Carta IEDI
Esforços de política industrial em perspectiva comparada
A Carta IEDI de hoje aborda o estudo “Estimating Chinese Industrial Policy Spending in Comparative Perspective”, divulgado recentemente pelo Center for Strategic & International Studies (CSIS), em que seus pesquisadores estimam e comparam o montante de gastos envolvidos em certos instrumentos de política industrial na China, Coréia do Sul, Taiwan, Estados Unidos, Alemanha, França e também no Brasil.
Embora contemple apenas os instrumentos quantificáveis e comparáveis, o estudo, de autoria de Gerard DiPippo, Matthew Goodman, Scott Kennedy e Ilaria Mazzocco, com atuação em órgãos públicos, como U.S. National Intelligence Council, U.S. National Security Council e U.S. Department of State, e passagens por universidades americanas, coloca em evidência os seguintes aspectos:
• A disparidade dos esforços chineses tanto em termos absolutos como em termos relativos para o desenvolvimento de suas competências industriais e, cada vez mais, tecnológicas;
• As diferenças entre os países analisados dos montantes alocados em distintos instrumentos de política industrial, possibilitando a definição de uma tipologia a este respeito.
Cabe observar que seus autores empregam uma definição ampla de política industrial, que consistiria em “qualquer intervenção estatal – explícita ou implícita – que visa realocar recursos para apoiar determinadas empresas ou setores a alcançar um ou mais objetivos”. Apesar disso, não são analisadas intervenções tidas como horizontais, isto é, não direcionadas especificamente ao setor industrial.
Os instrumentos de política considerados incluem subsídios e isenções fiscais, apoio público à pesquisa e desenvolvimento (P&D), crédito subsidiado e investimentos estatais e as estimativas referem-se ao período anterior à pandemia de Covid-19, em geral, ao ano de 2019 ou o mais recente disponível. No caso chinês, há ainda instrumentos específicos, como vendas de terrenos a preços abaixo do mercado, passivos das estatais junto ao governo e debt-equity swaps.
Em termos absolutos, segundo o estudo, China e os países desenvolvidos da amostra são os que mais alocam recursos públicos em instrumentos de política industrial. Como proporção do PIB, quem mais gasta com estes instrumentos é justamente quem vem recentemente se destacando como potência industrial: China e Coreia do Sul.
De todo modo, a China destoa neste grupo de países. Em dólares, em paridade de poder de compra, foram gastos US$ 406,5 bilhões nos instrumentos de política industrial analisados em 2019, o que equivale a quatro vezes o montante gasto pelos EUA e quase 11 vezes os valores de França e Alemanha somados.
Em termos relativos, o estudo aponta que a magnitude de tais instrumentos na China chegou a 1,73% do PIB, mais do que o dobro do segundo colocado no grupo de países selecionados, a Coreia do Sul, com 0,67% do PIB, e muito à frente dos EUA, com 0,39% do PIB.
Quanto ao Brasil, cujos dados são de 2017, foi o segundo que menos gastou em termos absolutos entre os países da amostra: US$ 10,7 bilhões (em PPP), à frente apenas de Taiwan, com US$ 4,98 bilhões. Apesar isso, em termos relativos, Taiwan dispendeu 0,41% de seu PIB com os instrumentos considerados ante 0,33% no caso do Brasil. Fomos o país que menos gastou em relação ao PIB.
Cabem aqui algumas observações. Em primeiro lugar, há instrumentos de políticas não considerados, como o próprio estudo alerta, tais como gastos subnacionais no caso brasileiro, subsídios diretos a empresas privadas de capital fechado no caso chinês, certas isenções ficais no caso japonês, investimentos em capital no caso coreano (Korea Science & Technology Holdings) etc. É preciso encarar o exercício como uma aproximação, ainda assim válida, dada a dificuldade de acesso a informações detalhadas.
Em segundo lugar, o volume de recursos monetários dispendido com instrumentos de política industrial não tem uma relação direta com sua efetividade. Políticas mais bem desenhadas, coordenadas ou com grande sinergia com outras ações estatais podem ser mais eficazes mesmo contando com menos recursos. De todo modo, a magnitude do dispêndio sinaliza o comprometimento governamental com a agenda de desenvolvimento industrial.
Por fim, a partir da participação relativa dos gastos em cada instrumento, os autores do estudo classificaram os países em três grupos:
• “P&D Primeiro”, caracterizado pela ênfase em incentivos fiscais e demais apoios governamentais a P&D. Inclui, por exemplo, França (0,47% do PIB), Coréia do Sul (0,30%), EUA (0,27%) e Taiwan (0,22%).
• “Grande Investidor”, caracterizado pelos investimentos estatais de capital na indústria. Inclui os emergentes asiáticos: Taiwan (0,1% do PIB), China (0,07%) e Coréia do Sul (0,04%). Vale notar que os fundos de investimentos estatais da China em valores absolutos fazem dos demais países exemplos marginais.
• “Bancos de Fomento”, onde os bancos públicos de desenvolvimento são extensivamente utilizados. Inclui Japão (0,32% do PIB), Alemanha (0,18%) e Brasil (0,14%), além da China.
Introdução
As ações de política industrial são diversas e existe um grande número de instrumentos para atender objetivos específicos. A China faz uso de instrumentos de política industrial comuns a inúmeros países, cujos subsídios muitas vezes permanecem implícitos, mas também possui instrumentos próprios, que não possuem correspondência em outros lugares do globo.
A magnitude das ações de estratégia industrial na China é tema do estudo Estimating Chinese Industrial Policy Spending in Comparative Perspective, publicado em 2022 e abordado nesta Carta IEDI. O estudo é assinado por Gerard DiPippo, Matthew P. Goodman, Scott Kennedy e Ilaria Mazzocco, pesquisadores do Center for Strategic & International Studies (CSIS), com passagens por universidades americanas e órgãos públicos, como U.S. National Intelligence Council, U.S. National Security Council e U.S. Department of State.
O relatório faz uma avaliação dos dispêndios em política industrial da China que são quantificáveis. Em seguida, compara com os gastos de outros países, tanto em termos nominais como em participação do PIB. Para a comparação, o relatório selecionou sete economias: Brasil, França, Alemanha, Japão, Coréia do Sul, Taiwan e Estados Unidos.
A justificativa desta amostra é que Japão, Coreia do Sul e Taiwan são os parceiros da China no leste asiático e países relevantes em política industrial. França e Alemanha, por sua vez, são as maiores economias da União Europeia. O Brasil pertence à amostra, pois se trata de uma economia emergente que representa, segundo o relatório, as experiências da América Latina com políticas industriais. Por fim, a escolha dos Estados Unidos se dá pelo fato de que o país é a maior economia do mundo.
Existem diferenças consideráveis entre estes países da amostra. Mas, destaca-se o fato que, em 2021, os Estados Unidos representaram 23,9% do PIB mundial, a China 18,1%, Japão 5,1% e Alemanha 4,4%, o que configura os quatro países como as maiores economias do mundo, respectivamente.
A China é, dentre todos os países, aquele com a maior participação da manufatura em sua economia, isso tanto em termos de valor adicionado bruto, como em termos da participação das exportações de produtos manufaturados na balança comercial do país.
Na figura abaixo, é possível ver a trajetória ascendente da participação das exportações chinesas de produtos manufaturados no total mundial. Em 2020, a parcela da China correspondia a 19% do total das exportações de manufaturados de todo o mundo.
Esta evolução das exportações de manufaturados pelos chineses é um reflexo da política industrial adotada pelo país cujos instrumentos serão analisados a seguir e comparados com os países da amostra selecionada pelo estudo.
Instrumentos de política industrial
Antes de abordar os instrumentos, cabe observar a definição de política industrial adotada pelo estudo. Trata-se de uma concepção abrangente, abarcando qualquer intervenção ou política governamental que afete a competitividade da indústria de uma economia. Assim, políticas horizontais, como as relacionadas à infraestrutura ou mesmo o fortalecimento de instituições de pesquisa, ao não serem direcionadas a um setor específico, a indústria, não são incluídas no estudo.
Entretanto, vale lembrar que, em geral, não há um limite claro entre o que é uma política horizontal e uma política vertical, isto é, direcionada a alguns setores ou mesmo a empresas específicas, uma vez que alguns instrumentos podem ser utilizados para beneficiar toda economia, mas acabarão sendo mais benéficos para empresas de determinando tamanho, setor ou características. Por exemplo, melhora na legislação trabalhista de um país tende a beneficiar mais as atividades intensivas em mão de obra do que outras menos intensivas neste fator de produção.
A tabela a seguir mostra uma série de instrumentos que afetam um determinado domínio como, por exemplo, o mercado de produtos, mercado de trabalho, financiamento etc.
Os autores alertam para o fato de que alguns países são mais transparentes do que outros quanto a informações a respeito de cada um destes instrumentos. Por conta disso, algumas lacunas de dados podem ser observadas no estudo. Tais lacunas, identificadas no estudo, estão sumarizadas no anexo ao final desta Carta IEDI.
Uma delas, que parece surpreendente, é a falta de dados para incentivos fiscais para P&D da Alemanha. Os autores ressaltam que o país não destinou recursos especificamente para esse fim no ano de 2020. Mas, como observam, muitas vezes alguns instrumentos específicos estudados por eles podem estar contidos em outros, o que pode gerar uma superestimação em alguns casos e subestimação em outros.
Os instrumentos de política industrial utilizados para a análise do relatório foram selecionados de acordo com dois critérios. O primeiro deles é que houvesse medidas quantitativas já conhecidas ou que fosse possível fazer novos cálculos para estimá-los. O segundo critério é que, em cada instrumento, existisse a possibilidade de se verificar o apoio estatal (subsídio) presente. Todos os dados, salvo quando dito o contrário, são referentes ao ano de 2019.
Os instrumentos selecionados pelo estudo estão descritos na tabela a seguir.
Os incentivos fiscais e o apoio do governo para a P&D são dois instrumentos de suma importância e, segundo o relatório, são utilizados muitas vezes para o apoio de projetos de pesquisa em setores prioritários.
Os gastos totais de P&D podem ser feitos por, basicamente, três atores: empresas, governo e pelas instituições de ensino superior. Nos países da amostra, é possível verificar que a Coréia do Sul possui a maior proporção de gastos totais de P&D em relação ao PIB, de 4,6%. Além disso, exibe um padrão de composição dos gastos entre os três atores que se verifica também nos demais países.
Isto é, a maior proporção dos gastos em P&D é feita pelas empresas. Como lembram os autores do estudo, estas empresas podem receber apoio público por meio de créditos fiscais para P&D e por financiamento direto dos governos.
A exceção no padrão de composição dos gastos em P&D é o Brasil, (dados de 2017), que exibe uma composição parecida entre os gastos das empresas e das instituições de ensino superior, conforme pode ser observado na figura abaixo.
Crédito subsidiado e investimentos estatais são outros dois instrumentos comparados e contam com metodologias desenvolvidas pelos autores do relatório a fim de obter um indicador aproximado para cada economia.
Sobre o crédito subsidiado, o relatório explica que, na maioria dos países selecionados, os bancos de desenvolvimento e as agências de crédito de exportação são os principais responsáveis em fornecer financiamento para empresas com taxas de juros menores que as taxas de mercado e, além disso, facilitar o acesso ao crédito.
O gráfico a seguir mostra a participação do governo nos bancos dos mercados emergentes e nas economias avançadas. Um banco é considerado estatal quando o governo possui no mínimo 50% do seu patrimônio líquido. Pela figura, é possível perceber que o setor bancário chinês é 60% estatal e fica atrás apenas da Índia.
O relatório aponta que, se a definição de propriedade estatal for com base nas origens dos maiores acionistas, quase todos os bancos chineses são estatais. Isso ajuda a explicar o desempenho do país nos dois instrumentos, crédito subsidiado e investimentos estatais.
Um último comentário metodológico diz respeito à ausência das compras governamentais na análise. A despeito de ser um grande instrumento de política industrial, segundo afirmam os autores do relatório, os dados nestes países selecionados são irregulares e não detalhados e, por esse motivo, não fazem parte das comparações a seguir.
Comparação dos instrumentos de políticas industriais
Os dados estimados pelo relatório estão todos sumarizados na tabela a seguir. A despeito dos critérios restritivos utilizados na metodologia desenvolvida pelos autores, a China destoa em muito em relação aos outros países, tanto em termos monetários (valores em dólares) como em termos da participação no PIB.
No total, no ano de 2019, a China gastou 1,73% do seu PIB com os instrumentos de política industrial destacados. O segundo maior gasto proporcional ao PIB foi o da Coréia do Sul, com 0,67% do PIB. Isto é, a China gasta mais do que o dobro do que o segundo colocado nos instrumentos de política industrial selecionados pelo estudo em termos de sua proporção ao PIB.
Quando este dado é tomado em dólares, é interessante comparar a China com os EUA, uma vez que são as duas maiores economias do globo. Tanto em taxas câmbio de mercado, como em PPC, o gasto em dólar da China com estes instrumentos foi mais do que o dobro dos EUA.
Nos países da amostra, o Brasil é o país com a menor proporção de gastos em relação ao PIB destes instrumentos, 0,33%. No entanto, em dólares, tanto a taxas de câmbio de mercado como em PPC, o Brasil teve um gasto maior do que o de Taiwan.
O gráfico abaixo mostra a proporção de cada instrumento no total de gastos com os instrumentos contabilizados pelo relatório. O relatório divide as economias em três grupos, de acordo com esta proporção.
1. “P&D Primeiro”. Grupo caracterizado pela maior proporção do instrumento apoio governamental a P&D e por incentivos fiscais para P&D. Os países que compõem este grupo possuem as maiores proporções destas duas taxas somadas, conforme mostra a figura acima. A participação no PIB dos dois instrumentos é de 0,47% na França, 0,30% na Coréia do Sul, 0,27% nos EUA, e 0,22% em Taiwan.
2. “Grande Investidor”. Conjunto de países caracterizados pelo papel mais relevante dos fundos de investimentos estatais. Os países que compõe o grupo são Taiwan, China e Coréia do Sul, com 0,10%, 0,07% e 0,04% de participação deste instrumento no PIB, respectivamente.
A China, aliás, destoa bastante dos demais países por sua clara orientação governamental nos instrumentos de política industrial. Por exemplo, neste instrumento fundos de investimentos estatais, os números absolutos dos países que compõe esse grupo são quase insignificantes quando comparados com os da China.
3. “Bancos de Fomento”. Grupo de economias nas quais os bancos públicos de desenvolvimento são extensivamente utilizados para oferecer crédito subsidiado (em condições favorecidas em relação aos bancos privados) e subsídios diretos. Os países que compõem esse grupo são Japão, Alemanha e Brasil que, somados os dois instrumentos, possuem 0,32%, 0,18% e 0,14% de participação no PIB, respectivamente. A China, nos dois itens considerados, tanto em termos absolutos, quanto em participação do PIB (0,90%), apresenta valores significativamente maiores do que qualquer país da amostra.
Por fim, um último aspecto a se destacar é que, diferente da China, os outros países dependem muito mais de incentivos fiscais. Por exemplo, no instrumento outros incentivos fiscais, o Brasil possui a maior participação em relação ao PIB, com 0,13%, e a Coréia do Sul possui 0,16%. Mas, quando olhamos tanto em proporção do PIB, quanto em valores absolutos, uma vez mais, os números chineses destoam de qualquer um desses países que apresentem maior dependência deste instrumento.
A evolução das políticas industriais
O relatório aponta que, na maioria das economias, as políticas industriais verticais foram mais acentuadas até a década de 1980 e a partir de meados desta década, em virtude da queda do crescimento econômico, das restrições fiscais e do amadurecimento do parque manufatureiro vivenciado pelos países desenvolvidos, tais políticas começaram a cair em desuso.
A partir dos anos 1990, a ênfase das políticas dos países, em geral, recaiu sobre ajustes estruturais e políticas horizontais que buscavam resolver as chamadas “falhas de mercado”. Nos anos 2000, as políticas industriais passaram a ter como fator chave a chamada economia do conhecimento e o objetivo passou a ser o aumento da produtividade das economias.
Os subsídios e as proteções às indústrias que vigoravam até a década de 1980 foram extintos, uma vez que sua utilização poderia gerar distorções ou mesmo problemas de corrupção e risco de captura (um fenômeno conhecido como rent-seeking na literatura econômica).
Pesa ainda contra alguns instrumentos o fato de que países que pertencem à Organização Mundial do Comércio (OMC) possuem proibições de sua utilização – como por exemplo, subsídios baseados no desempenho da exportação e que beneficiam produtos domésticos em detrimento de itens importados – e são pressionados a reduzir o escopo e a intensidade do apoio estatal às empresas, com intuito de inimizar distorções no comércio mundial.
A evolução das características, objetivos, elementos e contexto político das políticas industriais ao longo do tempo pode ser vista na tabela a seguir.
As políticas industriais recentes têm como contexto o aumento da participação manufatureira da China no mundo, as tensões geopolíticas, as preocupações com a cadeia de suprimentos desencadeadas pela pandemia de Covid-19 e as metas de descarbonização da economia.
A seguir, sintetizamos as observações de DiPippo e seus coautores sobre as políticas mais recentes tomadas pelos países para lidar com este contexto.
A política industrial recente da China
O relatório do CSIS deixa evidente a diferença que a China possui tanto em termos de volume de recursos, quanto em orientação política para o desenvolvimento industrial. Quando comparada com seus vizinhos do Leste Asiático – Hong Kong, Cingapura, Coréia do Sul e Taiwan – a China possui semelhanças como a passagem do status de economia de baixa renda ou de renda média nas últimas décadas.
No entanto, a diferença está na velocidade do desenvolvimento chinês. Em um período de 32 anos, o PIB chinês passou de 2% do PIB global para 18%, nos anos de 1990 e 2021, respectivamente. Apesar disso, as taxas de crescimento do PIB per capita foram inferiores ao dos países da Ásia Oriental.
A figura abaixo mostra a trajetória do crescimento do PIB per capita dos países em comparação com os EUA. É possível observar que, enquanto Taiwan passou de 10% para cerca de 80% do PIB per capita dos EUA, no período de 1950 a 2019, respectivamente, a China, com uma população muito maior, passou de 5% para pouco mais de 20% do PIB per capita estadunidense.
Ainda assim, a política industrial chinesa é diferente da dos seus vizinhos do leste asiático de quatro maneiras:
(i) as reformas feitas pela economia chinesa e o alto grau de controle sobre a economia;
(ii) a participação parcial de empresas estrangeiras no processo de desenvolvimento industrial;
(iii) a intensificação da presença de empresas nacionais na última década, com forte participação estatal e a atratividade das altas taxas de lucros geradas pelo país para as empresas estrangeiras e;
(iv) a utilização de instrumentos de financiamento só existentes no país, como os fundos de orientação governamental (government guidance funds - GGFs), o setor financeiro estatal, as empresas de propriedade estatal (SOE) não financeiras e a orientação de empresas privadas por parte do partido do Estado.
Atualmente, enquanto as outras economias do Leste Asiático se dedicam às políticas horizontais, a China visa intensificar suas políticas industriais a fim de alcançar a fronteira da inovação.
A partir de 2006, depois de um período em que a China dedicou seus esforços às políticas que favoreciam a liberalização de sua economia, houve uma inflexão nas políticas econômicas, que passam a ser mais voltadas ao desenvolvimento tecnológico e industrial com o suporte do Estado. Algumas políticas se destacam:
1. Plano de Ciência e Tecnologia de Médio e Longo Prazo (2006-2020). Este plano introduziu o conceito de inovação indígena (autóctone), isto é, o desenvolvimento de tecnologias em ambiente nacional, e também estabeleceu metas específicas para a burocracia nacional. Após a crise financeira internacional de 2007-2008, grande estímulo foi dado para apoiar iniciativas de inovação a partir do setor estatal. No ano de 2006, a China anunciou 16 megaprojetos, que seriam financiados pelo Estado e teriam a complementação do programa Strategic Emerging Industries (2010-2020).
2. Made in China. Este foi um novo conjunto de iniciativas lançado em 2015 que se diferenciava dos demais, pois visava a fronteira da inovação e lançou a maioria dos GGFs (Government Guidance Funds). Estes fundos foram criados para apoiar tanto empresas consideradas campeãs nacionais, como a Semiconductor Manufacturing International Corporation (SMIC), como empresas que se destacavam em setores considerados estratégicos.
3. 14º Plano Quinquenal (2021-2025). Diferente dos demais, esse novo plano quinquenal chinês não estabeleceu uma meta de crescimento do PIB, mas está alinhado a um novo paradigma de desenvolvimento chinês que visa, dentre outras coisas, a autossuficiência em tecnologias essenciais a fim de reduzir a dependência do país de tecnologias estrangeiras.
Com este plano, a China objetiva ser uma potência fabril, aprofundar a digitalização de sua economia e estabilizar a participação da manufatura na economia, que segue sendo uma das maiores do mundo, a despeito da ampliação da parcela dos serviços à medida que a renda aumenta.
A política industrial recente dos demais países
Os outros países com os quais o estudo fez comparações também têm se envolvido com políticas industriais recentemente. Esta carta irá falar das políticas industriais destacadas para lidar com o contexto recente, a saber, a concorrência da China, as tensões geopolíticas, a pandemia do Covid-19 e as preocupações ambientais.
Japão. Em 2017, o país aprovou a chamada Nova Era do Pacote de Políticas Econômicas com o intuito de promover tecnologias como inteligência artificial (IA) e big data. Em 2020, o orçamento de ciência e tecnologia do Japão atingiu uma alta histórica de 9,2 trilhões de ienes (US$ 86 bilhões), o que mostra seu compromisso no estímulo à inovação. Ainda em 2020, foram destinados 244 bilhões de ienes (US$ 2,3 bilhões) para que empresas japonesas mudassem sua produção da China para o Japão (reshoring), como parte de uma estratégia geográfica de produção para lidar com eventuais crises de abastecimento provocadas por conflitos na região.
Coreia do Sul. O país estabeleceu prioridades de políticas industriais em 2020 a partir do Moon Jae-in's (2017-2022) Korea New Deal que possui dois braços, o Digital New Deal e o Green New Deal. Eles visam, respectivamente, intensificar a digitalização da economia e ajudar o país na transição para uma economia de baixo carbono.
Taiwan. O país tem se concentrado, desde 2016, em promover indústrias inovadoras. Destaca-se o papel do Conselho Nacional de Desenvolvimento (NDC), a principal agência de política econômica nacional, que se concentrou em impulsionar seis áreas estratégicas, em 2020, relacionadas à tecnologia digital, cibersegurança, biotecnologia e tecnologias médicas, defesa nacional, energia verde e renovável e indústrias estratégicas (strategic stockpile industries).
França. O país tem concentrado suas políticas industriais em dois objetivos: a transição energética e a recuperação dos efeitos econômicos da Covi-19, contando com parte significativa do financiamento proveniente da União Europeia. Com isso, em 2021, anunciou o plano France 2030, com a intenção de gastar € 34 bilhões (US$ 40 bilhões) em cinco anos em 10 objetivos que contemplam os setores de energia, transporte, alimentos, saúde, cultura espacial e marítimo.
Alemanha. A política industrial recente da Alemanha, assim como a da França, tem dois objetivos digitalizar a economia e na transição energética. Desde 2011, o país possui plano Industrie 4.0, que está relacionado às tecnologias da chamada “quarta revolução industrial”. Em 2019, foi proposta a National Industrial Strategy 2030 visa promover campeões nacionais e europeus como resposta à concorrência chinesa. Assim como a França, o país também recebeu financiamento de € 25 bilhões (US$ 30 bilhões) da União Europeia para se recuperar dos efeitos econômicos da pandemia do Covid-19 e atingir seu duplo objetivo.
Estados Unidos. As políticas industriais recentes dos EUA estão focadas em enfrentar um duplo desafio: recuperar a economia dos efeitos da pandemia do Covid-19 e dar uma resposta à concorrência chinesa. Com isso, os EUA lançaram em 2020, o Operation Warp Speed com o fim desenvolver, fabricar e aplicar as vacinas contra o coronavírus. Em relação à concorrência chinesa, em 2022, o país promulgou uma versão do America COMPETES Act para, entre outras prioridades, financiar a fabricação doméstica de semicondutores, aumentar consideravelmente o financiamento de P&D e estabelecer uma nova postura internacional dos EUA em relação à China. No âmbito desta promulgação, está a Lei de Chips que destina um financiamento de US$ 52 bilhões para a indústria de semicondutores do país.
Brasil. O relatório não destaca nenhuma política recente do país para lidar com o contexto atual, mas ressalta o papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como uma presença frequente na política industrial do Brasil. Apesar de ser o maior banco de desenvolvimento da América Latina e o quinto maior banco nacional de desenvolvimento do mundo, hoje em dia, o BNDES se caracteriza por estar se desfazendo de participações em grandes empresas nacionais, como a Petrobras. O relatório destaca ainda que as políticas de apoio à P&D possibilitaram que o Brasil tivesse proporção da P&D sobre o PIB maior do que a média da América Latina, embora ainda esteja abaixo de todos os outros países estudados pelo relatório. Além disso, tais políticas tiveram uma capacidade limitada em revitalizar o setor manufatureiro brasileiro, cuja baixa participação no PIB brasileiro é consequência, segundo os pesquisadores do CSIS, de ciclos políticos de curto prazo e da falta de consistência das políticas industriais anteriormente adotadas, bem como de escândalos de corrupção e de deficiências fiscais.