Carta IEDI
Momento Econômico e Empresarial Brasileiro – Visões de Conselheiros do IEDI
A presente edição de Carta IEDI aborda diversos assuntos relacionados direta ou indiretamente à indústria brasileira ou à economia do país, vistos do ângulo dos Conselheiros do Instituto. É uma coleção de entrevistas de destacados empresários brasileiros que fazem parte do IEDI. As entrevistas foram organizadas por ordem cronológica e nelas os entrevistados apontam problemas gerais da economia brasileira, como câmbio valorizado, juros altos, infraestrutura deficiente e elevada carga tributária, como também temas específicos da indústria que necessita aumentar sua produtividade, melhorar a gestão e ter maior inserção externa.
Na primeira delas, Paulo Cunha, presidente do conselho de administração do Grupo Ultra e Ex-Presidente do IEDI, em entrevista concedida ao jornal O Estado de São Paulo, aponta que o Brasil passa por uma crise de liderança, o que faz com que o país fique paralisado e sem esperanças. Para ele, as condições a para retomada do crescimento econômico passam por uma política industrial adequada, desvalorização cambial e juros mais baixos. Aponta ainda que o país necessita “restaurar o seu capital cívico. O que é o capital cívico? É o sujeito se comportar honestamente porque é bom se comportar honestamente. Isso precisa ser expandido.”
A seguir, Frederico Curado, presidente da Embraer e Vice-Presidente do IEDI, em entrevista concedida à revista Forbes Brasil, aponta como a empresa brasileira pode ser capaz de utilizar o mercado externo para expandir suas atividades e se tornar uma companhia global. Segundo ele “Se você observar a GE, IBM e Volkswagen, verá que todas elas têm operações fora de seus países de origem, com uma parte significativa de sua receita advinda dos mercados internacionais”. Ele também destaca a importância do investimento em novos produtos para conquistar espaço no mercado.
Rubens Ometto, presidente do conselho de administração da Cosan e Conselheiro do IEDI, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, elogia a reaproximação do Brasil com os EUA e o benefício mútuo que pode advir das relações entre os dois países. Segundo ele “tem muita coisa que os Estados Unidos podem ajudar o Brasil em tecnologia, em energia. E muita coisa que o Brasil pode ajudar em matéria ambiental, de energia renovável, em alimentos.” Ele destaca a necessidade de o Brasil avançar em infraestrutura e crê que os investimentos estrangeiros necessários para isso serão alcançados.
Pedro Passos, cofundador e conselheiro da Natura, além de Ex-Presidente do IEDI, em entrevistas concedidas ao jornal O Estado de São Paulo e à revista Conjuntura Econômica, defende o ajuste fiscal, mas lamenta que este não seja acompanhado de mudanças “estruturantes”, que preparem o País para crescer. Ele destaca a importância da retomada da confiança como um dos temas mais relevantes na atualidade, ao lado da redução da carga tributária, produtividade, câmbio e maior inserção internacional.
Flávio Rocha, presidente da Riachuelo e Conselheiro do IEDI, em entrevistas concedidas aos jornais O Estado de São Paulo e Brasil Econômico, explica a importância da visão global nos negócios, no todo da atividade, ao contrário do foco em cada etapa separadamente. Para ele é fundamental para uma empresa dar sinergia a partes heterogêneas do processo, além de atuar ao longo de toda a pirâmide de distribuição de renda, e não focar em apenas um de seus extremos. Ele afirma que o Brasil possui um “ambiente de negócios hostil”, mas destaca que a formalização do trabalho que se verificou no país na última década contribuiu para o aumento da competitividade.
'Vejo um Brasil sem lideranças hoje', diz executivo do Grupo Ultra – Paulo Cunha – Presidente do conselho de administração do Grupo Ultra e Ex-Presidente do IEDI (Entrevista publicada pelo jornal O Estado de São Paulo em 10/08/2015). Um dos principais empresários do País, Paulo Guilherme Aguiar Cunha, presidente do conselho de administração do Grupo Ultra, diz que o Brasil vive uma de suas piores crises. "Eu já vi o País parado e assustado em muitas crises, mas nunca o vi tão sem esperança como vejo hoje." Para Cunha, a situação pela qual o País passa reflete uma ausência total de líderes. "Nas outras crises, a gente tinha lideranças, seja da oposição ou da situação."
Apesar da desaceleração econômica, Cunha diz que o Grupo Ultra não enfrenta dificuldades. Quarto maior grupo privado do País, o conglomerado atua em cinco importantes negócios - distribuição de combustíveis (dono da Ipiranga), gás de cozinha (Ultragaz), química (Oxiteno), varejo farmacêutico (Extrafarma) e logística (Ultracargo).
Na contramão de muitas indústrias, Cunha afirmou que o Ultra vai manter seus investimentos - em torno de R$ 1,4 bilhão este ano, o mesmo montante do ano passado - e está interessado em ativos da Petrobrás, como a Liquigás e a BR Distribuidora. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Como a crise tem afetado o grupo? O sr. fala que o Ultra está indo bem, apesar de tudo.
Bom, aí tem o problema do mercado, a demanda sempre se sustenta. A recessão está aí e vai piorar. Isso é uma parte. Não sabemos até onde vai parar. Tivemos a notícia de que nossa nota foi revista. Por quê? Porque o Brasil foi rebaixado, mas não tem nada a ver com o grupo. (Em julho, a agência Standard & Poor's manteve em BBB- a nota de crédito do Brasil, mas alterou a perspectiva para negativa. A agência também revisou notas de grandes empresas, entre elas a do Ultra, que se manteve em BBB, uma nota acima da do Brasil, mas com revisão para negativa).
Mas isso prejudicou o Ultra de alguma maneira? Em captações, por exemplo?
Não, ainda não. Para ser sincero, para nós, ainda não está difícil. Não estamos precisando de tanto dinheiro assim no momento. A empresa está em áreas consideradas resilientes e que não oscilam tanto.
Como o sr. vê o Brasil daqui para a frente? Os negócios do Ultra vão continuar firmes?
Os negócios do Ultra estão indo bem e vão continuar firmes. Aprendemos muito com as crises brasileiras ao longo do tempo. Escolhemos setores que não são tão afetados. O Brasil está muito mal. Está parado, está assustado. Já vi o Brasil parado, assustado em muitas crises, mas nunca vi o País tão sem esperança como hoje. A falta de esperança não é só para o setor empresarial, com a definição de investimentos. Tem a questão toda do País mesmo.
O sr. acredita, então, que essa situação é mais grave que as outras? Pela sua experiência, o Brasil vai encontrar uma solução?
O Brasil vai encontrar uma solução, mas não vai ser logo. E é pela ausência total de lideranças. Nas outras crises, tínhamos lideranças, seja da oposição ou da situação. Tinha mais gente pensando no Brasil. Hoje vejo pouca gente pensando no Brasil, e mais em Brasília. A equipe não tem liderança.
Como o sr. analisa o governo, a oposição, a presidente Dilma Rousseff e o PMDB?
No Brasil, em geral, nós temos uma visão errada da presidência da República. Atribuímos ao presidente uma capacidade enorme de fazer o bem. Mas, na realidade, ninguém tem capacidade nenhuma de fazer o bem sozinho. Tem de se articular, juntar pessoas, alas empresariais, o coração da sociedade, pessoas dentro do governo e do Congresso. Isso está completamente ausente. Não há nenhuma capacidade do governo de se articular. A qualquer instante uma palavra errada, uma mandioca aqui, uma imagem acolá... Uma menção errada pode causar um mal enorme ao País. Por outro lado, a própria oposição está descaracterizada. Inclusive o PSDB se "desafirmou". Para mim, acabou na votação do ajuste fiscal, meio perdido entre interesses imediatistas de Aécio Neves e de pedaços do PMDB. Não vejo dentro da oposição líderes pensando no Brasil.
Uma vitória de Aécio Neves ou Marina Silva na última eleição poderia ter mudado a rota de crescimento do Brasil?
Rota de crescimento do País para este ano, pode esquecer. Nenhum deles teria condição de fazer. O buraco que se armou durante o primeiro mandato (de Dilma Rousseff) para 2015 foi terrível. Temos déficit público. Temos um déficit enorme na balança de pagamentos. Estamos com um déficit de crescimento. Como vai recuperar isso? Não é brincadeira. Não vi nenhum projeto alternativo. O governo está muito contaminado, infiltrado, aparelhado. Precisa ser purificado, para retomar um ambiente de confiança. Um processo político precisa de crescimento da economia. E essa gente esquece que a economia ficou no ar. Economia é coisa de muita articulação. O Brasil não vai virar Argentina, nem Venezuela, claro que não. Há muitas forças vivas nesse País. Não estão ativadas ainda de maneira que possa retomar força e crescer.
Não tem ninguém do PT que possa ser liderança em 2018?
Não sei se tem alguém lá.
E do PSDB, tem alguém que possa?
No PSDB, não. Tem gente lá, mas fora do PSDB.
Fora do PSDB, quem seria?
O Serra (senador José Serra, atual PSDB), mas no PMDB. Porque dentro do PSDB, não tem chance.
Temos uma combinação de crise econômica e política muito forte, crise de credibilidade, a Lava Jato (que investiga corrupção na Petrobrás). O que o sr. acha que vai acontecer com o Brasil nos próximos anos?
Difícil ter essa resposta. Realmente, não se sabe o que vai acontecer por certo. Recessão vai se aprofundar, as pessoas vão ficar mais irritadas do que elas já estão, mais desesperançadas do que já estão. E, portanto, o governo vai segurar mais as contas públicas. Isso é um dado. Como se sai disso? Volto ao ponto inicial. Precisa de uma nova liderança, mas vai tomar tempo. Não dá para pensar em tirar ela de lá. Ia ser uma aventura.
O sr. é a favor ou contra um impeachment?
Sou contra. Para ser sincero, não vejo um impeachment nesse momento porque acho que seria uma guerra e iria cindir o País ao meio. Ia ser diferente do Collor (ex-presidente Fernando Collor). Ele era unanimidade, não tinha raiz em lugar nenhum. O PT está muito enraizado. A Dilma tem ainda muita herança de Lula (ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva). O Lula ainda está presente. Se você tirar Dilma ou Lula, seria a mesma coisa. Então acho que não tem essa coisa de impeachment.
A Lava Jato trouxe uma crise de credibilidade para política e para boa parte do mundo empresarial. O que o sr. acha que deveria ser feito para se resolver esse problema ou pelo menos atenuar a questão da corrupção?
Hoje, o Brasil tem de restaurar o seu capital cívico. O que é o capital cívico? É o sujeito se comportar honestamente porque é bom se comportar honestamente. Isso precisa ser expandido. O núcleo disso existe, mas não é geral no País. É o tipo de potencial que existe a partir da Operação Lava Jato. Mas essas coisas não acontecem no vácuo. É preciso que uma nova liderança pegue essa bandeira, explique e decodifique isso, e articule um discurso novo. É que o Lula se apropriou da história do Brasil. Enquanto estava no governo, ele divulgava dados a seu bel-prazer, ninguém conhecia essa história direito, e essa história virou verdade na presença de todos os meios de comunicação o tempo todo. Ninguém contou a história certa.
O que seria a história certa? O que teria de mudar na narrativa?
Precisa tirar o protagonismo que se dá ao PT. Isso precisa ser profundamente modificado. Há uma falta de visão total de relação de câmbio e juros - no Brasil, uma combinação mortal.
Como se resolve isso?
É difícil corrigir. Deixar o dólar flutuar e crescer. Desvalorizar, no fundo não há interesse de fazer, porque vai trazer inflação. A inflação no curto prazo aumenta a gravidade de uma coisa que já está muito dramática. Dólar alto empobrece as pessoas, inclusive em relação a seu salário. Portanto, é um processo complexo. Não sei como chegar a uma solução final. Precisa de mais política industrial e tocar a produção para frente. Mas, para fazer isso, é preciso muita governança. É preciso visão de um governante que entenda isso, pense assim realmente, não só fale, mas diga isso em termos de ações práticas para que o povo entenda.
O sr. teria alguma experiência brasileira como referência ou de outro país que pudesse ser comparável a esse modelo daqui para a frente?
Todos os países que cresceram rapidamente em determinadas etapas do desenvolvimento recente, no mundo inteiro, usaram essa fórmula: câmbio desvalorizado e juros muito baixos. Além de capital disponível para investimento. Japão, depois da guerra, até 1960. Juro muito baixo funciona. Mais recentemente, a China, com o dólar para lá e para cá, manteve firme o juro baixo e o câmbio desvalorizado para poder exportar e promover o desenvolvimento da sua indústria. Se tivessem essa visão articulada, pronta, sobre a importância da produção e da indústria para o Brasil, teriam tomado decisões diferentes lá atrás.
Esse é um pensamento consensual na indústria ou sente que é divergente no setor?
Está se tornando consensual. O IEDI (Instituto de Estudos de Desenvolvimento Industrial) já pensa assim. Essa política ainda é destruída até por uma série de coisas que aconteceram ao longo do caminho. Tem lesões pontuais, setoriais. E tudo isso deveria ser desnecessário, se tivesse adotado o caminho da produção lá atrás.
Considerando esse cenário, como que o Ultra vai se posicionar em relação a isso? Vai mudar o enfoque de investimento para o exterior ou reduzir seus investimentos?
Neste ano, não estamos fazendo nada disso. Temos investimento de R$ 1,4 bilhão. Agora, na área química, a Oxiteno realmente está focando mais no exterior, cada vez mais virada para fora. Mais produção lá fora porque o Brasil se tornou praticamente inviável com este câmbio e determinados custos industriais. Com energia, infraestrutura e transporte no Brasil, fica inviabilizada a competição aqui.
Novo Plano de Voo da Embraer – Frederico Curado – Presidente da Embraer e Vice presidente do IEDI (Entrevista publicada pela revista Forbes Brasil julho/2015). Toda manhã, pontualmente às 9h, uma passagem da Bíblia Sagrada salta da tela do smartphone do carioca Frederico Curado, 53 anos, um dos mais respeitados CEOU do Brasil e presidente da Embraer, a terceira maior fabricante dc aeronaves comerciais do mundo, quinta maior de jatos executivos e principal exportadora brasileira de produtos de alto valor agregado. Uma de suas leituras prediletas é o Evangelho de Mateus, mais especificamente o capítulo 25, versículos 14 a 30. É lá no Novo Testamento que está registrada a “parábola dos talentos” ou “parábola do dinheiro investido”. Resumidamente, ela fala sobre um homem que, tendo de viajar, reuniu seus servos e lhes confiou seus bens. A um deu cinco talentos (o que pode ser interpretado como recursos); a outro, dois; e ao terceiro, um. Depois partiu. Na sequência, o que havia recebido cinco talentos saiu imediatamente, negociou, produziu e ganhou mais cinco. Do mesmo modo, o que recebeu dois ganhou outros dois. Mas o que recebeu apenas um cavou um buraco no chão e escondeu o dinheiro. Muito tempo depois, o homem retornou. Durante o acerto de contas, parabenizou aqueles que conseguiram multiplicar seus recursos. O terceiro servo, no entanto, foi chamado de negligente pelo senhor, que se arrependeu de não ter confiado seu dinheiro aos banqueiros, que o teriam devolvido acrescido de juros.
Assim como na parábola, o executivo, que atua há 30 anos na companhia, 20 na diretoria e oito na presidência, é um verdadeiro multiplicador de recursos. Em 2006, um ano antes de assumir o comando, a Embraer registrou cerca de R$ 8 bilhões de receita líquida. No ano passado, o número foi de quase R$ 15 bilhões. O talento de Curado se mostrou vital não só na bonança, mas principalmente nos momentos de maior adversidade. Sua prova de fogo ocorreu em 2009, ano em que a empresa viveu uma crise sem precedentes para o setor aéreo. A saída foi demitir 4,27 mil funcionários -- ou 20% de sua força de trabalho --, reduzir investimentos e também a previsão de faturamento. A tempestade passou e Curado recolocou a Embraer em rota de crescimento.
Nos últimos anos, com seu estilo reservado e estrategista, ele elevou a companhia de patamar, a partir de um pesado investimento em inovação, o que resultou na criação de novos produtos e no avanço do seu processo de internacionalização. “A Embraer está deixando sua posição de empresa nacional exportadora para se tornar uma companhia global sediada no Brasil. Se você observar a GE, IBM e Volkswagen, verá que todas elas têm operações fora de seus países de origem, com uma parte significativa de sua receita advinda dos mercados internacionais”, observa.
Não por acaso, seu mandato como presidente foi recentemente renovado por mais dois anos. Na empresa desde antes da privatização, em 1994, Curado vivenciou praticamente todas as fases e crises da história da Embraer. Nas cerca de 50 viagens que faz por ano a trabalho (a maioria para o exterior), aprendeu sobre as particularidades de cada mercado e busca usar isso a favor do avanço da companhia. “A Embraer tem conseguido crescer organicamente a partir do investimento contínuo em novos produtos. Avançamos na aviação executiva e na área de defesa, além de manter nosso tamanho na aviação comercial.”
Delegador, ele sempre inclui a equipe em seus feitos e não se cansa de elogiar Ozires Salva, fundador e primeiro presidente da companhia, além de Maurício Botelho, seu antecessor. Eles foram os grandes responsáveis por construir os pilares da empresa que ele recebeu em 2007, quando assumiu como comandante. “O Botelho me entregou uma companhia melhor do que recebeu. Espero poder fazer o mesmo no dia que sair.” E não, não há data definida para ele deixar o cargo. “Enquanto eu tiver saúde e achar que estou trazendo uma contribuição positiva, terei motivação para atuar.”
A Embraer mudou consideravelmente na última década, passando a acelerar seus investimentos em aviação executiva e promovendo um grande salto em sua área de defesa e segurança. Em 2000, por exemplo, as aeronaves comerciais respondiam por 95% da receita. Para se ter uma ideia, o Legacy, seu primeiro lato executivo, só foi lançado em 2000 e certificado em 2002. Já o Phenom, da família de jatos leves, surgiu em 2007. Sua primeira entrega foi em 2009.
Foi assim que a companhia conseguiu sobrevoar novos territórios com novos produtos. Em 2012, o volume de jatos comerciais caiu para 61% da receita; 53% em 2013; e 50% em 2014. Para este ano, a previsão divulgada para essa participação é de 52%. Ou seja, jatos comerciais são e continuarão a ser os mais representativos do negócio. E sua venda é crescente, mas o sucesso da companhia não depende mais só deles.
A Embraer tem avançado visivelmente nas outras áreas como a de defesa. Em 2013, a empresa foi escolhida pela Força Aérea dos Estados Unidos para fornecer 20 A-29 Super Tucanos em um contrato de US$ 427 milhões. Oito unidades já foram entregues. “O valor, em si, é muito representativo, mas mais importante ainda é a credencial conquistada. Foi um marco fornecer um produto para o Departamento de Defesa dos Estados Unidos”, diz Curado.
Pelo contrato, ainda há a opção futura de compra de outras 20 unidades. Atualmente, o Super Tucano é produzido apenas em Jacksonville (Flórida), o que abre a possibilidade de a Embraer exportar o turboélice militar para outros países a partir da fábrica americana. O executivo lembra, no entanto, que as principais estruturas do avião são produzidas no Brasil. Além disso, o país tem uma linha de produção para o modelo, mas como a Força Aérea Brasileira (FAB) já recebeu todos os pedidos, ela está temporariamente parada. Dependendo do cliente, o modelo poderá ser produzido tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos.
No momento, o plano de voo da Embraer aponta para três destinos, o que pode ser lido como três principais investimentos em curso. O primeiro é no jato executivo Legacy 450, uma versão encurtada do 500 em número de assentos e alcance. O preço está na faixa dos US$ 17 milhões ante os US$ 20 milhões da versão maior e chega ao mercado neste semestre. O segundo ocorre na área de defesa com o cargueiro KC-390, avião de grande porte, o maior já fabricado no país, e multifuncional. Já o terceiro investimento está voltado ao avanço da aviação comercial, seu maior negócio. A Embraer aportou um total de US$ 1,7 bilhão no desenvolvimento da segunda geração dos jatos comerciais E-Jets. E constrói 175 (com entrega prevista para 2020), 190 (2018) e 195 (2019).
A primeira geração foi lançada em 1999, com a primeira encomenda em 2003 e a entrada em serviço em 2004. Até 31 de março, a companhia acumulava 1.564 pedidos firmes de jatos comerciais (de primeira e segunda geração) e 1,1 mil entregas. Hoje, 64 aéreas de 45 países voam com suas aeronaves.
Hoje, a Embraer é a terceira maior fabricante de jatos comerciais do mundo, atrás da Boeing e da Airbus. A distância da brasileira para a americana e a francesa é grande. Até porque sua maior aeronave é o Embraer 195, da ordem de 120 lugares, menor que o modelo mais compacto da Boeing. A empresa, no entanto, é líder mundial no segmento de jatos comerciais de 70 a 130 assentos, com cerca de 60% do mercado e 50% dos pedidos.
Para ganhar novos clientes, a segunda geração desse modelo terá de dois a 14 assentos a mais, dependendo do modelo. Com isso, sua venda anual de 95 a 100 aeronaves comerciais deverá subir. Isso não significa, no entanto, que a empresa passará a produzir aeronaves comerciais de grande porte. “Até o final da década, estaremos totalmente compromissados nesse desenvolvimento dos três novos modelos, o que não é simples”, afirma Curado.
Já em aviação executiva, a Embraer é a quinta maior do globo, atrás da Guflstream, Bombardíer, Dassault Falcon e Cessna. Parafraseando Ozíres Salva, Curado diz que a realidade se tornou maior do que o sonho. “A Embraer nasceu em 1969, do sonho de criar uma empresa capacitada a projetar, desenvolver e entregar aviões. Acabou ganhando uma dimensão internacional e hoje é uma das empresas mais reconhecidas do mundo em seu campo de atuação.”
Em 2014, 79% de sua receita vieram das exportações, com 48% deste montante advindos da América do Norte. Apesar da diversificação dos negócios e mercados, os Estados Unidos se mantêm como principal comprador da fabricante brasileira. Motivo que explica a presença de Curado em visita oficial recente da presidente Dilma Rousseff aos Estados Unidos, incluindo reuniões com Barack Obama e Joe Biden.
A partir de meados de 2016, toda fabricação do jato leve Phenom será centralizada nos Estados Unidos. O objetivo é ganhar escala ao invés de ter duas operações industriais não customizadas (até então Brasil e Estados Unidos). O custo de produção é praticamente o mesmo nos dois países. A medida também visa liberar mais espaço nas plantas brasileiras para o desenvolvimento dos E-Jets de segunda geração, que demandam mais metros quadrados e mão de obra.
De natureza afável e discreta, Curado não exala ambição pelos poros como vários CEOS de empresas bilionárias. E evita, por exemplo, arriscar previsões de crescimento para a Embraer diante da concorrência. Uma coisa, porém, é certa. A julgar pelo tempo em que conseguiu quase que dobrar o faturamento da empresa, é de se esperar que a Embraer, no curto prazo, comece a morder os calcanhares dos gigantes do setor.
Controlador da Cosan Diz que Dilma 'Mudou para Melhor' – Rubens Ometto – Presidente do Conselho de Administração da Cosan e Conselheiro do IEDI (Entrevista publicada pelo Folha de São Paulo em 06/07/2015). Para Rubens Ometto, presidente do conselho de administração da Cosan, um dos maiores grupos do país, a presidente Dilma Rousseff "mudou muito" e o empresariado precisa "segurar sua ansiedade" por resultados concretos.
O empresário, que no primeiro mandato de Dilma fez duras críticas à gestão da presidente, está agora mais otimista. "O governo está indo na direção certa", disse em entrevista à Folha em Nova York, onde participou de encontro com a presidente e do seminário de infraestrutura promovido pelo governo.
Ometto elogiou o lançamento da nova fase de concessões, mas disse que o grupo não tem interesse em aderir ao programa neste momento. "Meu grande medo é querer fazer um monte de coisas e não fazer nada."
Segundo ele, o grupo está sentindo o mau momento da economia, com queda no consumo de gás, gasolina, diesel e etanol. A Cosan é sócia da Raízen, que é dona da rede de postos Shell no Brasil e principal fabricante de etanol do país. Ela também é proprietária da distribuidora de gás Comgás e da Rumo ALL, que tem concessões de ferrovias.
Ometto diz acreditar que seus negócios sofram "um pouquinho" até o primeiro semestre de 2016, mas que o ajuste é necessário. "O difícil é entrar no negócio de areia movediça, em que você não sabe a profundidade. Estamos abaixando para ter energia para pular."
Folha - Como o senhor avalia a iniciativa da presidente de se aproximar dos Estados Unidos?
Ometto - É importante o Brasil se alinhar com países como os Estados Unidos. Esse negócio de só se alinhar com países mais pobres [não é o melhor caminho]. É uma mudança de direcionamento dela muito grande. A presidente mudou muito. Na política econômica, o trabalho com Joaquim Levy, de se aproximar dos países mais ricos. O que os Estados Unidos fez [espionar a presidente] não deveria ter feito. Foi importante a reação dela, de manifestar a posição do Brasil. Mas quem fica chateado é namorado, o homem de negócios tem de ser racional, depois tem de conviver. É impossível imaginar um país importante como o Brasil não conviver com um país como os Estados Unidos.
O senhor acredita que a viagem pode trazer resultados práticos para o Brasil?
Acho que pode resultar em muita coisa prática, mas a gente precisa segurar um pouquinho a ansiedade. Nada é feito assim da noite para o dia. Tem muita coisa que os Estados Unidos podem ajudar o Brasil em tecnologia, em energia. E muita coisa que o Brasil pode ajudar em matéria ambiental, de energia renovável, em alimentos. Não dá para imaginar o mundo se alimentando sem o Brasil. O Brasil cada vez mais precisa de infraestrutura para escoar toda essa safra. E, nesse caso, a Cosan vai ajudar muito com os nossos investimentos na ALL, para diminuir o custo da logística do agronegócio brasileiro. Estamos reorganizando tudo [na ALL], é um paradigma que será quebrado, porque o Brasil produz barato no campo e perde todo o dinheiro na logística.
O governo Dilma já havia lançado um programa de concessões e não conseguiu executar tudo. O senhor acredita que, desta vez, o governo será mais bem-sucedido?
O nosso projeto vamos entregar. Às vezes somos convidados para participar de outros, mas iremos numa segunda etapa. Tem algumas coisas que são sonhos e outras não [no programa]. Aquele negócio da ligação com o Peru [torce o nariz]. O lado bom é o apetite enorme do chinês em colocar dinheiro em infraestrutura num país como Brasil. Agora se é viável ou não Se não for viável, ao longo do tempo, você vai organizando e aproveitando para outras coisas. Sou um otimista por natureza. Ela [Dilma] sonha, é um sonho. Acho bacana sonhar. Eu sempre fui um sonhador. Você sonha e depois vai degrauzinho por degrauzinho e chegá lá.
A Cosan então não tem interesse em disputar projetos do programa de concessões?
Não temos interesse agora. Tenho de entregar a ALL na eficiência e na rentabilidade que a gente se propôs. Não adianta eu querer abraçar o mundo. Entre dois e três anos, vou deixar a Rumo ALL, que vai ser o novo nome da empresa, bem organizada, operando direitinho. Aí estaremos preparados para outros passos. Meu grande medo é querer fazer um monte de coisa e não fazer nada. O foco agora é cuidar do que já temos, que não é pouca coisa. É a espinha dorsal do escoamento da safra brasileira. Terminando isso, estaremos prontos para investir e ajudar onde for possível.
O senhor acredita que o governo conseguirá atrair os investimentos estrangeiros necessários para o programa?
Acho que sim. O mundo todo precisa desse escoamento, não fazem isso porque são bonzinhos. Eles fazem isso, porque precisam da gente.
O clima político no Brasil, com as denúncias da Lava Jato, interfere na tentativa de atrair o investidor?
Acho que interfere sim, mas o mercado financeiro tem memória curta e também não faz uma análise profunda como deveria ser feito. O Brasil é muito mais forte que qualquer crise política e financeira. Voce pega a história: os políticos vão, voltam, mudam e o Brasil está lá firme, crescendo e se desenvolvendo. E China e Estados Unidos têm de pensar no longo prazo. Hoje há excesso de dinheiro no mundo. Eles não têm também onde colocar dinheiro. Há taxa de juros negativa na Ásia. Então, o Brasil é uma ótima oportunidade para quem pensa em longo prazo.
E caso surja um estrangeiro querendo um parceiro local?
Eventualmente. Não fecho as portas para nada. Mas agora nesse momento, não temos [conversas]. Já temos sócios estrangeiros na ALL. Sabemos que eles sempre querem ter um parceiro brasileiro, especialmente quando há com uma crise política e econômica como essa. Somos brasileiros, fazemos a diferença, porque sabemos como proceder, lutamos pelo nossos direitos, politica e economicamente. Eu, como brasileiro e cidadão, luto para defender minhas empresas no Executivo e no Legislativo. Estou no meu direito. Claro que você não pode fazer certas coisas que aconteceram por aí, mas eles [estrangeiros] precisam de alguém que more no Brasil. Você pega a nossa parceria com a Shell na Raízen. É um negócio que teve sucesso. A Shell tem talento e a gente é brasileiro. Na hora que você mistura esses dois genes A Shell comprou a BP e antes entrou em Libra [campo do pré-sal]. É um parceiro que está mostrando disposição de investir não apenas no discurso.
A Petrobras anunciou um corte profundo no plano de investimentos. Como afeta os negócios do grupo?
Afeta um pouco, mas teria que ser feito. O projeto inicial do pré-sal teve alguns erros. Essa vontade gigantesca da Petrobras de participar de tudo e controlar tudo é um erro. É uma excelente companhia, com técnicos de primeira linha. Infelizmente teve esses problemas da Lava jato e do congelamento de preço [da gasolina] e se enfraqueceu. É companhia fantástica, mas não consegue abraçar o mundo. E nós como brasileiros queremos é que o óleo saia da terra. A Petrobras não tem dinheiro para fazer o que tem de ser feito, não tem recursos físicos, e você tem de dar oportunidade a outras empresas que tenham interesse. Então, tem que estimular essa lei que o [senador José] Serra está querendo fazer e permitir que não seja obrigatoriedade da Petrobras fazer tudo. Acho que outros grupos substituirão essa eventual redução de investimentos.
O grupo tem interesse em algum dos ativos que a Petrobras colocou à venda?
Estamos sempre conversando. Mas nada específico fortemente determinado. Temos muita coisa. ALL é investimento enorme, exige muito dinheiro e tem que crescer.
Qual o impacto da crise nos negócios do grupo?
Os nossos negócios não sofrem tanto com a recessão quanto outros. Mas em matéria de gás já percebemos que o consumo está reduzindo para a indústria e para as residências. Está diminuindo também o consumo de gasolina, diesel e etanol. Mas estamos bem posicionados. Vamos sofrer um pouquinho esse segundo semestre e talvez o primeiro [do ano que vem]. Mas pelo menos você está pisando em bases sólidas. O trabalho que a presidenta Dilma e o ministro Joaquim Levy estão fazendo de trazer à tona todo o negócio que estava embaixo do tapete [é muito importante]. Você hoje poderá saber exatamente quais são os números, como pode crescer e fazer um planejamento sólido. É bom às vezes ter seis meses ou um ano sem poder crescer tanto para então saber e voltar a crescer. O difícil é entrar no negócio de areia movediça, que você não sabe a profundidade. Por isso, tem que fazer [o ajuste]. Para pular, precisa abaixar um pouquinho. Estamos abaixando para ter energia para pular.
O clima político está dificultando o ajuste.
A política é a política. Não sou tão pessimista. Acho que o Brasil está mostrando que as instituições funcionam independentemente de quem seja. Um monte de coisa está sendo trazido à tona. No passado, você não sabia o que acontecia. Hoje, você está sabendo. Agora, política é política. Você tem interesses que são jogados de um lado e do outro e tem de saber amarrar. Mas acho que está melhorando.
Na última semana, o clima esquentou bastante, com as denúncias da Lava Jato.
É bom. Duro é casamento quando não tem briga. Quando há briga, tem relacionamento honesto. Estamos nesse caminho. Não esperava outra coisa. O empresário brasileiro está começando a enxergar que tem de andar na linha.
O resultado do ajuste ainda é imprevisível. Traz incertezas?
Faz parte da vida. Pegar um voo e colocar no piloto automático, todo mundo quer isso. Mas a vida não é assim. Em vez dele [Levy] conseguir 100, se ele conseguir 75, era melhor do que quem não fazia nada. Claro que não está conseguindo aprovar tudo que quer. A economia está em recessão, a arrecadação diminuiu, o que você vai fazer? É a vida. Ele vai ter outras ideias.
O grupo está tendo de tomar medidas para passar pelo período de recessão, como demissões?
Não. Claro que você tem sempre uma evolução com o uso de tecnologia e informática. Há sempre um aprimoramento, mas não tem nada assim como está ocorrendo na indústria automobilística, que não vende nada. A gente vende, açúcar e álcool são commodities, não tem problema de venda. O transporte da ALL, pelo contrário, tem demanda reprimida e vai crescer à medida que a gente coloque mais vagões e locomotivas em funcionamento. A distribuição de combustíveis e de gás continua. Obviamente tem que fazer algumas coisas para melhorar a eficácia do projeto.
Há algo, além das medidas já anunciadas pelo governo, que deveria ser feito para melhorar o ambiente de negócios?
Acho que o governo está na direção certa. A gente tem que segurar a nossa ansiedade. Sou capitalista, estou gostando de ver o direcionamento que ela está fazendo no segundo mandato. A melhor maneira de você melhorar a eficiência e diminuir a inflação é por meio da concorrência. A única maneira de acabar com a corrupção é tirar o governo como empresário. O governo tem que fomentar, controlar, ter as agências controladoras, tem de regular, mas tem de sair do "business". Quanto mais o governo for nessa direção, e esse governo está começando a entender isso, muito mais eficiente ele vai ser.
‘Estamos saindo do mundo da fantasia’ – Pedro Passos – Cofundador e Conselheiro da Natura, Além de Ex-Presidente do IEDI (Entrevista publicada pelo jornal O Estado de São Paulo em 21/06/2015). O empresário Pedro Passos é pragmático. Como sócio-fundador da Natura, uma das maiores empresas de cosméticos do País, se prepara para um cenário de desalento: “O desajuste é grande o suficiente para a gente não ser otimista”, explica. Como presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), organização que reúne alguns dos maiores industriais do País, defende o ajuste fiscal, por mais penoso que possa ser. “Uma correção de rumo emergencial sempre é feita dentro do limite do possível e nem sempre do desejável”, define. Mas ele critica que o ajuste não seja acompanhado de mudanças “estruturantes”, que preparem o País para crescer. “O Brasil precisa retomar a discussão sobre que indústria quer: a gente fica olhando para o século 20, querendo reviver aquela indústria, mas talvez seja muito caro ou até impossível.” A seguir, os principais trechos da entrevista.
Numa entrevista ao ‘Estado’, antes das eleições, o sr. disse que a economia estava sem rumo e os empresários tinham perdido a confiança para investir. O cenário mudou?
A retomada da confiança talvez seja um dos temas mais relevantes para o Brasil hoje. Nós perdemos a credibilidade por conta de erros que se acumularam. Talvez o processo de reconquista dessa confiança seja um pouco mais lento. A boa notícia – nesse cenário de más notícias – é que o País começa a lidar com os limites da realidade. A gente está saindo do mundo da fantasia para um mundo onde as contas públicas precisam ser bem administradas, onde os preços precisam estar no lugar correto, onde as metas de inflação devem ser perseguidas. Sem qualificar o que está sendo feito, o fato de a gente lidar com essa agenda já é importante. Eu estava muito mais preocupado com o rumo há um ano, porque falar em meta de inflação ou políticas responsáveis na área fiscal era uma conversa conservadora – vamos dizer assim. Me parece que esse dado de lidar com a realidade é um primeiro passo para a gente poder colocar as coisas no rumo.
Muitos empresários cobraram o ajuste das contas públicas e a organização da economia. Agora, o governo sobe imposto, revê desonerações e eleva juros por causa da inflação, medidas que afetam diretamente os empresários. Qual a sua avaliação das medidas?
Não sou especialista em contas públicas, mas nitidamente havia excessos que beneficiavam uma parte, mas prejudicavam o todo da economia. Precisam ser revertidos. Dados recentes da própria Receita sobre o Orçamento de 2015 mostraram que os chamados gastos tributários – basicamente as isenções – representam mais ou menos 5% do PIB. Mas o ajuste pelo ajuste não vai resolver. Temos de fazer mais. O governo tem de enfrentar essa agenda para que a gente possa sair dessa fase com uma nova perspectiva. Fase dura, de recessão. Falo isso com muita pena. A população brasileira pode perder benefícios: inflação correndo a 6%, a 8%, com desemprego, é problema para o trabalhador, para as famílias. O quanto antes a gente sair dessa situação, melhor. Seria muito triste a gente reverter o quadro de ascensão social visto nos últimos anos. Talvez ele tenha vindo com excessos de transferências, com salários subindo acima da produtividade, com uma série de problemas, mas o fato é que a sociedade melhorou e acho que a gente deve evitar um processo de ajuste longo para não termos um dano social muito grande.
A revisão das desonerações é, então, um mal necessário?
Sim. Um mal necessário. A gente falou dentro do IEDI, quando as medidas saíram: a desoneração da folha de pagamentos foi estendida para tantos setores que não fazia sentido para a lógica da competitividade.
E a questão da alta dos juros, já que a inflação está subindo?
Minha perspectiva é que a inflação vai se reverter por uma questão simples: estamos diante de um quadro recessivo. Eu não sei dizer se vamos precisar de mais ou de menos juros. As condições econômicas já induzem para uma queda de preço, apesar da indexação, dos repasses do câmbio e dos preços administrados que subiram. Mas acho importante não termos dúvida: um ano atrás, a gente falava que estava tudo bem com inflação a 6,5%. Não, não é tudo bem. É ruim. Ruim para a sociedade, para o poder aquisitivo, para os negócios. Precisamos mirar nos 4,5% e entender que podemos ter até menos, como ocorre nos países estabilizados. Meta de inflação mira em 3%, 2% – 4,5% é licença poética. Com certeza vamos falar bastante sobre o que está sendo feito agora e o que poderia ter sido feito. Como ocorre na seleção brasileira, há várias opiniões de como se organiza o time e suas prioridades. Uma correção de rumo emergencial sempre é feita dentro do limite do possível e nem sempre do desejável. Mas temos algumas críticas: talvez seja o ajuste necessário, o ajuste possível, mas é de má qualidade, ainda tem poucos elementos estruturantes para uma saída que leve a um País mais moderno, com um crescimento de qualidade.
O que seria um ajuste de boa qualidade com medidas estruturantes?
Podemos falar de vários temas para definir um ajuste de boa qualidade. Ao que parece, o ajuste possível reduz ainda mais os investimentos. É o que vemos, apesar da sinalização positiva feita com o anúncio do pacote (de investimentos em infraestrutura). A efetividade do pacote, a testar, mas a sinalização foi positiva. Alguns paradigmas de modelo de concessão estão sendo quebrados. Mas o fato é que existe restrição ao investimento no País e que o investimento é baixo. O segundo fator negativo é que vemos aumento de impostos. Não estou falando de reversão de desonerações. Estou falando de mais impostos, o que é problemático para um País que já tem uma carga elevadíssima. Faz tempo que as lideranças empresariais não falam mais em redução de carga, mas há uma indignação com o aumento. O terceiro ponto é a dificuldade de se fazer a reengenharia do Estado brasileiro. Não avançamos, apesar de algumas medidas provisórias que reviram excessos – como o seguro desemprego, o abono salarial e as pensões. Reformas são sempre difíceis, mas o País precisa de mudanças estruturantes, com visão de futuro.
Exemplos?
A carga tributária do Brasil incide mais sobre impostos indiretos e menos sobre o imposto de renda, que é o imposto mais justo e menos regressivo. Precisamos começar a sinalizar como vamos desamarrar esta teia em que estamos metidos. Nem estou falando em redução de carga tributária agora, mas em uma simplificação, como por exemplo um ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) evoluindo efetivamente para um IVA (Imposto sobre Valor Agregado). Isso já foi até sinalizado, mas as conversas são sempre duras com os governadores. É preciso que a discussão seja liderada pelo governo federal, se não, não sai. Não podemos esquecer o tema da educação, que acaba sendo um elemento importante para a nossa produtividade. Estamos nitidamente perdendo espaço para os nossos competidores. Como pano de fundo, o Brasil também não pode deixar de lado a agenda de inserção internacional: é ela que vai nos trazer ganhos de produtividade. O crescimento, fundamentalmente, virá de ganhos de produtividade, já que a demografia daqui para a frente tende a não ser tão positiva. Estamos ficando velhos.
Mas há clima no Congresso, no governo, para se iniciar discussões como a reforma tributária?
Há 19 anos dizemos que não temos clima para essa agenda. Talvez este momento seja o mais propício. De fato, temos um governo fragilizado do ponto de vista político e dividido. Mas sempre me lembro que, lá atrás, quando fizemos grandes reformas, como o Plano Real, não foi num momento de tranquilidade no Legislativo e tínhamos um governo de transição, do Itamar Franco para o Fernando Henrique.
Mas o sr. sente disposição política da parte do governo?
Um pedaço do governo, especialmente representado pela área econômica, tem disposição de conduzir algumas reformas. Mas outro lado, do governo anterior por assim dizer, não sinaliza disposição. A própria presidente demorou, mas agora tem dado sinais – espero e torço que sejam consistentes e permanentes. Não é uma coisa estabelecida que o governo mudou de orientação e está unificado em torno de uma proposta. Ao menos é a percepção. Quem está do lado de cá, querendo investir e identificar oportunidades, ainda tem muitas dúvidas se as coisas vão ser efetivas. É uma construção. Mas não estou querendo olhar o copo muito vazio ou muito cheio. Para não ficar só na área econômica: quando vejo o próprio ministro, o Monteiro (Armando Monteiro Neto, Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) falando sobre a revisão do Mercosul, percebo que o discurso mudou. Há dois anos, ousei falar em aproximação de blocos e numa agenda de maior inserção internacional. Era difícil ser ouvido no governo e até no meio empresarial. Agora essa agenda se amplia. Acho que foi o dado da realidade: acabou o dinheiro. Como é que faz? Isso nos coloca outra questão: definir qual será o vetor de crescimento do País. É o mercado interno? Acho que essa agenda ficou para trás. Vamos ter de buscar exportação, investimentos.
O sr. consegue estimar quando o Brasil voltará a crescer?
Não consigo. Precisamos nos preparar para uma fase ruim longa. Não acredito em reversão em 2015. Qualquer coisa melhor virá só lá no final de 2016 ou início de 2017. Esse é o meu jeito de pensar como empresário. Posso desejar notícias melhores, desejar ter de rever meus planos. Mas o desajuste é grande o suficiente para a gente não ser otimista. Ser otimista hoje é saber que estamos fazendo o ajuste necessário. Contar com o vento de popa é difícil.
O sr. defende uma agenda de longo prazo. Mas há alguma medida de curto prazo para aliviar a situação da indústria que bate recordes negativos?
Tem um aspecto que vai possibilitar uma reversão no desempenho da indústria: o câmbio. Sem ser usado como instrumento de combate à inflação, o câmbio, já reposicionado, pode ser um vetor de crescimento para a indústria. O movimento ainda é tímido, mas alguns setores já estão buscando o comércio exterior. Em segundo lugar, é preciso uma agenda de simplificação tributária para fazer as coisas fluírem e uma sinalização sobre qual será a agenda internacional. Mas o Brasil também precisa retomar a discussão sobre que indústria quer ter. A gente fica olhando para o século 20, querendo reviver aquela indústria, mas talvez seja muito caro ou até impossível, dadas as condições geográficas e de mercado.
Alguns setores vão morrer?
Sim. E isso acontece no mundo inteiro. Setores mudam de posição, mudam de país, alguns desaparecem, mas novos surgem. Por isso a sinalização é importante. Nós vamos nos integrar? Vamos ter acesso a bens de capital mais baratos e a matérias-primas de padrão internacional para poder estabelecer novas cadeias produtivas? É sobre isso que precisamos falar. Só consigo imaginar uma indústria no futuro se ela for nova, com uma boa base tecnológica e com um bom suporte – e, aí sim, com apoio do governo na área de inovação. Não vamos fazer uma indústria nova sem uma política de ciência, tecnologia e inovação. As políticas que hoje existem estão desintegradas: as políticas de comércio exterior, a industrial e a de ciência, tecnologia e de inovação. Aqui a gente tem uma oportunidade para dar uma direção mais clara.
Quem são os interlocutores da indústria no governo e no Congresso hoje?
O Executivo continua tendo um papel relevante. Falamos na Fazenda, na Indústria e Comércio. Mas agora a gente também começa a lidar com um Legislativo mais forte.
Sinal de longo prazo – Pedro Passos – Cofundador e Conselheiro da Natura, além de Ex-Presidente do IEDI (Entrevista publicada pela revista Conjuntura Econômica em Abril/2015). Os sinais de que o ajuste fiscal tardará mais que o esperado para mostrar resultados não elimina a responsabilidade de se definir o quanto antes a economia e a indústria que se quer para o país depois de concluída a fase de correção. Esse é o alerta de Pedro Luiz Barreiro Passos, presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), cofundador e conselheiro da Natura. Em entrevista à Conjuntura Econômica, Passos defende a urgência de uma direção de longo prazo que guie os investimentos, bem como uma mudança no perfil da indústria brasileira, que permita maior inserção internacional. Para isso, o empresário advoga uma política que foque em melhorar a produtividade da economia com um todo, evitando políticas pontuais. “É preciso deixar que cada setor ganhe musculatura. Pode-se apoiar quem está buscando essa vitalidade, mas não criar um pronto-socorro para quem não está se dando bem”, afirma.
Conjuntura Econômica – Em 2014 a indústria de transformação acumulou um déficit comercial de US$ 63,5 bilhões, nove vezes maior do que em 2008, quando a balança do setor passou a ficar negativa. Como o IEDI avalia essa aceleração e qual a estimativa para 2015?
Pedro Passos – Não fazemos estimativa. A gente sabe que os principais fatores para essa aceleração já vêm de longo tempo. Fundamentalmente, tivemos alguns elementos mais macro, sistêmicos, caracterizados por um câmbio que ficou fora do lugar por um longo período, e foi praticamente impossível superar isso com ganhos de produtividade. Também tivemos taxa de juros excessivamente alta durante muito tempo, apesar de certo declínio em 2010, mas sempre com taxas reais muito fortes. Então a indústria foi perdendo densidade, consistência, e a maior parte da demanda por produtos industrializados acabou sendo abastecida pelo mercado externo. A indústria praticamente não tirou proveito desse crescimento que tivemos em um período recente. Associada a isso, a própria produtividade do trabalho, e a produtividade como um todo, tem crescido menos que a dos nossos competidores. Esse é um cenário que, tenho impressão, esgota um ciclo, e agora a demanda é por uma reorientação, para garantir a indústria precisamos para compor a taxa de crescimento do país.
Observando o levantamento do IEDI sobre a corrente de comércio da indústria da transformação de 1995 a 2014, apenas em seis anos, de 2002 a 2007, a indústria registrou superávit comercial. Levando em conta esse histórico, qual seria um nível realista para a balança do setor?
No período de 2003 a 2008 tivemos a influência do câmbio. De qualquer forma, um país como o Brasil não deve, de forma alguma, considerar que sua balança comercial deve ser estruturalmente deficitária. Ao contrário. Acho que teremos que gerar superávit. Para isso, entretanto, a indústria brasileira deverá mudar seu perfil. Possivelmente com uma matriz um pouco diferente, com mais importação e mais exportação. Esse é um processo difícil de construir, saindo de uma posição relativamente voltada para o mercado interno, uma estrutura mais de defesa e de proteção, para uma estrutura de maior inserção internacional. Demanda tempo para se negociar internamente e externamente, para fazer essa reorientação andar. A indústria brasileira pode fazê-lo, desde que seja um processo, pois já vimos no passado que as modificações abruptas em direção a uma abertura comercial podem ser traumáticas para alguns setores, com prejuízo de coisas que foram previamente construídas. Temos que ter essa consciência, mas também temos que contar com uma agenda nítida, de que a direção é a de uma maior inserção internacional. O Brasil tem vários setores em que pode ser mais agressivo e ter uma presença maior.
Quais seriam esses setores?
O IEDI não parte do princípio de selecionar setores. Um país que tem o desenvolvimento tecnológico de uma Petrobras, uma empresa como a Natura, que tem poder de enfrentar concorrência de grandes multinacionais dentro de seu próprio mercado, pode tudo. Está em nossas mãos desenvolver setores com competitividade internacional. O Brasil pode revelar novos setores. Acho que o cuidado que se deve ter é o de não defender aqueles que hoje não demonstram muita perspectiva. Essa transição terá que acontecer. Isso dependerá da aposta que o Brasil vai fazer nos segmentos emergentes, que estão mais ligados às nossas vantagens, e quanto vai segurar setores que já se transformaram, em que a China já ocupou espaços e talvez não tenhamos escala. A indústria que devemos ter no futuro não é necessariamente a indústria que temos hoje e que tivemos até aqui. Parece-me que há uma mudança nessa matriz.
Que tipo de mudança?
Primeiro, para uma indústria que entenda que as oportunidades são globais. Hoje em boa parte do mundo já não existem indústrias verticalizadas, principalmente quando você vai evoluindo na agregação de valor. Hoje elas contam com os recursos disponíveis em todas as geografias. Essa é uma das características que força uma mudança nas políticas que até agora buscaram incentivar a verticalização. Acho que essa é uma transformação importante, e mais uma vez a Embraer é nosso exemplo de como devem ser aproveitadas as vantagens de diversos países. Em segundo lugar, o Brasil tem que evoluir com base nas cadeias em que demonstra vantagens competitivas, como aconteceu com o agronegócio, que mostra que temos condições se fizermos a lição de casa corretamente. É um setor que se expôs para a competição, investiu em inovação, tirou regulação e efetivamente investiu na competição internacional.
O IEDI não se foca em estudar quais serão esses setores. Não temos torcida nenhuma. E também porque esse é um jogo para ser jogado. Se você apoia uma inserção externa melhor, se ajuda a elevar a produtividade interna, deixa que os setores escolham seu caminho. Novamente: quem tem empresas como as que temos, tem tudo. Tem condição de ser grande parceiro internacional, desde que garanta essa maior inserção externa. Mas é preciso deixar que cada setor ganhe musculatura. Pode-se apoiar quem está buscando essa vitalidade, mas não criar um pronto-socorro para quem não está se dando bem.
Em sua opinião, as políticas de apoio a pesquisa, desenvolvimento e inovação brasileiras seguem esse princípio?
Acho que o Brasil evoluiu muito nos últimos anos com relação ao apoio à inovação. Em geral, as políticas foram em boa direção, como a Lei do Bem, a criação da Embrapii, parcerias com universidades. Mas ainda são insuficientes para fazer frente aos investimentos internacionais. Acho que as restrições econômicas, fiscais têm algum impacto sobre isso, mas ainda convivemos com muito processo burocrático. O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), por exemplo, é uma agência que funciona mal, com um importante backlog no registro de patentes, que faz com que muita gente prefira patentear fora do Brasil. Também há problemas regulatórios importantes. Um deles é o marco legal para acesso ao patrimônio genético de 2001 (um novo texto espera aprovação do Senado), que é absolutamente inadequado. Ele inibe a Natura, mas também o Jardim Botânico e a USP, não só de pesquisar esse patrimônio, mas de gerar inovação e negócios decorrentes disso. Com isso, a Natura teve que fazer processos mais lentos, muitas vezes entrar com medida judicial, e receber multas do Ibama, das quais se defende, pois a biodiversidade brasileira está no DNA da empresa, não se pode abrir mão. E com isso o Brasil perdeu outras empresas de alimentos, farmacêuticas, que poderiam fazer pesquisa aqui, intensificando a inovação e, obviamente, produzindo resultado econômico.
Hoje eu diria que boa parte das empresas não deixou de inovar por falta de fomento, da ajuda do BNDES, da Finep etc. Pode-se dizer que muitas vezes o processo é burocrático, não atinge as pequenas e médias empresas, porque precisam de estrutura para ter acesso a esses recursos, mas em geral não foi isso que faltou. Temos carência de mão de obra especializada, alguns problemas estruturais, mas, ainda assim, acho que o que impede de conseguirmos mais resultado na inovação é a ausência de competição. Tanto é que hoje o investimento privado em inovação no Brasil é menor do que em outros países com os quais competimos. Existe mais investimento público proporcionalmente em relação ao privado.
O governo perdeu na iniciativa de reverter a desoneração em folha através de medida provisória, buscando agora aprová-la por projeto de lei. As principais representações da indústria foram contra essa reversão, enquanto vários economistas reforçam o coro de Levy sobre a falha dessa política, indicando que esta gerou desorganização macroeconômica. Qual a sua opinião?
A desoneração foi atabalhoada, exagerada. Ela nasceu com um propósito correto, no nosso entendimento, que era o de aumentar a competitividade do produto brasileiro em relação ao importado. Era um passo para a isonomia, não o ideal, mas um passo. Aí fizemos duas coisas na direção errada que causaram problema: o subsídio e a extensão para setores que não precisavam dessa vantagem competitiva, que não sofrem concorrência internacional, como o varejo. Não precisava ter desonerado tantos setores assim. Foi estranho ver como as entidades se manifestaram. Entendemos o problema da perda de um benefício, mas o fato é que precisamos fazer um acerto na área fiscal brasileira. Há algum tempo o IEDI vem alertando que essa desoneração em folha foi muito ampla, que dessa forma o quadro fiscal não seria sustentável. Agora, essa correção proposta é a melhor? Será um erro a forma como se está mitigando o problema fiscal? Será melhor o endereçamento ou o melhor seria voltar aos critérios iniciais? Acho que aí há uma avaliação a ser feita, para evitar erro sobre erro. Todos estamos de acordo que precisamos promover formas mais amplas e fazer acertos maiores, e que medidas pontuais acabam se agravando, criando uma complexidade maior. Entendo os setores que se veem frente a uma desaceleração da economia e se sentem mais onerados com essa reversão. Mas, da perspectiva fiscal, é claro que precisamos ajustar, senão agravaremos o problema.
Hoje se nutre grande expectativa de que tipo de estímulo poderá ser dado à indústria, concomitantemente às correções de política defendidas pelo governo. As principais lideranças do IEDI foram convocadas em fevereiro para falar com o ministro Joaquim Levy. Qual agenda defenderam e o que esperam do governo para ajudar o setor?
Nós, como todo o Brasil, pretendemos que algumas reformas estruturais sejam encaminhadas. Hoje nem dá para falar diretamente de redução de carga tributária, mas podemos ao menos defender a simplificação da estrutura tributária para uma mais homogênea. A gente também tem colocado a necessidade de políticas mais horizontais. Por exemplo: temos dito que no caso das cadeias produtivas, precisamos de desoneração na base. Porque hoje os recursos, os insumos das cadeias produtivas já estão saindo a um preço mais alto que o padrão internacional. O início das cadeias com preços competitivos já ajudaria a estruturar a produção e ganhar mais competitividade. A sinalização que queremos é a de que teremos esse tipo de direção e sairemos de políticas pontuais que não têm se mostrado efetivas para resolver problemas. Isso, atrelado a uma política de inserção, vai mobilizando os investimentos para a construção de uma indústria exportadora. É preciso desonerar a base das cadeias para construir essa competitividade. E quando a gente sinaliza essa inserção, vai mobilizando os investimentos das empresas no sentido de buscar essa competitividade internacional.
Nota recente da CNI aponta que de 2002 a 2012 o Brasil foi o país que mais perdeu competitividade entre seus principais concorrentes: a taxa anual média de crescimento de sua produtividade foi de 0,6%. Já o aumento do Custo Unitário do Trabalho (CUT), em dólares, foi de 9%, devido a salário, câmbio e produtividade, enquanto em países como Coreia do Sul o CUT caiu 3%. Além de questões conjunturais como desvalorização do real e aumento do desemprego, que podem levar à queda do salário, que variáveis deveriam ser mais bem trabalhadas para o aumento da produtividade?
Depende do horizonte. No curto prazo, uma retração pode eventualmente motivar as empresas a aumentar um pouco a sua produtividade, e os salários tendem a não evoluir tanto. No curto prazo, você pode ter aumentos e reduções de produtividade de acordo com movimentos na produção e no emprego. Por exemplo: nos últimos três anos a nossa indústria foi muito mal, mas aumentou um pouco sua produtividade, porque tanto a produção quanto o efetivo foram reduzidos. Isso é ganho de produtividade estatístico. Não é exatamente esse o ponto que temos motivado nesse debate, mas sim o de inovação, inserção externa, busca de qualificação, porque isso é o que dá resultado no longo prazo. A saída para a questão da produtividade, no caso da indústria, é o investimento, investir mais e melhor, com o país fazendo sua parte, melhorando infraestrutura, educação, para ter aumento de produtividade mais sustentável.
Observamos um ano politicamente delicado. Será possível pensar em uma agenda mínima que colabora para a retomada da confiança do investidor?
O cenário é muito complexo para se ter uma perspectiva otimista para este ano. Quanto à retomada de investimento, a Petrobras é uma pedra no sapato, pois paralisa investimentos muito fortes. Não dá para dizer que vamos ter uma perspectiva de curto prazo positiva. Não trabalhamos com essa hipótese. Mesmo porque, retomar níveis de atividade da indústria leva algum tempo. A saída para o crescimento do país está em investimentos em infraestrutura e na retomada da exportação. E ambas as coisas tomam um tempo para acontecer. Teremos que estender o horizonte e respirar fundo.
O senhor confia que esse processo que estamos vivendo colaborará para uma gestão mais transparente das contas públicas?
A expectativa é nessa direção. Temos sinais de recomposição da transparência que de alguma forma perdemos num passado mais recente. Isso é importante, pois alinha as expectativas e a confiança. Nesse contexto, uma má notícia até pode se converter em boa, porque dada na hora certa ajuda a construir confiança. Pense: o que é pior: o déficit público, que acabou aparecendo depois de dez anos em si, ou a maquiagem? Eu acho que é a maquiagem. Afinal, há muitos países com déficit público, cuja correção é difícil, dolorosa, mas é feita. Já a maquiagem fere a confiança.
Também é possível imaginar, como efeito da Operação Lava Jato, um cenário de medidas para melhorar a governança dentro das empresas privadas?
A evolução da Lei Anticorrupção como marco legal é muito importante nessa direção. Hoje as empresas que têm operação fora, por exemplo, nos Estados Unidos, têm preocupação sobre como ficam essas relações, e há um movimento entre as grandes corporações, uma mudança de atitude, por conta dos novos marcos legais que passaram a reger as relações ente governo e empresas. A questão da governança deverá aparecer naturalmente nesse processo, sobre o qual ainda temos muito a aprender.
No atual contexto, qual o ponto mais crítico que identifica hoje para a retomada da confiança do setor industrial?
O crítico é que hoje a situação exige uma mirada de curto prazo, mas não sabemos o que vem depois do ajuste fiscal, qual direção o país quer para a economia como um todo e, principalmente, para a indústria. É certo que a situação exige essa preocupação, mas não podemos ficar só olhando, esperando chegar o meio do ano, o fim do ano, para saber se o ajuste fiscal está acontecendo. Os investimentos das empresas dependem de um horizonte mais longo. E parece que elas vão passar pela crise sem saber qual direção tomar. A definição dessa visão, tanto quanto a transparência, fazem parte da construção da confiança. Esse consenso de sociedade é que precisa ser debatido, e já de muito tempo a gente não tem uma visão negociada. E falar de retomada de investimentos dessa forma é difícil.
E como avalia o cenário externo?
Acho que teremos algum movimento focado no comércio exterior, até por conta da moeda, que servirá de alavanca. Mas o mercado internacional continuará difícil. Desde a crise ele está mais competitivo e difícil. Por isso, é difícil dizer que teremos um resultado expressivo em 2016. Mas, graças à desvalorização da moeda, o Brasil está um pouco melhor para participar desse jogo.
De qualquer forma, mais uma vez, é preciso sinalizar. O governo tem que se mobilizar para fazer acordos internacionais. E mobilizar as empresas internacionais que estão aqui para fazer comércio exterior. As principais operações industriais do mundo estão instaladas no Brasil, e poderiam ajudar o país nessa fase se tivessem as sinalizações corretas. O governo precisa fazer a lição de casa com relação aos acordos, e lançar essa agenda de mobilização da capacidade instalada das empresas nacionais e multinacionais que estão aqui. Por que não? Temos alguma integração com o mercado latino-americano. Tampouco os Estados Unidos são algo tão distante da gente. Precisamos de direção. O mais difícil, que é atrair essas empresas para cá, já foi feito. O restante não é fácil, mas tampouco é impossível.
“Fui A Pessoa Mais Odiada Durante Muito Tempo” – Flávio Rocha – Presidente da Riachuelo e Conselheiro do IEDI (Entrevista publicada pelo jornal O Estado de São Paulo em 25/02/2015). Toda mudança cultural corre o risco de ser traumática. E foi isso que aconteceu quando Flávio Rocha decidiu transformar uma empresa de vestuário popular e implantar o conceito de fast fashion na Riachuelo. “Eu fui durante muito tempo a pessoa mais odiada porque era contra o senso comum”, revelou o presidente da marca.
O que ele fez, na verdade, foi buscar a eficiência global de um grupo que detém tecelagem, confecção, empresa de logística, atua no varejo e ainda oferece crédito por meio de uma financeira. Essa estratégia de mudança, segundo Flávio, tem a ver com a lógica, errada, de que o ser humano, quando se depara com um problema complexo, costuma ‘fatiá-lo’ atrás de soluções mais fáceis.
No mundo corporativo, Flávio defende quase como um mantra que os desafios devem ser transpostos de uma só vez e envolvendo todas as unidades. “A maior ameaça ao ótimo global é o ótimo local. Acho que minha contribuição foi transformar uma empresa que era meramente verticalizada para uma empresa de visão global”, disse.
Como exemplo daquilo que foi preciso modificar na empresa, Flávio gosta de citar um caso: o que fazia um gestor de uma transportadora às 17h30 de uma sexta-feira com um caminhão com 70% da carga com destino à loja do Shopping Center Norte? Ele encerrava o expediente, esperava segunda-feira e completava a carga até atingir 100%. “Do ponto de vista do ótimo local, perfeito. Mas do ótimo global, devastador. Isso porque a coleção esperada na loja não chegou para o fim de semana”, explicou o executivo.
Mas essa transformação para que todos da empresa pensem “global” não foi fácil. O negócio chegou a registrar aumento de 35% nos custos logísticos antes de apresentar qualquer ganho real. “Foram anos muito difíceis. Foi preciso ter muita firmeza, convencimento e treinamento para todo mundo enxergar o ganho”, disse Flávio, que participou do Encontro PME com pequenos empresários. Confira os principais trechos.
Início. A história da empresa começa quando Nevaldo Rocha, caçula de cinco irmãos e pai de Flávio, muda-se do sertão do Rio Grande Norte para Natal e vai trabalhar em uma relojoaria em plena Segunda Guerra Mundial. Passado o conflito, o dono do local voltou para sua cidade de origem e Nevaldo transformou o espaço em bazar onde se vendia de tudo. Até que uma carga de camisas prontas, produto incomum para a época, fez sucesso. Bom observador, o empresário identificou um filão e resolveu investir em uma loja voltada apenas para homens.
Após abrir cinco unidades, Nevaldo mudou para o Recife e começou uma pequena oficina de costura para abastecer as lojas. Foi assim que a família iniciou a Guararapes, hoje a empresa-mãe do grupo, que comprou a Riachuelo em 1979.
Comando. “Meu pai e eu temos personalidades muito diferentes. Ele tem uma liderança mais militar, mais compatível com uma cadeia comandada pela produção”, comparou Flávio. Mas quando o empreendedor assumiu o negócio, o varejo passava por profunda transformação e deixava de ser coadjuvante para ser, nas palavras do executivo, a locomotiva da economia.
“Nesse momento de mudança eu fui assumindo a empresa e hoje o principal negócio é a Riachuelo. Mas a grande diferenciação competitiva é ser uma empresa integrada”, destacou. Flávio começou a trabalhar na fábrica da família com 15 anos e tinha a tarefa de distribuir a produção para as lojas da marca Super G. O empresário também foi responsável pela criação da marca Pool. “Resolvi aplicar 100% da primeira verba de propaganda em patrocínio de um jovem corredor no início da carreira, o Ayrton Senna. Isso deu uma grande visibilidade para a marca”, contou.
Propósito. Foi após uma temporada de estudos nos Estados Unidos que Flávio descobriu seu objetivo de vida: democratizar a moda. De acordo com o empresário, o propósito serve para dar sinergia a uma empresa de partes heterogêneas, como é o caso da Guararapes. “É fundamental para que o negócio não se torne uma usina de conflitos”, conta o empresário, que tem a seu favor o baixo custo e a velocidade para cumprir seu propósito. Como exemplo prático, o empreendedor disse que atualmente o negócio é capaz de entregar uma nova peça na loja em um período de dez dias.
Fast fashion. “Um dos pilares mais ousados da nossa estratégia tem sido desafiar o que eu chamo pejorativamente de ‘regime de castas’ presente no mundo da moda”, afirma Flávio. E como prova de que a empresa tem conseguido atingir diversos públicos, Flávio cita a inauguração de uma loja na Rua Nova, em Recife, considerado um endereço popular, mas que obteve recorde de vendas. Quatro dias depois, Flávio abriu a unidade localizada na esquina das ruas Oscar Freire e Haddock Lobo, em São Paulo. E novamente bateu esse recorde. “Foi nos dois extremos da pirâmide. Isso confirma a tese que não existe mais esse negócio de roupa para rico e roupa para pobre”, destacou.
Velocidade. Com uma cadeia integrada, a Riachuelo afirma que consegue rapidamente não apenas mensurar, mas analisar a aceitação do consumidor em relação aos produtos e determinar quais são os itens que contam com o que Flávio chama de ‘DNA vencedor’. São esses produtos que vão inspirar os próximos lançamentos, que por sinal, não são poucos: 35 mil modelos por ano. “Isso significa frescor e estimula a visita mais frequente a loja”, disse o empresário, que vendeu 170 milhões de peças de roupas em 2014.
‘O propósito é democratizar a moda’, diz. Empresário implantou modelo baseado no que ele chama de ‘ótimo global’ mesmo tendo de enfrentar muita resistência dentro da própria companhia.
Começo. Flávio começou a trabalhar no negócio da família com 15 anos e criou a marca Pool. Ele chegou a ter uma passagem política como deputado.
Descoberta. Foi após uma temporada de estudos nos Estados Unidos que o empresário descobriu seu propósito de vida: democratizar a moda no Brasil.
Ação. Ao conhecer o conceito de fast fashion, ele decidiu colocá-lo em prática nos negócios e trabalhou para transformar o meio de trabalho.
'Sem Recuperar a Competitividade Estarão em Risco Conquistas Recentes' – Flávio Rocha – Presidente da Riachuelo e Conselheiro do IEDI (Entrevista publicada pelo jornal Brasil Econômico em 09/02/2015). Para Flávio Rocha, as conquistas brasileiras recentes, como a estabilidade da moeda e a redução das desigualdades dependem fundamentalmente de o país recuperar espaço não só no mercado externo mas, também, no interno. À frente de uma rede com 257 lojas espalhadas pelo país, Rocha é enfático ao defender o papel do varejo na melhoria de renda da população brasileira a partir dos anos 2000. “Tem muita gente querendo ter a paternidade desse milagre do varejo, mas isso não tem a ver com bolsa isso ou aquilo, crédito, não”, sustenta. “O crédito se deu naturalmente, com o controle da inflação.”
Ex-deputado federal pelo Rio Grande do Norte, Rocha vê no monopólio estatal a raiz do escândalo de corrupção que assola a Petrobras. O antídoto natural para o problema, acrescenta ele, é o livre mercado. “O que nos move, o que nos tira da cama de manhã e nos faz dormir tarde é concorrência. É a concorrência que é o motor da humanidade”, acredita o presidente da Riachuelo.
Qual a sua expectativa para a gestão do novo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior?
Na última segunda-feira, foram duas reuniões com o Armando Monteiro. Lá na Federação do Comércio, onde estive representando o IDV (Instituto de Desenvolvimento do Varejo), que eu presidi, e, depois, na Fiesp, usando meu outro chapéu, de industrial. Ele está muito focado nessa questão da exportação. Com muito menos esforço, você consegue capturar US$ 100 de mercado que os chineses ou a concorrência internacional estão perdendo aqui dentro. O esforço para você atravessar o oceano e ganhar essa quantia é muito maior.
O país tem condições de concorrer com os chineses?
Tanto na Fecomercio como na Fiesp, a constatação geral é a perda vertiginosa de competitividade. Primeiro, você pede a capacidade de exportar. Depois, começa a perder o seu quintal, o mercado doméstico. Isso ficou muito claro. Nós tivemos um grande momento de exportação, por volta de 2005, quando foi o pico de exportação. Deixamos de exportar, a balança se tornou negativa e começamos a perder terreno dentro de casa. O ministro só está falando em armas, linhas de crédito subsidiadas pelo BNDES, só fala em exportação. Só que é tão mais fácil você recuperar o terreno que perdeu aqui. Primeiro, você já causou uma estranheza no varejo, que foi o grande propulsor do que aconteceu de bom nessa década. Foi o instrumento da inclusão, de que o governo tanto fala.
A inclusão social não tem a ver, também, com o aumento da renda da população?
É uma discussão entre o que veio primeiro, a galinha ou o ovo. O ganho de produtividade da economia que leva ao aumento da renda. Se essa revolução, cujo grande impacto é o aumento de produtividade, não só no varejo. Nasce no varejo, mas contamina toda a cadeia com aumento de produtividade. O melhor cenário seria se nós tivéssemos conseguido conter a pesada carruagem que nós carregamos nas costas, chamada Estado, no mesmo tamanho de quando esta revolução começou, de 20% do PIB. Aí, a China seria aqui. Mas, infelizmente, nesse ganho de produtividade, os efeitos positivos foram parcialmente consumidos pelo inchaço da parcela improdutiva da sociedade pelo Estado, que cresceu por causa da formalização. Enquanto ela tem um efeito positivo de aumento na produtividade, tem um negativo de aumento no tamanho da carruagem. É como se você tivesse um automóvel, no qual você colocou um tubo compressor que ficou duas vezes mais potente. Mas a carroceria ficou duas vezes mais pesada. E a sinalização do governo é o ajuste fiscal pela via fácil, com ainda mais aumento no peso da carruagem. Ninguém está preocupado em mexer nas raízes da perda de competitividade, que é o inchaço dessa carruagem.
Qual o peso da formalização nessa expansão do varejo?
Na última reunião do IDV, a gente apresentou um estudo feito com a McKinsey, que mostra uma transformação muito interessante, na qual o varejo é protagonista. Foi a década da formalização. O Brasil é o país que mais se formalizou nesses dez anos. Dentro desse universo do Brasil, o setor que mais se formalizou foi o varejo. E a correlação entre formalização e produtividade é de um para um, total. Quando você formaliza, automaticamente vem um ganho enorme de produtividade. Uma farmácia de cadeia, de alta produtividade, é oito vezes mais produtiva do que a farmácia de fundo de quintal. Um supermercado de alta produtividade, um Carrefour, um Extra, é seis vezes mais produtivo do que um supermercado de fundo de quintal. A loja de departamentos é cinco vezes mais produtiva. Esse efeito de ganho de produtividade tem um contágio em toda a cadeia de suprimentos. Quando você formaliza, o varejo tem esse poder de contágio.
A ênfase nas exportações atrapalha o varejo?
Acho que ele (Armando Monteiro) vai pegar o artilheiro, que fez boa parte dos gols nesse período, e colocar no banco de reservas.
Não dá para varejistas e exportadores caminharem juntos?
Não sei qual é a dose de competitividade adicional que ele (Armando Monteiro) tem na manga do colete para nos proporcionar. Tomara que seja grande a ponto de nos permitir recuperar não só o mercado doméstico, como vender camisa para a China. Não sei qual é a dose de surpresas boas que ele tem. Mas com a mesma dose de competitividade que ele puder proporcionar à indústria hoje, ou à economia brasileira... O timing é este: você perde a capacidade de exportar. A balança comercial de cada setor, em diferentes momentos, vira negativa. Ele (o concorrente estrangeiro) começa a invadir o seu jardim. Em nossa empresa, por exemplo, nós produziamos 80% de toda a confecção vendida. Nossa importação era de 5%. Isso em 2010. Em cinco anos, nós fomos de 5% para 35%. E nossa produção própria caiu para os mesmos 35%. A diferença é de terceiros.
Como avalia a política industrial brasileira?
A melhor política industrial é um ambiente de negócios business friendly. Nós temos um ambiente de negócios hostil. Não é só a carga tributária, que cresce absurdamente. No meu tempo de deputado, a carga tributária era 20% do PIB. De lá para cá, mais do que duplicou, porque tem o déficit. E as alíquotas são mais ou menos as mesmas. Quer dizer, a formalização, que trouxe todo esses fatores positivos, liderados pelo varejo, tem um lado perverso, que é o aumento da quantidade de dinheiro que vai para o que existe de mais ineficiente para um país, seja qual for, que é Estado. Com as mesmas alíquotas de 1994, a arrecadação foi de 20% para 37%, pela simples formalização. E ela vai continuar. Nós competimos com países que têm carruagens de 15% do PIB. A competitividade de um país é a relação de duas forças: a de tração, que puxa a carruagem, e o peso. Enquanto estamos correndo a mesma maratona com concorrentes nossos, com a Coreia e a própria China, que são corredores com uma mochilinha leve nas costas, só com o essencial, com uma mala sem alça de 37% do PIB, que, ainda por cima, nos traz um excesso normativo, regulatório, absurdo. O Código de Defesa do Consumidor é absurdamente exigente, a lei ambiental mais exigente do que a da Dinamarca; um aparato trabalhista absolutamente anacrônico, uma usina de conflitos que gera três milhões de causas trabalhistas por ano. Nós geramos, por hora, mais ação trabalhista do que o Japão em um ano. Por dia, geramos mais do que os EUA em um ano. Isso é custo Brasil na veia.
O ministro Joaquim Levy afirmou que o novo modelo econômico não será mais baseado no consumo, mas no investimento. Não há uma certa contradição aí?
É um falso dilema. Esse momento maravilhoso do consumo na última década não teve nada a ver com interferência estatal. Tem muita gente querendo ter a paternidade desse milagre do varejo, mas isso não tem a ver com bolsa isso ou aquilo, crédito, não. O crédito se deu naturalmente, com o controle da inflação. Mas o driver dessa boa revolução foi o desabrochar do varejo de alta produtividade, a criação de um terreno que era inóspito. Essa revolução estava acontecendo desde os anos 80 lá fora, e não chegava aqui por causa da erva daninha da clandestinidade econômica.
A previsão de um crescimento minúsculo do PIB para 2015 não assusta?
O varejo tem crescido mais do que o PIB, em média três vezes mais. Mas com um crescimento tão baixo do PIB, é um número frustrante. Tem tudo a ver com o fenômeno de aumento do peso da carruagem. Seja qual for o ano que você analise, concluirá que a carruagem vai parar. Ela não vai parar só porque está pesada demais para sua força de tração. O excesso normativo pesa tanto quanto a carga tributária.
Vários governos já prometeram a reforma trabalhista, mas não a realizaram...
Falta um direcionamento de propósito. Se você fala em reforma tributária, todo mundo quer. Os prefeitos querem, sob a alegação de que os municípios estão morrendo a míngua. Entre os governadores, 100% de adesão, porque precisam de mais dinheiro para gerir os seus estados. A União quer a reforma para resolver o déficit público, como está fazendo agora. Todo mundo tem sua visão sobre a reforma, mas são colidentes. A reforma que está na cabeça de 7 mil prefeitos não é a que está na cabeça dos empresários, nem a mesma que está na cabeça dos sindicalistas. Não precisamos convocar forças com visões tão díspares para uma reforma tributária genérica. Precisamos de reformas com vistas à competitividade. Ou nós recobramos a competitividade ou estão em risco todas as conquistas recentes. A redução da desigualdade, a estabilidade da moeda e, em última análise, até a democracia. É isso que essas forças precisam entender. São as três grandes conquistas recentes, que vieram através de consensos. Agora, o consenso que parece estar ficando mais claro na cabeça de toda a sociedade brasileira é o da competitividade. Não existe melhora na qualidade de vida sem prosperidade. A melhoria das condições de trabalho não se dá por leis e bondades aprovadas no congresso, mas pelo aumento da demanda por mão de obra.
Houve aumento, nos últimos anos, no número de casos envolvendo utilização de mão de obra escrava por empresas ligadas ao vestuário. Como você enxerga essa questão? Tem relação com o excesso normativo?
Graças a Deus, nosso modelo de negócio nos protege de um dilema muito sério do setor de confecção. O elo crítico da cadeia têxtil é o da costura. Esse elo virou refém de uma coisa que, em teoria, é boa, mas que traz desdobramentos negativos, que é a questão da lei do Simples. Tirando a nossa empresa, e outras duas ou três, a totalidade do setor de confecção, 35 mil empresas, são reféns do Simples.
Nos últimos anos, o varejo vinha crescendo num ritmo bastante acelerado. No ano passado, até novembro, o IBGE apontava um crescimento nominal de 8,7%, o que dá um crescimento real de pouco mais de 2%. Essa desaceleração era esperada pelo setor?
O varejo vem de uma década de crescimento robusto. Essa desaceleração já era previsível porque não é sustentável uma década de demanda crescente e produção declinante. É como uma fazenda que passa dez anos colhendo, colhendo e colhendo e não semeia. Mais cedo ou mais tarde essa queda da produtividade — que acontece para todos os setores produtivos — mostra a fatura. Por que o varejo continuou crescendo tanto mais do que o PIB e a indústria? Porque a indústria compete diretamente com a concorrência internacional. O varejo — apesar do e-commerce que vai globalizar essa concorrência — a briga ainda é regional. A disputa concorrencial é regional. Varejo e serviços conseguem repassar esse aumento vertiginoso da inflação, mas a indústria não. Ela sente isso na pele. Daí a discrepância de uma banda do Brasil que disputa internamente, varejo e serviços — e a produção, que é quem mais está sofrendo.
Como o sr.enxerga o escândalo de corrupção na Petrobras?
Acredito que é o momento de colocar o dedo em uma ferida que precisa ser tocada: que o monopólio é o habitat natural da corrupção. O que nos move o que nos tira da cama de manhã e nos faz dormir tarde é concorrência. É a concorrência que é o motor da humanidade. É totalmente previsível que uma empresa monopolista caia na preguiça, caia na zona de conforto e a última escala disso é a corrupção. E a solução pra isso é dar concorrência a esse processo. Da mesma forma que o monopólio é o habitat natural da corrupção, o livre mercado é o único antídoto natural da corrupção. Se aqui na Riachuelo eu tivesse um comprador de gravatas que fosse corrupto, que se associasse a um fornecedor de gravata para cobrar uma propina, o mercado puniria automaticamente. Sem nem mesmo saber, a gravata da Riachuelo seria mais feia, seria mais cara do que a gravata do meu concorrente. Então, eu acho que esse é o momento apropriado pra mostrar a que leva o monopólio. E a sociedade brasileira paga um custo altíssimo. O custo da energia está caindo vertiginosamente no mundo inteiro e aqui nós pagamos esse alto preço pra bancar uma máquina absolutamente contaminada pela corrupção.
O senhor defende a privatização da Petrobras?
Bem, eu não preciso de voto. Então posso dizer que sou absolutamente a favor da privatização da Petrobras. Seria a grande solução, teríamos energia muito mais barata: é o que aconteceu com todas as privatizações. O problema é que se demonizou (a privatização) de uma forma... Tenho uma fé religiosa no livre mercado. Eu acho que é isso que distingue o ser humano dos animais. Eu acho que quando Deus criou os seres humanos, ele deu a habilidade de se negociar, de fazer trocas mutuamente consentidas, voluntárias, em benefício comum. Aonde, milagrosamente, acontece o ganha-ganha. Que parte ganha numa negociação? As duas partes ganham. E o PIB de um país é a soma desses ganhos. A visão mais à esquerda acredita que numa negociação tem um ganhador e um perdedor. Um está explorando o outro. Mas na nossa visão liberal é justamente o contrário: em cada negociação tem dois ganhadores. Livre mercado é isso: essa coisa sublime e que trouxe tantos ganhos a outros setores que foram privatizados e estão submetidos aos freios e contrapeso do mercado.
O cenário macroeconômico desfavorável alterou os planos de investimento da Riachuelo para este ano?
Nós não alteramos nosso programa de investimento. Nós tivemos um recorde no ano passado, inauguramos quase 100 mil metros quadrados de área de venda. Nós iniciamos 2014 com 500 mil metros quadrados e encerramos com quase 600 mil metros quadrados. Foram 45 lojas, de grande porte. São lojas com mais de 2 mil metros de área na média. E estamos mantendo o mesmo ritmo. Inclusive, o volume de investimento será um pouco maior do que no ano passado porque estamos investindo em um grande centro de distribuição de última geração, o mais moderno do Brasil e um dos mais modernos do mundo, em Guarulhos.
E o comércio eletrônico? A Riachuelo ainda não vende diretamente pela internet...
Deste ano não passa. Nós temos uma presença online forte, mas não temos venda online. O que já fizemos, com algumas coleções, foi a venda click on colect: de comprar online e retirar na loja. Mas nós vamos ter realmente a logística B2C (business-to-consumer) até o fim deste ano, no máximo no início de 2016.
Nos últimos anos, a Riachuelo, como outros varejistas, vem incorporando à sua operação serviços diversificados, como assistência para automóvel, odontológica... O varejo puro morreu?
A sinergia entre a produção e o varejo é muito grande. O ser humano tem a tendência natural de fatiar o problema. Esse é o retrato fiel da confecção no Brasil. A suposição é que se tiver uma fiação eficiente, uma tecelagem eficiente, uma confecção eficiente, um varejo eficiente, terá o todo eficiente. Mas a Zara e a Toyota mostraram, pelo just in time, que este é um pressuposto falso e não é suficiente para atingir um patamar superior de eficiência e de excelência.
Por quê?
Há decisões que fazem todo o sentido dentro de quatro paredes de uma fiação ou tecelagem, mas podem ferir de morte a eficiência global do sistema. A nossa crença é que o ótimo local é inimigo do ótimo global. A nossa gestão é holística. Pra dar um exemplo simples: fomos a vida toda uma empresa verticalizada e nós estimulávamos esse fatiamento. Mas o bom momento que a empresa está vivendo se deve ao fato de ter rompido com esse mundo do ótimo local para o ótimo global e gerir em função do ótimo global.
Pode dar um exemplo prático?
Na época do ótimo local, a gerente da empresa de logística estava com 70% da carga no CD de Guarulhos numa sexta-feira para ir para a loja de Center Norte. Ela esperava a segunda-feira para completar o 100% da carga e extraía 100% de eficiência do todo local, que é o que ele gere. Alcançava o ótimo no negócio dele, que é o caminhão, mas era um desastre do ponto de vista do ótimo global. O fast fashion é a gestão holística globalizada da cadeia têxtil. A Riachuelo, em relação aos cases bem sucedidos lá fora, acrescentou mais um elo que é mais sinérgico ainda: o elo financeiro, que sofre muitos conflitos pois as diferenças do varejista com o banco são maiores ainda. Então, colocando o produto financeiro embaixo do mesmo guarda-chuva acionário você ganha uma elasticidade em termos de planos de parcelamento, de juros — ao invés de ter, como nossos concorrentes, a cabeça de banqueiro pensando na fatia financeira, sem nenhuma visão comercial do processo. Isso é que o que diferencia o nosso modelo: ir do fio até a última prestação depois da venda. Uma visão holística, gerindo a eficiência global do sistema e escapando armadilha do ótimo local.
Qual a sua fonte de inspiração, na gestão da Riachuelo?
Somos — desculpe a pretensão — nós queremos ser a Apple da cadeia têxtil. A Apple fez essa mesma inovação: na cadeia Microsoft você entrava no Magazine Luiza, comprava um computador Positivo, rodando sistema operacional Windows, tirava foto com câmera Sony, editava com Photoshop e fazia o upload com o Picassa da Google. Você tem aí seis ótimos locais. Seis fatias do problema. A Apple se libertou desses ótimos locais e está tudo embaixo do mesmo guarda-chuva acionário, tem a visão holística do problema. Ninguém está pensando na estreita fatia do problema. Está todo mundo pensando no todo. Essa é a diferença: por isso nós somos a Apple do varejo os outros estão sujeitos a todas as armadilhas do ótimo local.