Carta IEDI
Descarbonização e oportunidades para o Brasil
O enfrentamento das mudanças climáticas e o desafio da transição energética para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE), conforme pactuado no Acordo de Paris de 2015, foram temas prioritários das reuniões da Cúpula do grupo das vinte maiores economias do mundo (G20) em 2024, realizada no Brasil.
O Brasil tem como meta alcançar a neutralidade climática até 2050. Na COP 29, realizada em Baku também no mês de nov/024, o país anunciou a nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), assumindo o compromisso de redução das emissões líquidas de GEE de 59% a 67% até 2035, tomando como base o ano de 2005.
Dada a relevância do tema para o Brasil, que sediará em 2025 a próxima Conferência Anual das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), a Carta IEDI de hoje resume estudo da McKinsey intitulado “Greener shores: Brazil’s $100 billion decarbonization opportunity”, em que detalha oportunidades associadas à descarbonização que o Brasil pode aproveitar.
A pesquisa da McKinsey estima que o Brasil pode adicionar até US$ 100 bilhões ao seu PIB até 2030 se souber aproveitar as oportunidades que estão se abrindo. Ademais, contabilizam uma geração potencial de 6,4 milhões de empregos no período.
Os ganhos podem ser majorados ao longo do tempo pela atração de investimentos estrangeiros em atividades energointensivas – em meio a transformações nas cadeias globais de valor, derivadas da escalada de tensões geopolíticas e da busca por uma matriz energética mais limpa – e por efeitos indiretos ao restante dos setores econômicos.
Embora a quantificação das oportunidades desta natureza dependa muito das hipóteses empregadas e da evolução do cenário internacional, da implementação das agendas de negociação internacional e de políticas públicas internas, ilustra bem as vantagens que o Brasil tem no processo de descarbonização global.
No caso brasileiro, metade das emissões de gases de efeito estufa vem do uso da terra, mudança no uso da terra e florestas (LULUCF), enquanto a agricultura responde por cerca de 25%. Juntas, essas atividades são responsáveis por mais de 3 vezes as emissões combinadas da indústria de transformação, transporte e geração de energia, que totalizam 20% das emissões brasileiras. Este é um padrão que distingue o Brasil do contexto global.
De acordo com a McKinsey, o se destaca Brasil por possui atributos que podem contribuir para a descarbonização mundial, de forma mais barata e eficiente. Entre suas vantagens estão: o imenso potencial de energia renovável; as enormes áreas de florestas; e o potencial biogênico ímpar, que permite o crescimento, rápido e economicamente eficiente, de alimentos e biomassa.
A combinação desses trunfos pode permitir ao Brasil não apenas alcançar o patamar de zero emissões líquidas na próxima década, como também se tornar um exportador de biocombustíveis sustentáveis, de materiais de baixo carbono, como metais verdes, metanol, amônia, e de serviços de sequestro de carbono, entre outros.
Com isso, o país pode desempenhar um papel de liderança na transição energética global.
As discussões no âmbito do Grupo de Trabalho sobre Transição Energética e Clima do B20, das quais a McKinsey participou, resultaram em três conjuntos de recomendação:
• acelerar o desenvolvimento e uso de soluções de energias renováveis e de outras soluções energéticas com vistas à descarbonização no curto e longo prazo;
• estimular a eficiência energética e de recursos, sobretudo na indústria de transformação, promovendo a circularidade por meio da reciclagem; e
• promover soluções climáticas naturais eficazes para mitigar as mudanças climáticas e aumentar a biodiversidade.
No que se refere à recomendação de acelerar o desenvolvimento e uso de soluções energéticas renováveis e/ou de base biológica, o estudo da McKinsey destaca que com a redução do custo nivelado de energia (LCOE) das fontes eólica e solar, que atualmente representam cerca de 20% da matriz elétrica brasileira, essas energias renováveis poderiam se tornar preponderantes na matriz energética do país.
Acompanhada da expansão da infraestrutura de rede, a ampliação dessas novas fontes de energia renovável, para além da hidrelétrica, garantiria o fornecimento estável de eletricidade para ampla eletrificação sustentável dos setores da indústria de transformação, mobilidade e logística.
O estudo também destaca o potencial do desenvolvimento do hidrogênio verde e de biocombustíveis sustentáveis, tais como etanol de segunda geração, combustível sustentável para aeronaves (SAF), biocarbono e biometano, para os quais o Brasil tem matérias-primas e capacidades de produção substanciais.
O país já líder na produção em escala industrial de biocombustível de segunda geração (E2G), usando biomassa (bagaço de cana-de-açúcar), e as estimativas indicam que até 2030, o Brasil estará posicionado como um dos países mais competitivos globalmente para produção de hidrogênio verde em larga escala.
Em relação à promoção da eficiência energética e de recursos, há desafios a serem enfrentados pelas empresas industriais brasileiras para se tornarem mais eficientes no uso de energia e intensificarem a reciclagem de materiais.
Por exemplo, nas indústrias pesadas, como em cimento, aço, papel e celulose, bem como mineração, seria necessário promover a substituição de materiais, a aquisição de máquinas e equipamentos com tecnologias modernas e eficientes em termos de consumo energéticos e de sistemas avançados de gerenciamento de energia.
Já nas indústrias leves, a exemplo da produção de alimentos, bebidas, máquinas, têxteis e construção, a McKinsey pontua ser necessário expandir o uso de sistemas de motores elétricos eficientes e aumentar o rigor dos padrões mínimos de desempenho energético (MEPS) para motores.
Seria igualmente necessário ampliar a utilização de energia elétrica de fontes renováveis e diminuir a utilização de combustíveis fósseis, que respondem por 29% da matriz energética do setor industrial.
Quanto à reciclagem de materiais, de acordo com a McKinsey, a disseminação da abordagem da circularidade promoveria o uso eficiente de recursos naturais e práticas sustentáveis em toda a cadeia de valor. Além de reduzir as emissões de GEE e gerar emprego, essa abordagem criaria valor para as empresas.
No que se refere à promoção de soluções climáticas naturais, o documento destaca que, mediante a melhoria do uso da terra, a prevenção e redução do desmatamento, a restauração de florestas nativas e do reflorestamento, o Brasil tem potencial para desempenhar um papel de liderança no mercado mundial de eliminação de CO₂.
Dado que a oportunidade total de sequestro de carbono do Brasil (2 gigatoneladas métricas – Gt – de CO2 equivalente por ano) é significativamente maior do que a demanda doméstica projetada (0,3 GtCO2e/ano), o país poderá se tornar um fornecedor mundial de certificados de remoção de carbono (CDR), apoiando assim a descarbonização de emissões residuais em todo o mundo.
De acordo com a McKinsey, aproveitar as oportunidades do Brasil em se tornar uma potência verde, com aumento tanto do crescimento econômico e do emprego, como da conservação e restauração ambiental e da resiliência ao risco climático, exigiria coordenação entre as três esferas de governo, capital privado e sociedade civil para construir e ampliar novas cadeias de valor.
O relatório sugere aos líderes dos setores público e privado que, ao definir suas trajetórias de descarbonização, considerem os seguintes aspectos:
• Compreender o ecossistema de negócios necessário. A descarbonização exigirá novas cadeias de valor locais e mundiais. Portanto, será importante para as organizações empresariais avaliar quais etapas da cadeia fazem sentido e quais exigirão colaboração por meio de fusões e aquisições, joint ventures e/ou parcerias.
• Identificar pools de demanda dispostos a pagar prêmios ou se comprometer com acordos de compra de longo prazo. É essencial assegurar compradores de longo prazo e obter garantias de demanda para superar a incerteza e mitigar os riscos associados aos altos investimentos iniciais necessários.
• Desenvolver um modelo de "fábrica de investimento de capital". Um modelo de "fábrica de investimento de capital" construído em torno de planejamento e execução eficientes de gastos de investimento pode ajudar a reduzir os custos de implementação e acelerar os cronogramas dos projetos de economia verde, antecipando o retorno de altos investimentos iniciais.
• Garantir uma configuração organizacional que seja bem adaptada à economia verde. Para cumprir com os requisitos da economia verde e aproveitar as oportunidades associadas à transformação em todas as cadeias de valor será preciso ter estrutura adequada ao propósito, governança, talento e capacidades.
• Ativar uma estratégia de financiamento que alavanque alternativas de financiamento sustentáveis. Isso inclui fundos climáticos, debêntures incentivadas, acordos de compra (offtake) e títulos verdes, bem como financiamento tradicional (como financiamento de projetos) para concretizar o empreendimento e pavimentar o caminho para escalabilidade e crescimento sustentável.
• Entender o cenário regulatório. Os líderes dos setores público e privado precisarão entender o cenário regulatório em torno da economia verde, no Brasil e no mundo, cujas estruturas legais e regulatórias evoluem em resposta às mudanças climáticas e à pressão da opinião pública. Tais regulamentações afetam a formação de mercados locais e globais para soluções mais verdes e estabelecem incentivos ou penalidades dentro e através das fronteiras em diferentes geografias, bem como moldam a dinâmica da demanda global e da economia de projetos.
Introdução
A Carta IEDI de hoje resume documento da consultoria McKinsey intitulado “Greener shores: Brazil’s $100 billion decarbonization opportunity”, de out/24, em que recupera recomendações do Grupo de Trabalho sobre Transição Energética e Clima do B20 e detalha as oportunidades associadas à descarbonização que, em via estimativa, poderia adicionar até US$ 100 bilhões ao PIB brasileiro, com criação de 6,4 milhões de empregos até 2030.
De acordo com a consultoria, embora seja o sexto maior emissor de gases de efeito estufa (GEE) do mundo, o Brasil possui atributos que podem contribuir para a descarbonização em outras regiões do mundo de forma mais barata e eficiente.
Entre as principais vantagens brasileiras estão: o imenso potencial de energia renovável, conectado por meio de uma rede integrada; as enormes florestas; e o potencial biogênico ímpar, que permite o crescimento, rápido e economicamente eficiente, de alimentos e biomassa.
A combinação desses trunfos pode permitir ao Brasil não apenas alcançar o patamar de emissões líquidas zero na próxima década, como também se tornar um exportador de biocombustíveis sustentáveis, de materiais de baixo carbono, como ferro briquetado a quente (HBI) verde, ferro-gusa verde, metanol, amônia, e de serviços de sequestro de carbono, entre outros.
A McKinsey também enfatiza que, ao acelerar a descarbonização da sua economia, o Brasil pode igualmente desempenhar um papel de liderança na transição energética global, tornando-se uma potência verde.
Desenvolvimento de soluções de energia renováveis e de base biológica
Segundo a McKinsey, no portfólio de soluções energéticas do Brasil, cujo desenvolvimento poderia ser impulsionado para acelerar a descarbonização, os dois principais componentes são: a energia renovável e as soluções de base biológica.
Estimativa realizada pela consultoria em 2022 identificou que o tamanho potencial do mercado de energias renováveis e de soluções de base biológica poderia atingir US$ 90 bilhões em 2040, como mostra a figura abaixo.
Soluções de energia renováveis. De acordo com os dados da Agência Internacional de Energia (IEA), mais de 85% da matriz energética do Brasil é baseada em fontes renováveis, com predomínio da energia hidrelétrica, que responde por cerca de 60%.
Já as energias eólica e solar representam, atualmente, cerca de 20% da matriz elétrica do Brasil. Todavia, as energias eólica e solar estão a caminho de se tornarem as principais fontes de energia do país, segundo a McKinsey.
Pesquisa da consultoria estimou que, com a redução dos seus custos nivelado de energia (LCOE), indicador utilizado na comparação do custo da produção de eletricidade entre diferentes fontes e tecnologias de geração (figura abaixo), essas duas fontes de energia renovável poderiam atingir 47% da capacidade total instalada do país, criando um mercado adicional de US$ 11 bilhões até 2040.
Na avaliação da consultoria, a extensa infraestrutura de energia hidrelétrica em vigor poderia complementar a expansão da energia eólica e solar. A liberação controlada de energia hidrelétrica poderia resolver os problemas de intermitência associados a essas fontes, reduzindo potencialmente a necessidade de armazenamento em bateria. Isso apresenta uma vantagem significativa para as empresas dos setores de indústria, mobilidade e logística que buscam eletricidade verde confiável e constante.
A captura do valor total das energias eólica e solar dependeria, igualmente, segundo o estudo, da expansão da infraestrutura de rede já integrada para permitir a incorporação acelerada do fornecimento adicional gerado. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) estima que serão necessários cerca de US$ 9 bilhões em investimentos na rede de transmissão entre 2024 e 2028 para acomodar a futura transmissão de energia eólica e solar no Brasil.
A ampliação da rede de transmissão de energia renovável também é essencial para o desenvolvimento do hidrogênio verde (H2V), dado que a eletricidade responde por 70% do seu custo de produção. Segundo a McKinsey, o Brasil poderá se tornar um dos países mais competitivos globalmente para produção de hidrogênio verde em larga escala.
A análise realizada pela consultoria sugere que o custo nivelado para hidrogênio verde (LCOH) deve atingir aproximadamente US$ 2,50 por quilo até 2030. O H2V é um componente-chave no desenvolvimento de um mercado global de commodities verdes, incluindo amônia, HBI verde (que usa H2V em vez de gás natural como redutor) e e-metanol.
A promulgação recente do marco jurídico do hidrogênio deverá acelerar o desenvolvimento de projetos de H2V no Brasil. Os novos planos de fomento definidos sob esse marco jurídico, como o Rehidro e Plano de Hidrogênio de Baixo Carbono (PHBC), podem fornecer incentivos de mais de US$ 100 por tonelada métrica para amônia, segundo a McKinsey. Suas estimativas sugerem que a amônia verde poderia, assim, substituir competitivamente a maioria das importações de nitrogênio e seus derivados.
Segundo a McKinsey, para se tornar uma potência verde, acelerando o desenvolvimento e a utilização de soluções de energia renováveis e sustentáveis, o Brasil poderia igualmente adotar a estratégia de descarbonização da produção de bens intensivos em energia, como os produtos metalúrgicos, deslocando-os para locais com produção de energia verde eficiente e segura. Além de reduzir os custos de produção, tais movimentos permitiriam ao país atingir as metas de redução das emissões de GEE, desde que as emissões logísticas não compensem os ganhos.
A deslocalização energética não é um conceito novo. No passado, as indústrias intensivas em energia, como a metalurgia do alumínio, migraram para onde a energia era mais barata. A principal diferença é que, além do custo, a estratégia de deslocalização energética hoje também se centra, segundo a consultoria, na sustentabilidade e no impacto ambiental.
Soluções de base biológica. O estudo também destaca o grande potencial para o desenvolvimento de soluções energética de base biológica, tais como biocombustíveis sustentáveis, combustível sustentável para aeronaves (SAF), biocarbono e biometano, para os quais o Brasil tem matérias-primas e capacidades de produção substanciais.
Segundo maior produtor de etanol do mundo, o país é líder na produção em escala industrial de biocombustível de segunda geração (E2G), usando a biomassa proveniente do bagaço de cana-de-açúcar.
De acordo com as estimativas da consultoria, os E2Gs podem atingir mais de 14 bilhões de litros por ano e aumentar a produtividade do etanol em até 50% na mesma área plantada, superando a demanda local e permitindo exportações em um mercado que pode atingir US$ 40 bilhões até 2040.
No caso do SAF, estima-se que a oferta brasileira poderia alcançar 25 milhões de toneladas métricas por ano até 2035. Isso tem o potencial de impulsionar a restauração em larga escala de pastagens degradadas e reorientá-las para culturas de bioenergia.
Várias outras culturas são elegíveis para a produção de biocombustível, incluindo aquelas que estão alinhadas com o bioma local e têm energia de alta densidade, como é o caso da palmeira macaúba.
Na avaliação da McKinsey, a integração de bioenergia com sistemas de captura e armazenamento de carbono (BECCS) na produção de biocombustíveis poderia abrir caminho para um novo mercado potencial para combustíveis carbono-negativos.
O Brasil tem igualmente potencial para ser um produtor global de biocarbono para produção de ferro metálico, com a utilização de biomassa proveniente de eucalipto. As principais restrições seriam: o ciclo de crescimento do eucalipto e a instalação de fornos de carbonização contínua necessários para a produção de biocarbono de alta qualidade sem metano.
A substituição do carvão metalúrgico (coque pulverizado) pelo biocarvão em altos-fornos existentes reduziria as emissões de usinas siderúrgicas integradas em 20% a 30%, apoiando a transição de uma indústria responsável por cerca de 8% por cento das emissões de GEE globalmente, de acordo com dados da Agência Internacional de Energia (AIE).
A produção de ferro-gusa verde, que emite cerca de 90% menos GEE do que o carvão metalúrgico tradicional, permitiria às empresas brasileiras obter remuneração extra nos mercados internacionais.
O biocarbono também pode ser usado para substituir outros tipos de combustível, como gás natural e óleo combustível em aplicações industriais de alta intensidade térmica (acima de 450 °C), como calcinação. De acordo com a McKinsey, o mercado doméstico de biocarbono pode representar de US$ 3 bilhões a US$ 4 bilhões já em 2030.
O estudo destaca ainda que o Brasil tem o potencial para criar uma indústria robusta de biometano, cujo valor de mercado deve superar US$ 15 bilhões até 2040, a partir do aproveitamento de resíduos e subprodutos.
Para isso, seriam necessários investimentos em biodigestores, modernização do biogás e infraestrutura de transporte de biometano, focados em três principais matérias-primas: vinhaça de cana-de-açúcar e/ou torta de filtro (subprodutos da indústria sucroalcooleira), resíduos animais e resíduos urbanos.
Eficiência energética e de recursos na indústria de transformação
Na avalição da McKinsey, há desafios a serem enfrentados pelas empresas industriais brasileiras para se tornarem mais eficientes no uso de energia e intensificarem a reciclagem de materiais.
Eficiência energética. De acordo com os dados da IEA apresentados no estudo, os biocombustíveis constituem a principal fonte de energia utilizada na indústria brasileira, respondendo por 48% da matriz energética. No entanto, as fontes de combustíveis fósseis ainda constituem 29% da matriz energética, enquanto a eletricidade, um indicador-chave da eficiência energética industrial, participa com apenas 23%, percentual que está em linha com a média mundial.
Como mostra a figura abaixo, no Brasil, a intensidade energética industrial aumentou 2% ao ano em média entre 2005 e 2021, o que evidencia a necessidade crítica de melhorar a eficiência energética do setor.
De acordo com o estudo, na indústria pesada (cimento, aço, papel e celulose, bem como mineração), que representa quase 70% do segmento industrial no Brasil, as máquinas e equipamentos têm, em média, cerca de 14 anos, com 38% se aproximando ou excedendo o ciclo de vida recomendado pelo fabricante. Em biocombustíveis e metalurgia, a idade média das máquinas é de 20 e 18 anos, respectivamente.
Ressalta-se que os ativos físicos mais antigos, frequentemente equipados com tecnologias obsoletas, tendem a ser menos eficientes em termos do uso de energia e aumentam as emissões de GEE. Por sua vez, os custos de capital depreciados tornam pouco atraente o desinvestimento de ativos que utilizam combustíveis fósseis e sua substituição por máquinas e equipamentos com tecnologias modernas e eficientes em termos de consumo energético. Contudo, à medida que matérias-primas de baixo carbono, como biomassa e biometano, se tornam disponíveis, a possibilidade de investimentos em eficiência energética aumenta.
No curto prazo, algumas alternativas podem ajudar a reduzir a intensidade energética dos ramos da indústria pesada. Esses seriam o caso das substituições de materiais (por exemplo, reduzindo a proporção de clínquer na produção de cimento) e da adoção de sistemas avançados de gerenciamento de energia para aumentar a visibilidade do consumo de energia.
Para as indústrias leves (alimentos, bebidas, máquinas, têxteis e construção), que constituem os 30% restantes do segmento industrial, o estudo sugere que as chaves para uma maior eficiência energética incluem medidas técnicas, como a expansão do uso de sistemas de motores elétricos eficientes, e o aumento do rigor dos padrões mínimos de desempenho energético (MEPS) para motores. Seria igualmente imprescindível ampliar a utilização de energia elétrica de fontes renováveis e diminuir a utilização de combustíveis fósseis.
Reciclagem de materiais e circularidade. De acordo com a McKinsey, a disseminação da abordagem da circularidade mediante a reciclagem promoveria o uso eficiente de recursos naturais e práticas sustentáveis em toda a cadeia de valor.
Além de reduzir as emissões de GEE e gerar emprego, essa abordagem criaria valor para as empresas por meio de quatro alavancas principais: redução do ciclo de recirculação; extensão do ciclo de vida dos produtos; disseminação do uso de produtos por meio da reutilização para novas aplicações; e aprimoramento da reutilização de produtos, peças e materiais.
No Brasil, materiais como latas de alumínio e papel são amplamente reciclados: 97% e 67%, respectivamente. Porém, não obstante a existência de uma Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e um Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares), apenas 4% dos resíduos sólidos urbanos são reciclados atualmente. Esse percentual é substancialmente menor do que o verificado na União Europeia e Estados Unidos.
Segundo o estudo, as baixas taxas de recuperação dos resíduos sólidos urbanos são consequência tanto do baixo engajamento da sociedade brasileira com sistemas de coleta seletiva, em grande parte devido à infraestrutura inadequada e à falta de conscientização, como da ausência e/ou organização deficiente dos mercados locais para comercialização e reciclagem de materiais. Além disso, a cadeia logística é inconsistente e não consegue fornecer um suprimento estável e seguro de materiais para reciclagem.
Além dos ganhos financeiros, a reciclagem propicia externalidades positivas, como criação de empregos e redução da poluição e emissões de GEE. Para capturar esse potencial, na avaliação da McKinsey, seria preciso adotar uma estratégia de reciclabilidade com fixação de objetivos claros em toda a cadeia de valor, que incluiria:
• a promoção de medidas práticas e melhorias de design, tais como evitar plásticos não recicláveis e multicamadas;
• tornar os materiais secundários mais competitivos, inclusive por meio de microfinanciamento; e
• melhorar a coleta seletiva, modernizando as usinas de reciclagem e mecanizando as unidades de triagem.
O estudo destaca que, em junho de 2024, o governo brasileiro aprovou a Estratégia Nacional de Economia Circular (ENEC), efetuando um passo significativo para promover iniciativas circulares em todo o país. O decreto prevê o estabelecimento de metas, indicadores-chaves de desempenho (KPIs) e padrões; o desenvolvimento de um mercado para bens circulares; e a elaboração de mecanismos de financiamento, entre outras.
Promoção de soluções climáticas naturais eficazes
Como já mencionado, o Brasil é o sexto maior emissor de gases de efeito estufa (GEE) do mundo. Em 2023, o país foi responsável por 3,1% das emissões globais, ficando atrás de China, Estados Unidos, Índia, Rússia e Indonésia. O desmatamento das florestas nativas é a principal fonte de emissões no país, diferentemente dos outros grandes países emissores, nos quais os setores que mais contribuem para a emissão de carbono são os setores de energia, indústria e transporte.
Segundo a McKinsey, por meio da promoção de soluções climáticas naturais, tais como conservação e/ou restauração dos biomas nativos, redução do desmatamento, combate à grilagem, entre outros, o Brasil pode acelerar a redução de GEE e desempenhar um papel de liderança no mercado global de eliminação de CO₂.
No mundo, as soluções climáticas naturais podem representar de 20% a 50% da oportunidade de redução de emissões até 2030, contribuindo com reduções de 5 a 12 gigatoneladas métricas de CO2 equivalente (CO2e). Ao lado da Indonésia, o Brasil possui o maior potencial de soluções climáticas naturais de baixo custo.
O estudo destaca que o Brasil pode se converter em um importante fornecedor global de certificados de remoção de carbono (CDR), contribuindo para a ampliação do mercado internacional ao mesmo tempo em que amplia projetos de conservação para diminuir ou eliminar o desmatamento. O Acordo de Paris prevê, em seu artigo 6º, a possibilidade de comercialização de créditos de carbono, de modo a permitir que os países alcancem suas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs).
A oportunidade total de sequestro de carbono do Brasil — cerca de 2 gigatoneladas métricas (Gt) de CO2 por ano — é significativamente maior do que sua demanda doméstica projetada de 0,3 Gt de CO2 por ano. Na avaliação da McKinsey, se o Brasil conseguir ir além de sua própria meta de net-zero, o país poderia potencialmente gerar certificados de remoção de CO2, criando uma nova commodity global e apoiando a descarbonização de emissões residuais em todo o mundo.
O uso da terra, mudança no uso da terra e florestas (LULUCF) são atualmente responsáveis por 50% das emissões do Brasil de CO2, enquanto a agricultura responde por cerca de 25%. Em conjunto, essas duas atividades são responsáveis por mais de três vezes as emissões combinadas da indústria de transformação, transporte e geração de energia, que totalizam 20% (os 5% restante do total das emissões são provenientes dos resíduos). Porém, embora sejam os principais emissores, LULUCF e agricultura permitem igualmente a descarbonização a baixo custo: menos de US$ 20 por tonelada métrica de CO2e.
De acordo com as estimativas da consultoria, a descarbonização da agricultura e da pecuária teria, na verdade, um custo negativo. Ou seja, cada dólar investido na descarbonização da pecuária se traduz em US$ 2 em ganhos de produtividade.
A McKinsey estima que o Brasil tem potencial para emitir certificados de CO2 cobrindo emissões de cerca de 1,7 GtCO2e por ano até 2050. Tal cenário exigiria que os setores LULUCF e agricultura contribuíssem com a redução de emissões entre 2,9 e 3,3 GtCO2e em 2050, em comparação com os níveis de 2021. O país poderia potencialmente atingir essas reduções por meio de três ações principais:
• restauração de pastagens degradadas para biomas nativos,
• redução do desmatamento e
• melhoria das práticas de uso da terra.
Prevenção de desmatamento. Em 2021, na COP 26 realizada em Glasgow, o Brasil se comprometeu com a meta de redução de 50% das emissões até 2027 na comparação com 2005 e a eliminar o desmatamento ilegal até 2028, previsto anteriormente para 2030.
Para o cumprimento da meta previa-se uma diminuição gradual da destruição da floresta em 15% ao ano entre 2022 e 2024, subindo para 40% em 2025 e 2026, até alcançar desmatamento zero em 2028.
Porém, como mostra a figura abaixo, a redução da perda de floresta primária em 2022 retornou ao patamar de 2009, com desmatamento de 1,34 milhões de hectares.
O desmatamento ilegal, uma da principal fonte de emissões de CO2 do país é impulsionado por mecanismos de “grilagem de terra”, prática de ocupação e posse de terras públicas e/ou não designadas, que ocorrem tipicamente por meio de falsificação de escrituras e documentos que atestam a propriedade.
De acordo com o estudo da McKinsey, a maior parte do desmatamento no Brasil ocorre na Amazônia, especificamente no Arco do Desmatamento, região localizada nas fronteiras da floresta que inclui partes do Mato Grosso, Rondônia e Acre. Estima-se que 94% do desmatamento na Amazônia seja ilegal.
A preservação da floresta amazônica custaria de US$ 1,9 bilhão a US$ 2,3 bilhões ao ano, valor relativamente reduzido quando comparado com ao valor da Amazônia, estimado em US$ 317 bilhões pelo Banco Mundial.
Na avaliação do estudo, para cumprir sua promessa de desmatamento ilegal zero, o país precisa enfrentar importantes obstáculos, tanto no que se refere ao financiamento, público e privado, para a manutenção da floresta em pé, como em relação à propriedade da terra. O direito de explorar comercialmente a terra por meio de projetos requer um processo complexo para assegurar a rastreabilidade de propriedade.
Para projetos ativos, seria necessário intensificar as práticas de medição, relatórios e verificação (MRV) de modo a garantir monitoramento e promoção adequados e contínuos. Já a “economia florestal em pé” pode garantir resultados duradouros por meio do pagamento por estoque de carbono ou serviços ambientais.
Em 2023, o desmatamento desacelerou de 1,25 milhão em 2022 para 0,78 milhão de hectares na Amazônia, mas manteve o ritmo no Cerrado (1,10 milhão de hectares) e cresceu na Caatinga, passando de 0,21 milhão para 0,26 milhão de hectares. O estudo da McKinsey alerta que esse tema deverá ganhar importância nas discussões comerciais mundiais à medida que regulamentações internacionais sobre cadeias de suprimentos livres de desmatamento forem implementadas.
Recuperação das florestas nativas e reflorestamento. Segundo a McKinsey, o Brasil ainda não explorou devidamente a oportunidade de captura de CO2. O potencial estimado de valor agregado bruto varia de US$ 16 bilhões a US$ 26 bilhões por ano.
Atualmente, o país se beneficia de menos de um milhão de toneladas métricas de um mercado que pode atingir 1,7 Gt para exportações e 300 Mt domesticamente. Aproveitar a oportunidade mediante iniciativas de restauração, reflorestamento e agrofloresta pode gerar até 880 mil empregos, dos quais cerca de 57% estariam situados perto dos locais dos projetos.
O estudo ressalta que projetos de restauração florestal têm altos custos iniciais de investimento de capital, e para ampliá-los seriam necessários modelos de financiamento fortes, como acordos de compra.
Outros elementos importantes dos projetos de restauração das florestas incluem capacitação, P&D e o desenvolvimento de uma cadeia de valor robusta — abrangendo coleta e produção de sementes, viveiros de mudas, plantio mecanizado, monitoramento de saúde, financiamento de projetos, certificação e verificação —, de modo a viabilizar o plantio de uma média de cerca de um milhão de árvores por dia entre 2024 e 2050.
Vantagens econômicas da descarbonização
Se as recomendações de soluções energéticas e climáticas e de eficiência energética efetuadas pelo Grupo de Trabalho sobre Transição Energética e Clima do B20 forem implementadas no Brasil, além de um impacto substancial nos esforços globais de redução das emissões de carbono, haveria ganhos econômicos importantes para o país.
A McKinsey buscou quantificar tanto a vantagem de custo do Brasil ao estimular a descarbonização quanto as implicações potenciais para o PIB e emprego.
No que se refere a vantagem de custo de viabilização da descarbonização, foi estimado o nível de redução de emissões que seria possível a um dado preço fixo de carbono. De acordo com a consultora, o Brasil poderia eliminar 80% das emissões, dado um preço de carbono da ordem de US$ 15 por tonelada métrica de CO2e e 95% das emissões a US$ 20 por tonelada métrica de CO2e.
Segundo McKinsey, os outros grandes emissores precisariam de um preço de carbono significativamente mais alto — até cinco vezes esse valor — para reduzir 95% das emissões. Além disso, um preço teórico de carbono de US$ 35 permitiria ao Brasil iniciar uma trajetória de carbono negativo até 2035 e reduzir até 3,8 GtCO2e até 2050.
Para mensurar o impacto econômico da descarbonização, os autores do estudo modelaram o crescimento incremental potencial na economia brasileira a partir de três cenários (ver Figura abaixo). O primeiro é um cenário de status quo, com atividade econômica crescendo em linha com indicadores macroeconômicos. O segundo cenário é um plano de ação intersetorial que busca colocar na economia brasileira na trajetória da neutralidade (net zero) de carbono até 2050, em linha com a meta de limitar o aquecimento mundial em 1,5ºC. No terceiro cenário, descrito como a “potência verde”, o Brasil procuraria atingir o zero líquido o mais rápido possível, demonstrando a capacidade do país em se tornar carbono negativo e um líder mundial da descarbonização.
No terceiro cenário, a McKinsey pressupõe um preço de carbono de US$ 35 por tonelada métrica de CO2e, que resultaria em um ganho adicional do PIB brasileiro em cerca de US$ 100 bilhões até 2030 e na criação de cerca de 6,4 milhões de empregos, ao mesmo tempo em que atrairia investimentos significativos para o país.
Os autores do artigo afirmam que, de uma perspectiva econômica, a eficácia desse caminho seria mais que duas vezes maior do que a atual aspiração do Brasil de atingir a neutralidade climática em 2050.
Sugestões de roteiro para tornar o Brasil uma potência verde
Na avaliação da McKinsey, a transformação do Brasil em uma potência verde, com ampliação do crescimento econômico, do emprego, da conservação e restauração ambiental e da resiliência ao risco climático, exigiria o enfrentamento de inúmeros desafios na maioria dos setores de atividade econômica e em todas as regiões do país. Também para aproveitar a oportunidade oferecida pela transição climática para construir e desenvolver novas cadeias de valor seria necessário tanto a coordenação entre as três esferas de governo como com o capital privado e a sociedade civil
Embora alguns passos iniciais já tenham sido dados, incluindo a promulgação recente dos marcos legais para a produção e comercialização de “hidrogênio de baixo carbono” e dos “combustíveis do futuro”, todavia, ainda há um longo caminho pela frente. A consultora assinala que é necessário avançar na definição de estruturas regulatórias adicionais, na organização de sistemas de monitoramento e verificação de inciativas ambientais (MRV), viabilizar financiamento e acordos de compra (offtakes) e construir as capacidades futuras necessárias para operação destas novas cadeias de valor.
O artigo sugere aos líderes dos setores público e privado que, ao definir suas trajetórias de descarbonização, considerem os seguintes aspectos:
1. Compreender o ecossistema de negócios necessário. A descarbonização exigirá novas cadeias de valor locais e mundiais. Portanto, será importante para as organizações empresariais avaliar quais etapas da cadeia fazem sentido e quais exigirão colaboração por meio de fusões e aquisições, joint ventures e/ou parcerias.
2. Identificar pools de demanda dispostos a pagar prêmios ou se comprometer com acordos de compra de longo prazo. É essencial assegurar compradores de longo prazo e obter garantias de demanda para superar a incerteza e mitigar os riscos associados aos altos investimentos iniciais necessários. Essas garantias também permitiriam potencialmente o financiamento de projetos em toda a cadeia de valor.
3. Desenvolver um modelo de "fábrica de investimento de capital". Um modelo de "fábrica de investimento de capital" construído em torno de planejamento e execução eficientes de gastos de investimento da economia verde, que são estruturalmente maiores do que as de suas alternativas cinzas, pode ajudar a reduzir os custos de implementação e acelerar os cronogramas do projeto, antecipando o retorno de altos investimentos iniciais.
4. Garantir uma configuração organizacional que seja bem adaptada à economia verde. Para cumprir com os requisitos da economia verde e aproveitar as oportunidades associadas à transformação em todas as cadeias de valor será preciso ter estrutura adequada ao propósito, governança, talento e capacidades. Novas tecnologias precisariam ser implantadas a uma escala sem precedentes, a partir de uma base de conhecimento que ainda está avançando de níveis teóricos, conceitual ou de implementação localizada, para aplicações viáveis em larga em escala.
5. Ativar uma estratégia de financiamento que alavanque alternativas de financiamento sustentáveis. Isso inclui fundos climáticos, debêntures incentivadas, acordos de compra (offtake) e títulos verdes, bem como financiamento tradicional (como financiamento de projetos) para concretizar o empreendimento e pavimentar o caminho para escalabilidade e crescimento sustentável.
6. Entender o cenário regulatório. Os líderes dos setores público e privado precisarão entender o cenário regulatório em torno da economia verde, no Brasil e no mundo, cujas estruturas legais e regulatórias evoluem em resposta às mudanças climáticas e à pressão da opinião pública. Tais regulamentações afetam a formação de mercados locais e globais para soluções mais verdes e estabelecem incentivos ou penalidades dentro e através das fronteiras em diferentes geografias, bem como moldam a dinâmica da demanda global e da economia de projetos.
Na avaliação da McKinsey, “O Brasil tem muito a ganhar tanto ambiental quanto economicamente ao abraçar a ousadia. E ao fazer isso, tem o potencial de se estabelecer como um líder mundial em sustentabilidade”.