Carta IEDI
A Longa Estagnação da Indústria de Bens de Consumo Semiduráveis e Não-Duráveis
Nos últimos anos, o que mais chama a atenção na evolução industrial brasileira é a estagnação do segmento de bens semiduráveis e não-duráveis de consumo. Um setor cuja dinâmica está associada ao mercado interno de massa, é empregador e comporta as mais variadas estruturas empresariais – de microempresas a gigantes empresas brasileiras e transnacionais.
É um segmento que tem ainda um elevado impacto local e regional.
Seu crescimento médio entre 1999 e 2002 foi nulo, contrastando com crescimentos razoáveis (para as circunstâncias) nos demais segmentos industriais. Portanto, o segmento está estagnado desde a mudança da política macroeconômica que introduziu o câmbio flutuante e o sistema de metas de inflação.
Cabe observar que esse desempenho ocorreu em um período em que a demanda pela produção doméstica de bens de consumo cresceu por dois fatores ligados ao mercado externo.
O primeiro deles, a queda de importações de bens não-duráveis motivada pelas acentuadas desvalorizações cambiais ocorridas entre 1999 e 2002, o que seguramente determinou uma substituição de importações desses bens. O segundo, o estímulo que as desvalorizações conferiram às exportações.
Foi, portanto, o mercado interno que declinou e a causa disso está na redução da massa de rendimentos em termos reais. Considerando seis regiões metropolitanas brasileiras, a massa de rendimentos caiu de uma média mensal de R$ 16,3 bilhões em 1998 para R$ 15,4 bilhões em 2002, ou seja quase R$ 1 bilhão ou R$ 11,3 bilhões/ano. Em termos relativos, a queda foi de 12,7% comparando-se os anos de 1998 e 2002.
Quanto ao efeito do crédito bancário, este contribuiu, se tanto, limitadamente para ampliar o mercado consumidor de bens de consumo não-duráveis. As taxas de juros muito altas são o fator determinante desse resultado
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A estagnação do período 1998/2002. Nos últimos anos, o que mais chama a atenção nos dados da evolução industrial brasileira recente segundo as categorias de uso é o segmento de bens semiduráveis e não-duráveis de consumo. Um setor cuja dinâmica está associada ao mercado interno de massa, é empregador e comporta as mais variadas estruturas empresariais – de microempresas a gigantes transnacionais. É um segmento que tem ainda um elevado impacto local e regional.
Seu crescimento médio nos quatro anos que vão de 1999 a 2002 foi nulo, contrastando com crescimentos razoáveis (para as circunstâncias) nos demais segmentos industriais. Portanto, o segmento está estagnado desde a mudança da política macroeconômica que introduziu o câmbio flutuante e o sistema de metas de inflação.
Outros segmentos tiveram grande oscilação, porém, na média, cresceram bem mais. Se o segmento de bens não-duráveis tivesse acompanhado a média dos demais, o crescimento da produção industrial como um todo teria sido de cerca de 3% em média nesse período e não 2,4%, como, de fato, ocorreu.

Como se pode observar no gráfico a seguir, nos últimos 25 anos, o setor jamais experimentou uma estagnação tão prolongada, embora seu crescimento tenha registrado intensas oscilações no sentido da alta (de 1984 a 1986 e de 1993 a 1996), bem como no sentido do declínio (entre 1987 e 1992).
A produção do segmento a longo prazo (25 anos) foi de 1,4% ao ano, abaixo do crescimento da população no mesmo período (1,7%).

Mercado externo. Cabe observar que a estagnação dos últimos anos ocorreu em um período em que a demanda pela produção doméstica de bens de consumo cresceu por dois fatores ligados ao mercado externo.
O primeiro deles, ilustrado no gráfico abaixo, é a queda de importações de bens não-duráveis motivada pelas acentuadas desvalorizações cambiais ocorridas entre 1999 e 2002, o que seguramente determinou uma substituição de importações desses bens.
O segundo decorreu do incentivo para exportar conferido por essas mesmas desvalorizações cambiais.
Como mostra o gráfico seguinte, o quantum das exportações de bens de consumo não-duráveis (que incluem, além dos bens de consumo industriais, os agrícolas) evoluiu significativamente nos últimos anos.
O mesmo gráfico mostra o crescimento, também muito significativo, do quantum exportado de setores como têxtil, calçados e mobiliário.


Os segmentos de bens de consumo semiduráveis e não-duráveis. Os três gráficos seguintes, que desagregam o segmento de semiduráveis e não-duráveis de consumo, mostram comportamentos distintos no segmento. Semiduráveis e carburantes (gasolina e álcool hidratado) declinaram mais a produção.
A produção aumentou mais em alimentação e bebidas elaborados. Alimentação e bebidas básicos e não-duráveis oscilaram com pequena média de variação, para menos no primeiro caso e para mais no segundo. Os aumentos de preço do combustível devem ter influenciado na produção de carburantes.
Estratégias de marketing podem ter condicionado o crescimento da produção em alimentação e bebidas elaborados com relação a alimentação e bebidas básicos.
A queda em semiduráveis – categoria que inclui artigos de couro, mobiliário e artigos de madeira, tapeçaria, carpetes e cortinas, colchões e roupa de cama, vestuário, calçados, louças, aparelhos e serviço de mesa e cozinha, faqueiros, artigos de vidro, discos e fitas magnéticas, alguns tipos de brinquedos, jogos e artigos esportivos – é a mais notável e, certamente, a que mais reflete a contração do mercado.
Essa contração, ao que tudo indica, nesse caso, mais do que compensou o mercado adicional representado pela queda de importações e aumento das exportações.


Emprego e renda. O mercado interno para bens de consumo semiduráveis e não-duráveis tem relações com o emprego e a renda real da população – que definem a massa real de rendimentos – e com o acesso ao crédito por parte da população. As notas a seguir reúnem evidências sobre as duas questões.
A massa real de rendimentos nas principais regiões metropolitanas brasileiras, como mostra o gráfico a seguir, caiu muito depois da mudança cambial em 1999. A reativação industrial de 2000 teve um efeito significativo em aumentar a massa de rendimentos real, que voltou a declinar com a crise de energia.
Considerando essas oscilações, desde 1998, a massa de rendimentos caiu em termos reais, de uma média mensal de R$ 16,3 bilhões para R$ 15,4 bilhões em 2002, ou seja quase R$ 1 bilhão ou R$ 11,3 bilhões/ano. Em termos relativos, a queda foi de 12,7%, comparando-se os anos de 1998 e 2002.


Determinantes da redução da massa de rendimentos e do mercado interno. Vamos estimar alguns dos fatores que levaram à queda da massa de rendimentos e do mercado interno consumidor entre 1999 e 2002.
O aumento da ocupação contribuiu para o aumento da massa de rendimentos. Tudo o mais constante, devido ao aumento do número de pessoas ocupadas, a massa anual de rendimentos aumentaria em R$ 15,6 bilhões.
Mas o crescimento do emprego não foi suficiente (foi baixo demais, apenas 8% no acumulado desses anos) para elevar o rendimento nominal do trabalho acima da taxa de inflação no período, de forma que preponderou o “efeito rendimento”, no caso, a queda do rendimento real médio, que determinou queda da massa de rendimentos de R$ 26,9 bilhões.
Houve mudança significativa do emprego em direção ao trabalho informal, cujo rendimento é mais baixo. Esse “efeito” foi negativo e estimado em R$ 2,5 bilhões. O “efeito rendimento líquido” soma, portanto, R$ 24,3 bilhões, cuja causa, por seu turno, além do baixo dinamismo do emprego, está na alta inflação.
Note-se que o “efeito rendimento” inclui um deslocamento da renda da população antes dirigida ao consumo de bens industriais (e bens originados de outros setores) para o consumo de serviços públicos. Esse deslocamento, à parte de mudanças na composição do consumo da população, foi causado pela indexação dos preços e tarifas desses serviços, que permitiu elevações acima da média da taxa de inflação.


Crédito bancário. A observação pertinente sobre o crédito real a pessoas físicas concedido pelas instituições financeiras é que este, após duas “ondas” de significativa ampliação – “ondas” estas iniciadas, respetivamente, em fins de 1996 e em fins de 1999, como mostra o gráfico abaixo – estagnou desde fins de 2001, apresentando no ano passado uma moderada tendência de queda.

Uma outra observação é que para o crescimento do crédito real na “onda” mais recente foram importantes a evolução do crédito pessoal e do crédito para aquisição de bens.
Contudo, nesse último caso, o crescimento do crédito resultou exclusivamente do financiamento para “aquisição de bens – veículos”, e não do financiamento para “aquisição de bens – outros”, dentre os quais incluem-se os bens de consumo produzidos pela indústria de semiduráveis e não-duráveis.
O crédito relativo à categoria “aquisição de bens – outros”, como mostram os gráficos a seguir, está estagnado há cerca de dois anos em torno a um saldo de valor real baixo.
A conclusão é que o efeito do crédito bancário ao consumo de bens da indústria de semiduráveis e não-duráveis de consumo teve, se tanto, um limitado efeito em expandir o mercado interno consumidor desses bens. As taxas de juros muito altas, como mostra o último gráfico, são o fator determinante desse resultado.


