Carta IEDI
Exportações e difusão de tecnologia: evidências no Brasil
A Carta IEDI de hoje dá sequência a uma série de divulgações do Instituto que enfatizam a importância de uma maior integração do Brasil no comércio internacional. Alguns exemplos recentes sobre este tema são as Cartas n. 1157 “Integrar-se mais e melhor”, de ago/22, n. 1188 “A Complexidade das exportações brasileiras e a concorrência da China” de fev/23, n. 1219 “Panorama das Empresas Exportadoras Brasileiras”, de ago/23, entre outros.
Nesta edição, abordamos o estudo “Exporting and Technology Adoption in Brazil”, de autoria de Xavier Cirera, Marcio Cruz, Kyung Min Lee, Antonio Martins-Neto, pesquisadores do Banco Mundial, e de Diego Comin da Universidade de Dortmund, que tem como objetivo investigar o papel da entrada nos mercados de exportação na facilitação da difusão e adoção de novas tecnologias pelas empresas dos países em desenvolvimento.
Com um conjunto inédito de dados obtidos por meio da pesquisa de adoção de tecnologia ao nível das empresas (FAT), desenvolvida pela equipe de Finanças, Competitividade e Inovação (FCI) do Banco Mundial, os autores examinaram o impacto da exportação na adoção pelas empresas brasileiras de tecnologias mais sofisticadas em diferentes funções de negócio.
A pesquisa FAT abrange cerca de 300 tecnologias divididas em quase 60 funções de negócios, incluindo funções gerais de negócios (GBF) que se aplicam a todas as empresas, independentemente do setor, e funções de negócios específicas do setor (SBF).
Além de informações detalhadas sobre a tecnologia usada para cada função geral de negócios, incluindo ano de adoção de tecnologias avançadas, a pesquisa FAT levanta igualmente informações sobre várias características das empresas, tais como formação educacional de gerentes e trabalhadores, o uso de incentivos formais e indicadores de desempenho e práticas de inovação, entre outras.
Para aplicação da pesquisa no Brasil, os autores utilizaram uma amostra original de cerca de 1.500 estabelecimentos formais, localizados nos estados do Ceará, Paraná e São Paulo, com pelo menos cinco funcionários, na agricultura, indústria de transformação e serviços.
Essa base de dados exclusiva e inovadora foi combinada com as informações sobre o status de exportação das empresas, a partir dos dados disponíveis no Mdic para o período de 1994 a 2020. Igualmente, foram utilizadas as informações da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) sobre o emprego formal, como tamanho e salário médio em nível de estabelecimento.
Em uma primeira aproximação para explorar a relação entre exportação e adoção de tecnologias avançadas, os autores procuraram identificar as principais diferenças entre as empresas brasileiras exportadoras e não exportadoras, a partir das correlações entre o status comercial (exportador versus não exportador) e o índice de sofisticação tecnológica. As correlações positivas obtidas indicam que os exportadores usam tecnologias mais sofisticadas do que os não exportadores.
Já a análise das medidas de sofisticação tecnológica médias por setor revelou que as diferenças entre os grupos de exportadores e não exportadores na amostra das empresas brasileiras são maiores na indústria agroalimentar, na agricultura e na indústria automobilística, cujas empresas exportadoras desse setor são as únicas da amostra que possuem sofisticação tecnológica na fronteira.
Para identificar com maior acurácia a causalidade no efeito da entrada em mercados internacionais na adoção de tecnologias avançadas, os autores utilizaram a metodologia de “estudo de evento” e aplicaram o método de diferença-em-diferenças (DiT) com múltiplos períodos. Em síntese, o emprego desse método estatístico torna possível comparar as taxas de adoção de novas tecnologias das empresas tratadas no curto e médio prazo com a taxa de adoção que teria ocorrido se elas não tivessem começado a exportar.
Como variável dependente, os autores se concentraram na adoção de tecnologias avançadas para oito funções gerais de negócios: administração da empresa, planejamento da produção, gerenciamento da cadeia de suprimentos, marketing, vendas, pagamento, controle de qualidade e fabricação. Essa última, disponível apenas para as empresas manufatureiras.
Os resultados encontrados mostram um impacto positivo e significativo da entrada no mercado internacional na adoção de tecnologias mais sofisticadas para a maioria das funções de negócios, com coeficientes particularmente elevados para administração de empresas, planejamento de produção, gerenciamento da cadeia de suprimentos, e controle de qualidade.
Após começar a exportar, os estabelecimentos tendem a ter uma propensão 13,7% maior de adotar um software especializado de planejamento de recursos empresariais (ERP) para a administração da empresa, comparativamente aos que não exportam. Além disso, no caso do controle de qualidade, a condição de exportação está associada a uma probabilidade 8,9% maior de adotar o controle estatístico do processo com softwares de monitoramento e gerenciamento de dados ou sistemas automatizados para inspeção.
Efeitos positivos e significativos na probabilidade de adoção de tecnologia avançada encontrados igualmente no planejamento da produção e no gerenciamento da cadeia de suprimentos são, de acordo com os autores, consistentes com modelos que sugerem que a exportação aumenta a complexidade das tarefas e dos processos dentro da empresa, o que requer melhores tecnologias.
Estes são resultados que vão ao encontro de outros estudos analisados pelo Instituto, a exemplo do documento do Mdic “Perfil das Firmas Exportadoras Brasileiras: um Panorama”, abordado na Carta IEDI n. 1219. A importância para a produtividade de as empresas brasileiras exportarem mais, obtendo novos conhecimentos e competências, já havia sido enfatizado pelo economista João Emilio Gonçalves no estudo “Incertezas sobre a Abertura Comercial”, realizado a pedido do IEDI.
Introdução
A Carta IEDI de hoje aborda o estudo “Exporting and Technology Adoption in Brazil”, divulgado em mai/23 pelo Banco Mundial e de autoria de Xavier Cirera, Marcio Cruz, Kyung Min Lee, Antonio Martins-Neto, pesquisadores da instituição, e de Diego Comin, da Universidade de Dortmund.
Elaborado a partir de um novo conjunto de dados obtidos por meio da pesquisa de adoção de tecnologia ao nível das empresas (FAT), que incluiu mais de 1.500 estabelecimentos, localizados nos estados do Ceará, Paraná e São Paulo, o estudo examina o impacto da exportação na adoção pelas empresas brasileiras de tecnologias mais sofisticadas em diferentes funções de negócio.
Na avaliação dos autores, compreender o papel da participação no comércio internacional na difusão de tecnologias avançadas é fundamental para os países em desenvolvimento. Todavia, enquanto uma vasta literatura se concentra nos canais de importação, muito pouco se sabe sobre o papel da entrada nos mercados de exportação para a facilitação da difusão e adoção de novas tecnologias pelas empresas dos países em desenvolvimento.
Assim, a partir de uma base de dados exclusiva e inovadora, os autores pretendem reduzir a lacuna existente na literatura econômica na compreensão da relação entre exportação e atualização tecnológica.
Papel do comércio internacional na difusão e modernização tecnológica
Segundo os autores, o papel do comércio internacional na difusão e modernização tecnológica tem sido objeto de inúmeros estudos na literatura econômica. A maioria deles se concentra no exame dos impactos por meio do canal das importações. Um conjunto bem menor de estudos analisa o impacto das exportações na modernização e inovação tecnológica.
Ao elevar as pressões concorrenciais, o aumento das importações de bens similares pode incentivar a modernização tecnológica voltada à diversificação da produção. Contudo, pode igualmente reduzir o rendimento e empurrar alguns produtores para segmentos de qualidade inferior, desestimulando, assim, a inovação e a adoção de tecnologia.
O acesso mais fácil e barato às importações também pode facilitar a adoção de novas tecnologias por meio da redução de custos e da maior disponibilidade dessas tecnologias. Além disso, a participação no comércio internacional e nas cadeias de valor globais (GVCs) pode facilitar o acesso às tecnologias existentes por meio do aprendizado com clientes em mercados mais disputados ou do aprendizado com fornecedores ou compradores.
No período recente, uma vasta literatura examinou os vínculos entre comércio e inovação, explorando os impactos das importações de dois canais específicos: o impacto das importações de insumos intermediários e de equipamentos e a pressão competitiva do aumento das importações de produtos similares em decorrência, sobretudo, do choque da China, bem como da redução das barreiras tarifárias. As evidências obtidas nesses estudos são mistas, segundo os pesquisadores do Banco Mundial.
Em geral, os achados sugerem que os aumentos nas importações após a liberalização do comércio tendem a ser positivos para a inovação, especialmente nos países em desenvolvimento e no que se refere ao canal de insumos intermediários importados. Já o efeito da concorrência das importações está longe ser homogêneo.
Enquanto na área do Euro, a pressão competitiva da China impactou positivamente tanto a modernização quanto a realocação de tecnologia, nos Estados Unidos, o aumento da concorrência chinesa se traduziu em uma redução dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e do registro de patentes de tecnologia por parte das empresas norte-americanas.
Alguns autores encontraram evidências de que empresas mais produtivas têm maior probabilidade de se beneficiar do impacto do comércio internacional na adoção de tecnologia. O nível de produtividade da empresa seria, portanto, importante tanto para o canal “fuga da concorrência”, como também para o canal “aprender com os intermediários importados”.
Em relação aos impactos das exportações na modernização tecnológica, dois canais importantes estão presentes, de acordo com os pesquisadores do Banco Mundial.
• O primeiro canal é o efeito “escala” que aumenta os incentivos para a adoção de novas tecnologias tanto nas empresas no topo da distribuição de produtividade como nas empresas de produtividade mais baixa que se tornam exportadoras.
• O segundo canal é o de “aprendizagem”, que leva ao aumento da qualidade dos produtos exportados.
Evidências de efeitos positivos foram encontradas para ambos os canais, embora alguns se concentrem nas empresas mais produtivas.
Xavier Cirera e seus coautores ressaltam três desafios envolvidos na identificação dos efeitos da exportação na adoção de tecnologia.
(1) O primeiro desafio diz respeito a dificuldade em desvendar a direção causal desses efeitos, dado que empresas mais produtivas tendem a exportar e, portanto, têm maior probabilidade de serem tecnologicamente sofisticadas. Ademais, na preparação para participar de mercados internacionais, as empresas podem modernizar suas tecnologias para gerar ganhos de competitividade e para melhoria da qualidade, permitindo-lhes exportar.
(2) Um segundo desafio é a escassez de dados sobre o uso da tecnologia. A maioria das evidências concentra-se em medidas indiretas de tecnologia, como patentes ou gastos com P&D.
(3) O terceiro desafio está relacionado ao uso multidimensional da tecnologia aplicada em diferentes funções de negócios. As empresas usam diferentes tecnologias para distintas tarefas e até mesmo dentro de uma mesma função empresarial. Portanto, os efeitos da exportação na adoção de tecnologia podem diferir para distintas tarefas e tecnologias.
Pesquisa de adoção de tecnologia ao nível das empresas
A pesquisa de Adoção de Tecnologia no Nível da Firma coleta informações detalhadas para uma amostra de empresas sobre as tecnologias que cada uma adota e usa para executar as principais funções de negócios necessárias para operar em seu respectivo setor. Parte de um projeto global – Firm Adoption of Technology (FAT) – liderado pela equipe de Finanças, Competitividade e Inovação (FCI) do Banco Mundial, essa pesquisa já foi aplicada, desde 2019, em mais de 15 países ao redor do mundo.
A pesquisa é projetada, implementada e ponderada no nível do estabelecimento. Para empresas com vários estabelecimentos, a pesquisa foca o estabelecimento selecionado aleatoriamente na amostra.
O questionário aplicado às empresas selecionadas é composto por cinco módulos. O Módulo A coleta informações sobre as características gerais da empresa. O Módulo B concentra-se em tecnologias usadas para funções gerais de negócios, independentemente do setor em que operam. O Módulo C cobre as funções de negócios específicas do setor e se concentra em tecnologias relevantes apenas para as empresas em um determinado setor. O Módulo D enfoca as barreiras e impulsionadores da adoção de tecnologia, enquanto o módulo E reúne informações sobre o balanço e o emprego da empresa.
Para projetar os módulos B e C, a pesquisa FAT contou com um grupo de especialistas em tecnologia para determinar as funções de negócios relevantes para a empresa e a lista de tecnologias que podem ser usadas para implementar as tarefas-chave em cada função.
Igualmente, foram desenvolvidos módulos específicos para doze setores: agricultura e pecuária; indústria de transformação (processamento de alimentos, vestuário, couro e calçados, veículos motorizados e produtos farmacêuticos); e serviços (comércio - atacado e varejo, serviços financeiros, serviços de transporte terrestre, hospedagem e serviços de saúde).
Além de informações detalhadas sobre a tecnologia usada para cada função de negócios, a pesquisa FAT também inclui informações sobre várias características das empresas, que são usadas para controlar outras covariáveis suscetíveis de explicar as diferenças na adoção de tecnologia. Por exemplo, além do tamanho, região e setor das empresas, o banco de dados da FAT inclui informações sobre a formação educacional de gerentes e trabalhadores, o uso de incentivos formais e indicadores de desempenho e práticas de inovação, entre outras.
Grade tecnológica. A grade tecnológica da pesquisa FAT possui, de acordo com os autores, três características principais. A primeira delas é a abrangência, incluindo as principais funções de negócios e toda a gama de tecnologias em cada função, desde as tecnologias mais básicas até as mais avançadas disponíveis.
Em segundo lugar, as funções de negócios e as tecnologias na grade são relevantes para todas as empresas dentro de um determinado setor. Além da identificação das principais funções de negócios e tecnologias relevantes, a grade também incorpora a classificação das tecnologias em cada função de negócios com base em sua sofisticação.
De modo geral, a pesquisa FAT abrange cerca de 300 tecnologias divididas em quase 60 funções de negócios, incluindo funções gerais de negócios (GBF) que se aplicam a todas as empresas, independentemente do setor, e funções de negócios específicas do setor (SBF).
Os diagramas abaixo mostram, respectivamente, a grade tecnológica para as funções gerais de negócio e um exemplo das tecnologias para as funções específica de negócios no setor de processamento de alimentos.
A pesquisa FAT contém três tipos de perguntas sobre as tecnologias utilizadas pela empresa. A primeira pergunta é se a empresa usa cada uma das tecnologias da grade para conduzir as tarefas da função de negócios específica. Depois de determinar as tecnologias que são usadas pela empresa em uma função de negócios, a pesquisa pergunta qual dessas tecnologias é a mais amplamente utilizada na função de negócios. Em terceiro lugar, quando uma empresa usa uma tecnologia avançada em uma determinada função de negócios, a pesquisa indaga o ano da adoção da tecnologia.
Essas questões permitiram, segundo os autores, construir três tipos de medidas de sofisticação. Um referente a todas as tecnologias que são utilizadas, medida extensiva (EXT); um referente à tecnologia mais utilizada, medida intensiva (INT); e, finalmente, os anos de adoção de tecnologias avançadas.
Amostra. Para aplicação da pesquisa FAT no Brasil, os autores utilizaram uma amostra original de cerca de 1.500 estabelecimentos formais, com pelo menos cinco funcionários, na agricultura, indústria de transformação e serviços. Os dados foram coletados presencialmente em 2019 para o estado do Ceará. Para os estados de São Paulo e Paraná, as entrevistas foram realizadas durante o ano de 2022.
A tabela abaixo contém informações para a amostra utilizada, desagregadas em setores estritamente definidos. Na indústria de transformação, uma grande parcela dos estabelecimentos pesquisados está nos ramos de processamento de alimentos e de vestuário, enquanto nos setores de serviços, a maioria dos estabelecimentos está no comércio de atacado e varejo.
Metodologia do estudo
Em uma primeira aproximação, Cirera e seus coautores procuraram, a partir das informações disponíveis na base de dados, identificar as principais diferenças entre as empresas brasileiras exportadoras e não exportadoras, como apresentado na tabela abaixo.
As quatro primeiras linhas da tabela descrevem a diferença entre exportadores e não exportadores para o logaritmo dos quatro índices tecnológicos: GBF Extensivo e Intensivo; SBF Extensivo e Intensivo, enquanto as demais linhas mostram as diferenças entre os dois grupos nas demais variáveis consideradas.
Em média, os estabelecimentos não exportadores apresentam, índices de 11% a 22% menores, também são comparativamente pequenos, interagem menos com empresas multinacionais (EMs) e recebem menos apoio do governo. Além disso, poucos estabelecimentos não exportadores utilizam incentivos formais e indicadores de desempenho. O diferencial também é grande para gestores com nível superior, com experiência em grandes empresas ou experiência no exterior. Finalmente, as empresas exportadoras são mais propensas a inovar e respondem por uma parcela maior de funcionários de P&D.
Para identificar com maior acurácia a causalidade no efeito da entrada em mercados internacionais na adoção de tecnologias avançadas, os autores utilizaram um “estudo de evento” e aplicaram o método de diferença-em-diferenças (DiT) com múltiplos períodos. Como variável dependente, os autores se concentraram na adoção de tecnologias avançadas para oito funções gerais de negócios: administração da empresa, planejamento da produção, gerenciamento da cadeia de suprimentos, marketing, vendas, pagamento, controle de qualidade e fabricação. Essa última, disponível apenas para as empresas manufatureiras.
A lista de tecnologias para cada função de negócio inclui:
(i) Software especializado e planejamento de recursos empresariais (ERP) para Administração de Empresas;
(ii) Software especializado e ERP para Planejamento da Produção;
(iii) Gestão de Relacionamento com Fornecedores (SRM) não integrada e integrada para Gestão da Cadeia de Suprimentos;
(iv) Software de Gestão de Relacionamento com o Cliente (CRM) e análise de Big Data ou algoritmos de aprendizado automático de máquinas para Marketing;
(v) Máquina de controle numérico computadorizado, robôs e manufatura avançada para Fabricação;
(vi) Vendas online e pedidos eletrônicos integrados a sistemas especializados de gestão da cadeia de suprimentos para Métodos de Vendas;
(vii) Pagamento online ou eletrônico através de transferência bancária e pagamento online através de plataforma de Meios de Pagamento; e,
(viii) Controle estatístico de processo com software de monitoramento e gerenciamento de dados e sistemas automatizados de inspeção para Controle de Qualidade.
Com informações obtidas sobre a adoção de tecnologia mais avançadas pelas empresas da amostra, e sobretudo, a data de adoção pela empresa, Cirera e seus coautores criaram um indicador para cada função de negócio, que assume valor igual a 1 no ano em que a empresa adotou uma determinada tecnologia avançada e igual a 0 nos anos anteriores.
Os autores combinaram as informações das empresas sobre o ano de adoção de tecnologias sofisticadas com o status de exportação das empresas a partir dos dados disponíveis no Ministério de Indústria e Comércio para o período 1994 a 2020. Assim, para cada empresa na base de dados, os autores possuem informações sobre o ano em que ela começou a exportar e o ano em que adotou uma tecnologia sofisticada em cada função de negócios.
Esses dados foram igualmente mesclados com as informações da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) sobre o emprego formal, disponibilizada pelo Ministério do Trabalho, incluindo informações sobre tamanho e salário médio em nível de estabelecimento.
Esse amplo conjunto de dados permitiu aos autores usar um estimador de diferenças em diferenças (DiD) para explorar o efeito de entrar em mercados de exportação na adoção de tecnologias avançadas por parte das empresas. Em síntese, o emprego desse método estatístico torna possível comparar as taxas de adoção de novas tecnologias das empresas tratadas no curto e médio prazo com a taxa de adoção que teria ocorrido se elas não tivessem começado a exportar.
Em um cenário típico de diferenças em diferenças, dois períodos de tempo são comparados: nenhuma empresa é tratada no primeiro período e um grupo é tratado no segundo. No entanto, no contexto do estudo em foco, além de múltiplos períodos, as empresas entraram nos mercados exportadores em momentos diferentes, criando assim variação no tempo de tratamento.
Tradicionalmente, segundo os autores, a resposta a esse desafio é estimar um modelo que inclua variáveis artificiais (dummies) para unidades de corte transversal (αi) e períodos de tempo (αt) e uma variável dummy de tratamento (Dit).
Contudo, como a entrada em mercados de exportação poderia ter efeitos heterogêneos na adoção de tecnologia ao longo do tempo, especialmente considerando a variação de custos e difusão de tecnologia, os autores optaram pelo uso de uma estimação de múltiplos períodos. Esse método divide vários períodos de tratamento em efeitos de tratamento médios de tempo de grupo (o efeito de tratamento médio no período t para o grupo de unidades tratadas pela primeira vez no período g) e os agrega em medidas significativas dos efeitos causais.
Embora os dados do Ministério do Comércio incluam informações sobre o primeiro e o último ano que uma determinada empresa exportou, o método de múltiplos períodos, assume que as unidades tratadas permanecem tratadas durante todos os períodos subsequentes.
Resultados encontrados
Os autores realizaram algumas correlações entre o status comercial (exportador versus não exportador) e o índice de tecnologia para explorar a relação entre exportação e adoção de tecnologias avançadas.
A figura a seguir mostra os resultados encontradas para as estimativas de coeficiente de regressão dos diferentes índices tecnológicos agregados em variáveis fictícias para capturar o status comercial, com controle por setor, variáveis fictícias para tamanho e idade das empresas e variáveis de controle adicionais.
Os índices incluem a medida extensiva (EXT) e a medida intensiva (INT) tanto para funções de negócios gerais (GBF) quanto para funções de negócios específicas do setor (SBF). As estimativas mostram uma correlação positiva entre status de exportador e a sofisticação tecnológica para todos os índices.
O índice médio de tecnologia obtido para cada função de negócios mostra a mesma classificação em termos de sofisticação por grupos exportadores, com maiores pontuações de sofisticação para administração de negócios e vendas, e diferenças muito mais estreitas para as medidas intensivas (ver figura a seguir). Segundo os autores, os exportadores usam tecnologias mais sofisticadas do que os não exportadores, sobretudo na margem intensiva.
A análise das medidas de sofisticação tecnológica médias por setor, excluindo os serviços, revela que as diferenças entre os grupos de exportadores e não exportadores na amostra das empresas brasileiras são maiores na indústria de alimentos e na agricultura (ver figura abaixo). Cabe ressaltar ainda as diferenças observadas no setor automotivo, cujas empresas exportadoras são as únicas que possuem sofisticação tecnológica na fronteira.
Segundo os autores, esses resultados da correlação são consistentes e complementam outros trabalhos empíricos realizados no período recente sobre empresas de economias desenvolvidas, que mostram que as empresas participantes do comércio internacional concentram um número significativo de patentes e expressivos investimentos em P&D.
Os autores procuraram igualmente desvendar o efeito causal da exportação comercial sobre a sofisticação tecnológica. Para isso, estimaram o impacto da entrada nos mercados de exportação sobre a probabilidade de adoção de tecnologias mais sofisticadas, que se baseia no efeito médio do tratamento sobre as empresas tratadas (ATT) no período t a t+5.
Os resultados encontrados mostram um impacto positivo e significativo da entrada no mercado internacional na adoção de tecnologias mais sofisticadas para a maioria das funções de negócios, com coeficientes particularmente elevados para Administração de Empresas, Planejamento de Produção, Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos, e Controle de Qualidade.
Após começar a exportar, os estabelecimentos tendem a ter uma propensão 13,7% maior de adotar um software especializado de planejamento de recursos empresariais (ERP) para a Administração das Empresas, comparativamente aos que não exportam.
Além disso, no caso do Controle de Qualidade, a condição de exportador está associada a uma probabilidade 8,9% maior de adotar o controle estatístico do processo com softwares de monitoramento e gerenciamento de dados ou sistemas automatizados para inspeção.
A figura abaixo mostra as estimativas desagregadas dos coeficientes para Administração de Empresas (painel a), Planejamento da Produção (painel b), Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos (painel c) e Controle de Qualidade (painel d). O período considerado vai de t−5 (anos anteriores ao tratamento) a t+5 (anos após o tratamento).
Os resultados observados no painel (a) indicam que durante os anos anteriores ao tratamento, os coeficientes não são estatisticamente diferentes de zero, sendo interpretados pelos autores como uma indicação de que a suposição de tendências paralelas é válida e que não há efeito de antecipação. Em contraste, após o tratamento, observa-se um claro efeito positivo, que aumenta com o tempo.
De acordo com os autores, os resultados são consistentes com um modelo em que a exportação amplia as camadas gerenciais das empresas. Para dar conta de tarefas mais complexas induzidas pela participação no comércio internacional, as empresas aumentam o número de gerentes e adotam tecnologias mais sofisticadas para a administração dos negócios. Os resultados também são consistentes com o canal de efeito de escala, por meio do qual a maior demanda induz a adoção de novas tecnologias.
O estudo econométrico também encontrou resultados semelhantes para Planejamento da Produção, Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos e Controle de Qualidade – respectivamente, painéis (b), (c) e (d) da figura acima). Os coeficientes são positivos de t a t + 5, sem indícios de preparação para exportação.
De acordo com Cirera e seus coautores, os resultados mostram que à medida que as empresas se adaptam aos padrões de qualidade mais exigentes dos compradores externos, elas adotam tecnologias mais avançadas para controle de qualidade. Esses achados estão alinhados com a literatura que mostra que as empresas aumentam a qualidade do produto à medida que entram nos mercados internacionais.
Os mercados de exportação operam com requisitos de qualidade mais elevados, e as empresas exportadoras produzem produtos de qualidade superior, aumentando a qualidade de seus insumos e variando a qualidade de seus produtos entre os destinos.
Já o efeito positivo da adoção de tecnologias avançadas no Planejamento da Produção e na Gestão da Cadeia de Suprimentos está, segundo os autores, associado provavelmente à necessidade de gerenciar de forma mais eficiente e oportuna o processo produtivo e o número crescente de compradores e fornecedores.
À medida que as empresas entram nos mercados de exportação, elas não apenas se envolvem com compradores adicionais, mas também tendem a expandir a gama de fornecedores para adquirir melhores bens intermediários, cuja disponibilidade costuma ser limitada nos mercados locais dos países em desenvolvimento. Além disso, tendem a gerenciar melhor os riscos associados a interrupções na cadeia de suprimentos, uma vez que os custos de não execução dos pedidos de exportação são maiores.
Conclusões
Com a utilização de um novo conjunto de dados para mais de 1.500 estabelecimentos empresariais no Brasil, o estudo do Banco Mundial encontrou um efeito positivo e estatisticamente significativo na probabilidade de adoção de tecnologias sofisticadas em funções-chave de negócios por empresas que exportam.
Começar a exportar está associado a uma probabilidade 13,7% maior do estabelecimento adotar um software especializado ou ERP para Administração de Empresa, e a uma probabilidade 8,9% maior de adotar o controle estatístico de processo por meio de software de monitoramento e gerenciamento de dados para inspeção no Controle de Qualidade.
Também foram encontrados efeitos positivos e significativos na probabilidade de adoção de tecnologia avançada no Planejamento da Produção ou no Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos. As evidências apresentadas são consistentes com modelos que sugerem que a exportação aumenta a complexidade das tarefas e dos processos dentro da empresa, e isso requer melhores tecnologias para auxiliar no gerenciamento dessas tarefas e processos.
Embora as comprovações obtidas no estudo também estejam alinhadas com outros trabalhos empíricos que mostram um impacto positivo da exportação na inovação, os autores consideram que são necessárias mais evidências para identificar os principais canais que explicam essa relação positiva.
Na avaliação de Cirera e seus coautores é preciso investigar, por exemplo, qual é o papel que os compradores internacionais desempenham na transferência dessas tecnologias mais avançadas ou qual papel a concorrência em mercados internacionais mais disputados desempenha no incentivo à modernização tecnológica.