Carta IEDI
A Crise Financeira Global e as Perspectivas da Economia Chinesa
O segundo semestre de 2008 tem se caracterizado pelo agravamento na crise financeira originada no mercado de financiamento imobiliário dos EUA. O setor de bancos de investimento dos EUA foi virtualmente extinto. A “desalavancagem complexa” das posições assumidas pelas instituições financeiras bancárias e não-bancárias ao redor do mundo vem se caracterizando por uma elevação generalizada da preferência pela liquidez. Os preços de todas as classes de ativos financeiros estão em queda livre, em um movimento de forte volatilidade. A confiança de consumidores e empresas se deteriora, atingindo vales históricos. Estima-se que cerca de metade da economia mundial já se encontra em recessão, a despeito dos esforços governamentais em sanear os sistemas financeiros domésticos, em ampliar a coordenação supranacional das intervenções e da adoção de medidas fiscais de caráter contra-cíclico.
O ambiente corrente da economia mundial contrasta de forma marcante com aquele experimentado desde o final de 2002. Neste período, encerrado pela crise financeira, verificou-se um ciclo de elevado crescimento da renda, ampliação do comércio internacional, recuperação do dinamismo de economias periféricas que se encontravam em um estado de semi-estagnação desde o final dos anos 1970 e, mais importante, de explicitação de uma nova estrutura da economia mundial, onde alguns países emergentes passaram a participar com maior intensidade na determinação do ritmo de expansão da economia global. Nesse novo contexto, a tão esperada ascensão chinesa deixou de ser uma promessa para se tornar o fator mais relevante a moldar a ordem econômica e política internacional.
Com uma taxa média de expansão da renda superior a 9% ao ano, ao longo de mais de um quarto de século, a China atingiu, em 2006, a condição de quarta maior economia do mundo em dólares correntes, ou segunda maior em paridade poder de compra, o que significa, respectivamente, 5% e 15% da economia mundial. Projeções recentes apontam para o fato de que a China deverá se tornar, ainda na primeira metade do século XXI, a maior economia do planeta. No plano comercial, o país já é o terceiro maior global player, atrás apenas de Alemanha e Estados Unidos. Note-se que em meados dos anos 1980 a China representava cerca de 1% das exportações mundiais – peso equivalente ao do Brasil –, atingindo, atualmente uma participação de 8,8%. A partir do começo dos anos 1990, a China tornou-se a nação em desenvolvimento que mais absorveu investimento externo direto (IED). Recentemente, além de receptor, o país também se tornou fonte de investimentos, especialmente em outros países periféricos. O drive exportador chinês vem impondo uma crescente pressão competitiva sobre economias industrializadas e em desenvolvimento. Sua demanda por matérias-primas e energia afeta, cada vez mais, a distribuição mundial da oferta e dos preços das commodities, com distintos impactos sobre outros países, produtores e consumidores.
Assim como no ciclo “excepcionalmente favorável” do começo dos anos 2000 o papel da China foi central para determinar o padrão de expansão experimentado pelas economias centrais, especialmente os EUA, e periféricas, os desdobramentos potenciais da crise atual também dependem da sustentação do crescimento chinês. Na condição de principal pólo regional e global de crescimento, a manutenção do dinamismo da economia chinesa, poderá contribuir, de forma decisiva, para contrabalançar as tendências deflacionistas das economias maduras. Não à toa, o mundo olha com atenção redobrada para o desempenho da China. Nesse sentido, os dados mais recentes sinalizam para uma rápida reversão na trajetória de crescimento acelerado verificada nos últimos cinco anos. Há consenso entre os analistas de que a era do crescimento na casa de “dois dígitos” ficou para trás. Todavia, ainda não é possível sinalizar para um cenário de “pouso forçado”. Até o momento, a maior probabilidade é de que a China termine o ano de 2008 com o crescimento de cerca de 9%. Para 2009 as projeções sinalizam para uma expansão entre 8% e 9%.
Este estudo pretende avaliar as perspectivas da economia chinesa à luz da desaceleração em curso. Pretende-se explicitar as primeiras medidas governamentais de contenção dos impactos recessivos gerados nos mercados ocidentais. Argumenta-se que a China apresenta graus de liberdade relativamente mais elevados para a implementação de medidas contra-cíclicas, visto que vem de um período de melhoria substantiva da solvência fiscal e externa. Ademais, o imperativo da manutenção do crescimento para a sustentação da estabilidade política indica que as lideranças chinesas tratarão de adotar todas as ações de política interna e externa necessárias à concretização da estratégia de “desenvolvimento pacífico”.
Para detalhar os argumentos, inicia-se com uma breve avaliação do papel da China no período de crescimento acelerado da economia mundial. Na seqüência avalia-se o quadro de contração da economia chinesa no terceiro trimestre de 2008, apontando para as suas perspectivas de curto e médio prazos, dadas as medidas de política econômica já adotadas com o objetivo de moderar os efeitos internos da crise internacional. Por fim, procura-se analisar o potencial da China para se consolidar como um pólo alternativo de dinamismo global tomando por referência a estratégia chinesa de crescimento no longo prazo.
O Ciclo de Crescimento 2003-2007 e sua Reversão: o Papel da China. A economia mundial viveu um ciclo de intenso crescimento entre 2003 e 2007, cujas características fundamentais explicitaram uma presença cada vez mais relevante das economias emergentes em geral, e da China em particular. Estimativas recentes do FMI sugerem que cerca de ¾ do crescimento médio de 5% ao ano, observado no período, se deveu à contribuição dos emergentes. Em 2007, tomando-se o PIB por paridade poder de compra, Brasil, Rússia, Índia e China já tinham uma participação na renda mundial superior à dos EUA. Já em 2003, estas mesmas economias superavam os EUA em termos de exportações. Ademais tal expansão ocorreu em um contexto de inflação baixa, a despeito da forte elevação no preço das commodities. Verificou-se, ainda, uma importante convergência cíclica, com todas as regiões experimentando uma rápida elevação nos níveis de renda, sendo que algumas economias, especialmente na América Latina e África, experimentaram as maiores taxas de crescimento em três décadas. A melhoria dos termos de intercâmbio dos países exportadores de matérias-primas se traduziu em substancial melhoria da solvência fiscal e externa.
Tem se tornado predominante a visão de que tal processo se deveu, em grande medida, aos estímulos provocados pela ascensão chinesa. Basta lembrar que, as mesmas estimativas dos FMI sugerem que o crescimento chinês respondeu por, no mínimo, ¼ da expansão da economia mundial. Tal crescimento é intensivo no consumo de alimentos, água, energia e matérias-primas diversas e produzidas fora da China. Isto se dá em virtude do intenso processo de urbanização, que vem transferindo 1% da população de 1,3 bilhão de pessoas do campo para as cidades anualmente, e de um ritmo frenético de expansão de investimentos, que, em termos reais, tem excedido os 20% ao ano, o que se traduz numa relação investimentos/PIB superior a 40%.
Em paralelo, as relações cada vez mais estreitas entre EUA e China, tanto no plano comercial, quanto no financeiro, autorizam a suposição de que há, de fato, um complexo econômico sino-americano, com os EUA crescendo por meio de um modelo marcado por níveis elevados de consumo (e de importações) e endividamento, tendo por espelho e principal parceiro econômico a China, com seu drive exportador e elevadas taxas de acumulação de capital, poupança e reservas, constituindo essas em fonte de financiamento para os EUA. O recente ciclo de expansão global foi determinado, em grande medida, pelas políticas contra-cíclicas das economias centrais, particularmente os EUA.
É importante lembrar que a virada do milênio havia sido caracterizada por uma elevada incerteza quanto à capacidade da economia internacional resistir às recorrentes crises dos mercados emergentes e à “exuberância irracional” do mercado financeiro estadunidense. De fato, entre 2001 e 2002, verificou-se um forte ajuste nos lados real e financeiro, com a taxa de crescimento do PIB recuando para menos de 3% a.a., contra a média superior a 4% dos anos anteriores, o volume de comércio atingindo uma variação anual de 0% em 2001 e 3% em 2002, e o mercado acionário dos EUA acumulando perdas da ordem de 40%. Todavia, já em 2003 as economias estadunidense e mundial se recuperavam com um vigor impressionante, cujo momento de auge foi o ano de 2004, onde se verificou a maior taxa de elevação do PIB mundial em trinta anos. Entre os momentos de desaceleração e recuperação, as políticas monetária e fiscal dos EUA e, em menor intensidade, da Europa e do Japão, foram inusitadamente expansionistas.
Nos EUA, tais estímulos permitiram a rápida recuperação dos gastos privados que, em um contexto de crescente endividamento, dada a elevada liquidez e as taxas de juros em queda, lançaram a economia em um novo ciclo de vigoroso crescimento – retomando o patamar de 3% a 4% ao ano – nos anos seguintes. Em paralelo à recuperação, novos desequilíbrios passaram a chamar a atenção. Os déficits externos em conta corrente foram atingindo níveis inusitados, passando de menos 2% do PIB em meados dos anos 1990, para 4% a partir do final daquela década, e 6% a partir de 2005. Isto acontecia apesar do enfraquecimento do dólar. O endividamento privado, especialmente das famílias, atingia níveis recordes, a deterioração das contas públicas era crescente e as pressões altistas em certos segmentos dos mercados financeiros, particularmente no setor imobiliário, eram preocupantes. A crise de crédito explicitada a partir do segundo semestre de 2007 não somente marcou a reversão desse quadro virtuoso, como revelou os excessos provocados por um padrão instável e fortemente especulativo de financiamento.
Foi nesse contexto que se manifestou a profundidade das relações simbióticas entre as economias chinesa e estadunidense. No plano comercial, a China tornou-se o principal parceiro dos EUA. Todavia, a relação bilateral apontava déficits comerciais crescentes, que passaram de uma média de US$ 54 bilhões entre 1996 e 1999, para mais de US$ 200 bilhões depois de 2005. Em contrapartida a China, por meio da estratégia de acumulação de reservas e, assim, de compra de títulos do Tesouro dos EUA, passou a ser um dos principais financiadores dos déficits gêmeos da economia estadunidense. Tal relação complexa de complementaridade alimentou o debate sobre a sustentabilidade dos desequilíbrios globais de pagamentos e do quadro de elevada liquidez e juros reduzidos.
A manutenção de um ritmo acelerado de crescimento, acima de 10% a.a. no período recente, se dá tendo por base uma elevação significativa do nível dos investimentos – que atingem estonteantes 44% do PIB em 2007 – e um recuo das pressões inflacionárias até 2006, especialmente quando se toma por base o decênio anterior. Os resultados das contas externas passam a expressar a velocidade da internacionalização chinesa no período pós-entrada na OMC. Depois de 2002, os superávits em conta corrente passam de uma média de 2% do PIB para 11% do PIB em 2007. Em valores correntes passou-se de US$ 30 bilhões/ano para mais de US$ 300 bilhões/ano, um incremento de dez vezes em pouco mais de cinco anos.
A corrente de comércio no ciclo em questão cresceu 25% a.a. em média, com as exportações passando US$ 266 bilhões em 2001 para mais de US$ 1,2 trilhão em 2007. No mesmo período as importações avançaram de US$ 232 bilhões para US$ 908 bilhões. Em agosto de 2008, os dados acumulados em doze meses apontavam para exportações de US$ 1,3 trilhão e importações de US$ 1 trilhão. Como a conta capital e financeira permaneceu superavitária, não somente pela absorção líquida de mais de US$ 60 bilhões/ano de investimento direto, em média, depois de 2002, mas também pelo influxo de outras modalidades de capitais – que a despeito dos controles de capitais passaram a especular, cada vez mais, a favor de um yuan forte – o balanço de pagamentos registrou resultados estruturalmente positivos. Estes se expressaram na acumulação de reservas internacionais sem precedentes – atingindo, em 2007, mais de US$ 400 bilhões de variação anual, com um nível absoluto de US$ 1,9 trilhão (setembro de 2008) ou, ainda, 46% do PIB – e, com isso, em uma situação de fortalecimento da solvência externa, capturada pelo indicador dívida externa líquida (negativa desde 2001) como proporção das exportações.

O dinamismo da economia chinesa se transmite globalmente por meio de sua ampla rede de relações comerciais e financeiras. Foi neste início de século XXI que a China se transformou no principal centro dinâmico da Ásia. Os EUA se transformaram no principal mercado de destino das exportações chinesas, absorvendo cerca de 20% destas. O conjunto dos países europeus já apresenta um peso equivalente ao dos EUA.

Por outro lado, a China produz superávits contra os mercados ocidentais e déficits na região asiática. Cerca de 1/3 das exportações totais dos países asiáticos emergentes – o que exclui o Japão – se destinam para países da mesma região, cifra que chega a mais e 40% com a inclusão do Japão. A China já absorve quase metade daqueles fluxos. Em contrapartida, entre 1995 e 2005 os Estados Unidos tiveram uma pequena queda na sua participação como mercado de destino para este conjunto de países, passando de 22% para 20%. Todavia dois aspectos fundamentais, que não ficam evidentes com esses dados gerais, precisam ser destacados: (i) enquanto a China vem ampliando seu market-share nos EUA, os demais países asiáticos vêm perdendo terreno; (ii) 2/3 do total do comércio intra-regional reflete exportações de matérias-primas e componentes industrializados de outros países da região para a China, a qual, por sua vez, está se transformando em centro regional de montagem final para posterior exportação a terceiros mercados, especialmente os EUA.
Há uma importante complementaridade entre as estruturas produtiva e comercial da China e os demais países da região. No setor agropecuário a China é exportadora de produtos temperados para os países da ASEAN, e importadora de produtos tropicais. Esse fato vem garantindo a viabilização do acordo de cooperação que tem por objetivo criar uma área de livre comércio China-ASEAN, a ser implementada entre 2010 e 2015. Já os países com estruturas produtivas mais complexas que a China, como Japão, Taiwan e Coréia, vêm se tornando fontes importantes de suprimento de máquinas e equipamentos que dão sustentação a um ritmo intenso de ampliação dos investimentos no setor produtivo industrial. Capital e tecnologia fluem na forma financeira – via investimento direto externo – ou na importação de equipamentos modernos.
Somente quatro economias da região, Hong Kong, Japão, Coréia do Sul e Taiwan, vêm respondendo por cerca de 60% do IDE absorvido pela China que, por sua vez, responde por 40% do total de investimento estrangeiro que entra na Ásia. A demanda chinesa por matérias-primas e equipamentos fica patente no fato de suas importações passarem de uma média mensal de US$ 20 bilhões no começo de 2002 para mais de US$ 50 bilhões/mês no final de 2004, início de 2005 – valor que segue crescendo para algo em torno de US$ 100 bilhões/mês em 2007 e 2008. Assim, a China posiciona-se como importadora líquida de insumos e equipamentos mais sofisticados dentro da região, e exportadora líquida de manufaturas para os mercados ocidentais. Por isso mesmo, na média do período 2000-2004, a China sozinha respondeu pela absorção de cerca de 11% do total exportado na região, contra 8% do Japão.
Desaceleração da Economia e as Reações de Política Econômica. Os dados conjunturais mais recentes vêm reforçando a percepção de que a economia chinesa já se encontra em uma trajetória de moderação do crescimento. O PIB do terceiro trimestre de 2008 expandiu-se em 9% em uma base anualizada ou 9,9% no acumulado do ano em contraste com os três trimestres do ano de 2007. Esse é o menor valor desde 2003, quando o desempenho econômico foi afetado negativamente pela “gripe asiática”. Ademais, contrasta com as expectativas de um crescimento de 9,7% para 2003/III, e, mais importante, sinaliza para uma queda significativa ante o pico de expansão verificado no segundo trimestre de 2007, quando o PIB cresceu 12,6%. Parece ser consensual que, ao longo dos próximos semestres, a era do crescimento de dois dígitos parece estar chegando ao fim, após cinco trimestres de acomodação.
A grande expectativa é se a China terá um “pouso suave” ou um “pouso forçado”. Sugere-se aqui que os dados disponíveis até o momento ainda não autorizam se vislumbrar uma forte contração do PIB em 2009, em que um crescimento ao redor de 5% ao ano caracterizaria um cenário preocupante, tanto do ponto de vista interno, quanto dos efeitos depressivos disseminados para fora, particularmente pelos canais de comércio. Na seqüência, evidências e argumentos serão detalhados com o intuito de fundamentar um cenário de “pouso suave”.

Alguns dados adicionais parecem confirmar a tendência de uma redução relativamente acelerada no ritmo de atividades. A produção industrial passou de um crescimento de 18% ao ano, no final de 2007, para 11,4% em setembro de 2008. Este valor está bem abaixo da mediana de 13% de expansão para o período 1995-2008. No mesmo mês, as vendas de automóveis caíram 2,8%, o primeiro resultado negativo desde 2005. As vendas de imóveis residenciais, que correspondem a ¼ da formação bruta de capital, estão perdendo dinamismo, tendo caindo 42% frente a igual período do ano passado. Os preços dos imóveis também caíram em 4% desde o pico do setor em janeiro de 2008. A oferta de crédito, com 14,3% de variação acumulada até agosto, e de moeda (M2), com 16%, estão avançando em um ritmo menor do que o verificado nos últimos dois anos, quando aqueles agregados cresceram, respectivamente, entre 16% ao ano e 17% ao ano (dados nominais). O consumo de eletricidade arrefeceu e a arrecadação de impostos vem perdendo vigor. Por fim, evidências casuais dão conta de que inúmeras empresas vêm sendo fechadas nas regiões de maior densidade industrial e com maior vinculação com as atividades de processamento de bens de exportações, particularmente em Guangdong.

Várias causas têm sido apontadas para a desaceleração em curso. A crise financeira nas economias maduras já se traduziu em uma importante contração no quantum exportado para os EUA e Europa. Por decorrência, há, neste segundo semestre de 2008, uma reversão no desempenho do comércio exterior. As importações também perderam fôlego, queda que foi mais intensa no setor de processamento e exportação do que nas atividades diretamente vinculadas ao mercado interno. O saldo comercial acumulado em doze meses recuou de US$ 266 bilhões em janeiro de 2008 para US$ 224 em agosto. Adicionalmente, as restrições para a operação das empresas na região de Beijing, bem como o fechamento de várias unidades produtivas para reduzir os impactos da poluição sobre a capital no período das Olimpíadas, parecem ter reforçado as tendências de arrefecimento no nível de atividades.

É importante lembrar que, desde 2004, várias medidas de política econômica e ações administrativas do governo central vinham sendo implementadas para tentar controlar o que se percebia ser um sobre-aquecimento da economia. Depois de 2006, o risco inflacionário tornou-se mais evidente e as medidas de restrição monetária e creditícia foram intensificadas. Entre junho de 2006 e junho de 2008, os depósitos compulsórios passaram de 7% para mais de 17% e foram sendo impostos vários limites de crédito para setores cujos investimentos vinham se dando de forma excessivamente rápida – pelo menos na avaliação governamental. Assim, parte da desaceleração recente responde a fatores internos, especialmente o aperto monetário do último biênio. Por outro lado, os preços ao consumidor final e ao atacado também vêm recuando (em setembro os preços ao atacado acumulados em doze meses tinham variado 9,1%, contra os 10,1% em agosto. O índice de preço dos insumos industriais recuou, no mesmo período, considerando taxas anualizadas, para 14% ante os 15,3% verificados em agosto), revertendo aquele que, até meados do começo de 2008, era amplamente percebido pelos analistas e, principalmente, pelo Conselho de Estado, com sendo um dos principais problemas de curto prazo do processo de rápido crescimento da China.


Aqui se torna importante perceber os efeitos contraditórios da alta nos preços dos alimentos, cujo auge se deu entre o segundo semestre de 2007 e primeiro semestre de 2008 – com uma alta de mais de 20%. Os alimentos representam 1/3 do IPC chinês. Todavia, nos grandes centros urbanos, a população mais pobre gasta praticamente toda a sua renda com alimentos. O Banco Mundial estima que, naquele período crítico, a renda real dos 5% mais pobres, e moradores dos núcleos urbanos, caiu 10%. Ao mesmo tempo, no setor rural, a elevação no preço de todos os segmentos de produtos primários se traduziu em expansão da renda real. Com isso, pela primeira vez em muitos anos, a renda rural cresceu mais do que a urbana. Esse efeito colateral positivo sugere que o fortalecimento da demanda doméstica e a redução das disparidades distributivas entre o campo e as cidades podem ajudar a atenuar pressões estruturais da dinâmica de modernização acelerada. Esse é um dos focos da política oficial de garantir um “crescimento harmonioso”.

Em linha oposta aos indicadores de produção, o comércio varejista segue crescendo a taxas historicamente altas. Entre junho e agosto de 2008, as vendas no varejo, proxy amplamente utilizada para medir o comportamento do mercado interno chinês, vêm crescendo na casa dos 23% anuais, muito acima da mediana no período 1995-2008, de 14%, ou, ainda, no ritmo mais intenso desde o ano de 2005. É bem possível que o aumento do consumo final, capturado pela estimativa de expansão real do comércio, em um contexto de desaceleração da produção industrial, sinalize para um movimento de redução dos estoques por parte das empresas, hipótese sugerida por vários analistas.

Para os próximos meses, o cenário mais provável é o de um maior alinhamento do comportamento das vendas no varejo com respeito aos indicadores de produção. A renda real per capita, especialmente nos centros urbanos, está crescendo em um ritmo que equivale a metade do verificado em 2007. Os indicadores de confiança dos consumidores estão se deteriorando, tendo atingido, em setembro, o menor valor dos últimos cinco meses, período de quedas sucessivas.
Todavia, o quadro em gestação sugere uma moderação no ritmo de expansão da economia chinesa, e não uma queda abrupta. Em outubro, o World Economic Outlook do FMI estimou em 9,7% o crescimento do PIB para 2008, e 9,3% para 2009. Tais valores situam-se abaixo das previsões do primeiro semestre feitas pelo próprio Fundo, e por instituições oficiais como o Banco Mundial, o Asian Development Bank e a Unctad. As projeções feitas após os novos dados do terceiro trimestre tendem a sinalizar para uma expansão de 9% em 2008, e algo entre 8% e 9% em 2009. Com isso, o PIB estaria se alinhado aos objetivos governamentais de um crescimento ao redor de 8% ao ano, capaz de, ainda de acordo com as estimativas oficiais, acomodar a necessidade de incorporação no mercado de trabalho dos 10 milhões de chineses em idade adulta que estão migrando anualmente do campo para as cidades.
Nesse sentido, deve-se observar que o governo reverteu de forma tempestiva o sentido da política econômica. Em 16 de Setembro de 2008, o Banco do Povo da China (BPC, que é o Banco Central) anunciou a primeira redução, desde 2004, nas taxas de empréstimos dos bancos. Os depósitos compulsórios dos bancos pequenos e médios foram reduzidos de 17,5% para 16,5%. Foram ampliados os limites para direcionamento do crédito, tendo por alvo principal as empresas não-financeiras de pequeno e médio portes. Dois novos cortes nas taxas de juros foram anunciados em outubro, fazendo com que as taxas de empréstimos de um ano tenham chegado a 6,6% e as taxas de depósitos, a 3,6%. As taxas dos financiamentos imobiliários também foram reduzidas. Para os próximos meses, é possível se esperar novas reduções nas taxas de juros e compulsório, bem como esforços administrativos adicionais para direcionar o crédito para setores intensivos na geração de emprego e que estão mais expostos à contração na demanda externa, a produção rural, e, do ponto de visto do porte, as pequenas e médias empresas.
Depois de cair 70% de seu valor de pico em outubro de 2007, o mercado acionário também foi objeto de uma ação forte das autoridades. Em 18 de Setembro, o governo anunciou a virtual eliminação da tributação sobre operação de compra de ações. A Central Huijin, agência de investimento do governo criada em 2003 para viabilizar o processo de capitalização dos principais bancos estatais, e, posteriormente, incorporada ao fundo soberano CIC (China Investment Corporation), anunciou, no mesmo dia, a compra de ações do Banco da China, do Banco Comercial e do Banco da Construção, com o intuito de reduzir os impactos deflacionários da crise global sobre os ativos locais. Simultaneamente, o governo anunciou a intenção de estimular as 147 maiores estatais a comprarem parte de suas ações atualmente em poder do público, como estímulo adicional à sustentação das cotações e provisão de liquidez. Isto ocorre pela primeira vez desde a criação do mercado acionário, em 1991.
No plano fiscal, o governo tem anunciado várias medidas de estímulo, com vistas a estimular a demanda doméstica e reduzir os impactos recessivos globais sobre o setor exportador. A ampliação de gastos em infra-estrutura (energia, transporte e desenvolvimento rural), a redução de impostos para empresas exportadoras – especialmente nos setores têxtil e de produtos eletrônicos –, redução de impostos e juros de hipotecas para a aquisição de residências, a melhoria da rede de proteção social e da segurança no direito de propriedade no setor rural têm sido amplamente divulgadas depois que os resultados do PIB do terceiro trimestre vieram a público. No setor rural, o mais recente Congresso do Partido Comunista Chinês já havia anunciado o intenção de dobrar a renda do setor rural até 2020 – em 2007, de acordo com dados oficiais, a renda per capita rural equivalia a menos de 1/3 da urbana. Agora, em outubro, o governo anunciou que não permitirá que as terras dos pequenos proprietários rurais possam ser utilizadas como garantia em empréstimos bancários. No lugar das garantias reais tradicionais, pretende-se estimular a utilização dos contratos de venda da produção como garantia, bem como ampliar o financiamento dos bancos oficiais e demais instituições financeiras. O direto de uso da terra deverá ser ampliado dos trinta anos para setenta anos, e os certificados de propriedade deverão ser mais detalhados e precisos na definição da localização e tamanho da gleba de terra.
No front externo o Banco Central está tentando moderar o ritmo de valorização do yuan renmimbi. Com respeito ao dólar estadunidense, a média de apreciação verificada desde julho de 2005 foi de 0,47% ao mês. Em termos da taxa real e efetiva, a apreciação foi mais moderada, ou 0,42% ao mês, no mesmo período. O fato é que, desde meados de agosto, a cotação se estabilizou. Ao contrário das demais moedas de economias emergentes, que, desde meados de setembro, vêm apresentando uma forte deterioração frente ao dólar, o yuan renmimbi segue estável, contribuindo para estabilizar o ambiente financeiro regional e global. Esse cenário lembra o período que sucedeu a crise financeira asiática de 1997. Ao não desvalorizar sua moeda, a China evitou um processo de “desvalorizações competitivas” na região.
Além das reservas internacionais elevadas, o governo, através da SAFE (State Administration of Foreign Exchange), agência gestora dos ativos de reserva do Banco Central, comunicou novas medidas voltadas a inibir a especulação “a favor do yuan”. Desde 2005, tem-se intensificado a entrada de capitais de curto prazo que apostam no fortalecimento do yuan frente ao dólar. Neste momento, o governo deseja moderar esse processo e pretende penalizar operações financeiras de empresas que sejam tipificadas como tendo caráter eminentemente especulativo, mais especificamente as operações cambiais que visem “lucrar sobre os movimento diários de apreciação do yuan”.

O cenário de um pouso suave parece ter fundamentos relativamente sólidos, especialmente se o ambiente econômico internacional não se deteriorar ainda mais. Do ponto de vista fiscal, o resultado consolidado de 2007 foi superavitário em 0,7% do PIB, o primeiro resultado positivo em vinte anos. Os dados de 2008 seguiram positivos até o momento em cerca de 2% do PIB, a despeito da redução no ritmo de crescimento das receitas públicas. A dívida pública é relativamente baixa. Isso cria espaço para as inúmeras ações já anunciadas de ampliação de gastos em infra-estrutura e reduções de impostos. As reservas internacionais ultrapassarão a casa dos US$ 2 trilhões até o final do ano, o que não considera os recursos dos fundos especiais de investimento. A posição externa líquida favorável tem reduzido os impactos da crise de liquidez externa no financiamento da economia chinesa. O sistema bancário chinês parece mais sólido do que no período pré-capitalização dos maiores bancos estatais, em 2003. Há pouca exposição de operações ativas e passivas em divisas estrangeiras. O setor corporativo não-financeiro vem reduzindo a relação dívida-capital e apresenta bons níveis de rentabilidade. Somente 15% dos fluxos de financiamento dependem dos mercados de capitais, hoje em queda. Da mesma forma, menos de 5% das famílias chinesas possuem ativos financeiros de renda variável, cujos preços estão em queda.
A despeito da queda no preço dos imóveis e da retração na velocidade de expansão da renda, esta ainda segue crescendo, o que pode, no contexto das medidas contra-cíclicas já anunciadas e, potencialmente, de novas ações políticas na área fiscal, sustentar o consumo doméstico. A redução das pressões inflacionárias abriu espaço para novas reduções nas taxas de juros. A estabilidade no valor do yuan, a partir da redução no ritmo de sua apreciação nominal frente ao dólar estadunidense, bem como a estabilidade de seu valor real e efetivo, pode contribuir para minimizar o impacto da queda nas receitas de exportações. Ademais, fundamentos mais estruturais, como o crescimento da produtividade, a rápida urbanização – de cerca de 1% da população total ao ano – a ampliação na renda doméstica e, portanto, do mercado consumidor interno, tendem a seguir atuando no sentido de reforçar a trajetória de expansão no longo prazo.
Acima de tudo, o imperativo político da manutenção do crescimento tem feito as autoridades chinesas reagirem de forma rápida e profunda. Esse é o ponto central das considerações finais deste estudo. Conforme vem sendo explicitado recorrentemente pelo Presidente Hu Jintao e o Primeiro-Ministro Wen Jiabao, “manter o crescimento é a nossa prioridade número um”. Note-se que os analistas da economia chinesa, dos segmentos oficial, de mercado e acadêmico, tendem a convergir na visão de que o governo chinês tem uma preocupação real em manter o crescimento. E de que ele irá agir na proporção que se faça necessária, dada a tendência de redução no crescimento chinês. Divergências podem surgir com respeito às possibilidades de sucesso da contenção da crise global por meio de políticas domésticas contra-cíclicas.
Fundamentos Políticos para o Cenário de um “Pouso Suave”: A Economia Política da Ascensão Chinesa. A consciência de que a estratégia introvertida e baseada na coletivização forçada não havia logrado resultados em termos de reafirmação do poderio chinês passou a nortear a visão de reformistas como Deng Xiaoping. Uma vez no poder, eles deram início a um processo de abertura e modernização econômica acelerada. Desde então, a China vem apresentando uma vigorosa trajetória de crescimento e internacionalização. As lideranças políticas e os ideólogos do Partido Comunista da China (PCC) têm se utilizado de diversas expressões-síntese da especificidade da sua própria trajetória de modernização, tais como “socialismo de mercado”, “socialismo com características chinesas”, “caminho do desenvolvimento pacífico”, “ascensão pacífica à condição de potência”, “abordagem científica do desenvolvimento e a estratégia de construção de uma sociedade socialista harmoniosa”, para citar algumas das mais representativas.
Assim, os líderes da era pós-Mao Zedong adotaram o pragmatismo na condução de sua estratégia de crescimento, entendido este como um objetivo intermediário do norte maior que, desde há muito persegue os chineses: a recuperação de uma posição hierarquicamente superior na ordem internacional. Sabedores de que seu sucesso até aqui ainda é insuficiente para a conformação de uma sociedade “moderadamente próspera”, e de que a perspectiva de concretização daquele objetivo maior se descortina rapidamente, gerando tensões diversas – particularmente nos planos geopolítico e geoeconômico – os líderes da China contemporânea buscam refúgio em conceitos como o da “ascensão pacífica”.
Na perspectiva chinesa haveria uma tentativa diferenciação da sua trajetória com respeito à de outros países, que em momentos semelhantes acabaram provocando conflitos políticos e guerras, como nos casos de Alemanha e Japão. Os chineses não querem ser percebidos como uma ameaça global, a despeito do fato de não esconderem sua estratégia política de longo prazo, que é a de colocar a civilização chinesa em uma posição de centralidade, mas não necessariamente de hegemonia, na ordem internacional. Condicionantes domésticos e externos interagem na conformação da visão chinesa sobre os desafios resultantes de sua própria ascensão. No plano interno, discute-se a conveniência ou não do aprofundamento das reformas pró-mercado e seus efeitos sociais e ambientais.
Da Nova Esquerda, representada por intelectuais e membros do partido com posições-chave na estrutura de poder do país, emerge, cada vez mais, uma inquietação na busca de definição de uma estratégia de crescimento mais inclusiva socialmente e menos agressiva aos recursos ambientais e culturais. Aparentemente esta vertente estaria ganhando influência progressiva, particularmente na atual presidência de Hu Jintao. Em contrapartida, a chamada Nova Direita, cujos tecnocratas estiveram associados ao período de abertura liderado por Deng Xiaoping e Jiang Zemin, clama por mais mercado e menos Estado.
No plano externo, nacionalistas e liberais internacionalistas se dividem sobre a necessidade da China se colocar de forma mais explícita na defesa de certos interesses nacionais, como nas questões territoriais, particularmente no caso de Taiwan, e, mais importante, em termos de definição e disseminação da visão chinesa sobre a ordem internacional. Esta repudia a idéia de um mundo unipolar e na interferência aos assuntos soberanos de cada nação. A ampliação da influência chinesa em países estrangeiros, por diversos canais (investimentos, comércio, etc.) se dá sem a imposição de condicionalidades aos moldes praticados pelas potências ocidentais e instituições oficiais de fomento, a là Banco Mundial.
As discussões no âmbito do Conselho de Estado e no CNPCC explicitam as contradições do processo de transformações em curso. Assim, por exemplo, o 11º Plano Qüinqüenal (2006-2010) procura estabelecer os fundamentos para o desenvolvimento chinês nas duas primeiras décadas do século XXI. Seguindo o conceito firmado no 10º Plano, de conformação de uma “sociedade moderadamente próspera” e a visão de “desenvolvimento pacífico”, explicita-se agora a preocupação de que o maior desafio depois de alcançado o crescimento econômico, expresso no aumento da renda per capita, é o de também fortalecer o bem-estar social. Outro conceito importante é o dos “Três Representantes”, onde caberia ao Partido Comunista representar as necessidades de desenvolvimento das forças produtivas chinesas, o desenvolvimento da cultura chinesa, e os interesses fundamentais da maioria da população chinesa. Através desses princípios, o desenvolvimento econômico, buscado por meio de reformas e maior abertura, deve ser compreendido como o principal objetivo instrumental (ou intermediário) do governo chinês. Até porque o crescimento acelerado e a geração de empregos são condições necessárias para a estabilidade social. A partir da história chinesa, emergem fantasmas sobre desordem e caos, geralmente provocados pela revolta popular ante o excesso de rigor do poder central, particularmente em momentos de escassez de recursos.
Na avaliação de parte expressiva do establishment chinês, existiriam inúmeras condições favoráveis para a concretização de um novo período de prosperidade. Em primeiro lugar, as mudanças no padrão de consumo interno, a partir do incremento da renda per capita, estimulariam a consolidação de uma estrutura produtiva diversificada e mais vinculada aos gastos domésticos. Em paralelo, haveria ainda amplo espaço para explorar a abundância de mão-de-obra, cuja qualificação vem se expandindo, e a maior oferta e qualidade relativa da infra-estrutura, especialmente em transportes e comunicações. Não obstante as condições favoráveis, o 11o Plano Qüinqüenal não desconsidera os desafios a serem enfrentados, particularmente nas áreas de utilização dos recursos naturais, especialmente a água, busca de maior eficiência energética, proteção do meio ambiente e redução das desigualdades provocadas pelo crescimento desproporcionalmente mais acelerado de certas regiões urbanas, em detrimento do hinterland ou do mundo rural em geral, que abriga mais da metade da população. A crise atual parece estar acelerando o ímpeto político de realizar investimentos em infra-estrutura e na rede de proteção social, agora também pela motivação de sustentar a expansão da renda em patamares politicamente aceitáveis.
Para sustentar o crescimento e reduzir os seus impactos negativos a China deverá contar com uma teia ampla de relações internacionais. Por isso, no seu mais recente Plano Qüinqüenal, o governo chinês vê o cenário internacional como um ambiente de interdependência, de aprofundamento da globalização e de condições favoráveis ao desenvolvimento do país. Essas condições seriam: (i) a mudança nas relações entre as grandes potências no período pós-Guerra Fria; (ii) a possibilidade da China, por meio do seu desenvolvimento pacífico, oferecer oportunidades de crescimento para outras nações; (iii) em especial, a cooperação com os países em desenvolvimento e a garantia de uma relação especial e estratégica; (iv) as oportunidades de relação com os países vizinhos, e a busca pela solução dos conflitos diversos; (v) e a preferência pela multilateralidade como importante forma de relação diplomática, ou alternativamente, o repúdio às posturas unilaterais das potências hegemônicas. O ambiente internacional, embora seja favorável, também apresenta desafios, tais como desdobramentos protecionistas das disputas por mercados, recursos e tecnologias. Além disso, a ascensão da China pode ser vista como uma ameaça pelas grandes potências, levando o país a ter de reforçar sua idéia de desenvolvimento pacífico. Ressalte-se que, em praticamente todas as determinações chinesas em relação às relações internacionais, podem ser vistos os Cinco Princípios de Coexistência Pacífica.
É em razão desse conjunto de elementos que se pode afirmar que:
(1) Os líderes chineses irão tomar todas as medidas necessárias para evitar um pouso forçado da economia, na medida em que este cenário fragilizaria o balanço de poder interno do regime, e sua legitimidade perante a população, trazendo o risco sempre temido da instabilidade social.
(2) Não parece ser do interesse da China adotar uma estratégia de “fechamento ao mundo”, especialmente no que se refere aos canais de comércio. Os controles de capitais conviverão com a manutenção de um perfil de elevada abertura comercial. Todavia, não se pode assumir, a priori, que a China não será fortemente agressiva na manutenção dos seus interesses estratégicos, tanto no plano interno, particularmente a geração de empregos e renda capaz de acomodar o processo de rápida urbanização, quanto no plano externo, na disputa por mercados consumidores, onde quer que eles estejam crescendo.
(3) Assim, se os mercados das economias maduras estão em retração, mas alguns países emergentes mantêm um relativo dinamismo, pode-se esperar a tentativa das empresas chinesas avançarem, ainda mais, sobre mercados outros que não os EUA e a Europa. Para tanto contarão com o apoio direto do Estado – logístico, na forma de subsídios fiscais, etc.
(4) Isto conduz à necessidade de mediações políticas na defesa dos interesses dos parceiros da China, inclusive no caso específico do Brasil e de países estratégicos para a sua internacionalização comercial e produtiva, como nos vizinhos sul-americanos e parceiros africanos e do Oriente Médio.
Se a China deseja sustentar sua trajetória de “ascensão pacífica” deverá manter seus mercados – no plano comercial e, parcialmente, no financeiro – abertos, em uma postura internacional colaborativa. Todavia, a ocupação daqueles em tempos de crise exigirá um esforço político mais intenso dos setores público e privado dos seus parceiros. O Brasil vem perdendo espaço no mercado chinês. Atualmente nossas exportações representam 0,6% do total importado pela China, o que equivale à metade do market-share global do país. Ademais, mais de 80% da pauta exportadora brasileira concentra-se em commodities cujos preços estão em queda, dada, dentre outras coisas, a própria redução de demanda chinesa. Em contrapartida, as exportações chinesas vêm ocupando, cada vez mais, espaços no total importado pelo Brasil, com a balança comercial tendo se tornado desfavorável ao país neste ano de 2008.
A concretização de um pouso suave da China é de vital interesse para a economia mundial. Todavia, ele não é condição suficiente para que países como o Brasil possam colher maiores frutos do desenvolvimento chinês, fenômeno de maior importância nas transformações estruturais em curso na ordem internacional.