Carta IEDI
Transformação digital no Brasil: desafios e avanços recentes
A Carta IEDI de hoje retoma o estudo A Caminho da Era Digital no Brasil, realizado pela OCDE e divulgado no final do ano passado, abordando os principais pontos dos capítulos “Promovendo a Transformação Digital da Economia Brasileira” e “Políticas para a Transformação Digital”. Outros aspectos do relatório já foram tratados pelo IEDI na Carta n. 1062.
O primeiro destes capítulos examina os impactos, potencialidades e obstáculos das tecnologias digitais emergentes, como a Internet das Coisa (IoT), nos setores do agronegócio, indústria de transformação, serviços financeiros e de saúde, bem como traz sugestões de políticas para esses setores. Já no segundo capítulo, a OCDE apresenta as suas recomendações para uma abordagem integrada das políticas governamentais, de modo a assegurar que sejam coerentes e coesas com as políticas para a transformação digital.
Na avaliação da OCDE, há no Brasil um potencial inexplorado para as tecnologias digitais, que podem contribuir para ganhos de produtividade, aumento da eficiência, redução de custo e maior sustentabilidade ambiental. Porém, a difusão e adoção dessas novas tecnologias esbarram, entre outros obstáculos, no complexo e disfuncional sistema tributário, na proteção contra a concorrência estrangeira e no acesso limitado das pequenas empresas com alto potencial inovador ao crédito.
Pelo menos em parte, a tributação é responsável pelo alto custo de desenvolvimento da IoT no Brasil. Além das tarifas elevadas de importação que incidem sobre produtos estrangeiros de tecnologia de informação e comunicação (TIC), no regime fiscal do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (FISTEL), duas taxas diferentes são aplicadas à instalação (TFI) e ao funcionamento (TFF) dos equipamentos de telecomunicações, incluindo cartões SIM máquina a máquina (M2M), sensores ou estações de base.
Segundo o estudo, o Brasil tem adotado várias iniciativas abrangentes com vistas à promoção da transformação digital em áreas tais como agricultura, indústria e serviços, com foco em novos modelos de negócios orientados a dados. São os casos da Estratégia Brasileira para a Transformação Digital (E-Digital), lançada em mar/18, e do Plano Nacional de Internet das Coisas, formalizado em jun/19, em cujo âmbito foram criadas a Câmara do Agro 4.0, Câmara Brasileira da Indústria 4.0 e a Câmara da Saúde 4.0.
Não obstante os progressos alcançados, para a OCDE são necessárias outras medidas de política pública nos setores de agronegócio, indústria, fintechs e cibermedicina.
Para o setor de agronegócios, as principais recomendações da OCDE são: promover uma rede nacional de inovação e uma plataforma de teste para o agronegócio; desenvolver um marco inclusivo para a governança de dados agrícolas; alinhar o Plano Nacional de Internet das Coisas com a Agenda Estratégica do Setor de Agricultura de Precisão.
No caso da indústria, entre outras ações, a OCDE sugere: ampliar o acesso a tecnologias disponíveis no mercado internacional; reduzir a incerteza tributária para novos modelos de negócios ativados digitalmente; fortalecer os mecanismos de governança e coordenação das políticas da Indústria 4.0.
Já para o setor de serviços financeiros digitais, as principais recomendações são: criar condições igualitárias para novas instituições de pagamento; promover a concorrência no mercado de crédito; melhorar a coordenação entre os reguladores financeiros e promover sandboxes regulatórios.
No caso da cibermedicina, ainda mais relevante no contexto de Covid-19, a OCDE sugere: validar e ampliar o programa de cibermedicina do Brasil, o Conecte SUS, em todas as regiões do país; melhorar a interoperabilidade e a coordenação entre os sistemas de saúde públicos e privados; atualizar o marco regulatório para proteção de dados de saúde e segurança da informação.
Para assegurar uma abordagem integral do governo, que seja coerente e coesa com as políticas para a transformação digital, a OCDE defende que o Brasil fortaleça os mecanismos de coordenação e amplie os recursos para a Estratégia E-digital. Isso pode ser alcançado com reforço do papel do Comitê Interministerial para a Transformação Digital (CITDigital), criado em mar/18, e uma dotação orçamentária específica que destine recursos novos aos programas voltados às tecnologias de informação e comunicação.
Introdução
A transformação digital em curso está acarretando o surgimento de novos modelos de negócios e a reformulação de negócios já existentes ao propiciar a utilização e análise de dados na criação de valor. No Brasil, em muitas áreas já se observa a transformação dos modelos de negócios e a convergência entre setores.
A Carta IEDI de hoje retoma o estudo A caminho da era digital no Brasil (disponível em https://doi.org/10.1787/45a84b29-pt), realizado pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), abordando os principais pontos dos capítulos “Promovendo a Transformação Digital da Economia Brasileira” e “Políticas para a Transformação Digital”.
O primeiro destes capítulos examina os impactos e potencialidades das tecnologias emergentes, como a Internet das Coisa (IoT) nos setores do agronegócio, indústria de transformação, serviços financeiros e saúde, e propõe políticas voltadas à superação dos obstáculos identificados em cada um dos setores.
Já o segundo capítulo traz as recomendações da OCDE para uma abordagem integrada das políticas governamentais, de modo a assegurar que sejam coerentes e coesas com as políticas para a transformação digital.
O Potencial da Agricultura de Precisão
Nas últimas décadas, a agricultura brasileira registrou aumentos significativos em produtividade. Entre 2000 e 2016, a participação do Brasil no valor total das exportações mundiais aumentou de 3,2% para 5,7%, tornando o país o terceiro maior exportador agrícola do mundo, atrás apenas da União Europeia (UE) e dos Estados Unidos.
O estudo da OCDE destaca que grande parte do sucesso do setor agrícola brasileiro pode ser atribuído ao ecossistema sólido de inovação, liderado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), do qual participam instituições acadêmicas de alta qualidade, como a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ).
Por meio do laboratório virtual da Embrapa, o LABEX, esse ecossistema interage cada vez mais com parceiros internacionais mediante programas de cooperação científica e tecnológica com outros países, com a participação do setor privado, incluindo startups.
Avanços na agricultura de precisão, ou seja, a aplicação da tecnologia para aprimorar a gestão dos sistemas agrícolas, prometem ganhos ainda maiores em termos de produtividade e redução de custos.
Segundo algumas estimativas, em 2018, os investimentos do setor agrícola brasileiro em soluções de Internet das Coisas (IoT), considerada uma importante tecnologia de capacitação em agricultura de precisão, foram da ordem de R$ 210 milhões (US$ 57,5 milhões). Para o triênio 2019-2021, espera-se que disseminação de aplicativos de IoT para o agronegócio aumente ainda mais, com uma taxa média de 40% ao ano, envolvendo investimentos adicionais de estimados R$ 1,3 bilhões (US$ 330,8 milhões).
Um exemplo ressaltado no estudo da OCDE é o do grupo SLC Agrícola (SLC), um dos maiores produtores de algodão, soja e milho do Brasil. O SLC está utilizando imagens de satélite, sensores digitais e drones para monitorar as plantações. O aprendizado com análise dos dados é aplicado para melhorar a eficiência no uso dos insumos, incluindo fertilizantes, produtos químicos, água e sementes.
Na avaliação da OCDE, apesar do forte dinamismo no agronegócio brasileiro e do crescente papel do setor privado na inovação agrícola, ainda há muito potencial inexplorado. Os principais gargalos identificados são:
• Ambiente de negócios altamente complexo e a tributação limitam a inovação dentro das empresas e das startups. Situação que é agravada pela falta de capital de investimento, falta de flexibilidade de gestão e falta de mão de obra qualificada.
• Infraestrutura deficiente que, ao diminuir a margem de lucro dos produtores agrícolas, limita os recursos financeiros disponíveis para o investimento em inovações.
• Sinergias de inovação que podem ser ampliadas mediante melhor cooperação entre os atores públicos, acadêmicos e privados.
• Alto custo dos sensores e a falta de conectividade nas áreas rurais limitam a adoção mais ampla das tecnologias digitais na agricultura.
De acordo com o estudo, atualmente, menos de 5% da área agrícola do país está atualmente conectada à Internet. Embora, em princípio, uma conexão via satélite seja viável na maioria das áreas rurais, os custos deste tipo de conexão podem ser inviáveis, especialmente para pequenos e médios agricultores.
Porém, mesmo para os maiores e mais avançados produtores agrícolas, o custo elevado dos sensores e da conectividade e/ou sua falta em áreas remotas são vistas como importantes obstáculos à aplicação mais ampla das tecnologias digitais, incluindo a IoT, na agricultura brasileira.
O alto custo de desenvolvimento da IoT no Brasil é pelo, menos em parte, resultado da tributação. Segundo a OCDE, no regime fiscal do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (FISTEL), duas taxas diferentes são atualmente aplicadas à instalação (TFI) e ao funcionamento (TFF) dos equipamentos de telecomunicações, incluindo cartões SIM máquina a máquina (M2M), sensores ou estações de base. Projeto de Lei aprovado, em setembro de 2019, na Câmara dos Deputados, que reduz a zero esses dois tributos para cartões SIM M2M, ainda aguardava a aprovação do Senado.
Tecnologias digitais e sustentabilidade da produção agropecuária
As atividades agropecuárias são responsáveis por um quarto do total de emissões de gases de efeito estufa (GEE) em todo o mundo. Na opinião da OCDE, as tecnologias digitais podem ser utilizadas para melhorar a sustentabilidade da produção agropecuária.
Nos últimos anos, o Brasil conseguiu reduzir as emissões de GEE ao conter o desmatamento. Porém, entre a agosto de 2018 e julho de 2019, o desmatamento, em particular da floresta amazônica, voltou a crescer significativamente.
Segundo a OCDE, embora o combate ao desmatamento ilegal da floresta tropical continue sendo uma prioridade para reduzir as emissões de GEE em cerca de um terço das emissões de 2018, como previsto no Acordo de Paris, as tecnologias digitais também podem ser um instrumento poderoso. Ao combinar a análise de dados com as máquinas de agricultura de precisão, as novas tecnologias tornam a agricultura mais eficiente.
Uma das áreas em que o Brasil tem um grande potencial para reduzir os GEEs é na produção de carne bovina, uma das principais fontes de emissão na América Latina e Caribe. No Brasil, as emissões diretas da agropecuária vêm aumentando, quase que exclusivamente, devido à expansão de rebanhos de gado bovino.
O estudo destaca que os sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), componente-chave do plano de agricultura de baixa emissão de carbono (Plano ABC) lançado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária em 2010, foram propostos como um modo promissor de reduzir as emissões de GEE e superar os efeitos ambientais deletérios de décadas de monocultura.
Além de aumentar a produtividade, essa estratégia de integrar diferentes sistemas de atividade agrícola, incluindo a pecuária, dentro de uma mesma área, por meio de cultivo consorciado, rotação de culturas ou sucessão, ajuda a melhorar os ciclos biológicos de plantas e animais, insumos e resíduos, reduzindo a pressão ambiental e a emissão de GEEs, e possibilitando o uso da terra durante o ano todo.
A adoção das práticas de agricultura com soluções ambientais inteligentes enfrenta alguns obstáculos, especialmente, entre os agricultores familiares. Entre estes se destacam, a falta de compreensão das tecnologias oferecidas, a falta de habilidade na gestão de cultivo, a insuficiência de treinamento e assistência técnica, bem como os altos custos iniciais para a adoção da tecnologia.
Na avaliação da OCDE, a transformação digital pode aliviar muitas dessas limitações de forma significativa, potencialmente fornecendo um impulso considerável para a ILPF e outras técnicas de agricultura com soluções ambientais inteligentes. Os sistemas de gerenciamento de informações dos sistemas de ILPF, baseados na IoT, no processamento de dados autônomos e na automação inteligente estão, atualmente, sendo desenvolvidos e aplicados em vários países.
No Brasil, no seguimento do Plano Nacional de Internet das Coisas, o BNDES está apoiando projetos-pilotos de aplicação de tecnologias IoT no setor rural, com recursos da ordem de R$ 30 milhões (US$ 7,6 milhões). Um deles com foco no controle de pragas, no gerenciamento de máquinas, no monitoramento do bem-estar animal do gado leiteiro e no uso dos sistemas de IoT para a integração lavoura-pecuária-floresta é cofinanciado pelo departamento de informática da Embrapa.
O estudo ressalta que o governo brasileiro deveria considerar um apoio mais direcionado para a inovação nas tecnologias de pecuária de precisão. Essa área de atividades agrícolas tem um alto potencial de crescimento e já está atraindo bastante atenção internacional.
Recomendações de políticas para a digitalização da agricultura
Para promover a transformação digital na agricultura brasileira, a OCDE sugere as seguintes ações:
• Promover uma rede de inovação nacional e uma plataforma de teste para o agronegócio, fortalecendo as sinergias entre as atividades de pesquisa do setor público e privado e estimulando a participação de startups.
• Melhorar a conectividade rural, priorizando as regiões com alta produtividade ou onde os investimentos sejam suscetíveis a ter grandes retornos sociais.
• Certificar-se de que a regulamentação do uso de drones esteja sempre atualizada, promovendo uma coordenação contínua e estrita entre o regulador e o setor privado, por exemplo, por meio da Câmera do Agro 4.0.
• Impulsionar, por meio do CBAP ou da Câmara do Agro 4.0, o desenvolvimento de uma estrutura inclusiva de governança de dados agrícolas no Brasil.
• Melhorar a portabilidade de dados entre as diferentes tecnologias e equipamentos, promovendo padrões de dados abertos ou compartilhados para os dados agrícolas.
• Oferecer assistência técnica e serviços de extensão, por exemplo, por meio de aplicativos móveis, com foco nos pequenos agricultores e produtores em áreas remotas.
• Promover o uso das tecnologias digitais básicas entre os pequenos agricultores e produtores de baixa renda, melhorando o acesso aos dispositivos digitais disponíveis e oferecendo consultoria e treinamentos personalizados, por exemplo, por meio de telecentros e colaboração com as cooperativas locais.
• Aumentar a conscientização sobre o potencial de compartilhamento entre parceiros e outras soluções digitais para o setor agrícola.
• Fornecer ainda mais apoio para o desenvolvimento de soluções digitais para a agricultura, com soluções ambientais inteligentes, intensificando iniciativas tais como o programa experimental de IoT.
• Promover a adoção digital por meio de assistência técnica, incentivos fiscais para grandes produtores ou linhas de crédito para os pequenos agricultores.
• Garantir o alinhamento entre o Plano Nacional de Internet das Coisas e a Agenda Estratégica do Setor de Agricultura de Precisão, garantindo a clareza quanto aos papéis e responsabilidades da Câmara Nacional da Internet das Coisas, da Câmara do Agro 4.0 e do CBAP.
Desafios para a Transformação Digital na Indústria de Transformação
A indústria de transformação no Brasil vem perdendo participação no PIB, à exemplo do que ocorre em outros países, desenvolvidos e em desenvolvimento. No período 2010-2015, além de reduzir seu peso no PIB de 12,7% para 10,8%, a indústria brasileira perdeu nove posições no ranking de Desempenho Industrial Competitivo da UNIDO, caindo do 26º para o 35º lugar nesse índice que registra a capacidade dos países de produzir e exportar produtos manufaturados, a dimensão de intensificação e atualizações tecnológicas e seu impacto nos mercados mundiais.
Tal como aconteceu em vários países da OCDE, também no Brasil, as preocupações com o fraco desempenho da indústria de transformação colocaram na ordem do dia as políticas de promoção da indústria 4.0. Além de estar no centro das iniciativas governamentais anteriores, incluindo o plano ProFuturo, lançado em 2017 pelo MCTIC, e a agenda brasileira do Ministério da Economia para a Indústria 4.0, o setor industrial é foco de políticas recentes, como a Estratégia Brasileira para a Transformação Digital (E-Digital) e o Plano Nacional de Internet das Coisas.
Lançada em 2018, a E-Digital prevê medidas para aumentar a disponibilidade da IoT, a fim de ampliar a adoção digital e para recuperar a competitividade do setor industrial. No Plano Nacional de Internet das Coisas, formalizado por meio do Decreto n. 9.854 em junho de 2019, a indústria de transformação é um dos quatro eixos verticais prioritários para a implantação da IoT no Brasil. Esse Plano reconhece explicitamente a crescente importância dos modelos de negócios “servitizados” na indústria.
A difusão da Indústria 4.0 no Brasil esbarra, contudo, no fato de o setor industrial brasileiro estar longe da fronteira tecnológica. Segundo a OCDE, pesquisa recente constatou que 73% das empresas manufatureiras no Brasil com 250 funcionários ou mais, usam pelo menos uma tecnologia digital, incluindo sensores de controle do processo de automação digital (46%), automação digital sem sensores (30%) ou sistemas de engenharia integrados para desenvolvimento e manufatura de produtos (37%). Todavia, as tecnologias mais avançadas são utilizadas apenas por uma pequena minoria, incluindo manufatura aditiva e robôs colaborativos (13%) ou sistemas de gerenciamento inteligentes (9%), por exemplo, M2M, gêmeos digitais ou inteligência artificial (IA).
Estimativas disponíveis sobre a disseminação de robôs e assinaturas de cartão SIM M2M, parecem confirmar o uso relativamente baixo das tecnologias avançadas na manufatura brasileira. Por exemplo, o número de conexões de cartões SIM M2M a cada 100 habitantes, indicador da implementação da IoT, registrado no Brasil em 2019 foi de 10,6, menos da metade da média da OCDE, que é da ordem de 22 por cada 100 habitantes.
Já a porcentagem de empresas manufatureiras brasileiras que usam robôs industriais, permaneceu menor do que em qualquer país da Europa com dados disponíveis. Em 2019, somente cerca de 4,5% das empresas brasileiras utilizavam robôs industriais. Nos países da UE, a porcentagem correspondente foi, em média, de 16% em 2018. Além disso, enquanto o Brasil possuia somente 6.114 robôs industriais em uso em 2014, as principais economias mundiais tais como Alemanha, Coreia, Japão e Estados Unidos, contavam com mais de 100 mil robôs industriais operacionais.
A indústria brasileira também registra uma baixa intensidade digital, expressa na parcela do valor agregado das tecnologias de informação e comunicação (TIC) incluído nas exportações de produtos manufaturados. As TICs podem entrar na produção industrial na forma de computadores e software instalado ou como serviços de TI que são exigidos para gerenciar e controlar os processos digitalizados no âmbito da empresa ou da fábrica.
De acordo com o estudo, em 2015, essa participação do conteúdo de TIC nas exportações foi de apenas 2,2% no Brasil, muito abaixo não apenas do observado nas maiores economias industrializadas, como a Alemanha (5,3%) ou os Estados Unidos (9,4%), mas também em comparação com outras economias emergentes, como o México (12,2%) e a China (12,7%).
Obstáculos à transformação digital da indústria
O alto custo é apontado pelas grandes e pequenas e médias empresas industriais como a principal barreira para adoção das tecnologias digitais no setor da indústria de transformação. Segundo a OCDE, o alto custo de adoção das tecnologias é resultado, pelo menos em parte, das tarifas elevadas de importação que incidem sobre produtos estrangeiros de TIC. As empresas brasileiras pagam por produtos intermediários ou bens de capital preços acentuadamente mais altos do que em outros países.
Além disso, na avaliação do estudo, os programas de inovação como a Lei de Informática e o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores e Displays (PADIS), aumentaram indiretamente o preço relativo da tecnologia importada. Desse modo, a escolha tecnológica acabou, na prática, sendo direcionada para os produtos potencialmente inferiores das empresas nacionais.
Recentemente, o governo adotou algumas medidas para garantir a redução das tarifas de importação sobre TICs e os bens de capital. Além da adequação da Lei da Informática por exigência da OMC, em fevereiro de 2018, o governo estendeu a isenção temporária das alíquotas de importação sobre os bens de capital e os equipamentos de TIC até o fim de 2019.
Em setembro de 2019, por meio de portarias, o governo isentou de tarifas de 498 produtos de bens de capital, tais como máquinas para produção de medicamentos, equipamentos médicos para exames e cirurgias, guindastes, tratores ou robôs industriais, e 34 produtos de TIC, incluindo máquinas de processamento de dados para vigilância por radar e controle do espaço aéreo.
Porém, a OCDE considera que essas iniciativas são bastante limitadas. Diversos componentes de TIC potencialmente essenciais ainda estão sujeitos às tarifas de importação. O estudo defende que o Brasil atue para promover ativamente a entrada dos países do Mercosul no Acordo de Tecnologia da Informação (ITA) da OMC, o que criaria um programa confiável de redução das tarifas sobre um número crescente de produtos de TIC.
Além da TIC e dos bens de capital, o acesso aos serviços corporativos a um preço competitivo tem se tornado fundamental. Os serviços corporativos representaram 36% do valor agregado dos produtos manufaturados exportados pelo Brasil em 2015. Cerca de 19% desses serviços foram importados, em comparação com 14,4% em 2010.
Na opinião da OCDE, reformas em mercados de serviços, como instituições financeiras, telecomunicações, seguros ou transportes, podem ter efeitos significativos na produtividade das empresas industriais. Ademais, seria importante diminuir os custos atualmente associados à importação de serviços, por exemplo, reduzindo a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), que é cobrada em várias importações de serviços, incluindo serviços administrativos e de assistência técnica fornecidos por não residentes.
A OCDE também sugere que os sistemas de impostos sobre o consumo para bens e serviços em vigor (IPI e ICMS) sejam harmonizados, com a consolidação dos impostos sobre o consumo nos níveis estadual e federal em um único imposto sobre o valor agregado.
O estudo ressalta que o baixo nível de concorrência nacional é igualmente um fator inibidor da inovação, na medida em que limita a redistribuição de recursos, tanto para grandes empresas, como para empresas novas no mercado com grande potencial inovador. Em especial, o complexo cenário comercial e o sistema tributário, assim como o acesso limitado ao crédito, impedem as pequenas empresas, que são relativamente numerosas no setor, de se tornarem concorrentes de médio porte.
Esse potencial de crescimento limitado de empresas menores, incluindo as inovadoras, resulta em uma estrutura rígida da indústria, com um grande número de pequenas empresas e um número limitado de grandes empresas com poucos incentivos de investimento. A OCDE considera que esse fenômeno é mais grave no Brasil do que em muitos outros países e, especialmente acentuado no setor industrial, fazendo com que os recursos permaneçam retidos em empresas de baixa produtividade, com incentivos limitados a investimentos em inovação e atualização tecnológica.
Na avaliação da OCDE, a ampliação da abertura de mercado, aumentaria a pressão competitiva e promoveria a inovação, inclusive entre as grandes empresas. Além disso, facilitar o acesso das PMEs a financiamentos, e simplificar a complexa estrutura tributária, ajudaria as empresas inovadoras a crescerem e transformarem a estrutura do setor.
Ademais, a indústria brasileira também se beneficiaria da concorrência nos setores de serviços de upstream, cujo desempenho insuficiente tem sido considerado como uma das razões para a baixa produtividade no setor manufatureiro.
Iniciativas recentes em prol da manufatura avançada no Brasil
De acordo com o estudo, desde 2015, o governo brasileiro vem agindo ativamente para promover a Indústria 4.0. Todavia, diversas iniciativas carecem de maior coordenação.
As bases para o desenvolvimento de uma estratégia nacional de manufatura avançada foram lançadas em 2015, quando os Ministérios de Indústria e Comércio (MDIC) e do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) realizaram o primeiro diálogo estruturado sobre a manufatura avançada. Em 2017, o MDIC estabeleceu um grupo de trabalho (GTI 4.0) para promover a agenda nacional, enquanto o MCT focou no plano de P&D para a indústria.
Desde então surgiram um crescente número de iniciativas especificamente voltadas para promover a manufatura avançada no Brasil. Entre essas estão os programas do BNDES e da FINEP voltados à adoção de tecnologias (Finame, Indústria 4.0, Inovacred 4.0), o Programa Nacional Conexão Startup Indústria da Agência para o Desenvolvimento da Indústria (ABDI), cujo objetivo é conectar as soluções de startups às necessidades da indústria, financiamento de pesquisa para manufatura avançada do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ou os projetos-piloto de IoT da Indústria 4.0 implementados na rede CNI/SENAI e Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação (Embrapii).
Mais recentemente, em maio de 2019, o Ministério da Economia, juntamente com a ABDI, lançou um programa para plataformas de teste para a Indústria 4.0. Um acordo de cooperação técnica da ordem de R$10 milhões (US$ 2,5 milhões) ampliou um programa anterior para plataformas de teste da ABDI, elevando de cem para mil o número de empresas beneficiárias.
No âmbito desse programa, várias unidades da Embrapii serão disponibilizadas para validar as tecnologias da Indústria 4.0 em um ambiente controlado. Tanto os usuários quanto os fornecedores de tecnologia, incluindo as startups, poderão se beneficiar com o programa.
Para melhor a coordenação entre essas várias iniciativas, o governo brasileiro lançou, em abril de 2019, a Câmara Brasileira da Indústria 4.0, uma das principais ações previstas para a indústria no Plano Nacional de Internet das Coisas. A Câmara Indústria 4.0 é a primeira plataforma formal para coordenação do desenvolvimento e implementação de um plano de transformação industrial, e envolve mais de 30 entidades privadas, públicas e acadêmicas.
Em setembro de 2019, foi lançado o Plano de Ação da Câmara Brasileira da Indústria 4.0 para 2019-2022. Entre outras coisas, o Plano de Ação destaca a necessidade de apoiar as micro, pequenas e médias empresas na adoção de tecnologias de manufatura avançada, propõe o uso de plataformas de teste e laboratórios abertos de várias partes interessadas, promete promover mudanças no regulamento em áreas como proteção de dados, legislação trabalhista ou tributação de dispositivos de IoT e prevê adequação dos instrumentos financeiros públicos existentes com foco em inovação às empresas-alvo em termos de custos, duração e condições financeiras.
O estudo da OCDE assinala duas importantes limitações o Plano de Ação para a Indústria 4.0. A primeira é a ausência de um orçamento específico e dependência dos financiamentos existentes, tornando a implementação bem-sucedida das ações previstas dependente da vontade política, dos recursos financeiros das diferentes instituições, e de sua disposição em cooperar. A segunda limitação diz respeito ao fato de que o Plano de Ação não define foco em indústrias ou tecnologias específicas em áreas com alto potencial para o Brasil, como é o caso das tecnologias de eficiência energética.
O uso de tecnologias digitais e sistemas de gestão de energia pode ajudar o Brasil a impulsionar a eficiência energética e a aumentar a produtividade da indústria de transformação. Porém, segundo a OCDE, embora a Estratégia E-Digital reconheça explicitamente o potencial da Indústria 4.0 e da IoT para aumentar a eficiência energética, nem o Plano Nacional de Internet das Coisas nem o Plano de Ação da Indústria 4.0 estabelecem ações ou objetivos concretos nesse sentido.
Recomendações da OCDE para a digitalização industrial
O estudo traz as seguintes recomendações de políticas para a transformação digital da indústria brasileira:
• Melhorar o acesso à tecnologia estrangeira, com um compromisso de longo prazo para reduzir tarifas sobre TIC e bens de capital.
• Melhorar o acesso aos serviços técnicos e administrativos importados reduzindo a CIDE.
• Reduzir a incerteza quanto à tributação de bens e serviços, que surgem dos novos modelos de negócios habilitados pela digitalização, por exemplo, introduzindo um regime fiscal único.
• Estimular a concorrência por meio da abertura de mercado e melhorar o ambiente corporativo, por exemplo, simplificando o sistema tributário e aumentando o acesso das PMEs a financiamentos para promover a inovação.
• Expandir os programas por conectar as empresas manufatureiras às startups inovadoras, às PMEs e aos provedores de serviços.
• Fortalecer os mecanismos de governança e coordenação para garantir que as políticas da Indústria 4.0, incluindo aquelas que promovem a adoção digital em PMEs, estejam bem alinhadas e tenham escala suficiente.
• Incluir a eficiência energética entre os objetivos da estratégia da Indústria 4.0.
Avanços nos Serviços Financeiros Digitais
Na avaliação da OCDE, a elevada concentração bancária no Brasil, ao lado da política monetária restritiva de combate à inflação, explica o elevado patamar das taxas de juros brasileiras, algumas estão entre as mais altas do mundo. Particularmente para as pequenas e médias empresas, as condições financeiras dos empréstimos são bastante restritivas. Em 2017, por exemplo, esse segmento arcava com taxas médias de juros 16 pontos percentuais mais altas do que as grandes empresas.
Ao longo das últimas décadas, o governo brasileiro tem implementado vários programas para melhorar o acesso ao crédito para as PMEs, incluindo um programa de microcrédito, cotas para empréstimos financeiros para pessoas de baixa renda e microempresários, além de um aumento no número de pontos de acesso aos serviços financeiros. Atualmente, o foco da política financeira está concentrado no setor emergente das fintechs, novos modelos de negócios que desenvolvem e prestam serviços financeiros habilitados por tecnologias digitais emergentes.
No Brasil, as fintechs estão em ascensão, mas ainda são pequenas vis-à-vis o sistema bancário tradicional. Em 2019, a utilização de fintechs nas transferências de dinheiro e pagamentos entre os consumidores correspondeu à média global (64%), e esteve no mesmo ou acima do nível de adoção de muitos países avançados, como a Alemanha (64%), os Estados Unidos (46%) e a França (35%). Entretanto, a adoção permaneceu abaixo de outros países da América Latina, como Colômbia (76%), Peru (75%), México (72%) e Argentina (67%), o que indica um potencial de crescimento significativo.
De acordo com o estudo, em junho de 2019, havia 604 fintechs e empresas relacionadas ativas no Brasil, um aumento de 454 em relação a agosto de 2018. Três dessas empresas são avaliadas em mais de US$ 1 bilhão: Nubank e Stone, ambas fundadas em 2013, e a PagSeguro, fundada em 2006. O segmento de pagamentos é o predominante entre as fintechs brasileiras (29% do total), seguido de empréstimos (18%) e serviços de gestão financeira (17%).
Com expansão das fintechs, o governo espera contribuir, não só para a diminuição dos custos financeiros das empresas e consumidores, mas igualmente para ampliar o acesso da população de renda mais baixa aos serviços financeiros. Embora, a parcela da população com idade de 15 anos ou mais que possui conta numa instituição financeira no Brasil seja superior ao da média latino-americana (70% ante 55%), está bem abaixo da média da OCDE (95%).
Na opinião da OCDE, ao aumentar a concorrência e possibilitar o acesso digital a contas bancárias, as soluções das fintechs têm um alto potencial de incentivar a inclusão financeira nos próximos anos. De fato, as principais razões relatadas pelas pessoas no Brasil para não ter uma conta bancária são: não ter dinheiro suficiente para justificar o uso de uma conta (58%) e custo elevado dos serviços financeiros (57%).
Mudanças regulatórias recentes no setor financeiro
Nos últimos anos, as autoridades reguladoras introduziram modificações importante na regulamentação financeira, estimulando o crescimento dos novos serviços financeiros.
No mercado de meios de pagamento, o estudo destaca que um avanço importante foi a Lei 12.865 de 2013 (“Lei de Pagamentos”), que definiu as “instituições de pagamento” e introduziu uma nova estrutura regulatória, abrangendo a interoperabilidade entre os diferentes sistemas de pagamento, a liberdade de escolha para os consumidores, e a disponibilização de acesso não discriminatório à infraestrutura e aos serviços.
A partir de então, surgiram novas instituições de pagamento que trouxeram dinamismo ao concentrado mercado de instrumentos de pagamento pós-pago, como os cartões de crédito. Esse é o caso do Nubank, atualmente avaliado em mais de US$ 4 bilhões, considerado o maior banco digital fora da Ásia em número de clientes.
Também fintechs como a Stone Pagamentos SA ou a PagSeguro ingressaram com sucesso no mercado, baixando os preços das soluções de pagamento direcionadas aos comerciantes, tais como terminais de pagamento (“maquininhas”). Atualmente, há mais de 20 instituições autorizadas fornecendo essas soluções aos comerciantes, o que colocou uma considerável pressão sobre empresas estabelecidas como Cielo e Rede, que pertencem aos grandes bancos brasileiros.
Os novos regulamentos também flexibilizaram as exigências para abertura de exclusivamente digitais. Desde 2016, com a Resolução n. 4.480, tornou possível a abertura de contas mediante um processo totalmente online, com abolição da exigência de comparecimento do cliente a uma agência física. Essa medida beneficiou as fintechs, bem como bancos tradicionais.
A crescente disponibilidade de dispositivos móveis com acesso à Internet, que entre 2015 e 2017 se transformaram no principal canal de transações bancárias no Brasil, favoreceu a ampliação do número de contas digitais no país. Em 2018, 2,5 milhões de novas contas online foram abertas pelos canais móveis, um aumento de 56% em comparação com o ano anterior. O número total de contas que utilizam os serviços bancários móveis alcançou 70 milhões em 2018, um aumento de 25 milhões em relação a 2014, excedendo pela primeira vez o número de contas que utilizam o Internet banking (53 milhões em 2018).
Na avaliação da OCDE, o programa de pagamentos instantâneo (PIX), recém-lançado pelo Banco Central do Brasil (BCB), um dos principais pilares da Agenda BC#, além de estabelecer um campo de atuação mais nivelado entre as fintechs e as instituições bancárias tradicionais, ao garantir o acesso das novas empresas financeiras às transações com débito direto, provavelmente também dará impulso adicional nos serviços bancários móveis.
A participação no PIX, operacional a partir de novembro de 2020, é obrigatória para todas as instituições de pagamento e financeiras que possuam mais de 500 mil contas de clientes ativas. O PIX simplificará as transações por meio de QR Code ou de identificadores de proxy, como números de celular.
De acordo com o estudo, o PIX deverá beneficiar, em especial, os crescentes serviços de pagamento online de modelos de negócios como Google, Facebook, Uber ou WhatsApp, que têm um sólido foco em tecnologias móveis. O lançamento do serviço no Brasil, o segundo maior mercado do WhatsApp no mundo, pode ter um impacto significativo na inclusão digital.
As mudanças na regulamentação também trouxeram maior dinamismo ao mercado de crédito. Em 2018, o Conselho Monetário Nacional (CNM) introduziu dois novos tipos de instituições de crédito com o objetivo de melhorar a concorrência no mercado de crédito e de reduzir as altas taxas de juros. Por meio da Resolução n. 4.656, foi autorizada a criação de empresas de crédito direto, destinada a fornecer empréstimos além do capital próprio; e de companhias de empréstimos entre pessoas (peer-to-peer, P2P), que atuam como uma plataforma para conectar credores e devedores individuais.
Até o momento, contudo, o número de novas instituições de crédito permanece pequeno e os créditos fornecidos tendem, em sua maioria, a ser de curto prazo e de quantias pequenas. De acordo com o estudo, em parte, isso ocorre devido às exigências de cadastramento junto ao BCB serem mais rigorosas para uma instituição de crédito do que para serviços de pagamento. Além disso, os empréstimos P2P são explicitamente limitados a R$ 15 mil (US$ 3.817).
Para solucionar o desafio representado pelo elevado número de brasileiros sem histórico de crédito, o que dificulta a avaliação de risco de bancos e fintechs e restringe a concessão de crédito, por meio da Resolução n. 4.737, o CMN mudou, em 2019, o sistema de classificação de crédito do Brasil para um modelo de exclusão voluntária (Cadastro Positivo).
Com isso, todos os consumidores são automaticamente incluídos no sistema, que coleta informações sobre o histórico de pagamento de cidadãos e empresas a partir de instituições financeiras, revendedores, fornecedores de serviços públicos, fintechs e outros credores, a menos que solicitem exclusão.
Outra importante iniciativa destacada no estudo que devem beneficiar as fintechs e estimular a concorrência é o Open Banking do BCB, outro importante pilar do programa Agenda BC#. A partir da implementação do Open Banking, os clientes poderão solicitar o compartilhamento de seus dados a outras instituições financeiras e empresas autorizadas de modo a obter produtos e serviços em melhores condições.
O sucesso dessa iniciativa irá depender da confiança dos clientes, muitos dos quais pretendem manter a privacidade dos seus dados bancários tanto quanto possível, uma vez que temem os riscos cibernéticos.
Na avaliação da OCDE, a despeito dos avanços recentes assinalados na regulamentação financeira, a estrutura regulatória de cooperação entre as fintechs e as instituições públicas financeiras continua sendo bastante fragmentada e incompleta.
Para aumentar ainda mais a concorrência nos mercados de crédito, especificamente para créditos de longo prazo, governo deve especificar e melhorar as condições de cooperação entre os bancos públicos e as fintechs, garantido que essas últimas possam se envolver nas atividades de empréstimos dos bancos públicos.
O estudo sugere, por exemplo, que o BNDES poderia fazer mais uso das soluções oferecidas pelas fintechs, para estimular o uso dos sistemas de garantia de crédito. As fintechs poderiam ajudar a (pre)avaliar o perfil de risco e melhorar o desempenho de tais sistemas, facilitando a obtenção de financiamento por empresas mais novas e PMEs com um alto potencial de crescimento, que geralmente são evitadas pelos investidores privados devido ao seu perfil de risco.
Recomendações para os serviços financeiros digitais
O estudo traz as seguintes recomendações de políticas para a transformação digital nas fintechs:
• Alavancar a iniciativa de Pagamento Instantâneo para criar um campo de atuação equitativo para as novas instituições de pagamento, facilitando inclusive a participação das fintechs nas transações de débito direto.
• Estimular a concorrência no mercado de cartões de pagamento, investigando e punindo o comportamento anticompetitivo.
• Aumentar a concorrência no mercado de crédito implementando a iniciativa Open Banking e consolidando as regulamentações sobre proteção de dados, segurança de dados e responsabilidades bancárias.
• Ampliar o uso de sistemas de garantia de crédito para promover o acesso financeiro às PMEs e startups, utilizando as tecnologias das fintechs para avaliar o desempenho delas em termos de resultados financeiros e econômicos.
• Aprimorar a coordenação entre os diferentes reguladores financeiros, e melhorar o alinhamento da regulamentação com relação aos ambientes sandbox emergentes ou criptomoedas.
• Estabelecer um balcão único de regulamentações para as fintechs, a fim de reduzir as incertezas para aquelas que estão rompendo as barreiras dos mercados tradicionais.
Tecnologias Digitais no Setor da Saúde
Desde a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), um sistema de saúde universal baseado em um direito constitucional de acesso ao serviço de saúde, em 1988, o Brasil fez progressos significativos em termos de fornecimento de assistência à saúde, segundo a OCDE. Atualmente, cerca de três quartos dos brasileiros contam com os serviços fornecidos pelo SUS, enquanto a parcela restante da população tem alguma forma de plano de saúde particular complementar, principalmente por meio do seu empregador.
Porém, o relatório enfatiza que o acesso à totalidade dos serviços de saúde é distribuído de forma desigual entre as áreas urbana e rural e entre os diferentes estados, levando a uma escassez aguda dos serviços de assistência médica em muitos lugares. Por exemplo, o número de médicos por mil habitantes varia de 2,81 na região Sudeste para apenas 0,87 no Maranhão e 0,97 no Pará. Muitas clínicas públicas ainda contam com poucos recursos, enfrentando falta de equipamentos básicos e fornecendo serviços de baixa qualidade.
Na avaliação da OCDE, a cibermedicina tem grande potencial de melhorar o acesso aos serviços de assistência médica, sobretudo em áreas remotas, de diversas maneiras:
• A introdução dos prontuários eletrônicos pode facilitar a avaliação das intervenções médicas, melhorar o planejamento público de saúde e aumentar a eficiência dos serviços fornecidos.
• Os serviços de telemedicina podem possibilitar um acesso mais rápido aos serviços de saúde, e facilitar o fornecimento de assistência médica em áreas remotas com recursos limitados.
• As prescrições eletrônicas podem ajudar a evitar erros na venda de medicamentos e aumentar a segurança do paciente.
• O uso de TICs também pode aprimorar a gestão e a coordenação dos serviços de saúde, melhorando assim a qualidade do atendimento, por exemplo, para doenças crônicas como o diabetes.
Segundo o estudo, os investidores e prestadores de serviço, tanto privados quanto públicos, reconhecem cada vez mais o crescente potencial do mercado de soluções digitais de saúde no Brasil. No primeiro semestre de 2018, estima-se que cerca de 288 startups brasileiras ativas, utilizavam tecnologia exclusiva em áreas tais como aplicativos de saúde, marketplaces, vestuário e IoT, telemedicina, dispositivos médicos, e formação ou gestão em saúde.
Muitas dessas startups estão diretamente envolvidas na ampliação do acesso aos serviços de saúde para brasileiros, caso da empresa Dr. Consulta, criada em 2011, que utiliza um modelo de negócios de prestação de serviço de consultas médicas de mais baixo custo. Modelo de negócio similar utilizado também por outras empresas, incluindo Clínica Sim, Dr. Sem Filas, Docway ou GlobalMed.
Outras atuam na área de soluções de telessaúde, como Brasil Telemedicina, que desde 2010 oferece acesso à assistência médica online, incluindo relatórios médicos, monitoramento e, mais recentemente, acesso em tempo integral a consultas médicas e psicológicas ao vivo.
No contexto do Plano Nacional de Internet das Coisas, foram identificadas áreas críticas do setor de saúde que necessitam de regulamentação, tais como a telemedicina, software como um dispositivo médico, combinações de medicamentos e dispositivos, ou medicamentos baseados em nanotecnologia.
Desafios da Cibermedicina
Desde 2005, quando a Organização Mundial de Saúde recomendou a integração da cibermedicina nos sistemas nacionais de saúde, o governo brasileiro vem adotando iniciativas nesse sentido. Iniciadas entre 2006 e 2009, três iniciativas se destacam de forma especial:
• Rede Universitária de Telemedicina (Rute), com foco na infraestrutura que conecta os hospitais do Brasil, com as chamadas unidades de educação de saúde ou centros de telessaúde;
• UNA-SUS proporciona treinamento remoto e oportunidades de formação para cerca de 800 mil profissionais de saúde (a maioria do SUS) em 5.524 cidades brasileiras, trabalhando como uma universidade virtual;
• Telessaúde Brasil Redes (TBR) que consiste de 44 centros de telessaúde, que dão suporte a mais de 6 mil unidades básicas de saúde, predominantemente em áreas remotas, por meio de teleconsultas e treinamento.
Mais recentemente, em junho de 2017, foi divulgada a estratégia digital do serviço público de saúde, DigiSUS, que estabeleceu como meta a integração digital de todas as informações do serviço de saúde disponíveis no SUS em 2020.
De acordo com o estudo da OCDE, a estratégia DigiSUS destaca especificamente as vantagens das soluções tecnológicas, como prontuários eletrônicos, telemedicina ou aplicativos móveis de serviços de saúde. Também prevê um alinhamento das iniciativas dos setores público e privado para melhorar os serviços integrados e reduzir a fragmentação das informações.
Em 2017, a maioria das unidades de saúde brasileiras usava computadores (94%) e a Internet (87%), aumento de mais de 10 pontos percentuais em relação a 2013. Entretanto, esses números escondem diferenças significativas no que diz respeito às regiões geográficas e ao tipo de instituição. Cerca de 12% das unidades básicas do SUS não tinham um computador, e 28% não tinham acesso à Internet. Das unidades públicas de saúde que usam a Internet somente 22% participavam da Rute e apenas 26% do Telessaúde Brasil Redes (TBR) para atendimento básico.
Um desafio significativo para as unidades públicas de saúde é a falta de verbas para equipamentos de TIC. Assim, embora a maioria das unidades de saúde tenha relatado a alocação de recursos para despesas e investimentos em TI (63%), somente 13% dos gestores dos estabelecimentos públicos consideraram que os recursos financeiros para investimento em sistemas eletrônicos estavam de acordo com a necessidade. Em contraste, nas instituições privadas 61% dos gestores consideraram os recursos suficientes.
As velocidades de Internet disponíveis também ainda são um problema para unidades públicas, especialmente para as que estão localizadas em áreas rurais. Portanto, embora cerca de 98% das unidades públicas de saúde com acesso à Internet, tivessem uma conexão de banda larga fixa, somente 25% dos gestores nessas unidades consideravam a conexão suficiente para as necessidades do local. Isso comparado aos 78% dos gestores nas instituições privadas.
Em 2017, o governo lançou um edital de credenciamento, o Programa de Informatização das Unidades Básicas de Saúde (PIUBS), para estabelecer uma infraestrutura digital nas unidades públicas de saúde. Porém, face aos questionamentos do Tribunal de Contas da União quanto à viabilidade de uma implantação nacional, o PIUBS foi substituído, em 2019, pelo Conecte SUS, com o lançamento de um projeto-piloto em Alagoas, com recursos da ordem de R$ 21,1 milhões.
Esse novo programa tem dois pilares: a definição da Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS) e um programa informatizado atualizado da unidade de saúde. Além de hardware e software, o programa também fornecerá recursos para a infraestrutura básica (por exemplo, eletricidade) ou treinamentos e capacitação. O Ministério da Saúde estima investimentos no Conecte SUS da ordem de R$ 4 a 6 bilhões nos próximos cinco anos.
Na avaliação da OCDE, com o crescente uso e armazenamento de informações sobre o paciente no formulário digital, o governo brasileiro vai precisar realizar investimentos para garantir um nível suficiente de proteção de dados sobre a saúde, tanto em termos de privacidade quanto de segurança.
Embora a estrutura regulatória de proteção de dados e segurança da informação no sistema do SUS e do Ministério da Saúde tenha sido reforçada em 2017, ainda é preciso intensificar a governança dos dados em todo o sistema de saúde, inclusive para o ramo privado.
Como a cadeia de valor do serviço de saúde é grandemente fragmentada, será preciso igualmente adaptar as normas existentes às novas tecnologias digitais, de modo a possibilitar uma melhor integração entre os prestadores de serviços de saúde, públicos e privado. Esse é um desafio que tem reduzido a eficiência do sistema de saúde do Brasil há vários anos. Segundo o estudo, possibilitar a interoperabilidade e o acesso aos prontuários eletrônicos de todo o sistema de saúde é fundamental para ter serviços eficientes.
A OCDE destaca que uma regulamentação bem elaborada para a telessaúde ajudaria a melhorar o acesso aos serviços de saúde em áreas remotas. Pois, se para as unidades públicas de saúde, a falta de equipamentos é um dos principais obstáculos para o uso mais ampliado da telessaúde em tempo real, para as entidades privadas, o principal empecilho é a incerteza regulatória.
A telemedicina foi regulamentada pelo Conselho Federal de Medicina em 2011, mas a regulamentação deixou a desejar no que diz respeito a explicitar a relação médico-paciente por meio da tecnologia. Novas regras para as aplicações de telessaúde foram publicadas pelo CFM em fevereiro de 2019, porém em razão das críticas à possibilidade de consultas totalmente virtuais, a resolução foi revogada no mês de março de 2019.
No contexto da crise da Covid-19, a discussão sobre os potenciais benefícios das soluções de telessaúde no Brasil ganhou novo ímpeto. Uma parceria recente entre o Ministério da Saúde e o Hospital Albert Einstein está promovendo o uso das consultas virtuais para os cuidados básicos no âmbito do TeleSUS.
Na visão da OCDE, o governo federal deve promover uma nova regulamentação da telessaúde, garantindo que todas as partes interessadas relevantes participem do processo, por exemplo, por meio da Câmara da Saúde 4.0. Manter a possibilidade de consultas de telessaúde para pacientes em áreas remotas, particularmente para especializações sem representação local, poderia ajudar a fechar as lacunas persistentes quanto à cobertura da área de saúde. Além disso, o governo deveria avaliar como melhor integrar os prestadores privados de serviços de saúde às redes de telessaúde existentes.
Recomendações de políticas para Cibermedicina
O estudo da OCDE traz as seguintes recomendações de políticas para a transformação digital na cibermedicina:
• Validar e expandir o Conecte SUS para todas as regiões do país.
• Aumentar a interoperabilidade e a coordenação entre os sistemas público e privado, impulsionando a Câmara da Saúde 4.0.
• Atualizar o marco regulatório de proteção de dados e de segurança da informação do sistema de saúde nas instituições públicas e privadas. Fornecer à equipe médica e aos hospitais uma orientação sobre como desenvolver e implementar informações eficazes de políticas de segurança.
• Estimular a criação e o uso das identidades digitais de saúde, juntamente com a Recomendação do Conselho sobre Governança de Dados de Saúde da OCDE.
• Envolver todas as partes interessadas na reforma regulatória, a fim de possibilitar o uso da telemedicina como um substituto para as consultas presenciais em áreas menos favorecidas.
• Promover a nova regulamentação em áreas emergentes, por exemplo, medicamentos baseados em nanotecnologia e software como um dispositivo médico.
Recomendações da OCDE para uma Abordagem Integral do Governo
De acordo com a OCDE, a transformação digital afeta diferentes partes da economia e da sociedade de formas complexas e interrelacionadas, o que gera conflitos de escolha e dificulta a conciliação dos objetivos das políticas públicas. Para vencer esses desafios e aproveitar os benefícios da transformação digital é preciso colaboração de todos os domínios da política em uma abordagem integral de governo de acordo com o marco de políticas integradas desenvolvidas pela OCDE.
Para assegurar uma abordagem integral do governo, que seja coerente e coesa com as políticas para a transformação digital, a OCDE sugere que o Brasil fortaleça os mecanismos de coordenação e amplie a dotação de recursos destinados à estratégia digital.
Reforçar o papel do CITDigital. A criação, em março de 2018, do Comitê Interministerial para a Transformação Digital (CITDigital), presidido pelo ministro-chefe da Casa Civil, foi um passo fundamental em direção a uma abordagem integral do governo brasileiro para a transformação digital. Esse Comitê ajudou a articular e coordenar programas de políticas entre várias instituições do governo, dentro das ações estratégicas definidas pela E-Digital.
O fato de o CITDigital ser presidido pela Casa Civil confere ao comitê uma forte influência política. Todavia, segundo a OCDE, os efeitos legais das decisões tomadas pelo CITDigital permanecem incertos. Como são aprovadas por maioria simples pelos representantes dos ministérios que integram o comitê (Relações Exteriores, MCTI, Educação e Economia, bem como do Gabinete de Segurança Institucional), as decisões não são vinculantes para as instituições que votaram contra elas. Os efeitos sobre os ministérios não representados no comitê são ainda mais problemáticos.
Na avaliação da OCDE, seria útil definir um mecanismo, por exemplo, que transformassem as decisões tomadas pelo CITDigital em uma proposta de lei, cuja elaboração seria responsabilidade da Casa Civil da Presidência da República dentro de um prazo definido. Da mesma forma, seria útil vincular as propostas do CITDigital ao processo legislativo no Congresso Nacional, especialmente ao trabalho dos comitês existentes.
Dotar a estratégia digital de recursos específicos. Instituída por meio do Decreto nº 9.319 de março de 2018, Estratégia Brasileira para a Transformação Digital (E-Digital) busca harmonizar as iniciativas do governo relacionadas à transformação digital, de forma a aproveitar o potencial das tecnologias digitais para promover o crescimento sustentável e inclusivo, além de aumentar a concorrência, produtividade e quantidade de empregos.
Segundo a OCDE, a E-Digital possibilitou reunir programas de políticas existentes sob uma cobertura comum, como a Câmara IoT. Também propiciou um fórum onde as partes interessadas do governo e do setor privado podem desenvolver novas iniciativas de forma conjunta, como a proposta de um Marco Legal de Startups e Empreendedorismo Inovador.
Porém, a maioria das iniciativas de políticas desenvolvidas sob o amparo da E-Digital foram de natureza regulatória, como os sandboxes regulatórios estabelecidos pela Comissão de Valores Mobiliários, ou utilizaram recursos que já estavam alocados para aquele propósito, como o Programa Educação Conectada.
A lei orçamentária não previu nenhuma dotação específica para a estratégia digital. As ações estratégicas previstas na E-Digital são projetos sob a responsabilidade dos diferentes ministérios e órgãos do governo, sem que recursos novos tenham sido alocados.
De acordo com o estudo, até o momento, a estratégia digital não parece ter sido capaz de alterar prioridades políticas a fim de movimentar recursos para novos programas. Para que o Brasil avance na transformação digital, sua estratégia digital deve ser apoiada por um nível adequado de recursos, argumenta a OCDE.
Além de baixo, o nível de recursos alocados para TICs é altamente concentrado na estrutura administrativa do governo federal e da previdência social. Na avaliação do estudo, aumentar as despesas com TIC no governo tendem a ter reflexos positivos sobre a adoção digital por empresas e indivíduos.
Outras iniciativas de política são igualmente importantes para a transformação digital, tais como: melhorar o acesso à banda larga, apoio à adoção e uso por indivíduos e empresas, promoção de competências digitais, promoção de inovações, bem como reforçar a segurança e a confiança no ambiente digital.