão a manutenção do emprego existente ou encontrar rapidamente um novo emprego, em vez de dedicar tempo e dinheiro para treinamento e qualificação profissional.
A ampliação da exclusão digital em todo o mundo aumentará o risco de “crises dos meios de subsistência” e provavelmente exacerbará a “erosão da coesão social”, dois dos riscos de maior probabilidade e maior impacto nos próximos 10 anos, de acordo com o GRPS.
O progresso em direção à inclusão digital é igualmente ameaçado pela tendência de crescente automatização digital, com utilização de algoritmos na tomada de decisões em várias áreas, tais como diagnósticos de problemas de saúde, seja escolha de investimentos, avaliação de desempenho educacional, resolução de disputas legais e monitoramento de produtividade.
De acordo com o WEF, automatizar decisões a partir de algoritmos pode aprofundar os preconceitos e vieses, sobretudo, quando são desenvolvidos a partir de conjuntos de dados históricos distorcidos, prejudicando o bem-estar individual e ampliando fraturas sociais.
As lacunas na regulamentação também podem contribuir para aumentar o fosso digital. De um lado, incentivos políticos e geopolíticos levam os governos a fechar o acesso à internet para controlar o fluxo de informações dentro e fora de suas fronteiras, ou especificamente para excluir plataformas baseadas no estrangeiro. De outro, as regulamentações sobre comércio eletrônico e proteção de dados continuam a ser ultrapassadas pela velocidade da digitalização.
Segundo a WEF, os governos precisam reagir rapidamente para fechar as lacunas regulatórias ante aos novos recursos digitais e à crescente influência da tecnologia sobre as interações humanas para evitar que atores privados monopolizem os bens públicos digitais.
A concentração do poder digital, que ocupa a 4ª posição como ameaça global de curto prazo, representa um sério risco à autonomia digital dos indivíduos e das organizações e deve ser coibida por meio de regulamentação de práticas anticompetitivas nos mercados digitais.
Contudo, os governos devem evitar intervenções, que, com intuito de promover mais concorrência, conduzam à destruição de plataformas importantes, pois isso pode inviabilizar o acesso de empresas menores aos mercados, resultando no aumento da desigualdade digital.
Frustração dos jovens
Os jovens, com idade entre 15 e 24 anos, estão enfrentando sua segunda grande crise mundial. Essa geração duplamente prejudicada entrou na juventude no meio da crise financeira internacional prolongada e agora entra no mundo adulto no início de uma pandemia, que ocasionou uma crise econômica de profundidade inédita desde o pós-Guerra. De acordo com os participantes da GRPS, a “decepção generalizada dos jovens” é um dos principais riscos que se tornará uma ameaça crítica para o mundo nos próximos dois anos.
Desde 2008, o desemprego dos jovens vem aumentando mundialmente. As políticas fiscais adotadas em resposta à recessão econômica ocasionada pela crise financeira internacional levaram a ganhos de prosperidade desiguais entre sociedades e gerações. Aos pacotes de estímulo em grande escala, que foram insuficientes para que as gerações mais jovens recuperassem seu equilíbrio, se seguiram medidas de austeridade que dificultaram o investimento público em educação. Como resultado, muitos jovens permaneceram em empregos precários no setor de serviços, os quais são vulneráveis a grandes choques.
Ademais, a proliferação de esquemas de empregos não tradicionais, originados da “economia de bico” (gig economy), estágios não remunerados ou mal remunerados e o número elevado de jovens no mercado informal forçam os jovens trabalhadores a passar de um emprego de curta duração mal remunerado a outro. Ao mesmo tempo, as distorções do mercado de trabalho reduziram as oportunidades de emprego para jovens adultos qualificados em alguns setores, enquanto outros setores enfrentam uma “crise de habilidades”.
Ainda que as perspectivas para esta geração já tivessem sido reduzidas pela degradação ambiental, sistema educacional desatualizado, aumento da desigualdade de muitos tipos (gênero, intergeracional, econômica e étnica), graus variados de ruptura social associada à transformação tecnológica, os canais da mobilidade social e econômica ficaram ainda mais estreitos com a pandemia da Covid-19.
Durante a primeira onda de confinamento para conter a pandemia, 80% dos alunos ficaram fora da escola em todo mundo, com a suspensão do ensino tradicional em sala de aula. Apesar da adaptação mundial para o ensino remoto via televisão, rádio e internet, devido a diferenças regionais gritantes em capacidade, pelo menos 30% da população estudantil mundial não tinha acesso à tecnologia para participar do ensino à distância, o que agravou as desigualdades entre os jovens e dentro das sociedades.
De igual modo, as respostas políticas à crise da Covid-19 exacerbaram ainda mais a marginalização dos jovens. A economia global despencou no segundo trimestre de 2020, afetando desproporcionalmente a renda dos jovens adultos. Em muitas economias, eles foram os primeiros a perder seus empregos durante o confinamento. Muitos jovens adultos trabalham nos setores mais atingidos pela pandemia, como a indústria de serviços e indústria de transformação, muitas vezes com contratos de meio período ou temporários com proteção limitada ao emprego.
Assim as perspectivas de emprego de jovens adultos que já estavam sendo desafiadas pela automação, bem como pela irrupção da Quarta Revolução Industrial, pioraram ainda mais com as oportunidades de educação interrompidas e as perdas de empregos. De acordo com o WEF, o desemprego dos jovens pode aumentar em todas as regiões, visto que se espera que a reestruturação setorial e as mudanças nos hábitos de consumo desencadeiem demissões em massa.
Mesmo os empregos de baixa remuneração, que poderiam fornecer uma rede de segurança para os jovens trabalhadores em início de carreira, também deverão diminuir com o avanço da automação. Ao mesmo tempo, em que são exigidas dos trabalhadores mais habilidades do que há uma década atrás.
As consequências de mercados de trabalho em rápida mudança tornam os jovens mais vulneráveis, aumentando a possibilidade carreiras instáveis e perspectivas limitadas de promoção. Isso pode levar a um risco maior de perda de benefícios de segurança social, proteção de emprego e oportunidades de requalificação.
Ademais, os jovens estudantes deverão enfrentar maiores dívidas à medida que os empréstimos estudantis continuam a atingir níveis recordes, e os graduados que entram no mercado de trabalho em meio a uma crise econômica têm maior probabilidade de ganhar menos do que seus pares.
O WEF alerta que a falta de oportunidades para futura participação econômica, social e política dos jovens pode ter consequências globais duradouras. As limitadas perspectivas econômicas e educacionais tendem a exacerbar as frustrações dos jovens, que, desde a última década, vem se tornando cada vez mais vocais nas ruas e no ciberespaço.
A preocupação dos jovens com questões-chave como dificuldades econômicas, desigualdade intergeracional persistente, falha na governança e corrupção desenfreada, ainda que inspiradora, expressa raiva, desapontamento e pessimismo, segundo a pesquisa da WEF.
É grande o risco que esse descontentamento possa ser explorado por atores reacionários. Nos países em desenvolvimento, o crime organizado, grupos extremistas e recrutadores para conflitos armados podem se aproveitar de um grupo de jovens mais vulneráveis que lidam com oportunidades de emprego reduzidas. Nas economias desenvolvidas, a solidão com o confinamento prolongado e o estresse relacionado à perda de emprego, que resultam em taxas mais altas de depressão, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático (PTSD), podem tornar os jovens mais suscetíveis a ideias atraentes, mas que dividem a sociedade.
Os movimentos jovens mais radicais podem ampliar as tensões intergeracionais e aprofundar a fragmentação social. A “erosão da coesão social” agravada pela “decepção dos jovens”, representa uma ameaça potencial às instituições nacionais frágeis, podendo até mesmo desestabilizar completamente os sistemas políticos e econômicos.
Na avaliação do WEF, será preciso atender diretamente às necessidades dos jovens e minimizar o risco de uma geração perdida. Investimento na melhoria dos setores de educação e na qualificação e requalificação, a implementação de esquemas de proteção social adequados, a eliminação da lacuna de gênero e a luta contra as cicatrizes de saúde mental devem estar no centro do processo de recuperação no pós-pandemia da Covid-19.
Além disso, é preciso garantir que os jovens tenham voz na recuperação global para evitar o risco de que sistemas sociais e econômicos inteiros serem rejeitados por esta geração. O WEF defende a ideia de que aqueles que estão no poder devem liderar um esforço global para abrir caminhos para que os jovens adquiram as ferramentas, habilidades e direitos necessários para um mundo pós-pandemia mais sustentável.
Novos Desafios para o Mundo dos Negócios
À medida que as economias emergem do choque da Covid-19 e dos pacotes de estímulo financeiros, as empresas tendem a enfrentar um novo abalo. A crise impulsionou tendências existentes, tais como agendas com foco nacional para conter perdas econômicas, transformação tecnológica e mudanças na estrutura social, incluindo comportamentos do consumidor, a natureza do trabalho e o papel da tecnologia no trabalho e em casa.
Enquanto procuram evitar os efeitos da pandemia, os ecossistemas de negócios em muitos países estão enfrentando os riscos de “torpor regressivo esclerosado ou destruição criativa acelerada”. As pressões econômicas, tecnológicas e de reputação do momento presente trazem o risco de uma reorganização desordenada, ameaçando criar uma grande coorte de trabalhadores e empresas que ficarão para trás nos mercados do futuro.
Uma reorganização desordenada precipitaria a ameaça de estagnação econômica prolongada nas economias avançadas e a perda de potencial nos mercados emergentes e em desenvolvimento. Tais desenvolvimentos causariam a ampliação da divisão entre as empresas de grande e menor porte e o colapso de milhões de pequenas empresas, gerando ainda mais desigualdade e desgaste dos imperativos de desenvolvimento sustentável mundial de longo prazo.
Nos países que estão começando a sair da emergência imediata, os governos estão enfrentando uma tensão entre o compromisso de apoio fiscal imediato para empresas vulneráveis e de manutenção dos meios de subsistência.
Ao mesmo tempo em que devem enfrentar as deficiências estruturais pré-Covid-19 e criar novas oportunidades que são fundamentais para a coesão social e a viabilidade de suas populações, os governos procuram manter a estabilidade financeira e reduzir a pressão sobre as reservas e moeda, para permitir uma recuperação econômica sustentável.
Além de encorajar as MPMEs a fazer investimentos estratégicos para sua operação futura eficiente, os governos devem fornecer suporte para a busca de mercados alternativos, subvenções condicionadas, apoio para treinamento, reorganização e digitalização e programas específicos para startups. Sem esse empurrão, as empresas podem sofrer paralisia futura ou colapso devido às obrigações de dívida, segundo o WEF.
Embora o contexto de juros baixos e alto estímulo esteja permitindo que muitas empresas resistam à pandemia global, sustentar grandes empresas “zumbis” na fase de recuperação traz o risco de, ao privar outras empresas de talentos e capital em potencial, reduzir a produtividade econômica no longo prazo. A gestão da dívida pública crescente, especialmente nas economias avançadas, depende destes frágeis ganhos de produtividade.
A sustentação de empresas com baixo desempenho deixa as contas nacionais e os cidadãos com poucas oportunidades de recuperar qualquer benefício do resgate de empresas privadas, especialmente no contexto de regimes fiscais corporativos globalmente inconsistentes. Sob tais circunstâncias, as lições da crise financeira de 2008-2009 sugerem que as grandes empresas que se beneficiam desses programas de bem-estar corporativo, enquanto seguem recompensando executivos e acionistas, provavelmente sofrerão reações políticas e sociais após a crise, e também deverão enfrentar futuras respostas regulatórias.
O WEF destaca que o ambiente de negócios global pode se tornar mais oneroso e incerto como resultado de tendências protecionistas ampliadas e o enfraquecimento do multilateralismo, à medida que alguns Estados se voltam cada vez mais para dentro em uma tentativa de fortalecer a autossuficiência e proteger empregos domésticos.
Em algumas economias, as empresas que operam em setores críticos para a resiliência nacional podem enfrentar propostas de desapropriação, nacionalização ou aumento da participação do governo. Em outros setores, as empresas podem ser incentivadas ou coagidas a internalizar cadeias de suprimentos e a trazer empregos de volta.
À medida que a agenda de segurança nacional e as tensões geopolíticas se intensificam, algumas empresas globais também enfrentam maiores desafios no acesso a mercados estrangeiros. Proibições de aplicativos de comunicação e uma nova onda de sanções emitidas pelas duas maiores economias, os Estados Unidos e a China, sublinham as consequências do protecionismo. Com o aprofundamento das preocupações geopolíticas em relação à privacidade de dados, à corrida pelo 5G e à atividade de fusões e aquisições (M&A), as grandes empresas precisarão enfrentar uma política contínua de interferência em relação à propriedade, questões éticas, estratégias de investimento e direitos de propriedade intelectual.
Os confinamentos adotados contra o avanço da Covid-19 aceleraram a hibridização digital-física possibilitada pela Quarta Revolução Industrial. Anos de planos de transformação digital foram implementados em semanas. Para os gigantes da tecnologia, esta tem sido uma grande oportunidade. No início de janeiro de 2021, as cinco maiores empresas de tecnologia digitais do mundo representavam 23% do S&P 500 por capitalização de mercado, um aumento de 4,6% em relação ao final de janeiro de 2020.
Enquanto outros setores lutam para superar os impactos da crise, os grandes players de tecnologia digital provavelmente emergirão da pandemia com fontes de receita mais fortes e diversificadas e maior poder de investimento. As barreiras à entrada no mercado digital provavelmente aumentarão em um ritmo ainda mais rápido. A recuperação também dará um novo impulso à aquisição de startups por grandes empresas de tecnologia, bem como sua expansão para outros setores, como varejo, saúde, transporte e logística.
Ainda não está claro se os governos e a sociedade irão tolerar o domínio crescente de um pequeno número de grandes jogadores, com receitas maiores do que a da maioria dos países, que são capazes de evitar desafios legais e expandir sua influência nas indústrias e nas agendas governamentais. Os participantes do GRPS apontaram a “a concentração do poder digital” e a “falha de governança de tecnologia” como dois dos principais riscos críticos no horizonte de curto e médio prazo.
Os legisladores agora também têm mais incentivos para aumentar o escrutínio, com preocupações crescentes sobre questões antitruste, danos digitais, desinformação e implicações de propriedade estrangeira para a segurança nacional e privacidade de dados. Eles poderiam optar por uma regulamentação mais rígida - ou mesmo tentar separar essas empresas - em uma tentativa de melhorar a fiscalização e fortalecer a concorrência, visando beneficiar a inovação e os consumidores.
Segundo o WEF, a pandemia da Covid-19 revelou as desigualdades sistêmicas em economias de todos os níveis de riqueza. Consumidores e funcionários estão agora examinando os valores corporativos com mais intensidade. As sociedades tornaram-se mais céticas quanto à relação entre empresas e governos, especialmente no que diz respeito à probidade de contratação e terceirização.
Cada vez mais está sendo questionada a noção de que os negócios têm impactos positivos para a sociedade. Pesquisa realizada em 2020 pela Edelman Trust Barometer revelou que apenas um terço dos entrevistados acredita que as empresas fazem um bom trabalho de parceria com organizações não governamentais (ONGs) ou governos.
Embora os desafios imediatos do emprego possam desviar temporariamente a atenção do público de práticas de negócios antiéticas, o suborno e a corrupção provavelmente continuarão a preocupar os cidadãos em muitas economias. Nas economias avançadas estão aumentando os litígios contra empresas em tópicos como risco climático. Além disso, em muitos países tem ocorrido protestos populares significativos contra as empresas.
O WEF ressalta que à medida que mudam a ênfase da estabilidade econômica para a meta de reconstruir melhor, há espaço para catalisar uma recuperação criativa, inclusiva e verde que ofereça amplos benefícios à sociedade, atendendo aos imperativos do Acordo de Paris e da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.
Embora esta forma de recuperação possa exigir que a próxima onda de apoio fiscal seja mais condicional do que o apoio que tem sido visto até agora, também cabe às empresas em todos os setores e de todos os tamanhos garantir que a sustentabilidade seja um pilar fundamental de sua recuperação e novo posicionamento.
Diante desse cenário, novas parcerias podem ser estabelecidas. Sob as estruturas de governança corretas, especialmente no domínio da privacidade de dados, as grandes empresas de tecnologia podem trabalhar com os governos para fortalecer a resiliência, aumentar a eficiência e bem como para fornecer novos serviços direcionados, por exemplo, produtos financeiros acessíveis para grupos desfavorecidos.