Carta IEDI
Riscos e resiliência das cadeias globais de valor
Devido às rupturas e vulnerabilidades evidenciadas na pandemia de Covid-19, elevar a resiliência das cadeias de valor tornou-se uma das principais prioridades de empresas e governos. Esta Carta IEDI apresenta possíveis caminhos apontados pela UNCTAD Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) para se atingir maior resiliência nas cadeias das empresas multinacionais.
Como temos visto até o presente, a pandemia fragilizou cadeias de valor no mundo todo. Primeiramente, daquelas de equipamentos e medicamentos para a saúde, em função de problemas de oferta, derivados das medidas restritivas para combater os surtos de coronavírus, mas também de baixa capacidade de resposta aos picos de demanda e de fatores geopolíticos que levaram a restrições de comércio exterior, entre outros fatores.
Em seguida, desencadearam-se problemas nas cadeias de um conjunto muito mais amplo de setores, tornando-se uma questão transversal à industrial mundial. São notórios exemplos a falta de semicondutores para a indústria automotiva e a elevação de preços de grãos e alimentos básicos (milho, arroz, farinha de trigo), que comprometeu a segurança alimentar e nutricional em vários países, notadamente nos mais pobres.
Diante da recente experiência negativa, as empresas se conscientizaram da necessidade de agir para evitar novos episódios desta natureza. Segundo a UNCTAD, diversas pesquisas com executivos confirmam a percepção de vulnerabilidades nas cadeias de fornecimento globais e a indicação da necessidade de mudança nas estratégias de produção internacional para se construir maior resiliência.
Vale esclarecer o que se entende por resiliência: a capacidade de se retornar às operações normais durante um período de tempo razoavelmente curto após um determinado choque ou ruptura, ainda que isso possa significar algum prejuízo para a eficiência produtiva, ao menos tal como esta vinha sendo definida pelas empresas.
Do ponto de vista das empresas multinacionais, os caminhos para melhorar a resiliência, segundo a UNCTAD, são a reestruturação da rede produtiva (envolvendo decisões de investimentos e/ou de desinvestimento), soluções de gerenciamento da cadeia de fornecimento e medidas de sustentabilidade. Sobre esse último aspecto, existe intenção e mesmo um apelo por parte dos governos para se "reconstruir melhor" e tornar a economia global mais resistente a choques contribuindo, a um só tempo, para se superar os desafios ambientais e sociais.
A UNCTAD observa que as soluções de gerenciamento de risco são de gestão, em geral mais ágeis e menos custosas. Podem exigir investimentos substanciais em tecnologia para aumentar o controle e a coordenação da cadeia, ou exigir aumentos na capacidade produtiva ou estoque de segurança, ou, ainda, implicar uma mudança nos modelos operacionais de "just-in-time" para "just-in-case".
Apesar disso, estas tendências não implicam necessariamente mudanças estruturais na localização dos ativos produtivos, de acordo com a UNCTAD, e por isso teriam menor impacto sobre o investimento direto estrangeiro (IDE) do que a reestruturação da rede produção.
Entretanto, o estudo argumenta que as soluções de gerenciamento de risco podem não dar conta dos desafios colocados pela crescente competição e as condições de mercado a partir da pandemia, a exemplo dos diferentes incentivos e restrições ao comércio e ao investimento internacionais por parte dos países. Na visão da UNCTAD, isso impactará a reestruturação produtiva, via nearshoring, reshoring ou diversificação.
O viés da reestruturação produtiva das cadeias globais marca um novo momento para a indústria de transformação, conforme anteveem os pesquisadores da UNCTAD, com impactos substanciais nos fluxos comerciais e de investimentos produtivos internacionais.
Logo, os efeitos a longo prazo da busca por maior resiliência se tornariam parte de um processo de mudança estrutural mais amplo, já iniciado antes mesmo da pandemia de Covid-19, com o desenvolvimento e adoção de tecnologias 4.0, as disputas geopolíticas, sobretudo entre EUA e China, e o imperativo da sustentabilidade.
Os movimentos de reshoring e nearshoring atendem à necessidade de limitar a complexidade e a interdependência das CGV, tornando-as mais curtas e trazendo de volta aos países desenvolvidos parte da fabricação industrial e da sua base de fornecedores com o objetivo de minimizar a exposição a riscos e a propagação de choques adversos ao longo das redes de produção.
Em contrapartida, a diversificação regional da produção fortalece redes complexas e dispersas geograficamente, como meio de evitar concentração excessiva de capacidade produtiva e de construir certa redundância no sistema. Permitiria, assim, segundo a UNCTAD, diversificar fornecedores, operações e canais de distribuição, aumentando as alternativas de suprimento e sua proximidade aos mercados.
De acordo com o mapeamento da UNCTAD, as indústrias mais expostas a riscos que comprometem a resiliência são aquelas consideradas mais longas e mais fragmentadas, como as cadeias automotiva, eletrônica, de máquinas e equipamentos, têxteis e vestuário. Elas correspondem a 20% do investimento greenfield total e por 50% do agregado da indústria de transformação. Por isso, são importantes para a dinâmica das economias em desenvolvimento.
Portanto, as consequências das decisões no seio destas cadeias podem ter importantes efeitos sobre o emprego e a renda destes países ou em algumas de suas regiões, como no caso das montadoras que encerraram operações no Brasil. Afinal, a realocação física de ativos fixos (tangíveis) incorre em custos irrecuperáveis (sunk costs) associados à perda da capacidade produtiva e mão-de-obra, além de custos de financiamento associados ao estabelecimento de novas instalações, particularmente para atividades mais intensivas em capital.
De modo geral, a UNCTAD enfatiza que as medidas de reestruturação da rede produtiva para construir resiliência pressionam os custos das empresas multinacionais de forma significativa, podendo chegar a níveis eventualmente proibitivos. Conclui, então, que a resiliência deve potencialmente levar menos à reestruturação produtiva e mais a um reequilíbrio gradual das redes de produção.
A curto prazo, então, na visão da UNCTAD, é provável que os movimentos de reshoring, nearshoring e a diversificação geográfica se efetivem somente como resultado de pressões e incitações políticas a partir de ações concretas de política econômica. Importante, assim, acompanhar de perto as agendas de política econômica pós-Covid-19 das principais economias mundiais.
Introdução
No capítulo IV do Relatório de Investimento Mundial (WIR) de 2021, a UNCTAD faz uma discussão sobre como investir na retomada sustentável da dinâmica econômica, destacando o aspecto da resiliência de cadeias globais de valor (CGV). Desde o início da pandemia, a resiliência tornou-se uma palavra-chave das discussões de empresas e governos, o que continua se mostrando imperativo dado o quadro atual de continuadas rupturas, com consequências de diferentes magnitudes sobre as atividades econômicas mundiais.
Os novos movimentos nas CGV em prol da resiliência, vale ressaltar, não são apenas uma reação ou prevenção aos choques advindos de crises sanitárias, mas também de desastres naturais, cibersegurança, problemas físicos infraestruturais etc. Ou seja, trata-se da reação a uma diversa sorte de riscos sistêmicos. E, ainda, nas empresas a dimensão de resiliência passa a ser considerada também no que diz respeito à geração ou adaptação às forças motrizes que determinarão o futuro da produção internacional.
Em linha com a literatura de gerenciamento de risco, a UNCTAD define resiliência como a capacidade de se retornar às operações normais durante um relativo curto período de tempo após uma determinada ruptura. Esta noção conflita com a forma como muitas empresas estavam acostumadas a projetar suas cadeias, maximizando eficiência e lucros, sendo a fabricação just-in-time a maneira considerada ideal de se produzir bens complexos.
Este sistema justi-in-time requer que todas as suas partes funcionem perfeitamente, como um relógio. Suas vulnerabilidades foram evidenciadas pela pandemia de Covid-19, permanecendo presentes mesmo com a redução das medidas restritivas de combate ao coronavírus e o avanço da vacinação. Por isso, a UNCTAD aponta que as cadeias precisam rapidamente traçar estratégias para voltarem a funcionar bem.
Em geral, governos e empresas têm objetivos diferentes sobre resiliência, mas que acabam coincidindo em termos de estratégia para realizá-los. Os primeiros priorizam a resiliência econômica e social, buscando reduzir dependências de importação de bens e serviços considerados estratégicos para as atividades produtivas e para as pessoas. As empresas, a seu turno, pretendem reduzir a dependência de certos elos das suas redes internacionais de produção, mas com o menor ou nenhum prejuízo da eficiência, competitividade e lucratividade.
Para a UNCTAD, as escolhas para construir resiliência nas CGV devem corresponder a mudanças nos volumes e nos padrões de investimento associadas à reestruturação das redes internacionais de produção, seja por reshoring, nearshoring ou diversificação geográfica. Tal reestruturação da rede de produção se aplica, portanto, à produção internalizada pelas empresas multinacionais (EMN) e à rede de fornecedores externos e operações terceirizadas, mas não é uma condição necessária para a retomada sustentável, apenas uma das múltiplas opções disponíveis e que podem ser combinadas entre si.
Resiliência sob a perspectiva empresarial
As empresas multinacionais (EMN) constroem suas redes internacionais de produção com o objetivo de maximizar o desempenho econômico, visando eficiência operacional e atingir resultados quanto a custos, faturamento, poder de mercado, acesso a matérias-primas ou fatores de produção etc. Tais decisões internas, influenciadas por fatores externos – como políticas de incentivo, disponibilidade e qualidade dos fatores produtivos, perspectivas de demanda etc. – configuraram a extensão, fragmentação, complexidade e localização geográfica das CGV.
Ademais, as empresas sempre se preocuparam e tentaram calcular os riscos do sistema de produção internacional, constantemente provocados por choques internos e externos às empresas. O que a pandemia trouxe de novo é que agora a resiliência se tornou, nas palavras do relatório da UNCTAD, uma “prioridade estratégica máxima para países e EMN”.
O maior foco em resiliência, argumenta-se no estudo, provavelmente não mudará a forma como as empresas fazem suas escolhas estratégicas, através de análises de custo-benefício. O que vai mudar é o peso relativo dos dois lados da equação e os graus de riscos probabilísticos tolerados, apontando para uma tendência em que as EMN renunciarão a alguma fração de sua eficiência de custo para garantir ganhos de resiliência.
De acordo com a UNCTAD, na perspectiva das EMN, a resiliência da cadeia de suprimentos pode ser melhorada através de estratégias que formam três pilares: reestruturação da rede de produção, gestão de risco e medidas de sustentabilidade.
As estratégias de resiliência das EMN, de acordo com a UNCTAD, formam um pacote integrado em vez de um menu de opções, de forma que os seus três pilares e componentes interagem entre si.
O primeiro pilar se refere à reestruturação da rede de produção, envolvendo decisões de localização da produção – o que pode levar a movimentações de investimento e/ ou desinvestimento produtivo entre países e regiões. Implica o redesenho de cadeias de fornecimento globais em duas direções:
• Reshoring e nearshoring: atendem à necessidade de se limitar a complexidade e a interdependência das CGV reduzindo seu comprimento, confinando fisicamente a fabricação e a base de fornecedores ao nível interno ou regional, para minimizar a exposição a riscos e efeitos de ondulação através das redes de produção;
• Diversificação: alavanca redes complexas e dispersas geograficamente como um meio de evitar concentração excessiva e para construir redundância no sistema, com o objetivo de diversificar fornecedores, operações e canais de distribuição, aumentando as opções de resiliência e movimentação da produção através da maior proximidade aos mercados.
Ambas as opções favoráveis à resiliência têm grandes implicações para o IDE, em termos de sentido e natureza dos fluxos, bem como dos estoques. Pensando em termos nacionais, a reestruturação produtiva pode significar, por exemplo, que as EMN irão desinvestir em países em desenvolvimento e reinvestir nos desenvolvidos.
O segundo pilar trata das soluções de gestão de risco. Ao invés de reestruturar sua rede de produção, as empresas podem fortalecer sua capacidade de absorver choques através de soluções de gestão. Como o gerenciamento de risco faz parte das operações padrão das empresas, para a UNCTAD, elas estarão inclinadas a lançar mão das seguintes qualidades logo de partida:
• Visibilidade e transparência: referem-se à capacidade de monitorar eventos da cadeia de suprimentos para identificar padrões, tomar decisões informadas, oportunas e proativas (inclusive através de simulações e do planejamento de contingência) para limitar o impacto das vulnerabilidades. Nesse sentido, podem aproveitar-se das novas tecnologias digitais industriais que colaboram na rastreabilidade e autenticação.
• Flexibilidade: capacidade de reconfigurar linhas de produção, distribuir a produção entre locais, alternar entre tomar ou comprar decisões, e acessar alternativas em transporte e logística.
• Inventário de reserva suficiente: estabelecer um amortecedor crítico para minimizar o impacto de ruptura nos suprimentos.
• Inteligência de mercado e previsão: abordam os riscos do lado da demanda, antecipando grandes flutuações.
Estas medidas podem exigir investimentos substanciais em tecnologia para aumentar o controle e a coordenação da cadeia, ou exigir aumentos na capacidade produtiva para atender requisitos de estoques de segurança. Podem até implicar uma mudança nos modelos operacionais de "just-in-time" para "just-in-case".
Entretanto, não implicam mudanças estruturais na localização de bens físicos maciços, impactando menos o IDE do que a reestruturação da rede produção. Mas as soluções de gerenciamento de risco são menos eficazes para tratar os desafios colocados pela rivalidade geopolítica e competição dos mercados intensificadas a partir da pandemia.
O terceiro pilar é a sustentabilidade, que envolve práticas de negócios para mitigar problemas ambientais, sociais e riscos de governança. O debate político sobre investimento em recuperação sustentável é caracterizado pelo desejo de se "reconstruir melhor" ao tornar a economia global mais resistente a choques.
O impacto das práticas de sustentabilidade no IDE pode ser amplo, orientando-se por fatores sustentáveis diversos, como normas e regulamentos ambientais, progresso técnico e tecnológico em produtos e processos ecologicamente corretos, contribuição aos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS).
Consequências sobre os investimentos em restruturação produtiva
A internacionalização das cadeias de abastecimento das EMN trouxe vulnerabilidades crescentes, entre as quais a UNCTAD destaca três, relacionadas à:
i. cobertura geográfica - implicam fontes “discretas” de riscos;
ii. interdependência - aumentam o impacto sistêmico através efeitos de contágio e ondulação;
iii. concentração - ampliam o valor em risco.
Assim, a reestruturação das CGV busca reduzir a exposição a uma ou mais fontes de riscos sistêmicos. Para a UNCTAD, no momento, a reestruturação aponta no sentido da menor duração do processo de produção, via nearshoring e reshoring, formando-se cadeias de abastecimento mais locais e mais curtas ao invés de especializadas internacionalmente.
Portanto, tal direção da reestruturação produtiva atenuará a exposição a riscos sistêmicos, através e entre fronteiras, reduzindo o número de países que contribuem para o processo de produção, sua interdependência e o papel do comércio internacional no intercâmbio de insumos intermediários.
Além disso, cadeias de valor mais simples e curtas são mais fáceis de coordenar do ponto de vista operacional. Logo, esse movimento reduz a probabilidade de que a produção seja atingida por um choque sistêmico, combatendo duas das três fontes de fragilidade nas cadeias de abastecimento globais: cobertura geográfica (i) e interdependência (ii).
No entanto, nearshoring e reshoring aumentam riscos relacionados à concentração (iii) em nível interno e regional. Isto eleva o valor em jogo se um evento adverso ocorrer, bem como reduz a eficácia de certas medidas de gerenciamento de risco associadas à diversificação e ao mercado de proximidade, tais como flexibilidade e inteligência de mercado.
Dentre as duas tendências, a UNCTAD conclui que, de uma perspectiva pura de gestão de risco, a diversificação é preferível ao re/nearshoring porque as redes de produção diversificadas são mais flexíveis e melhor equipadas para lidar com choques inesperados, mas esta via exige investimentos e esforços adicionais de coordenação e controle para administrar sua maior complexidade.
Ao final, contudo, os sentidos da reestruturação dependem também das diferentes estruturas das cadeias industriais. Por isso, a partir de medidas do comprimento e da distribuição geográfica das CGV, a UNCTAD analisou as diferentes configurações produtivas internacionais, definindo arquétipos. As agregações dos setores analisados representam cerca de 60% do valor total anunciado do investimento greenfield (2015-2019).
O comprimento das cadeias foi medido pelo número de etapas de produção intermediárias transfronteiriças. A distribuição geográfica reflete o grau de participação no processo de produção em países, medida pela concentração relativa de valor agregado. Uma maior distribuição geográfica do valor agregado está associada à redundância, seja por meio de fontes múltiplas ou produção replicada.
A reestruturação das cadeias para maior resiliência poderia ser entendida como o movimento que passa de configurações longas e concentradas para curtas e distribuídas – ao mesmo tempo possibilitado pelo re/nearshoring (reduzindo a exposição sobre a dimensão do comprimento) e pela diversificação (reduzindo a exposição sobre a dimensão da distribuição geográfica).
O mapa de arquétipos de cadeias de suprimentos fornece uma avaliação da exposição ao risco das diferentes cadeias industriais:
• Cadeias mais expostas: as típicas indústrias intensivas em CGV, como a automotiva, eletrônica, máquinas e equipamentos, têxteis e vestuário. Elas correspondem a 20% do investimento greenfield total e 50% do total da indústria de transformação. Por isso, são importantes para a dinâmica das economias em desenvolvimento.
• Cadeias com exposição média, em que há 2 grupos:
• Cadeias longas, regionalmente diversificadas: alimentos e bebidas e produtos químicos, que são indústrias de processamento regionais, normalmente organizadas em redes regionais, replicando em escala local o modelo longo e verticalmente especializado de CGV.
• Cadeias curtas, regionalmente concentradas: farmacêutica e outras intensivas em conhecimento, ou serviços de alto valor adicionado como os empresariais ou financeiros, em geral com operações distribuídas, porém a maior parte do valor se concentra em poucos hubs. Este cluster inclui alguns dos setores atualmente sujeitos a maior pressão política para se reestruturarem.
• Baixa exposição: indústrias extrativas e de processamento agropecuário ou mineral, que são indústrias a montante que, por dependerem dos recursos naturais, vão ter produção dispersas geograficamente, ou serviços de proximidade de menor valor adicionado e instrumentais para as operações locais ou para entrega de produtos (como transporte e logística, e varejo e atacado).
A UNCTAD alerta para o fato de que não é simples reduzir a exposição às vulnerabilidades nas CGV. Segundo seu relatório, as cadeias industriais mais exportas enfrentam barreiras elevadas para realizar a reestruturação da rede de produção, que se caracterizam por alta eficiência e intensidade de fatores.
As indústrias capital-intensivas, como a automotiva e a eletrônica, tem hubs de produção concentrados e especializados apostando na otimização operacional e custos de oferta a partir de economias de escala. Logo, diante da necessidade de maior resiliência, estariam mais pressionadas em favor do reshoring.
Já as indústrias de mão-de-obra intensiva, tais como têxteis e vestuário, exploram os diferenciais de custo de mão-de-obra entre países para minimizar os custos de produção. Para ampliar a resiliência, tendem à diversificação e redundância, afetando economias de escala, mas abrindo possibilidades para captar vantagens de localização.
Mas mesmo dentro de uma mesma indústria é preciso entender no detalhe os casos particulares, segundo a UNCTAD. Na indústria automotiva, por exemplo, a fabricação de peças e componentes para reposição é menos capital intensiva do que a fabricação de componentes originais – por isso a primeira tem processos de transformação mais fragmentados e com comoditizações.
Na eletrônica, por sua vez, a dicotomia é ainda mais pronunciada, com projetos de investimento relativamente pequenos na fabricação de computadores, equipamentos de comunicação ou eletrodomésticos, e projetos altamente intensivos em capital em semicondutores e baterias.
A produção em massa e a alta concentração colocam estas indústrias entre as prioridades no monitoramento de resiliência por parte dos governos – como ficou claro no documento da força-tarefa de resiliência em CGV realizado pelo governo dos EUA em fevereiro de 2021.
Máquinas e equipamentos também formam uma categoria industrial ampla, com projetos altamente intensivos em capital, como motores e turbinas, ou de menor intensidade em capital como máquinas-ferramenta ou equipamentos médicos. Devido à pandemia, equipamentos médicos é outro setor sob forte pressão de política econômica para reduzir a vulnerabilidade da cadeia de suprimentos, portanto provavelmente sofrerá alguma reconfiguração produtiva. A indústria farmacêutica também deve passar por reconfiguração produtiva por conta de pressões políticas e empresariais.
Ainda assim, mesmo que as empresas sejam capazes de absorver choques a custos variáveis, o impacto sobre os custos fixos e os custos irrecuperáveis são fatores críticos contrários à reestruturação da CGV a curto ou médio prazo. De acordo com a UNCTAD, as análises de custo-benefício desde o ponto de vista das empresas revelam a complexidade de se reconfigurar as redes internacionais de produção em resposta à pandemia.
A curto prazo, a reestruturação da cadeia de suprimentos – reshoring, nearshoring, diversificação - provavelmente se tornará realidade bastante influenciada por pressões políticas ou intervenções de política econômica, de forma que os incentivos alterem a equação econômico-financeira das EMN.
Logo, é possível que os governos venham a subsidiar o investimento de capital das empresas para compensar total ou parcialmente os custos irrecuperáveis associados à relocalização de ativos fixos das empresas. A UNCTAD aponta que, como muitos países já anunciaram, tais intervenções dão prioridade às cadeias de fornecimento de bens essenciais para o setor de saúde e para setores considerados estratégicos ao crescimento econômico.
De outro modo, na ausência de políticas de incentivo, a UNCTAD acredita que a maioria das EMN provavelmente vai focar em melhorar as práticas de gerenciamento de risco da cadeia de suprimentos que não envolvam reconfiguração da rede de produção. Uma das medidas mais comuns tem sido o aumento dos estoques de segurança, principalmente nas indústrias com modelos de negócios just-in-time, como a indústria automotiva.
O relatório conclui que o processo de tornar as CGV mais resilientes não se manifestará como uma mudança estrutural emergencial de curto prazo, mas como um novo equilíbrio gradual de longo prazo. A resiliência ganha mais destaque nas decisões de localização para novos investimentos internacionais, pautando-se mais provavelmente pelo “reequilíbrio” do que pela “reestruturação”.
Portanto, o impulso para aumentar a resiliência da cadeia de suprimentos não levará, no cenário da UNCTAD, a um "rush to reshore”, mas ao "drag on development": os custos de produção perdem relevância relativa dentre os múltiplos determinantes dos investimentos que configuram as redes internacionais de produção.