Carta IEDI
Compras Públicas de Inovação no Brasil: as recomendações do BID
A Carta IEDI de hoje trata do estudo “Revisitando as compras públicas de inovação no Brasil: Oportunidades jurídicas e institucionais”, recém-publicado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que reconhece a importância do papel do Estado na criação das condições sistêmicas e institucionais para que as empresas possam desenvolver, introduzir e difundir no mercado novos produtos, serviços e processos.
Segundo o BID, para isso, o Estado atua por meio de políticas de estímulo à oferta e à demanda de inovação, utilizando uma miríade de instrumentos de influência recíproca entre os atores da tríade governo, setor privado e academia.
São exemplos de instrumentos do lado da oferta, as bolsas de pesquisa, o crédito subsidiado, o financiamento concessional não reembolsável e os incentivos fiscais. Já as compras governamentais de inovação são o instrumento, por excelência, das políticas de inovação do lado da demanda, criando as condições para o surgimento de inovações ou para ampliação da demanda por para novos produtos, serviços ou processos no mercado.
Na sequência, o estudo apresenta um diagnóstico do Sistema Nacional de Inovação (SNI) brasileiro e examina o arcabouço jurídico e institucional das compras públicas de inovação no Brasil, destacando os entraves à utilização desse importante instrumento de estímulo à inovação e à difusão tecnológica.
Os autores ressaltam que o Brasil possui um SNI institucionalmente complexo, com presença de instituições de pesquisa e ensino consolidadas em diversos setores, de um conjunto amplo de fontes de financiamento e de instrumentos de política voltados a estimular tanto a oferta quanto a demanda por inovação na economia.
Todavia, os investimentos privados em P&D&I e o número de pesquisadores, cientistas e engenheiros ainda são baixos quando comparados aos países desenvolvidos. Além disso, os investimentos privados em inovação, em geral pró-cíclicos (com tendência de redução em períodos de contração econômica), são, sobretudo, afetados pelas condições sistêmicas desfavoráveis do ambiente de negócio.
Na avaliação dos autores, o foco majoritário em incentivos fiscais no portfólio de políticas de apoio à inovação e a influência negativa do cenário macroeconômico e das políticas de ajuste fiscal sobre os investimentos públicos em P&D&I prejudicam o desempenho do sistema como um todo.
Em 2018, segundo os autores do estudo, os incentivos fiscais representavam 56,3% de um total de R$ 24,3 bilhões de recursos públicos destinados ao apoio à inovação ante apenas 16,9% destinados às compras públicas de inovação.
Embora seja o principal instrumento de compra pública de inovação no país, a encomenda tecnológica ainda é muito pouco utilizada. A legislação em vigor permite ao poder público contratar diretamente, com dispensa de licitação, a realização de atividades de P&D&I orientadas à solução de problemas concretos com risco tecnológico que necessita ser partilhado entre o contratante e o contratado, mas ainda há muita incerteza jurídica na sua aplicação.
De acordo com os autores, nas compras públicas no Brasil impera uma cultura rígida, formalista e “punitivista”, marcada por uma lei geral que privilegia o “menor preço” e ambiciona abranger todo o conjunto heterogêneo de contratações firmadas pelo poder público.
Como os gestores temem ser responsabilizados por suas decisões, caso algum aspecto da contratação seja interpretado como indício de ilegalidade, a rigidez do arcabouço legal das licitações e contratos públicos tem criado obstáculos para o uso estratégico do poder de compra do Estado, prejudicando o uso deste instrumento para estimular a demanda por inovação na economia. A Nova Lei de Licitações aprovada em abr/21 pode vir a melhorar este quadro.
Frente a esse diagnóstico, o estudo traz um conjunto de recomendações, tanto para assegurar maior efetividade das políticas de estímulos à inovação como para ampliar o uso das encomendas tecnológicas como instrumento de incentivo à inovação no Brasil:
• Estimular a coordenação e a integração das políticas de inovação, de modo a ampliar seu alcance e potencial de sucesso mediante a integração dos vários instrumentos de política disponíveis nas esferas federal, estadual e municipal.
• Reforçar e consolidar modelos diferenciados de gestão na área de C,T&I, tais como as Organizações da Sociedade Civil (OSC) e de Organização Social (OS), que combinam maior flexibilidade de atuação com regras claras de transparência e um sistema de controle de resultados de suas atividades.
• Assegurar a diversidade e estabilidade de recursos para o financiamento de instrumentos e políticas de C,T&I mediante a simplificação da Lei do Bem e do aperfeiçoamento da legislação de fundos patrimoniais para financiar atividades de P&D&I.
• Adotar instrumentos orientados à missão para articular políticas do lado da demanda e que conciliem academia e setor produtivo, utilizando o poder de compra do Estado para o realinhamento do mix de políticas de apoio direto e indireto à inovação empresarial no Brasil.
• Adotar ações de monitoramento e ciclos de avaliação das políticas de C,T&I, ausentes no Brasil, intensificando o uso de tecnologias de informação e comunicação na coleta, armazenamento, tratamento e disponibilização de dados sobre inovação e exigindo que cada nova intervenção em C,T&I financiados pelo Estado seja objeto de avaliação independente, em período e profundidade adequados.
• Trazer a agenda de inovação para o nível estratégico do governo, por meio da criação de uma Câmara de Inovação, ligada diretamente à Presidência da República, com a função de coordenar órgãos e entidades dedicados à C,T&I, assegurando coesão e complementaridade a suas atividades.
• Ampliar o uso do poder de compra do Estado como instrumento de incentivo à demanda por inovação mediante a revisão da legislação rígida, detalhista e formalista, que causa um engessamento significativo da gestão pública.
• Colocar em prática a regulação já existente da encomenda tecnológica, cujas características em termos de preço e risco esbarram no comportamento usual dos servidores públicos, responsáveis pelas tomadas de decisão e pelas compras públicas.
• Ampliar as contratações públicas de inovação mediante: i) ações de convencimento e propaganda para consolidar o entendimento de que os instrumentos de contratações públicas de inovação devem ser interpretados e aplicados separadamente da legislação que rege as compras públicas em geral; ii) priorização de caminhos já conhecidos na contratação de inovação, com os quais gestores e dos órgãos de controle possuam familiaridade.
• Aplicação mais efetiva da Lei de Introdução das Normas do Direito Brasileiro (LINDB) ante o controle exercido em licitações e contratos, de modo a limitar a responsabilização do servidor público por suas decisões e opiniões técnicas aos casos de dolo e erro grosseiro.
Introdução
A Carta IEDI de hoje aborda o estudo “Revisitando as compras públicas de inovação no Brasil: Oportunidades jurídicas e institucionais”, recém-publicado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) (https://publications.iadb.org/pt/revisitando-compras-publicas-de-inovacao-no-brasil-oportunidades-juridicas-e-institucionais), elaborado por Rafael Carvalho de Fassio, pesquisador do Observatório da Inovação do Instituto de Estudos Avançados (OIC/IEA) da USP e por Vanderléia Radaelli, Eduardo Azevedo e Karina Diaz, especialistas do BID em inovação e compras públicas.
O estudo apresenta um diagnóstico do Sistema Nacional de Inovação brasileiro e examina o arcabouço jurídico e institucional das compras públicas de inovação no Brasil, destacando os entraves à utilização desse importante instrumento de estímulo à inovação e à difusão tecnológica. Traz, igualmente, uma série de recomendações tanto para assegurar maior efetividade das políticas de estímulos à inovação como para ampliar o uso das encomendas tecnológicas como instrumento de incentivo à inovação no Brasil.
O ponto de partida do estudo é o reconhecimento da importância do papel do Estado na criação das condições sistêmicas e institucionais para que as empresas, agentes diretamente responsáveis pela inovação, possam desenvolver, introduzir e difundir no mercado novos produtos, serviços e processos.
Encomendas Públicas como Instrumento de Estímulo à Inovação
De acordo com o estudo do BID, a inovação tecnológica possui, de forma simultânea, três características principais: i) é incerta, uma vez que os resultados são desconhecidos ex ante; ii) é cumulativa, pois se baseia em conhecimento, cuja agregação exige a articulação de atores relevantes; iii) é coletiva, dado que a criação e a difusão de inovações no mercado é viabilizada pelo compartilhamento de riscos entre atores públicos e privados.
Nessa perspectiva sistêmica, a inovação é entendida como resultado de “uma trajetória dinâmica e multidirecional de interações reiteradas entre atores diversos e situados em etapas diferentes do processo inovativo”.
O Estado atua, nesse contexto, por meio de políticas de estímulo à oferta e à demanda de inovação, utilizando uma miríade de instrumentos de influência recíproca entre os atores da tríade governo, setor privado e academia. As políticas de demanda e oferta são complementares e são ambas igualmente importantes, dado que a inovação decorre justamente da interação entre oferta e demanda no setor produtivo.
No lado da oferta de inovação, os instrumentos de política buscam garantir os recursos necessários à pesquisa, ao desenvolvimento e à difusão de inovações por empresas, universidades e instituições de pesquisa. São exemplos de instrumentos do lado da oferta, as bolsas de pesquisa, o crédito subsidiado, o financiamento concessional não reembolsável e os incentivos fiscais.
Já as compras governamentais são o instrumento, por excelência, das políticas de inovação do lado da demanda, as quais têm por objetivo criar as condições para o surgimento de inovações ou para ampliação da demanda por novos produtos, serviços ou processos no mercado. As compras governamentais aumentam os incentivos para que a indústria invista em inovação, gerando efeito transbordamento e reduzindo as barreiras à difusão de novas tecnologias no mercado.
Na literatura, as compras públicas de inovação em sua acepção mais restrita, dizem respeito à aquisição de produtos, serviços ou de processos já inseridos no mercado ou prestes a serem lançados. Contudo, o estudo do BID adota uma definição mais ampla, que abarca também as compras pré-comerciais, ou seja, àquelas que envolvem a “contratação de serviços de P&D para desenvolver produto, serviço ou processo ainda inexistente”, assim como outros exemplos do uso do poder de compra do Estado com a finalidade de aproximar os setores público e privado e diminuir as barreiras inerentes à inovação tecnológica.
No Brasil, a legislação em vigor permite ao poder público contratar diretamente, com dispensa de licitação, a realização de atividades de P&D&I orientadas à solução de problemas concretos, nas quais é necessário o compartilhamento de risco tecnológico. Contudo, como será visto, o BID avalia que este instrumento ainda é subutilizado no país.
O Sistema Nacional de Inovação Brasileiro
Como representado na figura abaixo, o Sistema Nacional de Inovação (SNI) brasileiro é formado por quatro subsistemas: Educação e pesquisa, Regulação e políticas públicas de financiamento, e produção e inovação. Nesses subsistemas, atuam diversos atores, públicos e privados, que se dedicam à ciência, tecnologia e inovação (C,T&I). De acordo com o estudo, “o desenvolvimento de novos relacionamentos entre esses atores é crucial para que a inovação ocorra”.
A construção dessa arquitetura institucional complexa, e que, até hoje, ainda segue em processo de consolidação, teve início nos anos 1950. Na primeira metade desta década, foram criados: o Conselho Nacional de Pesquisa, atual CNPq, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), o BNDES, a Petrobras e Centro Técnico Aeroespacial (CTA).
Nessa fase de “construção institucional acelerada” para estimular a atividade de pesquisa e desenvolvimento pela academia e pelo setor produtivo, que se estendeu até o final da década de 1970, ocorreu ainda a criação do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e a Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
No plano das políticas públicas, o planejamento voltado às áreas da ciência e tecnologia foi objeto dos Planos Básicos de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PBDCT), os quais integravam os Planos Nacionais de Desenvolvimento (PNDs), estabelecidos para os períodos 1973-1974 e 1975-1979. Todavia, de acordo com os autores, o objetivo da política científica e tecnológica foi, em grande medida, ofuscado pela política industrial centrada em substituição de importações.
No âmbito dos estados, à criação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) em 1960 seguiu-se a implantação de institutos públicos de pesquisa, centros de pesquisa de empresas estatais e de diversas fundações estaduais de amparo à pesquisa (Faps).
No período de 1980-2000, em razão da crise da dívida externa, explosão da dívida pública e crise inflacionária, a construção institucional do SNI brasileiro foi mais lenta e muito menos intensa. A criação do Ministério da Ciência e Tecnologia (hoje MCTI) em 1985, representa o marco institucional mais relevante até a abertura econômica do início da década de 1990.
A perspectiva neoliberal da abertura externa, segundo os autores, se traduziu no relativo abandono das políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I) e, de forma mais ampla, da própria política industrial brasileira, que só foram retomadas no final dos anos 1990, resultando no lançamento, no biênio 2000-2001, de quinze fundos setoriais, dos quais treze verticais e dois transversais. Mediante diversas leis e decretos, os recursos orçamentários do FNDCT foram vinculados à aplicação em programas de pesquisa e desenvolvimento tecnológico.
Esses fundos foram criados para garantir uma fonte de recursos estável e perene ao SNI brasileiro, que enfrentava vários gargalos, como: a crescente escassez na oferta de financiamento público, o reduzido grau de investimentos privados em atividades de P&D&I e os poucos projetos de pesquisa realizados em parceria com empresas. Porém, o estudo destaca que a legislação bastante heterogênea dos fundos setoriais dificultou uma atuação sistêmica e favoreceu uma distribuição de recursos desigual e fragmentada.
O lançamento da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) em 2003 marca o início da fase recente, ainda em curso, de consolidação e integração jurídico-institucional do SNI brasileiro. Segundo os autores, com PITCE a inovação passou a integrar uma agenda de planejamento governamental voltada a aprofundar a integração entre governo, academia e setor produtivo.
Na sequência da PITCE, foram adotadas outras importantes iniciativas, tais como: o Plano de Ação para a Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional (PACTI), em 2006, a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), em 2008, e o Plano Brasil Maior (PBM), em 2011.
No âmbito do PBM, ocorreu igualmente o lançamento da Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI) para o período 2012-2015 e o Plano Inova Empresa, o qual contava com um orçamento de R$ 32,9 bilhões destinados ao financiamento público de atividades empresariais em inovação. E, em 2016, foi lançada a versão atual da Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI) para o período 2016-2022.
A fase atual se distingue igualmente no plano legal, em razão de transformações importantes, com destaque para a Lei de Inovação (Lei nº 10.973/2004), a Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/2005), a Lei do Bem (Lei nº 11.196/2005), a reorganização do FNDCT (Lei nº 11.540/2007) e a Emenda Constitucional nº 85/2015.
Instituída com objetivo de ocasionar um “verdadeiro ‘choque de gestão’ no setor científico”, criando regras para aumentar a mobilidade de pesquisadores e permitir maiores oportunidades de intercâmbio com o setor privado, a Lei de Inovação não teve, contudo, segundo o estudo, os resultados esperados. De modo geral, os instrumentos e incentivos previstos na lei foram subutilizados e as parcerias público-privadas para o desenvolvimento tecnológico permaneceram em patamares aquém dos desejados.
Para reduzir os obstáculos burocráticos e dar mais flexibilidade às instituições que atuam no sistema de C,T&I, o Legislativo aprovou em 2016, o chamado “Novo Marco Legal de C,T&I” (Lei nº 12.243/2016). O Marco Legal alterou profundamente a Lei de Inovação, reescrevendo quase todos os seus artigos, bem como modificando artigos de outras leis relacionadas ao tema de ciência e tecnologia.
Mais recentemente, o regulamento da Lei de Inovação na esfera federal (Decreto nº 9.283/2018) disciplinou a contratação pelo poder público, com dispensa de licitação, de encomendas tecnológicas orientadas à missão.
O período atual também se caracteriza pela experimentação de novos modelos jurídicos para execução e fomento a atividades de C,T&I externos à administração pública, que garantem maior flexibilidade em regras e controles típicos do Direito Administrativo, especialmente nas políticas de compras e de admissão de pessoal.
Esses são os casos da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), criada em 2004, e da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), em 2013. Enquanto a ABDI foi criada no modelo jurídico de serviço social autônomo (SSA), a Embrapii foi constituída como organização social (OS), à semelhança do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), criado em 2001.
O estudo ressalta que, em termos comparativos, o SNI brasileiro ocupa uma posição intermediária, no mesmo patamar de outros países em desenvolvimento, como Índia, África do Sul, México e Argentina. Porém, embora o Brasil conte com instituições de pesquisa e ensino consolidadas em diversos setores, os investimentos privados em P&D&I e o número de pesquisadores, cientistas e engenheiros ainda são baixos quando comparados aos países desenvolvidos.
Em proporção ao PIB, o investimento empresarial em P&D no Brasil, que chegou a 0,58% em 2014, impulsionado pelos investimentos extraordinários em P&D realizados pelo setor de telecomunicações em preparação para a Copa do Mundo, permanece muito distante da média da OCDE (1,64% em 2014). Na avaliação dos autores, as atividades de inovações no âmbito das empresas são desestimuladas, sobretudo, pelas condições sistêmicas desfavoráveis do ambiente de negócios.
Dados da última edição da PINTEC, pesquisa realizada pelo IBGE em 2017 e divulgada em abril de 2020, revelam queda nos principais indicadores agregados de inovação no país. A intensidade do P&D empresarial, expressa nos gastos privados de P&D como proporção do PIB, declinou para 0,50% em 2017 (ante 0,58% em 2014).
De igual modo, a taxa de inovação, isto é, percentual de empresas que implementam inovações de produtos e/ou processos em relação ao total de firmas consultadas, caiu em todos os setores pesquisados. Sobre este tema, ver também a Carta IEDI n. 1010 “Crise e Inovação no Brasil”.
Instrumentos de Apoio à C,T &I no Brasil
Como pode ser verificada na tabela a seguir, os incentivos fiscais destacam-se como o mais importante instrumento de fomento a atividades de P&D&I empresarial em todo o portfólio de políticas de apoio à inovação no Brasil, representando, 56,3% de um total de R$ 24,3 bilhões de recursos públicos destinados ao estímulo da inovação empresarial no ano de 2018. Em contraste, apenas 16,9% dos recursos públicos foram destinados às compras públicas de inovação.
Além do mix doméstico de políticas de inovação ser desbalanceado, segundo o estudo do BID, com excessiva priorização dos incentivos fiscais, seus autores sublinham que maior parte dos recursos é destinada a intervenções de caráter setorial, as quais favorecem principalmente os produtores de equipamentos eletrônicos e o setor automobilístico.
Somados, esses dois setores (eletrônicos e automobilístico) recebem recursos públicos federais superiores ao montante total mobilizado por programas de P&D obrigatório, crédito subsidiado, subvenções e investimentos não reembolsáveis do BNDES e da FINEP em empresas inovadoras.
Na avaliação dos autores, políticas de caráter mais horizontal, como a Lei do Bem, ficaram em segundo plano. Também destacam o pouco peso relativo da EMBRAPII, cujo modelo é instrumento de política de oferta de inovação de eficiência reconhecida na literatura e na experiência comparada.
Dados do MCTI, mencionados pelo estudo revelam que, em 2017, havia apenas 1.476 empresas adotantes da Lei do Bem em todo o Brasil, das quais cerca de 61% estavam concentradas na região Sudeste.
A baixa adesão à Lei do Bem se explica, ao menos em parte, pelos pré-requisitos exigidos pela legislação para usufruir dos incentivos, como a manutenção de situação regular perante o Fisco (o que se comprova, p. ex., com a apresentação de certidões negativas de débitos) e a obtenção de lucro no período.
De acordo com os autores, o principal entrave, contudo, parece ser a necessidade de optar pela tributação pelo lucro real para utilizar a Lei do Bem, o que, de imediato, exclui Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (que, geralmente, são optantes do SIMPLES) e as empresas tributadas sob o regime de lucro presumido.
A encomenda tecnológica é o principal instrumento de compra pública de inovação no país, pois permite ao poder público contratar diretamente, com dispensa de licitação, a realização de atividades de P&D&I orientadas à solução de problemas concretos com risco tecnológico. Este é o caso do desenvolvimento de produtos, serviços ou sistemas que ainda não estão disponíveis no mercado ou que, simplesmente, ainda não existem, nos quais o risco tecnológico necessita ser partilhado entre o contratante e o contratado. Contudo, o instrumento ainda é pouco utilizado, não obstante as iniciativas adotadas no âmbito legal para eliminar os entraves à realização de compras públicas de inovação no país.
Como já mencionado, em 2016, o Marco Legal de C,T&I (Lei nº 13.243/2016) alterou profundamente a Lei de Inovação, bem como modificou diversas leis relacionadas ao tema de ciência e tecnologia, de modo a viabilizar diversas iniciativas de cooperação público-privada em C,T&I.
Dentre essas, foi alterada a Lei de Licitação (Lei nº 8.666/1993), com a introdução de dispensa de licitação para a aquisição ou contratação de produtos para P&D e autorização para que o autor do projeto de P&D participe da licitação ou da execução de sua obra. Igualmente, foi introduzido adendo no RDC - Regime Diferenciado de Compra (Lei 12462/2011) para permitir sua utilização por órgãos e entidades dedicados à ciência, tecnologia e inovação.
Mais recentemente, o regulamento da Lei de Inovação na esfera federal (Decreto nº 9.283/2018) disciplinou a contratação pelo poder público, com dispensa de licitação, de encomendas tecnológicas orientadas à missão e em outras iniciativas de cooperação público-privada em C,T&I. Na tabela abaixo são apresentados as principais características dos instrumentos jurídicos em vigor.
Como será visto a seguir, o estudo faz uma análise da estrutura legal e regulatória das compras governamentais no Brasil, apontando entraves e alternativas para compras públicas de inovação.
O Arcabouço Jurídico das Compras Públicas de Inovação
De acordo com os autores, no Brasil impera uma “cultura de compras rígida e formalista, marcada por uma lei geral apegada ao ‘menor preço’ e por uma pretensão universalizante de aplicar-se a todo o conjunto heterogêneo de contratações firmadas pelo Poder Público”. Essas características impõem obstáculos à ação dos gestores, sujeitos à responsabilização pelos órgãos de controle, os quais tendem a punir severamente qualquer descumprimento das normas e da formalidade dos procedimentos.
Segundo o estudo, a normatização das compras públicas no país remonta ao ano de 1922, quando foi promulgado o Código de Contabilidade da União pelo (Decreto nº 4.536/1922), detalhado pelo “Regulamento Geral de Contabilidade Pública” (Decreto nº 15.783/1922). Por ser flexível e pouco invasivo, o Código de Contabilidade permitia uma grande descentralização das contratações públicas e conferia autonomia dos órgãos para as decisões, trâmites e pagamentos, o que era visto como um problema para o controle dos gastos públicos.
Por essa razão, a partir da década de 1930, todas as mudanças introduzidas na legislação foram adotadas com o propósito de aumentar a centralização e a padronização das compras, o que resultou em uma transição gradual de uma legislação minimalista para um modelo maximalista, segundo argumentam os autores do estudo.
Na segunda metade da década de 1960, no âmbito da reforma administrativa do governo Castelo Branco, o Decreto-Lei nº 200/1967 buscou assegurar a unificação nacional dos procedimentos de compras, impondo um conteúdo mínimo a ser observado por toda a Administração, estabelecendo três modalidades de licitação (“concorrência”, “tomada de preços” e “convite”), definidas em função do valor da contratação.
O Decreto-Lei nº 2.300/1986 marca, na avaliação dos autores, a consolidação de um modelo legal maximalista de compras públicas. Introduzida no governo do presidente Sarney como uma medida prioritária e urgente para retomar o controle dos gastos públicos em meio à crise inflacionária, a nova legislação unificou as regras e os procedimentos aplicáveis a licitações e contratos, reduzindo assim a ampla margem de discricionariedade até então permitida à Administração pública sob a égide das legislações anteriores. Para garantir objetividade dos procedimentos, o Decreto-Lei estabeleceu distinção entre os conceitos de entre “dispensa” e “inexigibilidade” e fixou limites distintos de valor para o emprego das diferentes modalidades de licitação.
Contudo, foi a Lei de Licitação (nº 8.666/1993) promulgada na esteira escândalo da Comissão de Orçamento do Congresso Nacional (conhecido como “anões do orçamento”) e das acusações de compras superfaturadas durante o governo do então Presidente Collor de Mello, que radicalizou o critério de menor preço. De acordo com os autores, o menor preço tornou-se o fator decisório quase absoluto do processo de seleção de fornecedores para a Administração Pública.
Elaborado com o objetivo declarado de impedir a corrupção e moralizar a Administração Pública brasileira, esse novo estatuto passou a abranger todos os órgãos e entidades da públicos, sem exceções, nas esferas federal, estadual e municipal, incluindo empresas públicas e sociedades de economia mista, norteando a atuação das instâncias de controle interno. A Lei nº 8.666/1993 também estabeleceu expressamente que o controle externo das despesas decorrentes de contratos, convênios e demais instrumentos de compras públicas seria feito pelos Tribunais de Contas.
O estudo destaca que essa rigidez imposta pelo marco legal das licitações e contratos públicos no Brasil em vigor nas últimas três décadas, de um lado, formatou a mentalidade dos órgãos de controle interno e externo, e de outro lado, ocasionou a proliferação de “válvulas de escape” à regulamentação, com o surgimento de diversas legislações paralelas voltadas a contratações específicas.
Esses são os casos dos novos procedimentos licitatórios (como o pregão e o Regime Diferenciado de Contratação) e dos novos modelos contratuais (como as concessões comuns e as Parcerias Público-Privadas, entre outros), como também da Lei de Inovação, que instituiu a encomenda tecnológica como uma hipótese de dispensa de licitação, paralelamente à Lei de Licitação.
Porém, como os limites de aplicação entre as normas específicas e a Lei nº 8.666/1993 nem sempre são claros, são frequentes os problemas de interpretação, tornando incertos para os gestores os parâmetros que serão aplicados pelas instâncias de controle, gerando insegurança jurídica.
A rigidez nos procedimentos estabelecidos pela Lei de Licitação, à qual se submetem universidades e agências de fomento, por exemplo, e o tempo gasto em seu cumprimento não são compatíveis com a dinâmica da pesquisa em C,T&I, constata a análise do BID.
Essas instituições são frequentemente questionadas pelos órgãos controladores, quando se valem das exceções à regra geral de obrigatoriedade de licitação para contratação, as quais, por seu turno, requerem justificativa prévia, também previstas na lei.
O estudo destaca ainda que a disparidade de opiniões e interpretações jurídicas entre auditores, consultores e advogados é particularmente acentuada no caso das compras públicas de inovação. Como os gestores temem ser responsabilizados por suas decisões, caso algum aspecto da contratação seja interpretado como indício de ilegalidade, esse arcabouço legal tem criado obstáculos para o uso estratégico do poder de compra do Estado, retirando-lhe efetividade para estimular a demanda por inovação na economia.
Os autores ressaltam que a elaboração da Lei nº 8.666/1993 baseou-se na falsa premissa de que a redução dos espaços abertos à discricionariedade do administrador impediria a corrupção nos contratos públicos, como comprovam os diversos casos de corrupção ao longo das quase três décadas de vigência da Lei. Todavia, essa premissa prevalece na intepretação da Lei realizada pelos órgãos de controle, que pune com rigor qualquer desvio das normas e ritos previstos na lei geral.
Além da regra do “menor preço” que predomina de modo quase absoluto nas compras públicas realizadas no Brasil, os autores enfatizam que também constitui um sério entrave às compras governamentais de inovação a formação deficiente da maior parte dos servidores públicos da área de compras.
Como não possuem uma formação multidisciplinar em ciência e tecnologia, os gestores adotam uma postura defensiva de apego ao critério de preço e pouca tolerância aos riscos de insucesso inerentes no processo de inovação e procuram justificar a própria conduta perante os órgãos de controle, à luz da legislação e da jurisprudência. Tal visão limitada dificulta “a compreensão de que o Estado pode assumir riscos, ainda que de forma parcial, e arcar com os custos da incerteza”.
Os autores ressaltam que a elaboração da Lei nº 8.666/1993 baseou-se na falsa premissa de que a redução dos espaços abertos à discricionariedade do administrador impediria a corrupção nos contratos públicos, como comprovam os diversos casos de corrupção ao longo das quase três décadas de vigência da Lei. Todavia, essa premissa prevalece na intepretação da Lei realizada pelos órgãos de controle, que pune com rigor qualquer desvio das normas e ritos previstos na lei geral.
De igual modo, há um relativo desconhecimento dos instrumentos negociais previstos na Lei de Inovação, que como já assinalado foi profundamente reformulada pela Lei nº 13.243/2016. Na ausência de um repositório de lições positivas, os gestores se apoiam, sobretudo, na jurisprudência, repleta de exemplos de práticas vedadas, de condutas tidas por irregulares, ou seja, daquilo que não se deve fazer, o que só reforça suas posturas defensivas. Isso resulta no escasso emprego da encomenda tecnológica e na utilização pouco frequente dos instrumentos de cooperação público-privada previstos na Lei de Inovação.
Na avaliação dos autores, o arcabouço legal brasileiro de compras públicas é limitado. A promulgação, em 1º abril de 2021, da Nova Lei de Licitações poderá vir a modificar esse cenário. A Lei nº 14.133/2021 substituirá, a partir de 1º de abril de 2023, a Lei nº 8.666/1993, bem como as disposições da Lei do Pregão (Lei nº 10.520/2002) e do Regime Diferenciado de Contratações (Lei nº 12.462/11).
Do ponto de vista econômico, por exemplo, o rol de procedimento admitidos pela legislação brasileira de licitação e contratações públicas é reduzido. Embora em termos jurídicos, diferentes modalidades de licitação estejam previstas na lei, as modalidades “concorrência”, “tomada de preços” e “convite” da Lei nº 8.666/1993 são, na prática, variações do leilão fechado. Por esse motivo, largamente inspirado no RDC, a Nova Lei de Licitações prevê leilões abertos e fechados, com procedimentos múltiplos de livre combinação.
Outro aspecto da limitação do marco legal à disposição do gestor público brasileiro, que assume particular importância no caso das compras públicas de inovação de acordo com o estudo do BID, é a exigência de definição ex ante das especificações técnicas do objeto a ser contratado.
A prévia definição do bem, produto ou serviço que se quer contratar é importante para as compras públicas em geral, sobretudo em bens e serviços padronizados e homogêneos, onde a diferenciação é menor e a concorrência, mais intensa. Porém, esse princípio transposto para o contexto diverso das compras públicas de inovação pode se tornar sério obstáculo a incorporação de inovação aberta.
Segundo o estudo, de um lado, tal exigência reforça uma postura autocentrada e de isolamento institucional, segundo a qual as soluções devem ser buscadas e definidas dentro da própria organização. De outro lado, limita a possibilidade de que potenciais fornecedores venham a contribuir para a formulação de soluções inovadoras para a Administração.
Ademais, como é ressaltado na literatura, ao usar o poder de compra do Estado como instrumento em sua política de inovação, ao invés de definir previamente as características técnicas do objeto pretendido, os entes públicos devem descrever nas licitações as funcionalidades esperadas. Deslocar a ênfase para o problema subjacente à contratação permite explorar o potencial do setor privado para apresentar soluções inovadoras a desafios de relevância pública, favorecendo a inovação aberta.
Contudo, como há uma evidente tensão entre o objetivo de conciliar a realização de um procedimento competitivo, público, objetivo e impessoal com a necessidade de obter maior flexibilidade contratual e uma interação mais próxima entre contratante e contratado, é desejável que sejam adotadas legislações distintas para as compras públicas regulares e para as compras públicas de inovação. Essa última mais concentrada em características funcionais do produto ou serviço que se precisa, ao invés da descrição técnica do objeto em si.
Assim, o envolvimento dos fornecedores no procedimento de contratação pública é fundamental para a definição adequada do objeto, auxiliando a especificar as suas funcionalidades e contribuindo para a sua precificação e viabilidade.
Para evitar o risco de selecionar fornecedores inadequados em caso de soluções mais inovadoras e com menor nível de maturidade tecnológica, os autores defendem utilizar o procedimento do diálogo competitivo, o qual é estruturado em fases (ver tabela a seguir), permitindo ao poder público negociar com fornecedores pré-selecionados para definir os contornos da solução buscada à luz das necessidades da Administração. Encerradas as etapas de pré-seleção e de diálogo, inicia-se uma fase competitiva para receber as propostas finais dos licitantes e, assim, contratar a execução do objeto com o vencedor.
Em vigor na União Europeia desde 2004, o procedimento do diálogo competitivo integra a Nova Lei de Licitação. Em seu artigo 32, a Lei nº 14.133/2021 prevê o emprego do diálogo competitivo em três situações no Brasil:
i.objetos que envolvam inovação tecnológica ou técnica, nos quais o poder público não possa ter sua necessidade satisfeita sem a adaptação de soluções disponíveis no mercado e não seja possível à Administração pública definir com precisão suficiente as especificações técnicas;
ii.quando for necessário definir e identificar os meios e as alternativas que possam satisfazer as necessidades do contratante, como a escolha da solução técnica mais adequada, dos requisitos técnicos aptos a concretizar uma solução já definida, ou da estrutura jurídica ou financeira para o contrato;
iii.quando a Administração considerar que os modos de disputa aberto e fechado não permitem a apreciação adequada das variações entre propostas.
Na avaliação dos autores, a Nova Lei de Licitações ainda revela um claro apego maximalista ao regular temas que poderiam ser relegados à discricionariedade dos gestores públicos. Porém, a introdução do diálogo competitivo na legislação brasileira de compras públicas representa um avanço inquestionável.
No que diz respeito especificamente às compras públicas de inovação, a introdução do diálogo competitivo parece especialmente relevante para viabilizar as contratações de inovação em que não haja risco tecnológico, ou seja, casos em que seja necessário empregar o poder de compra do Estado para produtos, serviços ou processos inovadores já introduzidos no mercado, mas ainda pouco difundidos.
Contudo, segundo os autores, a modalidade de licitação do diálogo competitivo não substitui a encomenda tecnológica, que prevalece como opção preferencial para fazer frente às situações de incerteza decorrentes de risco tecnológico, nos termos do artigo 20 da Lei de Inovação.
A Nova Lei de Licitações também traz uma importante novidade com relação à propriedade intelectual, que poderá contribuir significativamente para o emprego da modalidade concurso na contratação de produtos, serviços ou processos inovadores.
Sob o marco jurídico da Lei nº 8.666/1993, é mandatório que, na contratação de serviços técnicos especializados, o contratado ceda à Administração os direitos patrimoniais relativos à solução desenvolvida, incluindo todos os dados, documentos e informações pertinentes à tecnologia. O estudo ressalta que a obrigatoriedade de ceder os direitos de propriedade intelectual desestimula a participação de empresas em concursos de inovação.
Já a Nova Lei de Licitação faculta à Administração pública a possibilidade de deixar de exigir a cessão dos direitos de propriedade quando o objeto da contratação envolver atividade de pesquisa e desenvolvimento de caráter científico, tecnológico ou de inovação. Dessa forma, os autores esperam que o novo dispositivo legal, ao converter o rigor da alocação legal em uma alocação negocial, muito mais flexível, permita que a propriedade intelectual funcione como um incentivo a mais para o desenvolvimento da encomenda tecnológica no país.
Recomendações de Política
O estudo do BID traz um conjunto de recomendações e sugestões tanto para assegurar maior efetividade das políticas de estímulo à inovação como para difundir o uso das encomendas tecnológicas como instrumento de incentivo à inovação no Brasil.
A primeira recomendação é estimular a coordenação e a integração das políticas de inovação. Além de fragmentadas, essas políticas são executadas de modo disperso entre os diferentes organismos do governo, gerando competição por recursos já escassos e enfraquecendo seu alcance e potencial de sucesso.
A elaboração de políticas sistêmicas, formuladas a partir de evidência e baseadas em diagnósticos e prognósticos claros, tornará, na visão dos autores, possível a identificação concreta das missões a serem resolvidas pelo poder público, bem como a articulação dos vários instrumentos de política disponíveis nas esferas federal, estadual e municipal. O estudo sugere que a iniciativa “Selos de Excelência”, adotada na União Europeia para estimular a integração concreta entre instrumentos nacionais e comunitários de política de inovação, seja reproduzida no Brasil.
A segunda recomendação é reforçar e consolidar modelos diferenciados de gestão na área de C,T&I. O estudo considera que, por possuírem personalidade jurídica de direito privado e não integrarem a Administração pública, os modelos de OS e OSC podem ser alternativas para gestão de instituições públicas de pesquisa, equilibrando a maior flexibilidade de atuação com regras claras de transparência e um sistema de controle de resultados de suas atividades.
Porém, como não existe uma lei nacional que estabeleça regras para a qualificação de entidades como OS, os autores defendem que a inclusão das finalidades de pesquisa, desenvolvimento e inovação nas legislações estaduais e municipais seja parte de uma agenda de convencimento e divulgação (advocacy) junto aos legislativos locais.
A terceira recomendação diz respeito à diversidade e estabilidade de recursos para o financiamento de instrumentos e políticas de C,T&I. Os investimentos em inovação são, em geral, pró-cíclicos, com tendência de redução em períodos de contração fiscal. Segundo o estudo, o alinhamento político-estratégico é crucial para que os já escassos investimentos públicos em PD&I não sejam eliminados ou, em uma nítida falha de seletividade, sejam mantidas apenas intervenções setoriais, sujeitas ao lobby dos atores interessados, e reduzidas as ações mais efetivas e importantes como os instrumentos orientados à missão.
O estudo recomenda o apoio a projetos de simplificação da Lei do Bem para fruição dos benefícios fiscais, e assim aumentar o número de adotantes e, assim, estimular os investimentos privados em atividades de P&D&I. Recomenda igualmente o aperfeiçoamento da legislação de fundos patrimoniais e estímulo para que universidades e ICTs públicas criem fundos patrimoniais (endowments) para financiar atividades de P&D&I.
A quarta recomendação é a adoção de instrumentos orientados à missão para articular políticas do lado da demanda e que conciliem academia e setor produtivo. Embora tenha havido uma melhora expressiva nos indicadores brasileiros de produção científica nos últimos anos, ainda há graves dificuldades relacionadas à gestão da propriedade intelectual, à complexidade do sistema tributário e ao ambiente de negócios, que prejudicam a cooperação público privada e o desenvolvimento do modelo de “tripla hélice” no Brasil.
Além disso, como os gastos públicos prevalecem sobre os privados, os investimentos em P&D não são acompanhados por melhorias na produtividade e na competividade das empresas. Na avaliação dos autores, incentivar investimentos orientados à solução de problemas concretos pode ser uma alternativa pragmática para reduzir esse descompasso, empregando o poder de compra do Estado para o realinhamento do mix de políticas de apoio direto e indireto à inovação empresarial no Brasil.
A quinta recomendação refere-se às ações de monitoramento e ciclos de avaliação das políticas de C,T&I, ausentes no Brasil. O país se destaca negativamente pela disponibilidade escassa e pela falta de transparência na publicação das avaliações realizadas. A ausência de ciclos de avaliação ex ante, durante e ex post de programas e políticas em execução destoa das boas práticas internacionais e impede que as decisões de policy sejam lastreadas em evidências.
O estudo sugere que, além de intensificar o uso de tecnologias de informação e comunicação na coleta, armazenamento, tratamento e disponibilização de dados sobre inovação, se passe a exigir, em ações e programas financiados pelo Estado, que cada nova intervenção em C,T&I seja objeto de avaliação independente, em período e profundidade adequados.
Defende igualmente que a legislação seja alterada para determinar que seja provisionado um percentual de cada política pública na área de CT&I para custear a realização de avaliações periódicas, de forma independente ou em colaboração com Universidades e instituições de pesquisa públicas e privadas, como condição para a liberação ou para o repasse de recursos públicos.
A sexta recomendação apresentada pelo estudo é trazer a agenda de inovação para o nível estratégico do governo. Os autores lembram que a experiência internacional mostra a importância de uma condução política de alto nível para a implementação de iniciativas de compras públicas de inovação e inovação aberta na Administração, sobretudo mediante esforços de articulação de órgãos e entidades públicas para a aplicação de políticas de C,T&I.
Por isso, recomenda que seja criada uma Câmara de Inovação, ligada diretamente à Presidência da República, com a função de coordenar órgãos e entidades dedicados à C,T&I, assegurando coesão e complementaridade a suas atividades.
A sétima recomendação é ampliar o uso do poder de compra do Estado como instrumento de incentivo à demanda por inovação. O poder de compra do Estado é um componente importante da demanda gerada pelo setor público. As contratações públicas representam em média 12,5% do PIB brasileiro, movimentando R$ 633 bilhões apenas em 2016.
O estudo sugere que esse potencial seja usado para desempenhar funções de relevo, não apenas sob a perspectiva limitada de correção de falhas de mercado, mas também para efetivar políticas públicas e estratégias de promoção do desenvolvimento econômico e social. Para isso é necessário rever a legislação rígida, detalhada e formalista, que adotada com intuito de impedir a corrupção nos contratos públicos, causa um engessamento significativo da gestão pública.
A oitava recomendação é colocar em prática a regulação da encomenda tecnológica, a qual, no Brasil, é adequada e flexível o suficiente para internalizar os riscos da contratação de P&D&I pela Administração. Com a reforma do artigo 20 da Lei de Inovação (Lei nº 10.973/2004) pela Lei nº 13.243/2016, não há mais que se falar em lacuna normativa em se tratando da aquisição de produtos, serviços ou processos envolvendo risco tecnológico.
Contudo, a aquisição de inovações, que costumam ser mais caras em termos de preço inicial e embutem o risco de não fornecer (ou atrasar) o produto ou serviço contratado, esbarra no comportamento usual dos servidores públicos, responsáveis pelas tomadas de decisão e pelas compras públicas.
A nona recomendação, que está relacionada com a anterior, diz respeito à ampliação das contratações de inovação no Brasil. Como já mencionado, o apego ao menor preço como critério de julgamento, a necessidade de justificar a própria conduta perante os órgãos de controle e a aversão à assunção de riscos estimulam a adoção de práticas defensivas pelos gestores envolvidos nas compras públicas de inovação.
O resultado é o emprego escasso da encomenda tecnológica e de outros instrumentos jurídicos de cooperação público-privada previstos na Lei de Inovação. Assim, os autores sugerem, de um lado, ações de convencimento e divulgação, especialmente no meio jurídico, para consolidar o entendimento de que os instrumentos de contratações públicas de inovação devem ser interpretados e aplicados separadamente da legislação que rege as compras públicas em geral. E de outro lado, que na contratação de inovação sejam priorizados caminhos já conhecidos e que contem com a familiaridade dos gestores e dos órgãos de controle.
A décima e última recomendação defende a aplicação mais efetiva da Lei de Introdução das Normas do Direito Brasileiro (LINDB) ante o controle exercido em licitações e contratos. Na avaliação do estudo, a Nova Lei de Licitações contribuirá muito pouco para dinamizar as compras públicas de inovação no Brasil.
A despeito das oportunidades abertas pela nova modalidade de diálogo competitivo, bem como pela normatização dos concursos de inovação e pela maior flexibilidade para a modelagem de procedimentos licitatórios, os autores consideram que é muito provável que os órgãos de controle continuem a seguir o mindset formatado ao longo das três décadas de vigência da Lei nº 8.666/1993, cujo formalismo e rigidez são refratários à assunção de riscos e à contratação de produtos, serviços e processos inovadores.
Segundo os autores, uma aplicação mais intensa do artigo 28 da LINDB, que limita, por exemplo, a responsabilidade do agente público por suas decisões e opiniões técnicas aos casos de dolo e erro grosseiro, poderia contribuir para modificar esse cenário que desestimula a assunção de riscos pelos gestores públicos no Brasil, dissipando as incertezas na aplicação dos procedimentos trazidos pela Nova Lei de Licitação.