Carta IEDI
A crise de 2020 no Brasil e projeções para 2021
O PIB total do Brasil recuou -4,1% em 2020, segundo os dados do IBGE. Foi um resultado pior do que aqueles de 2015 e 2016, quando o país passou por uma das crises mais graves de sua história recente, mas não chegou a ser tão devastador quanto se previa nos meses iniciais do surto de Covid-19.
Cabe lembrar que o FMI chegou a prever em jun/20 que o PIB brasileiro encolheria -9,1%. Conseguimos cair menos da metade disso. Tamanha amenização deveu-se ao conjunto de medidas emergenciais de combate aos efeitos econômicos da pandemia adotadas pelo Brasil, mas também por outros importantes países, fazendo com que o PIB mundial e o comércio internacional também não recuassem tanto.
Se as ações emergenciais trouxeram algum alívio para a crise econômica brasileira em 2020, o outro lado da moeda é que o término dos programas em 2021 coloca em risco a continuidade da recuperação, especialmente diante do aumento dos casos de Covid-19, das incertezas em relação à vacinação, de medidas mais restritivas à mobilidade das pessoas e às atividades econômicas e ao desemprego em patamares recordes.
Tanto é que as projeções coletadas pelo Boletim Focus do Banco Central para o PIB brasileiro em 2021 têm apresentado continuada redução desde o final de janeiro último, passando de +3,5% em 29/01/21 para +3,26% em 05/03/21. Os efeitos das novas medidas restritivas adotadas no início de março podem não estar plenamente incorporadas nestas expectativas.
Em 2020, a reação nos dois últimos trimestres do ano levou o PIB brasileiro a assinalar crescimento de +7,7% no 3º trim/20 e de +3,2% no 4º trim/20 na série com ajuste sazonal, com contribuição importante do binômio investimento-indústria.
A reação da indústria de transformação ajudou à retomada dos serviços de transporte e veio acompanhada, pelo lado da demanda, da reação do investimento. Esta expansão, contudo, não foi forte o suficiente para salvar o resultado de 2020. Os principais resultados do PIB de 2020 são destacados a seguir.
Pela ótica da produção, dois dos três grandes setores da economia sofreram retração em 2020 como um todo:
• A agropecuária foi o único a crescer no ano: +2,0%. Na comparação entre trimestre e igual trimestre do ano anterior, logrou expansão nos três primeiros, com destaque para os do primeiro semestre. Na passagem de julho-setembro para outubro-dezembro, pela série livre de sazonalidade, taxa foi de -0,5%.
• Os serviços sofreram retração a maior, de -4,5%, mesmo com o crescimento nos dois últimos trimestres na comparação com trimestres imediatamente anteriores (série dessazonalizada): na passagem do segundo para o terceiro, expansão de +6,4%, e do terceiro para o quarto, de +2,7%, após forte recuo nos dois períodos anteriores. Na comparação com igual trimestre do ano anterior, todos sofreram queda.
• A indústria experimentou queda de -3,5% em 2020, em decorrência principalmente do segundo trimestre. No contraponto entre o 4º trim/20 e o 4º trim/19, cresceu +1,2%, após taxas negativas nos demais trimestres do ano. Na passagem do segundo para o terceiro trimestre e do terceiro para o quarto trimestre (dados dessazonalizados), logrou crescimento de +15,4% e de +1,9%, respectivamente, após forte recuo nos dois períodos anteriores.
• Ainda no tocante à indústria, sua retração em 2020 se deveu ao recuo de -4,3% da indústria de transformação e à queda de -7,0% da construção. Já a extração mineral cresceu +1,3% em 2020. Vale ressaltar que a indústria de transformação, apesar do forte declínio no ano, deu sinais de recuperação na segunda metade do ano, chegando a crescer +5% no contraponto do 4º trim/20 com o 4º trim/19.
Pela ótica da despesa, a queda do produto agregado está associada sobretudo à retração no consumo das famílias, em que pese o recuo também dos demais componentes.
• O consumo das famílias retrocedeu -5,5%, em 2020, mesmo com a injeção do auxílio emergencial para amenizar os impactos adversos das medidas de distanciamento social para o combate da pandemia.
• O consumo do governo declinou -4,7%, enquanto as exportações de bens e serviços retrocederam -1,8%, tendo já diminuído em 2019. As importações caíram -10,0%;
• A formação bruta de capital fixo (FBCF) teve diminuição de -0,8% no ano pandêmico. Cumpre notar que, em linha com o desempenho industrial, o investimento fixo cresceu +13,5% no 4º trim/20 frente a igual período de 2019.
Visão geral do PIB
A economia brasileira encolheu 4,1% em 2020, com o quarto trimestre registrando expansão frente a julho-setembro (série livre de sazonalidade). Dessa maneira, o PIB per capita do Brasil sofreu retração de 4,8%, desempenho aquém do registrado nos dois anos anteriores.
• Pela série livre de sazonalidade, no quarto trimestre de 2020, o PIB cresceu 3,2% em relação ao terceiro trimestre, o segundo período seguido de incremento após as contundentes retrações dos dois trimestres iniciais, quando se concentraram os efeitos da pandemia da covid-19;
• Na comparação entre outubro-dezembro último com igual período de 2019, a retração foi de 1,1%, completando quatro trimestres consecutivos de declínio do produto agregado;
• A retração de 4,1% em 2010 decorreu tanto da queda de 3,9% no valor adicionado bruto, quanto do recuo de 4,9% nos impostos líquidos sobre produtos.
Consumo das famílias e o investimento
Pela série dessazonalizada, trimestre a trimestre, o Brasil encerrou 2020 com taxas positivas nos dois últimos, após as fortes retrações dos dois trimestres iniciais do ano. Na passagem de julho-setembro para outubro-dezembro, o PIB cresceu 3,2%. Tal variação contou com o aumento de 3,4% no consumo das famílias, de 1,1% no consumo do governo. Mas o destaque positivo coube à formação bruta de capital fixo (FBCF), com expansão de 20,0%. As exportações de bens e serviços, por outro lado, recuaram 1,4%, enquanto as importações aumentaram 22,0%.
Porém tal desempenho em outubro-dezembro vis-à-vis o trimestre imediatamente anterior não foi o suficiente para recuperar os resultados nas demais bases de comparação. O PIB caiu em todos os trimestres de 2020 no confronto com seus equivalentes do ano anterior. No contraponto entre quartos trimestres, o PIB retrocedeu 1,1%, queda puxada pelo consumo das famílias, declínio de 3,0%, e pelo consumo do governo, recuo de 4,1%. A FBCF arrefeceu a retração do produto agregado, ao crescer 13,5%. As exportações, todavia, diminuíram 4,3%, com as importações caindo 3,1%.
Desse modo, O PIB brasileiro sofreu retração de 4,1% em 2020. Pelo acumulado do ano, todos os trimestres presenciaram queda no produto agregado, enquanto, pelo acumulado de quatro trimestres, apenas o do primeiro trimestre de 2020 registrou taxa positiva, decorrência dos números de 2019.
No ano como um todo, a retração decorreu sobretudo do declínio de 5,5% no consumo das famílias. O consumo do governo retrocedeu 4,7%. A FBCF foi o componente do PIB pela ótica da demanda que menos retrocedeu, variação de -0,8%. As exportações diminuíram 1,8%, enquanto as importações retrocederam 10,0%, refletindo o comportamento dos gastos das famílias.
Em que pese a FBCF ter se retraído, como a pandemia afetou mais contundentemente os demais componentes do produto agregado pela ótica da demanda, a taxa de investimento fixo cresceu em relação ao ano anterior pela terceira vez seguida, atingindo 16,4% do PIB. Ressalte-se que esta taxa se encontrava em 20,9% em 2013, quando começou a cair vertiginosamente. Ou seja, embora maior do que nos quatro anos anteriores, encontra-se aquém da taxa de investimento fixo dos demais anos de 2000 em diante.
Embora os sinais de recuperação observados em 2017 tenham se configurado em mais investimentos no biênio subsequente, concorrendo para a as taxas positivas do PIB, a produção já se mostrava claudicante, com a recuperação lenta, mesmo antes da pandemia. O incremento da taxa de investimento fixo em 2020, assim, deve ser tomado dentre das particularidades de um ano pandêmico.
O desempenho por setor
Como antes mencionado, a retração de 4,1% do PIB a preços de mercado foi puxada tanto pela queda de 3,9% no valor adicionado (VA), quanto pelo retrocesso de 4,9% nos impostos líquidos sobre produtos. A retração do VA foi puxada pela indústria e principalmente pelos serviços.
Pelos dados dessazonalizados, a taxa positiva no quarto trimestre vis-à-vis o trimestre imediatamente anterior, incremento de 3,2% do PIB e de 2,8% do VA, teve à frente os serviços, variação de 2,7%. A indústria também cresceu, 1,9%, nessa base comparativa. Já a agropecuária recuou 0,5%.
No confronto entre o último trimestre de 2020 e seu equivalente do ano anterior, o valor adicionado decresceu 1,4%. Novamente os serviços se sobressaíram, declinando 2,2%. A indústria retrocedeu 1,2%, enquanto a agropecuária teve queda de 0,4%.
Já ao se contrapor 2020 e o ano anterior, os serviços retrocederam 4,5%, enquanto a indústria encolheu 3,5%. Somente a agropecuária logrou expansão, de cresceram à mesma taxa, 1,3%. A indústria, a seu turno, conseguiu crescer 0,5%, performance equivalente à de 2018.
A indústria em detalhe
Atendo-se à indústria, na passagem de julho-setembro para outubro-dezembro pelos dados dessazonalizados, seu valor adicionado aumentou 1,9%. Tal acréscimo decorreu do desempenho da indústria de transformação, com expansão de 4,9%.
A indústria como um todo seguiu o comportamento da indústria de transformação em 2020 nessa base de comparação: crescimento nos dois últimos trimestres, antecedido de retrações de monta nos dois iniciais. A indústria extrativa sofreu o maior declínio, queda de 4,7%. A construção teve retração de 0,4%, enquanto a produção e distribuição de eletricidade, gás e água (serviços industriais de utilidade pública – SIUP) declinou 1,2%.
Comparando último quarto de 2020 e o mesmo período do ano anterior, o aumento de 1,2% do VA industrial também teve à frente a indústria de transformação à frente, 5,0%. Os SIUP também cresceram nessa base comparativa, 1,5%. A extração mineral e a construção, a seu turno, experimentaram retração de 6,7% e de 4,8%, respectivamente.
No acumulado do ano, como antes visto, o setor industrial retrocedeu 3,5%. Nessa base de comparação, a indústria de transformação (-4,3%) e a construção (-7,0%) responderam pela retração de 2020. Os SIUP também sofreram recuo, mas de menor monta, variação de -0,4%. A extração mineral, por sua vez, logrou expansão de 1,3%.
O Brasil frente a outras economias – o desempenho de 2020
Conforme estimativas do FMI, a economia mundial retrocedeu 3,5% em 2020, como decorrência da pandemia da covid-19. A retração do Brasil em 2020 foi maior, como visto, mesmo com as taxas positivas trimestre a trimestre na segunda metade do ano. Frisa-se que a economia brasileira vinha crescendo muito timidamente nos anos anteriores, após a crise de 2015-2016. Isto posto, vale comparar o desempenho do produto agregado do Brasil com o de outros países.
O contraponto frente a países membros da OCDE pela variação trimestre contra trimestre imediatamente anterior (dados dessazonalizados) salienta um padrão apresentado por outros países. Recuperação nos dois últimos trimestres após quedas no segundo e no primeiro trimestre. Como visto, o PIB brasileiro cresceu 3,2%, tendo se expandido 7,7% em julho-setembro, após retrações de 2,1% e de 9,2% nos dois períodos anteriores.
Dentre os países americanos da OCDE apresentados no gráfico, Canadá e EUA registraram os mesmos sinais desde o quarto trimestre 2019. O México logrou até taxas maiores nos dois últimos trimestres de 2020, mas vinha de três períodos seguidos de contração.
Coreia do Sul e Japão tiveram crescimento menos contundente no terceiro e no quarto trimestre, mas com menor redução da atividade econômica nos períodos anteriores, decorrência do aprendizado e preparo ante epidemias anteriores no continente asiático.
Já a Itália e a França chamam a atenção pela recuperação em julho-setembro, mas seguida de retração no trimestre derradeiro de 2020, possivelmente já em resposta à configuração da segunda onda da covid-19
Passando para o investimento fixo, após o forte revés no segundo trimestre, o Brasil logrou crescimento de dois dígitos nos trimestres subsequentes. Países como Canadá, França, Itália e Reino Unido experimentaram recuperação contundente no terceiro trimestre, na ordem de dois dígitos. Os EUA e a Alemanha observaram aumento no investimento fixo de menor monta, mas antecedidos por retrações menos agudas.
O Brasil frente a outras economias – projeções 2021 e 2022
As expectativas de mercado para a economia brasileira, apuradas no relatório Focus do Banco Central em 05/03/2021 e publicadas em 08/03/2021, eram de incremento de 3,26% em 2021 e de 2,48% em 2022.
Cumpre observar que algumas das projeções menos recentes, da OCDE, de dezembro, e da ONU (publicada no World Economic & Social Prospects), de janeiro, já eram menos otimistas que as constantes do citado relatório Focus. No caso da atualização de janeiro último do World Economic Outlook do FMI, estas trazem também projeções para outros países, além de estimativas para 2020. No cenário vigente, é provável que tais projeções sejam revisadas.
Considerando, mais do que as projeções, as estimativas de PIB para 2020 merecem escrutínio maior. Observa-se que a retração brasileira de 4,1% em 2020 foi menos aguda que a registrada por economias avançadas, em especial as europeias, em parte por terem sofrido antes os efeitos da pandemia, com a segunda onda começando antes, e pelos esforços em termos de medidas de distanciamento social combinadas à vacinação para superar o quanto antes a situação.
Por outro lado, o conjunto dos países emergentes ou em desenvolvimento, mais equiparáveis ao Brasil, tiveram queda menor (-2,4%), embora a América Latina e Caribe apresente retração ainda maior que a brasileira (-7,4%). Essa diferença de performance pode ser atribuída principalmente ao fato do grupo de países emergentes e em desenvolvimento da Ásia ter sofrido declínio menor, de 1,1%.
Esse último ponto pode ser esmiuçado no bojo dos BRICS, uma vez que a China, a partir de onde a pandemia se disseminou, logrou crescimento ainda em 2020, de 2,3%. A Índia, por sua vez, sofreu retração maior que a brasileira, embora com maiores perspectivas de recuperação no biênio subsequente.
Fora do continente asiático, a África do Sul também sentiu mais que o Brasil os efeitos econômicos da covid-19. Já a Rússia também sofreu retração, porém menos aguda que a desses países e com maior expansão projetada para 2021 e 2022.
Os descaminhos no enfrentamento da pandemia, além de outros impasses, não vem propiciando a formação de horizonte para a iniciativa privada no Brasil.
Ainda que a indústria, em especial a de transformação, tenha puxado o desempenho brasileiro no final de 2020, tal movimento é insuficiente para sustentar a expansão nacional tendo em vista que o segmento já vinha de situação adversa e não houve melhorias no ambiente de negócios, a exemplo de uma reforma tributária que pelo menos simplificasse a estrutura tributária. Com o descaso frente à pandemia, incluindo o atraso na aquisição de vacinas, a situação tende a se deteriorar.