Carta IEDI
A Reforma do Financiamento de Longo Prazo
A Carta IEDI apresenta trechos de estudo recentemente concluído em parceria com o Instituto Talento Brasil e que foi apresentado na semana passada ao Ministro da Fazenda Guido Mantega e ao Presidente do BNDES Luciano Coutinho. A íntegra do trabalho pode ser acessada no site do Instituto.
Para dizer o mínimo, o financiamento no Brasil é inadequado. O crédito corrente é um dos mais caros do mundo, o que vale para as famílias, onde a taxa média de juros chega a 38,8% ao ano, e também para as empresas, que pagam em média 25% ao ano. Isto significa que os dois principais agentes econômicos carregam dívidas excessivamente inchadas pela renda capturada na intermediação financeira por intermediários financeiros e o próprio governo. Por consequência, o comprometimento da renda familiar necessário para honrar as dívidas rapidamente se torna excessivo, o que em certos momentos, como agora, retarda a evolução do crédito e restringe o aumento do consumo.
Do lado das empresas, em razão do alto custo do capital de terceiros, estas se veem obrigadas a fugir das dívidas, limitando investimentos ou balizando por meio de elevado autofinanciamento o seu acesso às linhas convencionais do sistema financeiro. Nesse sentido, as ações da atual política econômica para reduzir tanto a taxa básica de juros quanto os “spreads” bancários são importantes. Em tendo êxito, elas abrirão caminho para que um novo ciclo de crédito facilite a retomada do consumo e dos investimentos na economia.
Não se esgota nesses pontos a inadequação do modelo de financiamento. As fontes voluntárias voltadas a amparar os investimentos em capital fixo praticamente não existem internamente, o que aprofunda a dependência aos recursos oficiais e ao endividamento externo. As empresas brasileiras têm pouco acesso ao mercado de ações, o crédito bancário com recursos domésticos de prazo mais longo é escasso e é flagrante a limitação da colocação de títulos corporativos (debêntures). Para ilustrar, como proporção do PIB, o estoque de títulos corporativos em 2010 era de 20% nos EUA, 17% no Japão, 11% na Alemanha, 9% na China e 3,4% no México. No Brasil, mal chegava a 0,5%.
A conclusão é que, praticamente só no BNDES estão disponíveis fundos a longo prazo, o que é muito pouco por mais que esta instituição tenha aumentado suas operações nos últimos anos. Em razão deste deficiente modelo de financiamento o investimento e o desenvolvimento das empresas do país ficam para trás. Setores pesados da indústria e a infraestrutura são segmentos na linha de frente dentre os mais atingidos.
O estudo realizado pelo IEDI e pelo ITB procura indicar caminhos para potencializar o mercado de debêntures, antecipando oportunidades abertas com a redução da taxa Selic. É proposto um “Programa de Emissões de Títulos Corporativos Incentivados” tendo como meta a colocação de R$ 50 bilhões em debêntures de empresas de qualquer setor de atividade lastreadas em bons programas de investimento ou de pesquisa tecnológica e inovação. Esses títulos usufruiriam de incentivos fiscais já existentes (muito embora hoje restritos ao setor de infraestrutura, uma limitação que precisaria ser removida) e contariam com especial atuação dos bancos públicos para dar garantia firme a uma parcela substantiva dos lançamentos, que só seria exercida caso as emissões não sejam totalmente distribuídas aos investidores. É um passo na direção da reforma do financiamento da economia brasileira.
Principais Conclusões e Sugestões. O Brasil ainda dispõe de um mercado incipiente de títulos corporativos de longo prazo. Esse fato é visível qualquer que seja o indicador utilizado. Frente à experiência internacional, o tamanho e a profundidade apresentados pelo Brasil estão muito aquém dos existentes em países desenvolvidos, mas também de asiáticos em desenvolvimento e mesmo de latino-americanos, como México e Colômbia, para não citar o Chile.
O mesmo se repete quando se observa o mercado financeiro doméstico. Enquanto o crédito bancário, as bolsas de valores e os títulos de cessão de crédito atravessaram um boom de crescimento e de inovação nos últimos anos, o mercado de títulos corporativos teve um crescimento e um desenvolvimento mais restrito.
O principal determinante desse “atraso relativo” da dívida corporativa tem sido a manutenção de taxas elevadas de juros, nominais e reais, por um período demasiadamente longo. Isso, por um lado, inibiu o lançamento de títulos por parte dos melhores emissores e, por outro, concentrou a demanda em papéis públicos que, ademais do retorno, conferem elevada liquidez e segurança.
Além desses condicionantes, houve ainda um conjunto de fatores regulatórios e tributários que limitaram bastante a maior atratividade das operações com títulos privados. Entretanto, a grande maioria desses entraves institucionais foi removida com as medidas adotadas entre 2010 e 2011. Essas mudanças não foram, no entanto, suficientes para, por si só, permitir uma mudança nos rumos desse mercado. A única exceção foram as Letras Financeiras emitidas pelos bancos.
A despeito desse quadro, a perspectiva de uma queda sustentada das taxas de juros está levando a uma mudança – lenta, mas firme - nas carteiras dos investidores. Há uma “fuga para a rentabilidade” que se traduz em maior demanda por títulos que possam sustentar um yield mais elevado por prazos mais longos, mesmo que ao custo de maior risco e iliquidez frente aos papéis públicos ou de bancos. Essa demanda não vem encontrando, nesse momento, uma oferta na dimensão adequada. O mercado vem enfrentando, assim, uma situação particular de sobredemanda por títulos privados de longo prazo, de bom risco de crédito.
A eliminação da taxação do IOF efetivada ao final de 2010 gerou uma retomada do interesse dos investidores externos por títulos corporativos brasileiros. A demanda desse segmento talvez requeira um prazo mais dilatado para se efetivar, mas seu potencial é sem dúvida ainda maior que a dos investidores domésticos. Esse novo quadro de demanda cria uma oportunidade ímpar para se promover o crescimento do mercado de títulos corporativos de longo prazo.
A efetivação desse potencial requer, no entanto, que vários entraves ainda venham a ser vencidos. No curto prazo, o principal deles é a assimetria de informação entre os diferentes atores. Essa assimetria se materializa no desconhecimento por parte das grandes empresas das vantagens criadas pela Lei 12.431. Do mesmo modo, existe a resistência dos bancos em estruturar e distribuir esses títulos, por causa de um possível questionamento por parte da Receita Federal quanto ao direcionamento dos recursos que vierem a ser captados. Há ainda a pouca difusão de informações sobre as novas medidas junto a investidores
Diante desse quadro, sugerimos que o governo mude a ênfase de sua atuação. Até o momento, seus esforços se concentraram corretamente em criar um arcabouço fiscal e regulatório que incentive o lançamento de títulos privados de longo prazo voltados para investimento. Uma vez que os incentivos governamentais já estão estabelecidos em seus contornos mais importantes, o próximo passo deveria ser centrar esforços no sentido de se quebrar a inércia do mercado e de se reduzir a enorme assimetria de informação existente. Para tanto, estamos propondo um Programa de Emissões de Títulos Corporativos Incentivados (PETCI), que coordene a atuação de investidores, bancos e emissores.
Esse Programa deveria ter como metas principais:
a) atingir o lançamento de R$ 50 bilhões em emissões “títulos de investimento” (1) ou de “debêntures de infraestrutura” (2) a partir de emissões que pudessem seguir cronogramas relativamente firmes e do qual participassem empresas de bom risco das áreas de infraestrutura e indústria;
b) permitir uma ampliação dos financiamentos fornecidos pelos bancos estatais desde que os créditos adicionais se dessem na forma de títulos que atendam os requerimentos da Lei 12.431, através de garantia firme para uma parcela substantiva desses lançamentos, que só seria exercida caso as emissões não fossem totalmente distribuídas aos investidores;
c) estender para os “títulos de investimento” que fossem adquiridos pelas instituições financeiras ao longo da vigência do Programa a mesma vantagem fiscal já existe para as “debêntures de infraestrutura” – redução do imposto de renda para 15%;
d) levar a leilão periódicos, através de plataformas eletrônicas, as carteiras originadas pelos bancos públicos, permitindo que os investidores nacionais e estrangeiros pudessem adquirir esses títulos, a qualquer tempo;
e) estender a isenção do Imposto de Renda a fundos destinados a esses investidores estrangeiros cujas carteiras venham a ser formadas por ativos que tenham o mesmo incentivo, em qualquer proporção;
f) autorizar a emissão de Letras de Crédito de Investimentos Incentivados, com as vantagens de isenção de imposto de renda previstos na Lei 12.431, desde de valor global inferiores a R$ 100 milhões, particularmente se lastreadas em projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I); e
g) estabelecer um programa de parceria do BNDES com fundos de investimento privados, voltados para a gestão de ativos de crédito de longo prazo, que atendam aos preceitos da Lei 12.431.
Em complementação a esse programa, existem duas medidas complementares que permitiriam acelerar o processo de originação de ativos:
h) estender para os “títulos de investimento” a multa que já é prevista para as empresas emissoras de “debêntures de infraestrutura”, no caso de não aplicarem os recursos captados nos projetos associados aos títulos, explicitando, se possível, que essa responsabilidade fiscal não se estende aos investidores; e
i) aperfeiçoar as restrições hoje existentes à colocação de títulos corporativos em geral com base na Instrução 400 da CVM, de modo a que a base de investidores domésticos pudesse ser a mais ampla possível.
As Medidas de Estímulo ao Mercado de Títulos Corporativos de Longo Prazo. O Debate de 2010. Ao longo de 2010, houve um intenso debate envolvendo representantes do governo, do mercado financeiro e do setor industrial sobre o mercado doméstico de títulos corporativos. O objetivo era buscar um diagnóstico comum e propor os aprimoramentos necessários ao marco regulatório e às regras de tributação para que o mercado de capitais se tornasse um instrumento mais ativo de financiamento do investimento privado.
Para tanto, foram constituídos grupos de trabalho, formados por representante das entidades diretamente envolvidas. Esses grupos produziram relatórios que deram origem a um rol de recomendações, muitas das quais foram adotadas no final daquele ano (3) .
Dois documentos, datados do final de 2010, reúnem as principais contribuições desses grupos. São eles, “Financiamento de Longo Prazo: Análise e Recomendações” (ITB/IEDI, 2010) e “Proposta para a Ampliação e o Alongamento de Prazos no Mercado de Renda Fixa Privada no Brasil” (ANBIMA, 2011). Ambos partem de um diagnóstico comum de que o atual padrão de financiamento de longo prazo da economia brasileira, baseado em recursos fiscais ou parafiscais, seria insuficiente para atender às necessidades decorrentes dos investimentos programados para a próxima década (4).
Essa convicção partia de duas premissas básicas. A primeira era a necessidade de se acelerar a expansão dos investimentos para sustentar uma taxa de crescimento do PIB da ordem de 5% ao ano, sem que fossem gerados estrangulamentos de oferta ou pressões inflacionárias significativas. Para tanto, afirmava-se que seria necessário que a taxa de investimento avançasse para um patamar mínimo de 23% do PIB, ou seja, uma expansão de cerca de quatro pontos percentuais se comparada à situação observada à época. Esta meta, por sua vez, era vista como factível em um horizonte de 3 a 5 anos. Assim, a despeito da crise internacional e de seus efeitos negativos sobre as expectativas dos agentes econômicos domésticos, as projeções ao final de 2009 indicavam que o Investimento poderia crescer nos anos subsequentes a taxas superiores às dos demais componentes da demanda agregada, resultando em uma desejável expansão do PIB potencial.
Estudos realizados pelo BNDES (5), com base no mapeamento dos projetos anunciados em nove complexos industriais e nos segmento de infraestrutura, indicavam que entre 2011 e 2014, estes investimentos poderiam gerar uma demanda de recursos de longo prazo em montante superior a R$ 600 bilhões.
A segunda premissa a nortear os debates estava relacionada aos limites e às possibilidades das quatro principais fontes de financiamento das empresas brasileiras de suprir estes recursos adicionais. Como foi mostrado no Capítulo 2 desse trabalho, pouco menos da metade dos investimentos realizados pelas empresas no Brasil são financiados com capitais próprios - em geral oriundos de lucros não distribuídos. Em seguida, com cerca de um terço do total, aparecem as operações de crédito bancário direcionadas, segmento em que o provedor é quase que exclusivamente o BNDES. Captações externas e o mercado de capitais completam este cardápio, cabendo a este último um percentual ligeiramente superior a 10% dos recursos utilizados pelas empresas para financiarem seus projetos de maior prazo de maturação (6).
A partir desse quadro, admitiu-se que o autofinanciamento continuaria a responder por quase metade dos recursos utilizados pelas empresas para investimentos e que o mercado de crédito externo sofreria um encolhimento na liquidez nos próximos anos e permaneceria mais restrito aos grandes tomadores. Com isso, restaria ao crédito bancário e ao mercado de capitais a função de gerar os recursos adicionais de longo prazo necessários à realização dos investimentos, em volumes significativamente superiores aos historicamente ofertados nestes dois segmentos.
As perspectivas no tocante ao comportamento do crédito bancário de longo prazo eram, por sua vez, de que, embora tivesse sido fundamental a ação anticíclica dos bancos públicos ao ampliarem a oferta de crédito no período de enxugamento da liquidez, a continuidade desse esforço não se mostraria sustentável no longo prazo. Haveria fortes limitações decorrentes das magnitudes envolvidas, tanto por causa da regulação prudencial, quanto das dificuldades em se mobilizar os canais tradicionais de captação dessas instituições ou mesmo por meio da realização de novas operações capitalização do Tesouro Nacional, como vinha ocorrendo no caso do BNDES (7) (8). Assim, a hipótese dominante ao final de 2009 era de que apenas uma parte do acréscimo na demanda por recursos de longo prazo poderia ser atendida pela expansão das carteiras de crédito das instituições financeiras públicas. Esta visão também era compartilhada por atores públicos e foi manifestada por agentes de governo, como o Ministro da Fazenda e o Presidente do BNDES.
Por fim, no que se refere ao mercado de capitais, o diagnóstico apontava que seu desenvolvimento recente tinha se dado de forma bastante desigual entre o segmento de dívida e o de ações. O dinamismo apresentado pelas bolsas de valores não foi, nem de perto, acompanhado pelo segmento de títulos corporativos (9). Assim, atuar sobre os fatores que haviam gerado esse “atraso relativo” constituiria uma oportunidade importante para se reduzir a pressão sobre o financiamento público do crédito de longo prazo.
O debate sobre questões relacionadas à baixa profundidade do mercado de títulos privados de renda fixa não era algo novo para os participantes dos grupos de trabalho formados em 2010. Ao contrário, ao longo das últimas duas décadas houve vários estudos que procuraram investigar as causas este fenômeno e propuseram algumas iniciativas que, apesar de implementadas não produziram o resultado esperado (10). Dessa forma, quando representantes do Governo e dos setores financeiro e industrial se reuniram para debater o tema, o que se observou foi uma forte convergência de opiniões no tocante às causas do problema, bem como em relação à melhor forma de mitigá-lo.
O diagnóstico apontava que o menor desenvolvimento do mercado de títulos corporativos era, em boa medida, produto das elevadas taxas de juros praticadas no País, aliadas à grande atratividade dos títulos públicos, decorrente de sua elevada liquidez e indexação á taxa básica do Banco Central. Desse ponto de vista, a queda continuada da SELIC abriria caminho para um deslocamento da riqueza financeira, tanto interna quanto externa, para os ativos privados.
Nesse cenário, identificava-se que os investidores nacionais imporiam inicialmente alguma resistência a adquirir títulos de prazos mais longos. Essa dificuldade poderia ser, no entanto, mitigada pelos investidores externos, a exemplo do que havia ocorrido no caso da dívida pública, quando os estrangeiros demonstraram um maior apetite pelos títulos públicos de maior prazo em moeda local.
Nesse contexto, se fazia necessário uma agenda de medidas que enfrentasse quatro tipos de obstáculos diferentes:
- a elevada concentração do mercado primário;
- a escassa liquidez do mercado secundário;
- a reduzida transparência no processo de formação de preços; e
- a elevada preferência dos investidores por títulos indexados à taxa de juros de um dia.
As Medidas Adotadas. Ao final de 2010, o Governo editou um conjunto de medidas destinadas a estimular as emissões de títulos privados corporativos de longo prazo em moeda local (11). O intuito era atrair investidores nacionais e estrangeiros para essas operações e, com isso, suprir parcela da demanda das empresas por recursos para o financiamento de seus projetos de investimentos.
Na prática, as medidas visavam alargar e aumentar a profundidade dos mercados primário e secundário de títulos e valores mobiliários emitidos por pessoas jurídicas não financeiras. Em outras palavras, as propostas buscavam essencialmente ampliar a base de investidores atuando na oferta primária e no giro do mercado secundário.
Assim, a Lei 12.431/11 (12) introduziu em seus artigos 1º, 2º e 3º incentivos fiscais para investidores que viessem a adquirir títulos corporativos. A concessão desse benefício fiscal requeria, no entanto, que os recursos captados por meio de títulos ou valores mobiliários fossem alocados exclusivamente em projetos de investimento, inclusive os voltados à pesquisa, desenvolvimento e inovação.
Essa mesma lei, em seus artigos 5º e 6º, eliminou entraves legais e tributários que afetavam o mercado secundário de debêntures, tais como o problema da bitributação dos rendimentos periódicos ou ainda algumas restrições previstas na Lei 6.404/76. Assim, ainda que não tivesse contemplado a íntegra da agenda debatida em 2010, a edição da Lei nº 12.431 foi bem recebida pelo setor privado.
Dentre todas as iniciativas anunciadas pelo Governo ao final de 2010, certamente a de maior impacto foi a concessão da isenção de imposto de renda para não residentes nos rendimentos – juros e ganhos de capital - produzidos por títulos corporativos vinculados a projetos de investimento, desde que adquiridos a partir de janeiro de 2011. Eliminava-se, assim, um tratamento assimétrico em relação aos títulos públicos que já durava seis anos. Passaram a ser objeto do benefício para os não residentes todos os tipos de títulos e valores mobiliários desde que os documentos que acompanhem sua oferta pública identifiquem claramente o projeto de investimento que foi – ou irá ser - financiado no todo ou em parte com os recursos captados. A isenção se aplica à compra direta ou por meio de aplicação em fundos de investimento exclusivos para não residentes que tenham no mínimo 98% da carteira em títulos privados corporativos que atendam às exigências elencadas acima.
A mesma isenção de imposto de renda também foi estendida a investidores nacionais, mas o rol dos instrumentos passíveis desse benefício foi muito mais limitado. A lei beneficia apenas as debêntures emitidas por Sociedades de Propósito Específicas (SPE) que tenham por objetivo levar a cabo projetos considerados prioritários pelos ministérios setoriais. Para as Pessoas Físicas, a alíquota passou a ser zero e no caso das Pessoas Jurídicas de 15%. O benefício para os investidores residentes vale para os papéis emitidos entre janeiro de 2011 e dezembro de 2015. Os cotistas de fundos que tenham no mínimo 85% da carteira aplicados nestes ativos também fazem jus à isenção.
Além dessas condições, as emissões devem também:
- ter prazo médio superior a quatro anos, calculado conforme a Resolução nº 3.947 do Conselho Monetário Nacional;
- ser remuneradas por taxa prefixada ou vinculada a índice de preço ou à TR – Taxa de Juros Referencial;
- prever o prazo mínimo de 180 dias para pagamento de cupom;
- ser distribuídas através dos mecanismos de oferta pública regulamentados pela CVM, inclusive a Instrução nº 476 , que normatiza as ofertas “com Esforços Restritos” (13);
- prever em seus documentos formais de constituição a vedação à recompra nos dois primeiros anos de vigência do papel e à existência de compromisso de revenda pelo comprador; e
- ser registradas e negociadas em mercados regulamentados de valores mobiliários
A definição do modo como se daria aprovação de projetos para fins da isenção do imposto de renda para investidores residentes só foi feita em novembro de 2011, por meio do Decreto nº 7.603. Foram, então, definidos os setores da infraestrutura cujos projetos poderão contar com recursos incentivados, sendo delegada aos respectivos ministérios setoriais a responsabilidade por avaliar a elegibilidade de cada projeto ao benefício fiscal. As Portarias dos Ministérios referentes ao rito de aprovações de projetos começaram a ser editadas a partir de 30 de janeiro de 2012 (14).
Além das medidas relacionadas aos incentivos às emissões de dívidas corporativas de longo prazo para investimentos, a Lei 12.431 também eliminou alguns dos obstáculos existentes ao desenvolvimento do mercado secundário de títulos de dívida. O artigo 5º acabou com uma grave distorção existente na legislação do Imposto Renda incidente no pagamento de cupons. Até então, se o investidor adquirisse no mercado secundário um título que pagasse rendimentos periódicos seria penalizado pela bitributação do rendimento, já que o imposto era recolhido pro rata tempore no momento em que o papel trocava de proprietário e novamente, pelo seu valor integral, na data do pagamento do cupom, em geral realizado semestralmente pelo emissor.
Já o artigo 6º trouxe alguns aperfeiçoamentos importantes nas regras de emissão e recompra das debêntures originalmente previstas na Lei 6404, conhecida como Lei da S.A. As principais mudanças foram:
- permitir ao emissor recomprar seus papéis a preços superiores ao valor nominal;
- facultar à assembleia geral aprovar emissões com valores e números de série em aberto, o que permite às empresas maior agilidade no caso da abertura de janelas de oportunidade;
- estabelecer a competência do conselho de administração para a deliberação sobre a emissão de debêntures não conversíveis e de debêntures conversíveis, desde que, neste último caso, as condições estejam previstas pelo estatuto da companhia; e
- autorizar que um mesmo agente fiduciário preste o serviço para diferentes emissões de uma mesma companhia e de empresas ligadas ao mesmo conglomerado.
Finalmente, a Lei 12.431 criou também, através do artigo 4º, os Fundos de Investimento em Participações em Infraestrutura (FIP-IE) e em Produção Econômica Intensiva em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovações (FIP-PD&I). Tais Fundos deverão aplicar no mínimo 90% de seus patrimônios em ativos – dívidas ou ações - emitidos por sociedades de propósito específicas que sejam vinculadas a projetos de infraestrutura ou de produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação.
Além da publicação da Lei, o Governo editou outras regras específicas para tratar de questões pontuais, direta ou indiretamente relacionadas ao objetivo de ampliar a oferta de recursos de longo prazo para o financiamento dos investimentos. Esse é o caso do Decreto nº 7487/11, que atendeu a uma demanda antiga do mercado financeiro pela eliminação do IOF de curto prazo incidente sobre a negociação de ativos com prazos inferiores a 30 dias. Esse imposto funcionava como inibidor para a liquidez na medida em que eliminava a possibilidade de ganhos de arbitragem em operações de compra e venda de curto prazo. Posteriormente, o Governo alterou a norma para deixar claro que o imposto só havia sido zerado para operações envolvendo títulos privados com características de longo prazo, como debêntures, letras financeiras, CRI e para os seguintes ativos do agronegócio, CDCA, CRA e LCA. Os Certificados de Depósito Bancário (CDB) não foram contemplados pela medida.
Ainda no bojo das medidas de estímulo ao mercado de títulos corporativos – e conforme solicitação dos agentes privados – o governo criou algumas vantagens específicas para os títulos de longo prazo emitidos pelos bancos, as Letras Financeiras (LF). O título foi criado em janeiro de 2010 com o objetivo de fornecer às instituições financeiras um instrumento de captação de mais longo prazo, que não assegurasse ao investidor a possibilidade de liquidez diária, como ocorre com os CDB. Dessa forma, foram regulamentadas com um prazo mínimo de emissão de dois anos, não podendo conter qualquer cláusula que provoque a antecipação de seu resgate antes deste prazo.
Ao final de 2010, o governo adotou duas medidas importantes para alargar o mercado de LF. A Instrução 488 da Comissão de Valores Imobiliários (CVM) estabeleceu as regras para a emissão pública desses papéis. Simultaneamente, o Banco Central eliminou o depósito compulsório então incidente sobre o título, criando assim uma vantagem relevante sobre os instrumentos de captação de curto prazo dos bancos como o CDB (15).
O Impacto das Medidas. O ano 2011 se encerrou sem que tenha ocorrido uma única emissão no âmbito do novo marco regulatório e fiscal da Lei 12.431 (16). Esse cenário difere do que ocorreu no mercado bancário. As LF tiveram um crescimento exponencial. Os motivos que levam a essa diferença no ritmo de emissões dos títulos das empresas e dos bancos foram de múltipla natureza.
No que se refere aos investidores domésticos, os incentivos criados pela legislação, além de sujeitos a algumas limitações, não puderam, na prática, ser utilizados pelo fato de a normatização do processo de aprovação de projetos pelo governo só ter sido concluída no início de 2012. A escolha dos ministérios setoriais como porta de entrada para aprovação de projetos a serem beneficiados pela isenção do imposto de renda seguiu um caminho semelhante ao que já vinha sendo utilizado pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo. Entretanto, a opção por esse encaminhamento cria entraves e riscos ainda difíceis de serem avaliados.
O atraso e as dificuldades enfrentadas pelo governo na normatização dessas medidas criaram, no entanto, um efeito colateral negativo. Afetaram também as emissões para estrangeiros, apesar de o incentivo da redução do imposto de renda para esses investidores não requerer a aprovação prévia de projetos da parte do setor público. A maior parte dos emissores potenciais, inclusive de grande porte financeiro, que foram entrevistados pela pesquisa, não sabia que havia diferenças profundas entre as duas modalidades de incentivos. A necessidade de aprovação formal de projetos por parte do governo foi, muitas vezes, entendida como um requerimento geral. A regulação desse procedimento tardou muito (17), o que piorou a situação.
Essa confusão entre os emissores se associou, em muitos casos, a outra preocupação, mais presente nos bancos, quanto à responsabilidade fiscal por essas operações (18), em particular quando envolvesse capital estrangeiro. Nas conversas com as instituições financeiras, essa questão foi muito presente, principalmente, pela eventualidade de o órgão fiscalizador – no caso a Secretaria da Receita Federal – poder vir a punir investidores no caso de descumprimento da promessa de uso dos recursos captados. O temor das instituições que prestam serviços de custódia aos estrangeiros é o de que nessa hipótese venham a ser responsabilizadas por esse não recolhimento do imposto.
No caso das debêntures que podem beneficiar os investidores residentes a lei já prevê uma multa de 20% do valor da emissão para as empresas que não aplicarem os recursos captados nos projetos associados à debênture (19). Entretanto, a legislação é omissa no que se refere aos instrumentos que forem exclusivamente direcionados para estrangeiros. Esse tratamento diferenciado na própria lei alimenta ainda mais as dúvidas sobre um tratamento diferenciado por parte da autoridade fiscal. O desejável seria explicitar a exclusiva responsabilidade por parte do emissor, em qualquer caso.
Os investidores nacionais só passaram a mostrar algum interesse mais específico por esses novos instrumentos ao final de 2011, após a publicação das normas que repassam aos ministérios a responsabilidade pela aprovação de projetos. Houve notícias de bancos captando fundos de 10, 20 e 30 anos de duração para aplicar nas “debêntures de infraestrutura”.
Entretanto, na prática, trata-se de um instrumento novo, ainda não testado pelo mercado, e que terá que competir com substitutivos próximos já consagrados – os títulos públicos, no caso dos investidores estrangeiros e os títulos de cessão de crédito agrícola e imobiliário, no caso dos nacionais. Como se pode perceber nos quadros que estão no Anexo III há uma miríade de regras de tributação favorecendo vários tipos de emissores e instrumentos de investimento, alguns deles já com alguma história acumulada que os torna, ao menos conjunturalmente, mais atrativos aos olhos dos potenciais investidores domésticos. É por esse motivo que títulos como os CRI, LCI e LCA vêm ganhando espaço na carteira das pessoas físicas, sobretudo no segmento de private banking.
Os investidores estrangeiros, por sua vez, também não se mostraram ainda atraídos pelos novos incentivos aos títulos privados de longo prazo. Apesar de sua cesta de instrumentos beneficiados ser muito ampla – quaisquer título ou valor mobiliário associado a investimento – e não estarem sujeitas a aprovação prévia por parte do governo, não houve registro até o final de 2011 de operações realizadas nos moldes da Lei 12.431.
Esse desinteresse se deve, de um lado, à frustração, particularmente dos fundos de dívida em países emergentes, das expectativas geradas quando as medidas foram lançadas em 2010. A recepção inicial foi boa, mas a manutenção até o final de 2011 da incidência do IOF de 6% sobre o ingresso de recursos estrangeiros para a aplicação em títulos privados tornou a isenção do Imposto de Renda um benefício inócuo. Na prática, o IOF constituía uma barreira demasiadamente elevada ao exigir um prazo mais elevado de permanência no ativo ou um spread maior na operação, em ambos os casos como forma de se diluir o custo do imposto.
Reconhecendo que se tratava de um obstáculo relevante, o Governo eliminou essa incidência do IOF no início de dezembro de 2011, através do Decreto 7.632. Essa medida fez retomar o interesse dos capitais estrangeiros pelos títulos privados incentivados. Vários dos interlocutores financeiros manifestaram que, a partir da retirada do IOF, fundos importantes do exterior haviam voltado a demonstrar interesse pelo tema.
Os bancos, por sua vez, adotaram uma postura de cautela e ficaram aguardando o governo completar as medidas tomadas. Uma vez que o interesse dos investidores externos estava bloqueado pelo IOF e dos locais pela falta de regulamentação, a melhor estratégia, no entendimento desses agentes, era esperar o desenrolar dos fatos.
Técnicos do governo envolvidos no processo revelaram frustração com a total ausência de emissões privadas nos moldes da Lei 12.431, apesar dos sinais positivos que haviam sido emitidos por diferentes agentes do mercado ao longo de 2010. Havia uma consciência clara da impossibilidade de serem lançadas “debêntures de infraestrutura”, voltadas para investidores domésticos, pelo fato de que as normas de elegibilidade de projetos ainda não terem sido totalmente editadas. Entretanto, o mesmo não acontecia com os “títulos de investimento” para estrangeiros. Na percepção dos atores de governo, a demanda das instituições financeiras por maior “segurança jurídica” era desnecessária e criava dificuldades adicionais para as instituições públicas ou privadas que viessem a assumir a responsabilidade pelo atendimento da legislação. O entrave do IOF foi, no entanto, reconhecido apesar de provavelmente ter sido, inicialmente, subestimado.
Existem ainda dois atores importantes para o desenvolvimento do mercado de títulos corporativos de longo prazo que, na prática, se mantiveram distantes dos debates de 2010, mas que podem vir a ter um papel importante no futuro. Um deles são os fundos de pensão. Em outros países, particularmente na América Latina, esses fundos têm um papel importante na demanda de títulos privados. No Brasil, esse comportamento ainda não é muito visível.
Esses fundos têm se mantido relativamente à margem do mercado corporativo por dois motivos mais importantes. De um lado, as elevadas taxas praticadas pela dívida pública lhes garantia o atendimento de forma tranquila da meta atuarial com baixo risco. De outro, a baixa liquidez e a falta de transparência nas transações no mercado secundário de dívida privada leva a preocupações da parte de gestores e de reguladores. A elevada demanda dos fundos de pensão pelas Letras Financeiras dos bancos em 2011 é um sinal de que a “situação de conforto” vivida nos últimos anos pode não estar mais garantida no futuro próximo. Não se deve, no entanto, esperar mudanças relevantes nesse comportamento em prazo curto.
Outro grupo importante de atores que não participaram diretamente do debate foram os assets independentes. As entrevistas com interlocutores desse segmento identificaram, de uma forma geral, um grande desconhecimento das medidas que vem sendo adotadas pelo governo de estímulo ás emissões de títulos corporativos de longo prazo.
Em compensação, essas instituições demonstraram um grande interesse pelo tema. Esses atores, pelo porte de suas operações, teriam dificuldade para gerar carteiras próprias para distribuir a investidores potenciais. Entretanto, foram claros em apontar o grande interesse de seus clientes, particularmente no exterior, em adquirir ativos brasileiros dessa natureza. Para tanto, seria importante que o mercado avançasse em termos de porte e de fluxo de emissões, permitindo-lhes estabelecer estratégias de distribuição.
Uma última questão a ser mencionada é a baixíssima liquidez do mercado secundário de títulos corporativos. A inexistência de uma porta de saída certamente desestimula o ingresso do investidor neste segmento ou resulta em prêmios de liquidez mais elevados que compensem a perspectiva do carregamento do papel por prazos longos.
Quando em 2006, o investidor estrangeiro começou a adquirir títulos públicos federais, estimulado pela isenção do imposto de renda nos rendimentos desses ativos, encontrou um segmento bem mais maduro, tanto pela existência de um grande estoque de papéis, quanto pela liquidez e pelo número de participantes do mercado secundário. Assim, é com bons olhos que os agentes enxergam algumas ideias que estão na pauta de debates, como a criação de fundos de liquidez, aumento da transparência pré e pós-negócios, desenvolvimento de um mercado de “short selling”, além de outras iniciativas que sejam capazes de dar densidade ao segmento.
Entretanto, boa parte dos interlocutores apontou que a ausência de um mercado secundário ativo não é um impedimento ao avanço do mercado no curto prazo. Investidores estrangeiros e até mesmo nacionais estariam dispostos a adquirir títulos de longo prazo de empresas brasileiras desde que apresentassem uma relação risco-retorno atraente. Na prática, há uma demanda crescente por títulos privados e a expansão que já vem sendo registrada nessa área mostra que está havendo uma competição feroz por papéis de boa qualidade.
Propostas para o Desenvolvimento do Mercado de Títulos Corporativos de Longo Prazo. O Brasil ainda dispõe de um mercado incipiente de títulos corporativos de longo prazo. Esse fato é visível qualquer que seja o indicador utilizado. Frente à experiência internacional, o tamanho e a profundidade apresentados pelo Brasil estão muito aquém dos existentes em países desenvolvidos, mas também de asiáticos em desenvolvimento e mesmo de latino-americanos, como México e Colômbia, para não citar o Chile.
O mesmo se repete quando se observa o mercado financeiro doméstico. Enquanto o crédito bancário, as bolsas de valores e os títulos de cessão de crédito atravessaram um boom de crescimento e de inovação nos últimos anos, o mercado de títulos corporativos teve um crescimento e um desenvolvimento mais restrito.
O principal determinante desse “atraso relativo” da dívida corporativa tem sido a manutenção de taxas elevadas de juros, nominais e reais, por um período demasiadamente longo. Isso, por um lado, inibiu o lançamento de títulos por parte dos melhores emissores e, por outro, concentrou a demanda em papéis públicos que, ademais do retorno, conferem elevada liquidez e segurança.
Outra característica do mercado financeiro é de ainda se comportar como se estivesse convivendo com uma “ameaça” de, a qualquer momento, o Banco Central se ver obrigado a aumentar abruptamente sua taxa básica, a níveis extraordinariamente elevados. Essa expectativa faz com que os níveis de liquidez e de indexação à taxa DI ainda sejam muito altos. O desenvolvimento de um mercado de dívida corporativa de longo prazo se insere assim em um contexto maior de consolidação da estabilidade financeira.
Além desses condicionantes, havia ainda um conjunto de fatores regulatórios e tributários que limitaram bastante a atratividade das operações com títulos privados. Como descrito anteriormente, a grande maioria desses entraves foi removida com as medidas adotadas entre 2010 e 2011. Essas inovações não foram, no entanto, suficientes para, isoladamente, permitir uma mudança nos rumos desse mercado. A única exceção foram as Letras Financeiras emitidas pelos bancos.
A despeito desse quadro, as informações colhidas nas entrevistas levaram à identificação de um momento novo no mercado de capitais brasileiro. A perspectiva de uma queda sustentada das taxas de juros está levando a uma mudança – lenta, mas firme - nas carteiras dos investidores. Há uma “fuga para a rentabilidade” que se traduz em maior demanda por títulos que possam sustentar um yield mais elevado por prazos mais longos, mesmo que ao custo de maior risco e iliquidez frente aos papéis públicos ou de bancos. Essa demanda não vem encontrando, nesse momento, uma oferta na dimensão adequada. O mercado vem enfrentando, assim, uma situação particular de sobredemanda por títulos privados de longo prazo, de bom risco de crédito. Nas entrevistas, vários estruturadores afirmaram que, nos lançamentos de títulos privados ocorridos nos últimos meses de 2011, a demanda havia sido, em geral, duas vezes superior ao volume ofertado. Essa trajetória tende a se sustentar na medida em que não haja nenhum fator que atue no sentido de frustrar a esperada queda da taxa de juros.
Do mesmo modo, os interlocutores de mercado mostraram que, agora que a taxação do IOF havia sido removida, há uma retomada do interesse dos investidores externos por títulos corporativos brasileiros. A demanda desse segmento talvez requeira um prazo mais dilatado para se efetivar, mas seu potencial é sem dúvida maior que a dos investidores domésticos. O aumento do interesse de investidores estrangeiros e domésticos constitui uma oportunidade ímpar para se promover o crescimento do mercado de títulos corporativos de longo prazo.
A efetivação desse potencial requer, no entanto, que vários entraves ainda venham a ser vencidos. No curto prazo, o principal deles é a assimetria de informação entre os diferentes atores. Essa assimetria se materializa no desconhecimento por parte das grandes empresas das vantagens criadas pela Lei 12.431. Do mesmo modo, existe a resistência dos bancos em estruturar e distribuir esses títulos, por causa de um possível questionamento por parte da Receita Federal quanto ao direcionamento dos recursos que vierem a ser captados. Há ainda a pouca difusão de informações sobre as novas medidas junto a investidores, tanto nacionais como, e principalmente, estrangeiros. Esses últimos tendem ter uma visão ainda mais distante do que acontece no País, principalmente quando se trata de inovações regulatórias como as que foram recentemente introduzidas.
Diante desse quadro, sugerimos que o governo mude a ênfase de sua atuação. Até o momento, seus esforços se concentraram corretamente em criar um arcabouço fiscal e regulatório que incentive o lançamento de títulos privados de longo prazo voltados para investimento. Como não se trata de medidas de estímulo ao “desenvolvimento do mercado de capitais em geral” – ou seja, de vantagens fiscais para quaisquer títulos de dívida privada de longo prazo – é natural que as especificidades da nova legislação tornem mais difícil o entendimento dos requisitos associados às emissões.
Uma vez que os incentivos governamentais já estão estabelecidos em seus contornos mais importantes, o próximo passo do governo deveria ser centrar esforços no sentido de se quebrar a inércia do mercado e de se reduzir a enorme assimetria de informação existente. Para tanto, estamos propondo um Programa de Emissões de Títulos Corporativos Incentivados (PETCI), que coordene a atuação de investidores, bancos e emissores.
Esse Programa deveria ter como meta atingir o lançamento de R$ 50 bilhões em “títulos de investimento” (20) ou de “debêntures de infraestrutura” (21) até o final de 2014, ou seja, até o último ano da administração da Presidenta Dilma Roussef. Para tanto, seu desenvolvimento deveria ser feito em duas etapas. Na primeira, que duraria em torno de 18 meses, o Programa focaria o “nascimento” do mercado. A meta a ser alcançada seria de R$ 10 bilhões de emissões de títulos incentivados. Esse prazo deve-se à dificuldade natural do mercado em conhecer e absorver novidades tais como os novos títulos de dívida corporativa com incentivo fiscal.
Seria importante que essas emissões pudessem seguir um cronograma relativamente firme do qual participassem empresas de bom risco das áreas de infraestrutura e indústria. Uma forma de se acelerar essas emissões seria permitir uma ampliação dos financiamentos fornecidos pelos bancos estatais desde que os créditos adicionais se dessem na forma de títulos que atendam os requerimentos da Lei 12.431. As instituições públicas poderiam, por exemplo, dar garantia firme para uma parcela substantiva desses lançamentos, que só seria exercida caso as emissões não fossem totalmente distribuídas aos investidores.
Os “títulos de investimento” que fossem adquiridos pelas instituições financeiras ao longo da vigência do Programa poderiam fazer jus a uma vantagem fiscal – redução do imposto de renda para 15%. Mecanismo semelhante, já existe para as “debêntures de infraestrutura”, títulos que beneficiam também os investidores nacionais. Na prática, essa medida representaria a extensão desse benefício aos “títulos de investimento” pelo prazo de duração do Programa. Com isso, haveria um incentivo financeiro para a securitização desses créditos na origem, compensando as empresas pelo custo maior frente ao uso de contratos de financiamento com os bancos.
Os títulos que fossem comprados pelas instituições financeiras públicas deveriam ser financiados, por captações junto ao mercado, através dos instrumentos que já dispõem, como as Letras Financeiras. Tendo em vista as características desses papéis, não haveria necessidade de que os créditos adicionais viessem a disputar recursos fiscais e parafiscais escassos.
Ao mesmo tempo, essas carteiras dos bancos públicos deveriam ser objeto de leilões periódicos, através de plataformas eletrônicas, permitindo que os investidores nacionais e estrangeiros pudessem adquirir esses títulos, a qualquer tempo. Esse mecanismo daria segurança para que administradores de carteiras pudessem estabelecer estratégias de vendas a seus clientes, particularmente no exterior, sem ficar na dependência do mercado primário.
As emissões que viessem a fazer parte do Programa deveriam seguir os parâmetros mínimos estabelecidos na legislação para os investidores estrangeiros, aliando-se, no possível, à padronização já existente e à observância dos vértices praticados pelo Tesouro Nacional para sua dívida pública.
Com relação à liquidez dos papéis com benefício de imposto de renda, a medida mais importante seria estender a isenção do Imposto de Renda a fundos destinados a investidores estrangeiros cujas carteiras venham a ser formadas por ativos que tenham o mesmo incentivo em qualquer proporção. Atualmente, há um requerimento legal de que esses fundos, para serem isentos, tenham um percentual muito elevado de títulos públicos ou, alternativamente, de papéis privados.
No tocante às “debêntures de infraestrutura”, que proporcionam isenção de imposto de renda para as pessoas físicas residentes no País (22), há que se ter em mente que o acesso a esse investidor (23) enfrenta outro tipo de realidade competitiva. Existem papéis lastreados em recebíveis imobiliários e agrícolas que oferecem o mesmo benefício e que não estão sujeitos às mesmas restrições, ou seja, podem dispor de prazos menores, indexação ao DI ou serem emitidos por bancos.
Além disso, a Lei, da forma como foi elaborada, limita muito o valor dos projetos que podem ser beneficiados, por causa das obrigações do uso da debênture de emissão pública como único instrumento. Esse mecanismo restringe demasiadamente a possibilidade de projetos de menor porte, como os de pequenas centrais hidrelétricas ou de ciência e tecnologia fazerem jus ao benefício.
Assim, o PETCI deveria estimular as emissões de “debêntures de infraestrutura”, mas ter claro que, no curto prazo, persistirão grandes dificuldades para se conseguir viabilizá-las de forma não pontual. Para enfrentar esse entrave, sugere-se a introdução de duas adaptações às normas já existentes.
A primeira seria que se pudessem constituir fundos para pessoas físicas residentes com no mínimo 85% de ativos isentos de imposto de renda desde que, no mínimo, 30 pontos percentuais desse limite fossem formados por “debêntures de infraestrutura”. Esse mecanismo poderia aumentar a demanda por esses papéis no curto prazo, permitindo, adicionalmente, que os investidores pudessem administrar melhor o risco de suas carteiras.
A segunda proposta refere-se ao tratamento que deveria ser dispensado aos projetos de menor porte, particularmente relacionados a Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) – cujo investimento total fosse, por exemplo, inferior a R$ 100 milhões. Nesses casos, as sociedades de propósito específico poderiam tomar recursos de longo prazo junto a instituições financeiras que, por sua vez, seriam autorizadas a emitir Letras de Crédito de Investimentos Incentivados, lastreadas nesses créditos, com as vantagens de isenção de imposto de renda previstos na Lei 12.431.
Finalmente, com o objetivo de promover um maior dinamismo ao desenvolvimento do mercado, sugere-se que o BNDES estabeleça um programa de parceria com fundos de investimento privados, voltados para a gestão de ativos de crédito de longo prazo, que atendam aos preceitos da Lei 12.431. Tradicionalmente, o Banco limita sua participação em fundos a 20% do total. Esse percentual poderia ser ampliado durante a fase inicial do programa para atrair investidores.
Em complementação a esse programa, existem duas medidas complementares que permitiriam acelerar o processo de originação de ativos. A primeira seria estender para os “títulos de investimento” a multa que já é prevista para as empresas emissoras de “debêntures de infraestrutura”, no caso de não aplicarem os recursos captados nos projetos associados aos títulos. Essa medida, se possível, deveria explicitar que essa responsabilidade fiscal não se estende aos investidores.
A segunda medida diz respeito às restrições hoje existentes à colocação de títulos corporativos em geral com base na Instrução 400 da CVM. Esse ponto transcende o universo de títulos objeto da Lei 12431 por que diz respeito aos custos elevados a que um emissor está sujeito caso queira atingir um público que não seja formado exclusivamente por investidores qualificados. Atualmente, os volumes emitidos através dessa instrução da CVM passaram a ser muito pequenos quando comparados aos realizados na forma de “esforços restritos”, com base na Instrução 476. Apesar de esse entrave não impedir o avanço do mercado de títulos corporativos haveria ganhos relevantes a longo prazo na medida em que a base de investidores domésticos pudesse ser mais ampla possível.
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Notas:
1) Títulos que atendam os requerimentos para isenção de imposto de renda apenas para estrangeiros
2) Debêntures que oferecem isenção de impostos de renda para investidores estrangeiros e, principalmente, nacionais.
3) O Instituto Talento divulgou dois importantes estudos sobre o funcionamento dos mercados de crédito e de debêntures no Brasil. Algumas das recomendações apontadas neste último documento foram atendidas na Medida Provisória 517, que regulamentou as mudanças anunciadas no final de 2010 (ver bibliografia ao final do trabalho).
4) Segundo o texto da Anbima (2010), “registramos sistematicamente um hiato de investimentos de 5% do PIB, ou mais, que precisa ser coberto para permitir a almejada aceleração não-inflacionária do crescimento. Projetando uma década à frente, isso equivale à necessidade de cerca de R$ 280 bilhões de investimentos, adicionais, ao ano, em valores de 2010”.
5) Ver BNDES (2011).
6) Ver seção 1.2 desse trabalho
7) O texto do ITB/IEDI dizia que “a grande evolução do investimento que vem ocorrendo na economia não deixa dúvida de que há séria limitação de fontes de recursos voluntários para financiar o desenvolvimento econômico. Certas condições para que uma maior parcela dos fundos financeiros acumulados no país seja destinada ao financiamento de longo prazo já estão sendo criadas”.
8) O texto da ANBIMA afirmava que “(...) o recurso a essa solução (de dependência de recursos públicos) torna-se progressivamente inviável e mesmo indesejável, pelo volume de recursos a serem intermediados e pela necessidade de o setor público focar em tantos outros problemas que também exigem a sua atenção”.
9) Apesar de avanços importantes, sobretudo no que ser refere à modernização das normas aplicáveis aos processos de oferta pública.
10) ANBIMA. (2006)
11) A relação dos normativos mencionados neste estudo está disposta no Anexo I.
12) Originalmente, Medida Provisória nº 517/10.
13) Esta instrução permite a distribuição de valores mobiliários com um nível de exigência informacional muito inferior ao previsto na Instrução 400. Por outro lado a distribuição tem de ficar restrita a no máximo 20 investidores.
14) Até 23/02/2012 haviam sido editadas as Portarias do Ministério dos Transportes, da Secretaria de Aviação Civil, do Ministério das Minas e Energia e da Secretaria dos Portos.
15) Ver evolução das emissões no Quadro 2.
16) Esse quadro não havia se alterado até 30 de abril de 2012.
17) Decreto 7.603, de 9/11/2011
18) Essa preocupação se estende tanto para os títulos para investidores estrangeiros quanto para o de residentes
19) Ver o parágrafo 5º do Artigo 2º da Lei 12431.
20) Títulos que atendam os requerimentos para isenção de imposto de renda apenas para estrangeiros
21) Debêntures que oferecem isenção de impostos de renda para investidores estrangeiros e, principalmente, nacionais.
22) Benefício também aplicável aos investidores estrangeiros.
23) Nesse grupo não se inclui os fundos de pensão.