Carta IEDI
Os Cenários para as Commodities e as Perspectivas de Saldo Comercial Brasileiro
O triênio 2009-2011, que sucedeu a crise financeira global de 2008, foi marcado por um novo ciclo de preços das commodities. Considerando a trajetória do índice agregado do Commodity Research Bureau (CRB), seu boom perdurou de fevereiro de 2009 a abril de 2011. Os dados disponíveis até o momento indicam que essa fase terminou em dezembro 2011, já que esse índice voltou a se recuperar em janeiro 2012. Se essa recuperação não se revelar efêmera, ele foi bem mais curto (um total de 34 meses) que o ciclo pré-crise, que se estendeu de 2002 a janeiro de 2009 (com o período de deflação de julho de 2008 a janeiro de 2009).
A despeito das diferentes longevidades, os dois ciclos foram condicionados por alguns fatores comuns que voltaram à cena no contexto pós-crise, como a financeirização do mercado de commodities, a demanda pujante da China e a baixa elasticidade da oferta de vários produtos. Contudo, especificidades do contexto pós-crise condicionaram a dinâmica dos preços das commodities no triênio em tela e explicam a sua vida relativamente curta.
Na fase de alta, as políticas anticíclicas nos países avançados e emergentes adotadas em resposta à crise sistêmica desencadearam três movimentos que, conjuntamente, impulsionaram a alta dos preços das commodities. O primeiro movimento foi a recuperação da economia mundial sob a liderança das economias emergentes, especialmente da China, cuja elasticidade-renda da demanda por esses bens é maior devido ao estágio de desenvolvimento econômico e às elevadas taxas de crescimento e urbanização. Ademais, as empresas chinesas aproveitaram os preços deprimidos no início de 2009 para recompor estoques, o que contribuiu para o reaparecimento de desequilíbrios entre demanda e oferta em vários mercados, ao lado da retomada da produção de biocombustíveis a partir de cereais e dos choques climáticos de 2010.
O segundo e terceiro movimentos foram detonados pela política monetária anticíclica nos países avançados, especialmente nos Estados Unidos. O ambiente de excesso de liquidez internacional e de taxas de juros nominais nos seus pisos históricos induziu, por um lado, a busca por aplicações mais rentáveis em outras moedas, resultando numa trajetória de depreciação do dólar a partir do início de 2009 (segundo movimento). Por outro lado, estimulou a retomada das posições dos investidores não-comerciais em derivativos e demais produtos financeiros vinculados às commodities (terceiro movimento)
Assim como o período de alta, a fase de baixa do ciclo recente foi condicionada pelos desdobramentos da crise sistêmica de 2008. Contudo, a deflação entre maio e dezembro de 2011, não foi tão intensa como a observada em 2008. A partir do segundo trimestre de 2011, fatores de natureza financeira e macroeconômica, correlacionados e que se auto-reforçaram, desencadearam perspectivas negativas em relação ao desempenho da economia global e, consequentemente, à demanda de commodities. No âmbito financeiro, o aumento da aversão global aos riscos devido ao aprofundamento da crise soberana da área do euro resultou numa nova fase de apreciação do dólar e na forte redução das posições dos investidores nos mercados financeiros vinculados às commodities. O fator macroeconômico foi a desaceleração mais forte do que o esperado da economia mundial, sobretudo da economia chinesa, principal importadora de commodities.
É possível vislumbrar pelo menos três cenários para os preços das commodities em 2012: (i) o cenário básico do FMI, de recuo de 14% dos preços das commodities não-energéticas e de 4,9% das energéticas; (ii) o cenário favorável, suscitado pelas melhores condições financeiras globais no início de 2012 após a expansão da liquidez pelo BCE no final de 2011 e pela perspectiva de um maior dinamismo nas economias emergentes asiáticas e latino-americanas em decorrência das políticas expansionistas adotadas a partir do segundo semestre de 2011; (iii) o cenário adverso, no qual a crise do euro de aprofundaria, resultando numa deflação dos preços semelhante à registrada no segundo semestre de 2008.
Considerando esses três cenários, foram realizadas algumas estimativas para o desempenho das exportações brasileiras de commodities em 2012. Nos três casos, as exportações de commodities, que responderam por quase 60% do total das vendas externas em 2011, teriam um pior desempenho do que em 2011. No cenário favorável, o resultado seria somente 4% menor, mais do que suficiente para garantir um superávit comercial acima de US$ 20 bilhões, supondo que as exportações de bens não-commodities e as importações repetirão os resultados de 2011. No cenário básico, o recuo seria de 10,8%, o que implicaria uma queda de 55% do saldo comercial, mas que se manteria superavitário. No cenário adverso, ainda sob as mesmas hipóteses, as vendas externas de commodities cairiam quase pela metade (-47%), gerando um déficit comercial de US$ 41,3 bilhões. Contudo, vale notar que, especialmente nos dois últimos cenários, essas estimativas podem ser consideradas otimistas, já que as quantidades exportadas (sobretudo dos produtos manufaturados) também serão afetadas pela desaceleração da economia global. Nas projeções do FMI (ou seja, no cenário básico), o volume do comércio mundial deve crescer 3,8% em 2012, frente ao percentual de 6,9% em 2011.
Introdução. O triênio 2009-2011, que sucedeu a crise financeira global de 2008, foi marcado por um novo ciclo de preços das commodities. Seu boom perdurou de fevereiro de 2009 a abril de 2011 (27 meses). Os dados até o momento disponíveis indicam que essa fase terminou em dezembro 2011 (8 meses), já que os índices do Commodity Research Bureau (CRB) voltaram a se recuperar em janeiro 2012 (recuperação que, contudo, pode se revelar efêmera). Assim, ele foi bem mais curto (um total de 34 meses) que o ciclo pré-crise, que se estendeu de 2002 a janeiro de 2009 (com o período de deflação de julho de 2008 a janeiro de 2009).
A despeito das diferentes longevidades, os dois ciclos foram condicionados por alguns fatores comuns que voltaram à cena no contexto pós-crise, como a financeirização do mercado de commodities e demanda pujante da China. Contudo, especificidades do contexto pós-crise também condicionaram a dinâmica dos preços das commodities no triênio em tela e explicam a sua vida relativamente curta, dentre os quais: na fase de alta, a política monetária anticíclica nos países avançados e a rápida superação do efeito-contágio pelas economias emergentes, e; na fase de baixa, a crise soberana da área do euro e a desaceleração precoce da economia global.
O objetivo dessa carta é sintetizar as principais características e determinantes das fases de alta e de baixa do ciclo recente de preços das commodities, que exerceu influência decisiva no desempenho das exportações brasileiras. Em grande parte em função desse ciclo, a participação desses bens no total avançou de 56,7% em 2010 para 59,6% em 2011. A título de considerações finais, traçam-se algumas perspectivas para as vendas externas em 2012.
A Fase de Alta do Ciclo (Fevereiro de 2009 a Abril de 2011). A fase ascendente do ciclo de preços das commodities do período pré-crise chegou ao fim em meados de 2008 (Obs: Para uma análise detalhada do ciclo pré-crise, ver: Freitas (2009); Prates (2007 e 2011)), quando se tornou evidente o contágio da crise financeira sobre a atividade econômica nos países avançados. Surpreendentemente para a maioria dos analistas, a fase baixista desse ciclo, embora forte e abrupta, teve vida curta (cerca de seis meses, contra quatro anos e meio da fase altista). Após atingirem seus pisos em janeiro de 2009, o índice geral e os sub-índices de preços das commodities calculados pelo CRB iniciaram um novo movimento de alta em fevereiro de 2009, sob a liderança das cotações dos metais e do petróleo, abrangendo, em seguida, as demais categorias de commodities. Considerando a evolução do Índice agregado do CRB, que inclui 25 commodities, esse movimento se estendeu até abril de 2011.

O primeiro aspecto que chama atenção na análise do ciclo atual é o contraste com a experiência passada, já que a fase de boom ocorreu num estágio precoce da recuperação da produção industrial global. Como salienta o FMI (2009a), nas recessões anteriores, os preços continuavam em queda nesse estágio ou cresciam num ritmo bem inferior ao observado em 2009 (com exceção do petróleo). A emergência dessa fase de forma prematura está associada à dimensão inédita tanto da crise como da resposta anti-cíclica de política econômica nos países avançados e emergentes.
A crise – que se aprofundou ao longo dos primeiros oito meses de 2008 e se tornou sistêmica em setembro, com a falência do banco Lehman Brothers – resultou numa “reação exacerbada” dos investidores financeiros (ou não comerciais) nos mercados futuros de commodities, que também foram contaminados pelo movimento de financeirização a partir do início do século XXI. Esse movimento diz respeito, exatamente, à participação crescente desses investidores, desvinculados da produção ou comercialização de commodities, em instrumentos financeiros vinculados a esses bens (principalmente, derivativos), negociados seja em bolsas de valores seja em mercados de balcão (Shulmeister, 2009; Unctad, 2008). De acordo com Mayers (2011), os investimentos financeiros nesses mercados aumentaram a partir do estouro da bolha acionária dos Estados Unidos em 2001, estimulados pelas oportunidades de diversificação de risco, e ganharam ímpeto a partir de 2005, quando a conjuntura macroeconômica global (juros baixos e depreciação do dólar) estimulou as aplicações naqueles instrumentos como mecanismos de hedge (contra essa depreciação e uma possível aceleração da inflação naquele contexto) e fonte de ganhos especulativos. Com isso, a correlação entre os mercados de commodities e os outros segmentos dos mercados financeiros aumentou, reduzindo a demanda precípua por diversificação de risco. Contudo, em meados de 2008, com a explicitação do contágio da crise financeira sobre a atividade produtiva nos países avançados, as posições nesses mercados começaram a ser desmontadas, movimento que ganhou impulso após a partir de setembro, quando a crise se converteu num fenômeno sistêmico (IMF, 2009a).
Naquele momento, uma depressão passou a ser “precificada” em todos os segmentos dos mercados financeiros, o que explica o colapso dos preços nesses mercados (IMF, 2009a e b; The Economist, 2010b). Como as commodities se tornaram uma nova classe de ativos financeiros, a dimensão da deflação no segundo semestre de 2008 também foi inédita, tanto em termos da intensidade da queda dos preços, como da abrangência do movimento, que envolveu todas as categorias desses produtos. Essa precificação, todavia, logo se revelou incorreta. Após a reação anticíclica, também inédita, nos países avançados e emergentes, ancorada nas políticas fiscal e monetária, a ameaça de depressão foi afastada e os mercados ajustaram os preços, inicialmente, para um contexto de recessão, o que explica a estabilização do início de 2009. Em seguida, três movimentos associados a esta reação se sobrepuseram e resultaram na emergência do novo ciclo.
O primeiro movimento foi a recuperação da economia mundial sob a liderança das economias emergentes, especialmente da China, mais rápida do que o esperado por investidores e analistas, devido, em grande parte, às políticas anticíclicas (IMF, 2009b). Essa liderança também contribuiu para o movimento precoce de alta dos preços já que a elasticidade-renda da demanda por commodities nessas economias é mais elevada devido ao estágio de desenvolvimento econômico (um dos fatores presentes no ciclo pré-crise que voltaram à cena). No caso da China, além de fatores específicos que reforçam ainda mais a demanda por commodities (as elevadas taxas de crescimento e de urbanização), as empresas aproveitaram os preços deprimidos no início de 2009 para recompor estoques, o que contribuiu para a rápida absorção dos excedentes disponíveis em vários mercados (em decorrência da recessão nos países avançados) e, em consequência, para que os desequilíbrios entre demanda e oferta (o segundo fator pré-crise) reaparecessem.
Esses desequilíbrios decorrem tanto do efeito-China, como da utilização de vários alimentos para a produção de biocombustíveis (que voltou a aumentar em 2010 devido à alta dos preços do petróleo) num contexto de oferta pouco elástica de várias commodities em função de uma conjunção de fatores, dentre os quais a oligopolização das estruturas de mercado na agricultura e na extração de metais e a redução dos estoques, tanto privados (devido à própria financeirização, que ampliou a liquidez e, assim, a atratividade do hedge nos mercados de derivativos - FAO, 2009), como públicos (nesse caso, em decorrência do abandono pelos governos das políticas de estabilização de preços baseadas na formação e operação de estoques reguladores - Belluzzo, 2011). Em 2010, uma sucessão de choques climáticos, que levou à quebra de safras de várias commodities agrícolas (sobretudo, cereais, açúcar e algodão) reforçou a inelasticidade da oferta, impulsionando a alta dos preços (Iedi, 2010; IMF, 2010, Cepal 2010).

O segundo e terceiro movimentos foram desencadeados pela reação anticíclica da política monetária nos países avançados, especialmente nos Estados Unidos. O ambiente de excesso de liquidez internacional (associado à política de afrouxamento quantitativo do Federal Reserve) e de taxas de juros nominais nos seus pisos históricos (o que resultou em taxas reais negativas em vários momentos) induziu, por um lado, a busca por aplicações mais rentáveis em outras moedas (sobretudo, de países emergentes) e resultou numa trajetória de depreciação do dólar a partir do início de 2009 (segundo movimento). Essa trajetória predominou na fase de alta do ciclo, mas não foi contínua, tendo sofrido interrupções devido à eclosão e evolução da crise soberana da área do Euro.
Períodos de perda de valor dessa moeda, a divisa-chave da economia mundial, fomentam a alta dos preços das commodities por meio de três mecanismos. Em primeiro lugar, como os preços internacionais desses bens são denominados nessa divisa, períodos de queda do seu valor tendem a ser acompanhados por uma tendência de alta das cotações, pois os produtores tendem a elevar os preços para neutralizar as perdas cambiais. Em segundo lugar, nos países cujas moedas caminham na direção contrária ao dólar (se apreciam), as commodities tornam-se mais baratas, estimulando seu consumo. Em terceiro lugar, a busca de hedge contra aquela depreciação amplia-se, sobretudo mediante aplicações nos mercados de derivativos (e, em menor medida, acúmulo de estoques) (Prates, 2011). Os mesmos mecanismos atuam em direção contrária em períodos de valorização do dólar, como os observados no último trimestre de 2008 e no segundo semestre de 2011.

Esse contexto estimulou, igualmente, o terceiro movimento: a retomada das posições dos investidores não-comerciais em derivativos e demais produtos financeiros vinculados às commodities. A partir de novembro de 2010, a nova rodada da política de afrouxamento quantitativo do Federal Reserve fomentou ainda mais a especulação nesses mercados, tanto direta (ao expandir ainda mais a liquidez em dólares e a busca por alternativas de aplicação rentáveis) como indiretamente (ao afastar a ameaça de “double dip”) Alguns dados ilustram essa retomada: de acordo com a Unctad (2010), o volume de derivativos negociados nos mercados de metais não-preciosos, energia e produtos agrícolas cresceu, respectivamente, 132,8%, 12.9% e 3,7% em 2009, atingindo US$ 257 bilhões contra US$ 189 milhões em 2008; os dados do BIS (2011) mostram que o número de contratos em aberto nas bolsas de commodities atingiu o recorde histórico no terceiro trimestre de 2010 (US$ 66,7 milhões); e, segundo informações da The Economist (2011a), o número de posições compradas em commodities nas bolsas dos Estados Unidos foi recorde no início de 2011. Ademais, essa nova rodada também estimulou algumas empresas a repor estoques, que se encontravam em patamares reduzidos diante da fragilidade das economias avançadas (The Economist, 2011b), o que pressionou a alta dos preços nos mercados à vista.
A Fase de Baixa do Ciclo (Maio a Dezembro de 2011). Assim como o período de alta, a fase de baixa dos preços das commodities do ciclo recente, que se iniciou em maio de 2011, foi condicionada pelos desdobramentos da crise sistêmica de 2008, que culminaram num contexto de deterioração das condições financeiras e macroeconômicas a partir do segundo trimestre de 2011. Os dados até o momento disponíveis indicam que essa fase terminou em dezembro, já que os índices do CRB voltaram a se recuperar em janeiro 2012. No entanto, como destacado a seguir, essa recuperação pode se revelar efêmera, não se configurando uma nova fase de alta.
A deflação entre maio e dezembro de 2011, embora generalizada, teve ritmos diferenciados entre as diferentes categorias e não foi tão intensa como a observada no segundo semestre de 2008. Em dezembro de 2011, tanto o índice agregado como os sub-índices do CRB continuavam bem acima do piso de janeiro de 2009. As quedas em relação aos picos do ciclo-pós crise (fevereiro, março ou abril de 2011, dependendo da categoria de commodities) foram de 18% no índice CRB, 12,4% no de Petróleo, 14% no de alimentos, 17,6% no de matérias-primas industrial, 21,7% no de têxteis e 23% no de metais (ver gráfico acima).
Fatores de natureza financeira e macroeconômica, correlacionados e que se auto-reforçaram, desencadearam perspectivas negativas em relação ao desempenho da economia global e, consequentemente, à demanda de commodities (IMF, 2011; The Economist, 2012a).
No âmbito financeiro, a crise soberana da área do euro provocou um aumento da aversão global aos riscos, desencadeando dois movimentos que contribuíram para a queda dos preços das commodities. Por um lado, a apreciação do dólar, reflexo da depreciação do euro e do movimento generalizado de fuga para qualidade. Por outro lado, a forte redução das posições dos investidores nos mercados financeiros vinculados às commodities, a qual envolveu todas as categorias, com destaque para Petróleo e bens agrícolas (cada um respondendo por 34% da redução em maio e junho), seguidos pelos metais (27% da queda). Nesse bimestre a saída de recursos desses mercados foi maior do que a registrada na crise de 2008 (ver gráficos).

Ademais, tanto a desalavancagem como a queda dos preços das commodities precederam os mesmos movimentos nos demais mercados de ativos financeiros, que ocorreram no segundo semestre de 2011. Essa precedência evidencia, mais uma vez, a influência decisiva da financeirização na dinâmica contemporânea dos preços das commodities. O aprofundamento adicional da crise soberana do euro no quarto trimestre desencadeou mais uma onda de liquidação das posições em derivativos vinculados a commodities.
De acordo com cálculos realizados pelo Wall Street Journal/Dow Jones Newswires a partir dos dados da U.S. Commodity Futures Trading Commission, as posições nas bolsas de commodities americanas em 2011 recuaram 19% (de 10,7 milhões de contratos em dezembro de 2010 para 8,7 milhões de contratos no mesmo mês de 2011), o maior recuo em 12 anos, superando, assim, o registrada em 2008. Ademais, ela foi generalizada entre as 13 categorias de bens negociadas e envolveu os diversos tipos de investidores (comerciais, de varejo e fundos de investimento) (Dicolo, 2012).
A maior aversão aos riscos também afetou os preços nos mercados à vista ao reduzir a demanda por estoques, efeito reforçado pela expectativa, confirmada, de desaceleração mais forte da economia mundial no segundo trimestre de 2011, o fator macroeconômico subjacente à fase de baixa. Nos países avançados, essa desaceleração foi reflexo da deterioração das expectativas em função do aprofundamento da crise do euro ao longo de 2011, bem como da adoção prematura (em 2010) de políticas fiscais austeras num ambiente de demanda privada anêmica devido à fragilidade financeira ainda elevada das famílias e dos bancos. Já no caso dos países emergentes, ela decorreu da mudança no viés da política monetária e fiscal, de expansionista para contracionista, em resposta à situação de sobreaquecimento e pressões inflacionárias decorrente da superação rápida e bem sucedida do efeito-contágio da crise.
A perda de ritmo da economia chinesa – responsável por 40% e 18%, respectivamente, da demanda global de metais e de energia – teve influência preponderante na descompressão dos preços das commodities a partir de abril. As medidas restritivas adotadas a partir do segundo semestre de 2010 para conter a aceleração da inflação e a bolha imobiliária lograram reduzir o ritmo de expansão do crédito e do crescimento econômico e, consequentemente, das importações de commodities. Com isso, o desequilíbrio entre demanda e oferta em vários mercados foi atenuado, com efeitos deflacionários sobre os preços.
Os fatores sintetizados acima impactaram as três principais categorias de commodities (energéticas, metálicas e agrícolas), mas em intensidade distinta (IMF, 2011). No âmbito das commodities agrícolas (que incluem alimentos, grãos e óleos), as condições climáticas mais favoráveis após os diversos choques de oferta em 2010 contribuíram, ao lado desses fatores, para a queda dos preços.
No caso do Petróleo, as expectativas de redução da demanda após o forte crescimento no segundo semestre de 2010 (decorrente da aceleração do crescimento da demanda chinesa devido a interrupções e cortes de energia) foram reforçadas por esses fatores e acabaram se confirmando. A queda dos preços, contudo, foi atenuada pela crise na Líbia do início de 2011; somente em junho a produção da Opec retornou aos patamares anteriores ao conflito.
No que se refere ao mercado de commodities metálicas, a deflação dos preços precedeu a queda nas demais categorias devido à maior influência da demanda da China. A desaceleração da economia chinesa atingiu, especialmente, o investimento fixo e, assim, os setores intensivos em metais. Ademais, a desova de estoques acumulados ao longo de 2009 e 2010 contribuiu, igualmente, para a perda de ritmo das importações desses bens. Enquanto em 2009, o acúmulo de estoques decorreu da antecipação do aumento da demanda devido à política anticíclic, adotada em 2009 num contexto de preços ainda reduzidos, no segundo semestre de 2010 ela foi sustentada, ironicamente, pelas próprias medidas contencionistas uma vez que alguns metais, especialmente cobre, passaram a ser utilizados como colateral em operações de crédito comercial diante da redução da oferta de linhas de crédito convencionais.
Considerações Finais: Perspectivas para as Exportações Brasileiras. As perspectivas para os preços das commodities em 2012 não são favoráveis. De acordo com as novas projeções do FMI, divulgadas no final de janeiro (IMF, 2012), os preços das commodities não-energéticas devem recuar 14% no ano corrente, percentual bem superior à estimativa anterior, de 4,7%, divulgada na edição de setembro do World Economic Outlook (IMF, 2011). No caso das commodities energéticas, a revisão foi menos expressiva (de uma variação negativa de 3,1% para 4,9%) em função dos crescentes riscos geopolíticos que podem levar a uma ruptura na oferta de petróleo (sobretudo por parte do Irã) e aos baixos níveis de estoques e de capacidade ociosa.
Essa forte deterioração no cenário de curto prazo para as cotações das commodities é reflexo direto da revisão para baixo das projeções de crescimento da economia global em 2012, que passou de 4,0% para 3,3%. Esse recuo de 0,7 pontos percentuais é resultado de uma desaceleração na mesma intensidade das economias avançadas (de 1,9% para 1,2%) e emergentes (de 6,1% para 5,4%). No primeiro grupo, o principal determinante do menor crescimento é a recessão agora projetada para a área do euro – resultado do aumento dos prêmios de risco soberano, dos efeitos negativos da desalavancagem do sistema financeiro e dos planos de austeridade fiscal – que, contudo, será amena (contração de 0,5% do PIB frente à projeção anterior de 1,1% de expansão) devido à suposição de que ocorrerão avanços efetivos no encaminhamento da crise da região. No âmbito das economias emergentes, a previsão de um crescimento menos robusto decorre da desaceleração maior que a esperada nos últimos meses de 2011, provocada pelas políticas macroeconômicas restritivas em vários países, bem como pelo próprio contágio da crise da área do euro.
Esse cenário básico do FMI não contempla a possibilidade de aprofundamento dessa crise, a qual foi realmente afastada, pelo menos no curto prazo, no dia 21 de dezembro de 2011, com a decisão do BCE de Mário Draghi de abrir uma linha de crédito aos bancos de três anos a juros de 1% ao ano. Essa iniciativa, ao garantir liquidez aos bancos (foram captados 489 bilhões de euros) afastou o risco de falência de instituições relevantes (e, assim, a ameaça de crise sistêmica) e facilitou a rolagem das dívidas soberanas a taxa de juros cadentes.
Nesse contexto, a aversão aos riscos diminuiu, o que, ao lado da expansão da liquidez pelo BCE, estimulou a tomada de posições em ativos de risco, como moedas e ações de economias emergentes (várias das quais voltaram a se apreciar, dentre as quais o Real) e instrumentos financeiros vinculados às commodities. As posições dos investidores nesses instrumentos voltaram a aumentar no primeiro mês do ano, estimuladas, igualmente, por três fatores adicionais: os anúncios pelo Federal Reserve de que manterá o juro básico no piso histórico até 2014 e que poderá lançar uma nova rodada do programa de afrouxamento quantitativo; as perspectivas de um melhor desempenho da economia chinesa após o afrouxamento das condições monetárias e creditícias no último trimestre de 2011 (Farchy e Blas, 2012), e; a divulgação de indicadores positivos sobre a economia americana. Com isso, os preços de várias commodities metálicas e algumas agrícolas voltaram a subir em janeiro (Dezem, 2012; Lopes, 2012), movimento captado pelos sub-índices de Metais e Matérias-primas industriais do CRB.
Esses eventos recentes sugerem que os preços das commodities talvez recuem menos do que o projetado pelo FMI. Dois fatores adicionais podem contribuir para esse cenário mais favorável: um desempenho melhor do que o esperado da China e das demais economias emergentes que flexibilizaram suas políticas monetárias no segundo semestre de 2011 e o lançamento efetivo de um novo programa de afrouxamento quantitativo pelo banco central dos Estados Unidos.
Até o momento, todavia, a resolução da crise da área do euro segue incerta. O acordo de renegociação da dívida da Grécia com os credores privados ainda não foi concluído e o fechamento do pacto fiscal que limita os déficits públicos (no dia 31/01), embora bem recebido pelos “mercados” num primeiro momento, pode ter o efeito inverso, de agravar a recessão e comprometer ainda mais as receitas públicas. Ou seja, a possibilidade de aprofundamento dessa crise, que poderia desencadear uma nova crise sistêmica, não deve ser descartada (The Economist, 2012b).
Assim, é possível vislumbrar pelo menos três cenários para os preços das commodities em 2012: (i) o cenário básico do FMI; (ii) o cenário favorável, suscitado pelas melhores condições financeiras globais no início de 2012 e pela perspectiva de um maior dinamismo nas economias emergentes asiáticas e latino-americanas; (iii) o cenário adverso, no qual haveria uma deflação semelhante à registrada no segundo semestre de 2008.
Considerando esses três cenários, foram realizadas algumas estimativas para o desempenho das exportações brasileiras de commodities em 2012 (ver Tabela). Foram adotadas as seguintes hipóteses: (i) no cenário básico, a queda dos preços seria a projetada pelo FMI (14% para as commodities não-energéticas e 4,9% para as energéticas; (ii) no cenário favorável, os preços ficariam estáveis em relação ao final de 2011; (iii) no cenário adverso, eles retornariam aos níveis de janeiro de 2009. Adicionalmente, nos três cenários adotou-se a hipótese simplificadora de que o quantum exportado permanecerá constante.

Nos três casos, as exportações de commodities, que responderam por quase 60% do total das vendas externas em 2011, teriam um pior desempenho do que em 2011. No cenário favorável, no entanto, o resultado seria somente 4% menor, mais do que suficiente para garantir um superávit comercial acima de US$ 20 bilhões, supondo que as exportações de bens não-commodities e as importações repetirão os resultados de 2011. No cenário básico, o recuo seria de 10,8%, o que implicaria uma queda de 55% do saldo comercial, mas que se manteria superavitário. No cenário adverso, ainda sob as mesmas hipóteses, as vendas externas de commodities cairiam quase pela metade (-47%), gerando um déficit comercial de US$ 41,3 bilhões. Contudo, vale notar que, especialmente nos dois últimos cenários, essas estimativas podem ser consideradas otimistas, já que as quantidades exportadas (sobretudo dos produtos manufaturados) também serão afetadas pela desaceleração da economia global. Nas projeções do FMI (ou seja, no cenário básico), o volume do comércio mundial deve crescer 3,8% em 2012, frente ao percentual de 6,9% em 2011.
Bibliografia
BELLUZZO, L. G.. A financeirização da fome, Carta Maior, 11 de março de 2011. Disponível em: http://www.cartamaior.com.br.
CEPAL. Volatilidad de precios en los mercados agrícolas (2000-2010): implicaciones para América Latina y opciones de políticas, Boletín CEPAL/FAO/IICA, número 1, 2011. Disponível em: http://www.eclac.org.
DICOLO, J. Investors Abandoning Copper, Cotton, Crude, Wall Street Journal, january 27, 2012.
DUGAN, Ianthe Jeanne. Bancos criam novos mecanismos para se especular em commodities. The Wall Street Journal, republicado no Valor Econômico de 04/08/2008.
(THE) ECONOMIST. Focus: Commodity prices, Jan 24th, 2012a, The Economist, Disponível em: http://www.economist.com.
_____A false dawn, Jan 14th, 2012b, The Economist, Disponível em: http://www.economist.com.
_____Rising commodity prices both reflect and threaten the world’s economic recovery, The Economist, Jan 20th, 2011a. Disponível em: http://www.theeconomist.com.
_____Buttonwood, The Economist, Jan 13th, 2011b (from the print edition). Disponível em: http://www.theeconomist.com.
_____Commodities alone are not enough to sustain flourishing economies. A special report on Latin America, The Economist, Sep 9th, 2010a. Disponível em: http://www.theeconomist.com.
_____Commodity speculators. The Economist, Nov 11th, 2010b (from the print edition) Disponível em: http://www.theeconomist.com.
FAO. The State of the Agricultural Commodity Markets, 2009. Disponível em: http://www.fao.org.
FARCHY, J.; BLAS, J. China easing fires commodities bulls, Financial Times, January 25, 2012.
FREITAS, M. Cristina P. Inflação mundial e preços de commodities. In: BIASOTO, Geraldo Jr. e outros (org). Panorama das economias internacional e brasileira: São Paulo: Ed. Fundap, p. 113-123, 2009.
IEDI. Economia Global - Pressão das commodities, Análise Iedi, 24/11/2010. São Paulo: Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial. Disponível em: http://www.iedi.org.
IMF. World Economic Outlook Update. Global Recovery Stalls, Downside Risks Intensify, January 24, 2012. Washington D.C.: International Monetary Fund. Disponível em: http://www.imf.org.
______ World Economic Outlook, cap. 1, Sept., 2011. Washington D.C.: International Monetary Fund. Disponível em: http://www.imf.org
______ World Economic Outlook, cap. 1, Oct., 2010. Washington D.C.: International Monetary Fund. Disponível em: http://www.imf.org
______ World Economic Outlook, cap. 1., Oct., 2009. Washington D.C.: International Monetary Fund. Disponível em: http://www.imf.org
MAYERS, Jörg. The Financialization of Commodity Markets and Commodity Price Volatility. DULLIEN, Sebastian et al. The Financial and Economic Crisis of 2008-2009 and Developing Countries. New York and Geneva: United Nations, December 2010, pp. 73-98.
MASTERS, Michel. Testimony before the Committee on Homeland Security and Governmental Affairs. United States Senate. May 20, 2008.
MEYER, Gregory. Hedge funds bet oil prices to rise past $150, Financial Times, March 8, 2011. Disponível em: http://www.financialtimes.com.
Prates, D.M. O novo ciclo de preço das commodities, Boletim de Economia 2, março de 2011. Sâo Paulo: Fundação de Desenvolvimento Administrativo. Disponível em: http://www.fundap.sp.gov.br
_____A alta recente dos preços das commodities. Revista de Economia Política. v.27, p.323 - 344, 2007.
SHULMEISTER, Stephan.Trading practices and price dynamics in commodity markets and the stabilising effects of a transaction tax. Austrian Institute of Economic Research, January, 2009. Disponível em: http://www.wifo.ac.at.
SMALE, Will. Metal prices rising strongly again, BBC News, Feb. 15th, 2011. Disponível em: http://www.bbc.org.
UNCTAD. Trade and Development Report, cap. 1. Geneve: United Nations on Trade and Development, 2010.