Carta IEDI
Avanços e obstáculos à superação da crise da Covid-19
De acordo com o cenário básico do FMI de outubro de 2021, após a contração de -3,1% em 2020, a economia global registrará um crescimento de +5,9% em 2021, isto é, ligeiramente abaixo dos +6% projetados em seu cenário anterior, do mês julho. Já a estimativa para 2022, de +4,9%, foi mantida. Os cenários das demais organizações internacionais para 2021 e 2022 são menos otimistas: a OCDE projeta +5,7% e +4,5%, enquanto a UNCTAD +5,3% e +3,6%, respectivamente.
Para o Brasil, o Fundo também revisou para baixo sua projeção de crescimento econômico de 2021, de +5,3% para +5,2%, isto é, na mesma magnitude da revisão do PIB global. Já para 2022, contudo, diferentemente da economia mundial, cuja expectativa de crescimento foi mantida, o FMI espera que o Brasil cresça +1,5% e não +1,9%, como estimado anteriormente.
Se os cenários atuais do FMI e da OCDE se confirmarem, a recuperação da economia mundial em 2021-2022 será mais intensa do que no biênio que sucedeu a crise financeira global (CFG) de 2008, resultado que era de se esperar diante da maior intensidade da crise da Covid-19 e da magnitude das medidas emergenciais adotadas. O crescimento em 2021 também será mais elevado que em 2007, pico do boom de crescimento global que precedeu a CFG.
O FMI destaca que “o grande abismo no acesso às vacinas” entre as economias avançadas (EAs) e as economias de mercado emergente e em desenvolvimento (EMEDs) – bem como entre as economias emergentes (EMEs) e as economias em desenvolvimento de baixa renda, onde somente 5% da população encontra-se totalmente imunizada – segue sendo a principal ameaça à recuperação global.
Enquanto este quadro persistir, seguirá aumentando a divergência no desempenho econômico dos dois grupos de países, segundo o FMI. As diferenças no grau de suporte proporcionado pela política fiscal são outro condicionante dessa divergência. Enquanto várias economias emergentes já iniciaram a retirada dos estímulos fiscais, nas economias avançadas a política fiscal segue expansionista.
Já as condições monetárias e financeiras, de forma geral, seguirão favoráveis na visão do Fundo, embora o contexto seja ainda de alta incerteza, muito vulnerável a novos surtos de volatilidade. Nas principais EAs, as taxas de juros básicas não devem ser alteradas até o final de 2022, mas a progressiva desmontagem das políticas de compra de ativos (afrouxamento quantitativo) deve se iniciar antes.
Em algumas economias emergentes, como Brasil, Chile, México e Rússia, o FMI destaca que a política monetária já se tornou menos acomodatícia diante de pressões inflacionárias, que, embora em menor grau, também estão surgindo em algumas economias avançadas, em particular nos Estados Unidos.
Essas pressões decorrem de um conjunto de fatores, dentre os quais se destacam o descasamento entre a oferta e demanda em vários setores manufatureiros devido à pandemia e a alta das cotações das commodities, sob liderança dos metais, puxada pela retomada do crescimento. Embora esses fatores apontem para um cenário incerto para a inflação, o FMI projeta que a inflação deve desacelerar para o patamar pré-pandemia em 2022 na maioria dos países.
O desempenho recente e as hipóteses sobre o acesso às vacinas, a orientação das políticas fiscal e monetária, as condições financeiras globais e a inflação estão subjacentes às projeções do Fundo para os dois grupos de economias. O crescimento previsto em 2021 para as EAs e EMDEs sofreu revisão em direções opostas frente ao cenário de julho: de +5,6% para +5,2% no primeiro caso e de +6,3% para +6,4% no segundo caso.
Além do cenário de curto prazo (para 2021-2022), o relatório também detalha as perspectivas para o médio prazo (2023 a 2025). A divergência na velocidade de recuperação entre os dois grupos de economias tem alta probabilidade de deixar marcas duradouras, denominadas pelo FMI de “scarring” (numa tradução livre, “cicatrizes”), com desempenho de médio prazo abaixo das projeções anteriores à crise da Covid-19.
Tais cicatrizes serão mais profundas nas economias emergentes e em desenvolvimento do que nas economias avançadas e, além disso, há também importantes assimetrias no interior de cada um destes grupos de países, segundo o Fundo.
De acordo com as projeções atuais, o PIB das EAs deve retornar à tendência pré-pandemia no final de 2022 e crescer ligeiramente acima dessa tendência a partir de 2023. Isso devido, sobretudo, ao desempenho dos Estados Unidos, cujo PIB estimado estará acima dessa tendência em 2024 graças ao impacto positivo do novo pacote de infraestrutura do governo Biden.
Nas EMEDs, por sua vez, o PIB deve permanecer abaixo da trajetória anterior ao choque pandêmico até 2025, ou seja, dois anos de atraso em relação às economias avançadas. Além disso, hiatos de produto negativos são previstos para várias economias nos próximos três anos. Ou seja, o “scarring” será difundido fora das EAs.
O maior hiato negativo até 2024 é previsto para a Ásia emergente e em desenvolvimento, seguida pela América Latina e Caribe, África subsaariana e Oriente Médio e Ásia Central; no âmbito das EMEDs, somente a Europa emergente e em desenvolvimento deve ter um hiato positivo.
Um perfil semelhante de marcas duradouras importantes nas economias emergentes e em desenvolvimento (EMEDs) é previsto nos mercados de trabalho, o que sugere que o emprego é um canal-chave por meio do qual se manifesta o chamado “scarring”.
De acordo com o FMI, o cenário atual continua permeado por incertezas em relação à evolução da própria pandemia, mas também ao desempenho da inflação e às condições financeiras globais, tendo viés negativo tanto no curto como no médio prazo. Em outros termos, há maior probabilidade de um crescimento global menor do que o estimado neste cenário de out/21. Vale lembrar que em abr/21 o viés era neutro no curto prazo e positivo no médio prazo, como discutiu a Carta IEDI n. 1082 .
Para evitar que os riscos negativos se concretizem, atenuar a divergência entre as EMEDs e EAs e garantir uma recuperação sustentável, o FMI apresenta um amplo leque de recomendações de política. Em âmbito multilateral, se destacam o reforço das ações da comunidade internacional para garantir a disponibilidade adequada de vacinas em todos países; políticas mais ousadas de mitigação e adaptação à mudança climática; e avanços na reestruturação e/ou reescalonamento das dívidas dos países em desenvolvimento com problemas de solvência externa.
Introdução
Esta carta IEDI apresenta o cenário atual do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o desempenho da economia global em 2021 e 2022 divulgado no World Economic Outlook de outubro último. A primeira seção apresenta esse cenário, bem como as projeções da UNCTAD e da OCDE divulgadas em setembro. A segunda e terceira seções sumarizam, respectivamente, os riscos subjacentes a esse cenário e as iniciativas de política recomendadas pelo FMI para garantir uma recuperação sustentável após a pandemia.
Cenário para a economia global
De acordo com o cenário básico do FMI de outubro de 2021, após a contração de -3,1% em 2020 (um pouco mais suave que a estimada em outubro, de -3,3%), a economia global registrará um crescimento de +5,9% em 2021, ligeiramente abaixo dos +6% projetados na atualização do cenário em julho, devido ao ajuste nas previsões para as economias avançadas (EAs) e as economias em desenvolvimento de baixa renda, como detalhado a seguir. Já a estimativa para 2022, de +4,9%, foi mantida. Os cenários das demais organizações internacionais para 2021 e 2022 são menos otimistas: a OCDE projeta +5,7% e +4,5%, enquanto a UNCTAD +5,3% e +3,6%, respectivamente.
Como mencionado anteriormente nessa carta, os diferentes modelos subjacentes e hipóteses assumidas explicam essas diferenças. Num contexto altamente incerto como o atual, associado à natureza específica da crise pandêmica, essas hipóteses assumem uma importância especial na explicação dos diversos cenários, sobretudo aquelas referentes ao ritmo de vacinação nas economias de mercado emergente e em desenvolvimento (EMDEs), ao surgimento de novas variantes de Covid-19, à resiliência da recuperação, aos descasamento entre oferta e demanda em vários mercados provocado pela crise e as consequentes pressões inflacionárias.
Se os cenários atuais do FMI e da OCDE se confirmarem, a recuperação no biênio 2021-2022 será mais intensa do que no biênio que sucedeu a crise financeira global (CFG) de 2008, resultado que era de se esperar diante da maior intensidade da crise da Covid-19. O crescimento em 2021 será mais elevado que o registrado em 2007, pico do boom de crescimento global que precedeu a CFG. Contudo, as perspectivas para o desempenho da economia internacional continuam muito incertas, como detalhado a seguir.
Embora o desempenho global no primeiro trimestre tenha sido melhor do que o antecipado, como reflexo da adaptação da atividade econômica ao abrandamento da pandemia com o avanço da vacinação nas EAs, no segundo trimestre o dinamismo perdeu ritmo em função do crescimento das infecções nas EMDEs e perturbações de oferta em vários setores. A composição dos gastos reflete a escassez de insumos que contribuiu para um fraco desempenho do investimento. Já os indicadores antecedentes mais recentes sinalizam que a velocidade da recuperação desacelerou, mas se tornou mais disseminada entre os setores.
O acesso às vacinas segue sendo a principal ameaça à recuperação global, segundo o FMI. O progresso da vacinação desde abril foi significativo nas EAs, com 58% da população imunizada em setembro de 2021. Num contexto de ampla disponibilidade de vacinas, a relutância da população em se vacinar evitou um avanço maior.
Em contrapartida, nas EMEDs, o progresso foi muito menor diante da oferta insuficiente, associada, em parte, às restrições às exportações impostas por alguns países avançados. Divergência importante também é observada no interior do grupo de EMEDs. Enquanto nas economias emergentes (EMEs) 36% da população já estava totalmente vacinada em setembro, nas economias em desenvolvimento de baixa renda esse percentual era de somente 5%.
O cenário do FMI supõe que em algumas EMEs o acesso às vacinas atingirá o patamar atual das EAs no final de 2021, mas na maioria das EMEDs esse patamar será alcançado somente em 2022 ou 2023.
As demais hipóteses relativas ao controle da pandemia são:
(i) somente a vacinação não será suficiente para erradicar completamente a transmissão do vírus da Covid-19, embora ela seja efetiva contra seus efeitos mais adversos (doenças grave e mortes), como evidenciam as experiências recentes nas EAs, com destaque para o Reino Unido;
(ii) hospitalizações e mortes devem atingir baixos patamares no final de 2022 graças ao amplo acesso às vacinas, bem como a terapias e medidas preventivas mais focadas e efetivas;
(iii) possibilidade de novos surtos, especialmente antes que a vacinação torne-se difundida.
O FMI destaca que enquanto “o grande abismo no acesso às vacinas” persistir, a divergência no desempenho econômico dos dois grupos de países aumentará. Pressões para a aplicação de doses de reforço nos países com taxas já elevadas de vacinação podem adiar ainda mais o progresso naqueles que ainda se encontram no estágio inicial de imunização.
Como a Organização Internacional da Saúde (OMS) têm destacado, é alta a probabilidade de surgimento de variantes mais transmissíveis e mortais enquanto uma parcela expressiva da população mundial continuar sem proteção.
As diferenças no grau de suporte proporcionado pela política fiscal são outro condicionante dessa assimetria. Enquanto várias EMEs já iniciaram a retirada dos estímulos fiscais, na medida em que o próprio espaço para manter uma orientação expansionista diminuiu com a duração da pandemia, nas EAs a política fiscal segue expansionista.
Neste grupo das economias avançadas, o suporte fiscal possibilitou a recomposição ou aumento das poupanças das famílias, criando as condições para a recuperação da demanda privada, que deve se reforçar em 2022 quando a orientação da política fiscal deve iniciar sua mudança de direção, segundo o cenário atual. A hipótese do fundo é de que o gasto privado se tornará o pilar do crescimento em substituição aos estímulos fiscais nesse grupo.
As condições monetárias e financeiras, de forma geral, seguirão favoráveis segundo o Fundo, embora o contexto seja ainda de alta incerteza, muito vulnerável a novos surtos de volatilidade, como no primeiro semestre de 2021 – desencadeado pelo ajuste das expectativas sobre a inflação e política monetária nos Estados Unidos e pela proliferação da variante Delta e suas possíveis implicações para a recuperação global.
Nas principais EAs, as taxas de juros básicas não devem ser alteradas até o final de 2022, mas a progressiva desmontagem das políticas de compra de ativos (afrouxamento quantitativo) deve se iniciar antes - inclusive, já se encontra em curso na Austrália e Canadá.
O renovado apetite ao risco dos investidores globais a partir de março de 2021 contribuiu para a redução dos spreads de crédito e para a retomada dos fluxos de portfólio (especialmente títulos emitidos no mercado internacional) para as EMEs. Contudo, em algumas dessas economias, como Brasil, Chile, México e Rússia, a política monetária já se tornou menos acomodatícia diante de pressões inflacionárias – que também estão surgindo, embora em menor grau, em algumas EAs, em particular nos Estados Unidos.
Essas pressões inflacionárias decorrem de um conjunto de fatores, dentre os quais dois se destacam:
• O primeiro refere-se ao descasamento entre a oferta e demanda provocados pela pandemia em vários setores manufatureiros - sobretudo nos setores produtores de insumos intermediários, que não estão conseguindo aumentar a produção no ritmo necessário para satisfazer a demanda. Adicionalmente, a distribuição de contêineres marítimos tornou-se distorcida e interrupções temporárias (como o fechamento do canal de Suez e congestionamentos nos portos de Los Ageles e Lon Beach) exacerbaram os atrasos nos prazos. Apesar desses fatores adversos, o volume do comércio internacional deve avançar quase +10% em 2021, após uma queda um pouco mais intensa em 2020.
• O segundo fator é a alta das cotações das commodities sob liderança dos metais, puxada pela retomada do crescimento. O FMI projeta um avanço de quase +60% no preço do Petróleo e de +27% no índice de commodities agrícolas e metálicas em 2021.
No caso específico dos Estados Unidos, o crescimento dos salários em alguns setores, como lazer, hotelaria, varejo e transportes, constitui um fator adicional a pressionar a aceleração da inflação.
Embora esses fatores apontem para um cenário incerto para a inflação, o FMI projeta sua desaceleração para o patamar pré-pandemia, em 2022, na maioria dos países em função de três evidências:
(i) as taxas de desemprego continuam maiores que as vigentes antes da crise do Covid-19;
(ii) nas EAs, as expectativas de inflação seguem ancoradas;
(iii) fatores estruturais que têm reduzido a sensibilidade dos preços a situações de sobreaquecimento do mercado de trabalho – como o avanço da automação – continuam presentes ou estão se intensificando.
Todavia, em algumas EMEDs, as pressões inflacionárias se manterão elevadas também em 2022, devido ao maior pass-through da alta dos preços dos alimentos e do petróleo.
O desempenho recente e as hipóteses sobre o acesso às vacinas, a orientação das políticas fiscal e monetária, as condições financeiras globais e a inflação, sumarizadas acima, estão subjacentes às projeções para os dois grupos de economias.
O crescimento previsto em 2021 para as EAs e EMDEs sofreu revisão em direções opostas frente ao cenário de julho: de +5,6% para +5,2% no primeiro caso e de +6,3% para +6,4% no segundo caso. Com isso, o diferencial de crescimento a favor das EMEDs se ampliou de +0,7 ponto percentual (p.p.) para +1,2 p.p. Já para 2022, a previsão para as EAs foi mantida em +4,9%, enquanto para as EMEDs foi reduzida em 1 p.p para +5,2%. Com isso, o diferencial será reduzido pela metade (+0,6 p.p).
No caso das EAs, a revisão de -0,4 p.p em 2021 reflete, principalmente, o menor crescimento previsto para três economias:
• Estados Unidos (de +7% para +6%) - como reflexo de queda dos estoques associadas em parte às perturbações na oferta e ao desaquecimento do consumo no 2º trim/21, mesmo levando em consideração o pacote de infraestrutura do governo Biden e as iniciativas para reforçar a rede de segurança social;
• Alemanha (de +3,6% para +3,1%) - devido, sobretudo, à escassez de alguns insumos que afetou a produção manufatureira;
• Japão (de +2,8% para +2,4%) - em função do intensificação das medidas de distanciamento social em resposta ao recorde de infecções na nova onda da pandemia provocada pela variante Delta.
Para a área do Euro, o cenário foi revisto para cima (de +4,6% para +5%), em decorrência da incorporação do aumento dos empréstimos e subvenções no âmbito do esperado plano de recuperação para a União Europeia (Next Generation European Union - NGEU) e da aceleração do crescimento no 1º semestre com o avanço da vacinação (casos da França e da Itália).
Nas EMEDs, a Ásia emergente e em desenvolvimento foi a única região que teve seu crescimento revisto para baixo, de +7,5% para +7,2%, mas continua sendo o mais elevado neste grupo. O ajuste decorreu do ligeiro corte da projeção para a China (para +8% ou 0,1% menor do que na projeção de jul/21) e da redução mais intensa para os países da ASEAN (de +4,3% para +2,9%), que também enfrentaram um recrudescimento da pandemia.
Nas demais regiões, a melhora do cenário foi heterogênea. Em três regiões, as perspectivas favoráveis para os exportadores de commodities mais do que compensou o impacto ainda negativo da pandemia em alguns países: a projeção para a América Latina e Caribe aumentou de +5,8% para +6,3%, embora o desempenho das duas principais economias tenha sofrido um pequeno ajuste para baixo (de -0,1 p.p): do Brasil para +5,2% e do México para +6,2%.
Completando o quando das EMEDs, a projeção para a África subsaariana avançou de +3,4% para +3,7% e para o Oriente Médio e Ásia Central de +4% para +4,1%. No caso da Europa emergente e em desenvolvimento, o aumento maior do que antecipado da demanda nas principais economias explica a revisão de +4,9% para +6%.
Neste último WEO, dvulgado em out/21, o FMI também detalhou o cenário para as economias em desenvolvimento de baixa renda. Embora esse subgrupo tenha registrado um pequeno crescimento em 2020 (+0,1) – ao contrário das EAs e EMEs – , a projeção para 2021 sofreu uma revisão negativa mais intensa do que no caso das EAs, de +3,9% para +3%. O lento avanço da vacinação constituiu o principal determinante deste ajuste.
De acordo com estimativas da equipe do FMI, estas economias necessitarão em torno de US$ 200 milhões para combater a pandemia e de US$ 250 bilhões para retomar a trajetória de convergência em curso antes da crise da Covid-19. As perspectivas do mercado de trabalho para trabalhadores de baixa qualificação continuam sombrias, apontando para o aumento da desigualdade e maior vulnerabilidade à queda da renda abaixo do patamar de extrema pobreza. A previsão é de que aproximadamente 65 a 70 milhões adicionais de pessoas estarão abaixo desse patamar, em comparação à situação pré-pandemia.
Além do cenário de curto prazo (2021-2022), o relatório também detalha as perspectivas para o médio prazo (2023 a 2025). A divergência na velocidade de recuperação entre os dois grupos de economias tem alta probabilidade de deixar marcas duradouras, denominadas pelo FMI de “scarring” (numa tradução livre, “cicatrizes”), refletindo-se em desempenho de médio prazo abaixo das projeções anteriores à crise do Covid-19. As cicatrizes serão mais profundas nas EMDEs do que nas EAs e há também importantes assimetrias no interior de cada grupo.
De acordo com as projeções atuais, o Produto Interno Bruto (PIB) das EAs deve retornar à tendência pré-pandemia no final de 2022 e crescer ligeiramente acima dessa tendência a partir de 2023, sobretudo, devido ao desempenho dos Estados Unidos, cujo PIB estimado estará acima dessa tendência em 2024, graças ao impacto do novo pacote de infraestrutura do governo Biden. Nas EMEDs, contudo, o PIB deve permanecer abaixo da trajetória anterior ao choque pandêmico até 2025.
Além disso, hiatos de produto negativos são previstos para várias economias nos próximos três anos. Ou seja, o “scarring” será difundido fora das EAs. O maior hiato negativo até 2024 é previsto para a Ásia emergente e em desenvolvimento, seguida pela América Latina e Caribe, África subsaariana e Oriente Médio e Ásia Central; no âmbito das EMEDs, somente a Europa emergente e em desenvolvimento deve ter um hiato positivo. Um perfil semelhante de maiores marcas duradouras nas EMEDs é previsto nos mercados de trabalho, o que sugere que o emprego é um canal-chave mediante o qual o “scarring” se manifesta.
Assim, enquanto após a CFG as marcas duradouras foram mais profundas nas EAs do que nas EMEDs, atualmente o oposto será observado, segundo o FMI. O padrão atual é consistente com a maior proteção contra possíveis novos choques de Covid-19, devido ao diferente acesso às vacinas e ao maior apoio fiscal nas EAs. Na comparação com o cenário de abr/21, as projeções para o PIB de médio prazo foram revistas para cima exatamente nos países com maiores avanços nas taxas de vacinação e no reforço da política contracíclica.
Balanço de riscos
De acordo com o FMI, as projeções, sumarizadas acima, estão permeadas de incertezas em relação à evolução da pandemia, ao desempenho da inflação e às condições financeiras globais. No cenário atual, o viés é negativo tanto no curto como no médio prazo, enquanto em abr/21 o viés era neutro no curto prazo e positivo no médio prazo (ver Carta IEDI n. 1082). O quadro abaixo sintetiza os fatores que podem afetar esse cenário negativamente e positivamente
Recomendações de política
Diante da divergência no desempenho econômico entre os dois grupos de economia e dos riscos que permeiam seu cenário atual, o FMI apresenta três conjuntos de recomendações de política para garantir uma recuperação sustentável:
1. Em âmbito multilateral:
• Reforço das ações da comunidade internacional para garantir a disponibilidade adequada de vacinas em todos países, dentre as quais maiores doações, facilitação da entrega e aumento da diversificação e da capacidade de produção e distribuição nos países com baixa cobertura;
• Políticas de mitigação e adaptação à mudança climática mais ousadas diante da escala dos impactos adversos do aquecimento global, o que requer coordenação de iniciativas nacionais, sendo a COP26 uma excelente oportunidade para a negociação e concretização dessas iniciativas;
• Avanços na reestruturação e/ou reescalonamento das dívidas dos países em desenvolvimento com problemas de solvência externa no âmbito do Common Framework for Debt Payment beyond the Debt Service Suspension Iniciative (DSSI) endossado pelo G20 em novembro de 2020, já que nesse caso as iniciativas adotadas para prover liquidez – a DSSI e a alocação recorde de US$ 650 bilhões de Direitos Especiais de Saque (DES) – não são suficientes;
• Reduzir as tensões comerciais e tecnológicas, fortalecer o sistema de comércio multilateral e finalizar o acordo internacional referente ao imposto mínimo sobre as empresas transnacionais.
2. Em âmbito nacional, a política econômica deve responder à realidade de cada país em termos da evolução da pandemia e do espaço de política, mas as recomendações gerais são:
• Política fiscal: no curto prazo, priorização dos gastos no setor de saúde para erradicar a pandemia e medidas focadas de apoio para as famílias e empresas mais atingidas pela crise; nos países com menor espaço de política, particularmente algumas EMEDs, a revisão de subsídios e gastos mal direcionados, bem como medidas contra a evasão fiscal e para aumentar a eficácia da arrecadação podem ser necessários para ampliar esse espaço; no médio prazo, os arcabouços fiscais devem aperfeiçoar o trade-off entre medidas contracíclicas, estabelecimento de amortecedores para enfrentar choques futuros e objetivos estruturais de longo prazo;
• Política monetária: a manutenção da credibilidade dos bancos centrais é crucial; assim, eles devem estar preparados para mudar rapidamente a orientação da política monetária de expansionista para contracionista se a recuperação se acelerar num ritmo maior do que o esperado, resultando em alta persistente dos preços e deterioração das expectativas inflacionárias; os bancos centrais com mandato duplo (inflação e emprego) em economias enfrentando pressões inflacionárias, mas ainda com altas taxas de desemprego, enfrentam desafios adicionais, mas devem priorizar o controle da inflação para não ameaçar sua credibilidade; em contrapartida, nos países onde essas pressões ainda são tímidas, as expectativas inflacionárias seguem abaixo da meta da autoridade monetária e o mercado de trabalho continua deprimido, a orientação deve permanecer acomodatícia;
• Política financeira: as ações direcionadas para a sustentação do crédito e estabilização dos balanços – incluindo garantias de crédito, moratória de dívida e relaxamento dos colchões de liquidez de capital – devem ser tornar mais focadas, priorizando bancos e empresas pequenas, mas solventes, em setores mais atingidos pela pandemia;
• Medidas preventivas ao aperto nas condições financeiras globais: as EMEDs devem se preparar para a possível alta das taxas de juros nas EAs mediante aumento dos prazos de maturidade das dívidas e medidas para evitar descasamentos nos balanços; nos países onde esses descasamentos são pequenos e com mercados financeiros profundos, taxas de câmbio flexíveis podem contribuir para a absorção dos choques externos, permitindo que a política monetária tenha como foco as condições macroeconômicas domésticas; intervenções cambiais e medidas temporárias de gestão dos fluxos de capital podem ser úteis em situações de vulnerabilidade.
3. Quando a trajetória de crescimento pós-pandemia se consolidar, as iniciativas de política devem priorizar:
• Criação de novas oportunidades para o crescimento mediante investimentos sustentáveis ambientalmente e avanço da digitalização;
• Reversão dos impactos negativos da pandemia sobre a acumulação do capital humano, devido ao fechamento de escolas mediante investimento em educação;
• Diminuição da desigualdade: além desses investimentos, que favorecem a queda da desigualdade, a rede de proteção social deve ser reforçada mediante várias medidas, dentre as quais programas condicionais de transferência de renda, cobertura de saúde para a população de baixa renda e ampliação do seguro-desemprego
• Redução do endividamento público, que atingiu patamares muito elevados, devido aos gastos diretos e indiretos associados à pandemia, sobretudo nas EMEDs, mediante aumento das receitas – por meio de maior progressividade tributária, adoção de impostos sobre valor adicionado, ampliação da base tributária, entre outros - e melhora na governança dos investimentos públicos.