Carta IEDI
Indústria 4.0: Recomendações de políticas do Banco Mundial
Novos desafios estão sendo colocados à trajetória de desenvolvimento econômico dos países em função do avanço de novas tecnologias industriais. Diante desse processo, cabe aos países se reposicionarem para lidar não apenas com as implicações das prováveis mudanças tecnológicas e produtivas como também para tirar proveito de eventuais oportunidades.
O sexto capítulo do livro “Trouble in the Making? The Future of Manufacturing-Led Development”, escrito por Mary Hallward-Driemeier e Gaurav Nayyar e publicado pelo Banco Mundial, trata justamente das recomendações de políticas para o desenvolvimento econômico liderado pela indústria no futuro a partir das possíveis mudanças nos padrões tecnológicos. A Carta IEDI de hoje, que faz parte de uma série de trabalhos que o IEDI vem realizando sobre a Indústria 4.0, sintetiza os principais argumentos e conclusões deste estudo do Banco Mundial.
Outras divulgações a respeito do tema, com ênfase no detalhamento das estratégias industriais adotadas pelas principais potências mundiais, compreendem as Cartas IEDI: n. 803 de 01/09/17, n. 807 de 29/9/17, n. 820 de 11/12/17, n. 823 de 29/12/17, n. 827 de 26/01/18, n. 831 de 16/02/2018, n. 841 de 29/03/2018, n. 847 de 11/05/2018 e n. 849 de 25/05/2018, entre outros trabalhos.
Segundo os pesquisadores do Banco Mundial, existem três dimensões fundamentais para uma moderna agenda de políticas de desenvolvimento, chamadas de “3Cs”: competitividade, capacitações e conectividade.
1. Competitividade abarca o ambiente de negócios de forma ampliada, sendo que a relevância dos baixos salários na determinação de menores custos unitários do trabalho está cedendo espaço para demandas mais amplas acerca do ecossistema de negócios (efeitos de aglomeração, escala etc).
2. Capacitações compreendem trabalhadores e firmas capazes de adotar e utilizar as novas tecnologias junto às novas regulações requeridas.
3. Conectividade refere-se não apenas à integração no plano do comércio internacional, mas também às crescentes sinergias entre diversos setores para se alcançar sucesso no desenvolvimento industrial.
Isso leva ao entendimento de que, para construir indústrias exportadoras competitivas que sustentem uma trajetória de desenvolvimento econômico, são necessárias reformas que respondam às novas demandas de uma concorrência global mais acirrada.
Ao se considerar essas três dimensões da agenda de política de forma conjunta, é possível mapear como os diferentes países estão atualmente posicionados e as distintas prioridades de políticas que se colocam diante dos arranjos produtivos que possam desejar fomentar. Para grande parte dos países de renda baixa e média, as crescentes exigências em termos dos “3Cs” trazidas pelas transformações em curso serão particularmente mais desafiadoras
Poucos países, entre os quais o Brasil, apresentam capacitações relativamente elevadas mas baixa conectividade com outros mercados. Um conjunto muito maior de países, incluindo regiões como América Latina, Sul da Ásia e África Subsaariana, apresenta a relação contrária, isto é, maior conectividade com outros mercados, porém um grau relativamente menor de capacitações. Como o fator competitividade está mais relacionado ao desenvolvimento de capacitações do que com o grau de conectividade, países com capacitações superiores tendem a apresentar competitividade superior.
A posição de cada país frente aos “3Cs” deve ser considerada juntamente com os tipos de mudanças que os países provavelmente enfrentarão, já que cada qual possui uma estrutura industrial diversa e os impactos das novas tecnologias associadas à Indústria 4.0 serão distintos sobre os variados setores industriais. Alguns setores devem exigir maiores capacitações, enquanto outros podem requerer maior conectividade. Dessa forma, para países produtores de determinado bem, ou com a intenção de entrar em certos setores, as prioridades de reformas consistem naqueles setores em que as exigências de um dos “Cs” seja crescente.
Dada a necessidade de os países se reposicionarem para aproveitar as oportunidades abertas pelas novas tecnologias industriais, os autores do estudo fazem algumas recomendações para uma agenda de reformas que fortaleça sua competitividade, suas capacitações e sua conectividade:
• As prioridades de reformas para competitividade envolvem: (i) reformas do ambiente de negócios; (ii) reformas da política de concorrência; e (iii) reformas para apoiar novos modelos de negócios.
• As prioridades de reformas para capacitações compreendem: (i) políticas de educação e treinamento centradas em habilidades; (ii) fortalecimento das capacitações das firmas; e (iii) reformas de infraestrutura tecnológica.
• Já as prioridades de reformas para conectividade abarcam: (i) princípios básicos de cooperação comercial e novas tecnologias; (ii) novas regras sobre fluxos internacionais de dados; e (iii) acordos regionais e bilaterais de comércio.
Ademais, destaca-se que as ações de política industrial não devem se pautar pela dicotomia entre políticas horizontais e setoriais, mas devem sim buscar por possíveis combinações entre elas, de forma a identificar desafios e oportunidades no contexto de cada economia. Se, por um lado, alcançar os requerimentos em termos dos “3Cs” seja mais factível por meio de políticas específicas em termos locacionais e setoriais do que reformas e programas de caráter geral para o país como um todo, por outro, apostar em um setor específico pode ser extremamente arriscado, dada a natureza ainda incerta das mudanças tecnológicas. Neste sentido, cabe considerar na formulação de políticas os impactos das crescentes interações entre setores, empresas, mercados e governos sobre o processo de difusão e incorporação tecnológica.
Uma tipologia dos países a partir dos “3Cs”: competitividade, capacitações e conectividade
A percepção da indústria enquanto alternativa para o desenvolvimento econômico está se alterando frente às mudanças no ambiente internacional e nas tecnologias. Neste sentido, três dimensões devem ser consideradas como pilares de uma agenda de política com vistas a tornar atrativa uma determinada localidade para produção diante dos novos desafios colocados pelas transformações tecnológicas. São elas: a competividade do ambiente de negócios, a construção de capacitações de trabalhadores, firmas e países para adotar novas tecnologias, e a conectividade com outros mercados e setores. Assim, competitividade, capacitação e conectividade referem-se aos “3Cs” mencionados pelos autores do estudo.
A relevância dos baixos salários na determinação de menores custos unitários do trabalho está cedendo espaço para demandas mais amplas acerca do ecossistema de negócios. É preciso se atentar, mais do que nunca, aos possíveis efeitos de aglomeração e escala que tornam a produção mais concentrada e lhe concede vantagens competitivas em determinadas localidades. Este é um importante elemento da dimensão competitividade.
Além disso, se países de renda baixa ou média precisam adotar novas tecnologias para se manterem ou se tornarem competitivos, é fundamental expandirem sua capacidade de absorção e uso de tecnologias. Nesse sentido, torna-se imprescindível a construção de capacitações que permitam trabalhadores e firmas adotarem novas tecnologias. Incluem-se não apenas formação, conhecimento, habilidades e competências técnicas, como também arcabouços regulatórios e de infraestrutura necessários para utilização das novas tecnologias no país, sobretudo frente a um fluxo crescente de informações e dados do qual as tecnologias devem se utilizar.
Não menos importantes, apresentam-se a crescente conexão entre firmas, a maior demanda por customização e logística, e a significativa – e cada vez mais indissociável – participação dos serviços na produção dos mais variados bens industriais. Tais fatores recolocam no debate a questão da conectividade, entendida desde o acesso aos mercados fornecedores e de clientes finais do ponto de vista comercial até a interação intersetorial e aspectos regulatórios dos fluxos internacionais de serviços e de dados.
Cada um desses três “Cs” é representado por um conjunto de indicadores relevantes. A competividade de um país é medida pela facilidade de se realizar negócios no país, direitos de propriedade intelectual e uso de tecnologias móveis para realização de transações financeiras. As capacitações de um país para apoiar inovação e difusão tecnológica combinam uso de tecnologias de informação e comunicação, taxas de matrícula em educação de nível superior e participação de pagamentos e recebimentos de royalties no comércio do país. Já a conectividade de um país aos demais mercados é verificada por meio de seu desempenho logístico, das restrições existentes sobre o comércio de bens industrializados e das restrições sobre o comércio de serviços profissionais.
Ao se considerar estes três pilares da agenda de política de forma conjunta, é possível mapear como os diferentes países estão atualmente posicionados e as distintas prioridades de políticas que se colocam diante dos arranjos produtivos que possam desejar fomentar. Identificam-se, a partir disso, alguns padrões. Certos países encontram-se mais avançados tanto em termos das capacitações para apoiar inovação e difusão tecnológica quanto da conectividade com outros mercados e serviços complementares, enquanto outros países ainda se encontram pouco preparados tanto em termos tecnológicos quanto comerciais. Conforme esperado, os países bem classificados em cada um dos “3Cs” são, em geral, países de renda elevada, melhor posicionados para responder aos desafios trazidos pelas mudanças na tecnologia, comércio e crescente participação dos serviços na economia.
Para grande parte dos países de renda baixa e média, as crescentes exigências em termos dos “3Cs” trazidas pelas transformações em curso serão particularmente mais desafiadoras. Poucos países apresentam capacitações relativamente elevadas e baixa conectividade com outros mercados. É o caso do Brasil e de alguns outros países na América Latina, no Leste Europeu e na Ásia Central. Um conjunto muito maior de países, incluindo regiões como América Latina, Sul da Ásia e África Subsaariana, apresenta a relação contrária, isto é, maior conectividade com outros mercados, porém um grau relativamente menor de capacitações.
O fator competitividade, por sua vez, está mais relacionado ao desenvolvimento de capacitações do que com o grau de conectividade. Poucos são os países com baixa competitividade que apresentam capacitações acima da média. Ao mesmo tempo, países com maior competitividade estão, em geral, acima da média de conectividade, o que sugere que muitos países até são relativamente bem integrados aos mercados internacionais, porém ainda carecem de políticas complementares para estabelecer um ambiente de negócios mais competitivo.
Um elemento adicional a se considerar na análise do conjunto de políticas a ser priorizado por cada país refere-se aos distintos impactos que as novas tecnologias devem causar sobre diferentes subsetores industriais e, portanto, sobre as estruturas produtivas existentes em cada país. Os pesquisadores do Banco Mundial identificam quatro conjuntos de tendências que devem afetar a capacidade de um país se tornar competitivo em diferentes subsetores industriais. São eles: magnitude da automação, concentração das exportações, intensidade dos serviços e comercialização dos bens nos mercados internacionais.
A magnitude da automação estaria relacionada à utilização de tecnologias poupadoras de trabalho, o que, por sua vez, requereria maiores capacitações para adotar novas tecnologias. A concentração das exportações estaria relacionada ao nível de concentração do comércio global, já que em alguns setores as amplas economias de escala ou mesmo ecossistemas empresariais atuantes no setor dificultariam a entrada de novos competidores. A intensidade dos serviços estaria vinculada à crescente necessidade de serviços técnicos e profissionais como formas complementares de garantir o sucesso industrial. Já a comercialização internacional apontaria para maiores exigências em termos de competividade de tais setores. Logo, dependendo da combinação entre essas tendências que se espera que um determinado setor enfrente, as demandas em termos dos “3Cs” podem variar. As pressões para manter um nível de competitividade mesmo em setores que um país já atua são grandes e exigem reformas em diferentes áreas.
Cinco cenários são traçados pelos autores. No primeiro cenário, os “3Cs” se mostram necessários. Trata-se de um cenário em que, dada a elevada concentração do comércio, exposição às novas tecnologias e intensidade dos serviços, um forte desempenho em cada um dos “3Cs” é requerido, como no caso dos setores de equipamentos de transporte, eletrônicos e produtos farmacêuticos. Alguns subsetores, como de máquinas elétricas e outras máquinas e equipamentos industriais, embora não tenham a mesma intensidade de serviços, também acabam por apresentar uma elevada necessidade de competitividade no ambiente de negócios em razão da elevada comercialização internacional e concentração das exportações. A maioria dos países de renda elevada está bem posicionada em termos da produção de tais bens e apresenta capacidade de assim permanecer diante do uso de novas tecnologias. Países como México e Vietnã precisariam de reformas em, pelo menos, um dos “Cs”, enquanto na Índia reformas em duas ou três dimensões seriam necessárias para que o país continuasse competitivo em tais setores altamente automatizados e de comércio fortemente concentrado.
No segundo cenário, elevadas competitividade e conectividade são necessárias. Dada a elevada concentração do comércio, porém baixa exposição às novas tecnologias, como no caso de têxteis e vestuário, a conectividade faz-se necessária junto com algum grau de competitividade. Em países como Bangladesh e Paquistão, outros fatores para além dos baixos salários são necessários para fortalecer o ambiente competitivo. Apesar de setores intensivos em trabalho e pouco demandantes de habilidades técnicas, são altamente competitivos e conectados internacionalmente, o que requer avanços para entrada de novos concorrentes.
No terceiro cenário, apenas elevadas capacitações se mostram necessárias. Trata-se de setores expostos às novas tecnologias, mas menos concentrados em termos do comércio internacional, como borracha e plásticos e alguns tipos de metais.
No quarto cenário, somente elevada competitividade é requerida. Este é o caso de setores menos expostos à elevada concentração no comércio ou às novas tecnologias, mas relativamente bastante intensivos em serviços, como alimentos, produtos químicos e derivados de petróleo.
No quinto e último cenário, nenhuma mudança significativa é esperada. Trata-se de setores com baixa exposição à concentração comercial ou às novas tecnologias e que se caracterizam por baixa utilização de serviços, como produtos de madeira, produtos de papel, metais e minerais não metálicos, de modo que os fatores que tornam a produção factível não devam se alterar no curto prazo.
Recomendações de políticas para fortalecer os “3Cs”
A depender dos “3Cs” que os países apresentam, as prioridades de reformas são distintas e podem auxiliar na sequência de prioridades dentro da dimensão em que um determinado país precisa se fortalecer atualmente. Países com baixa conectividade e baixas capacitações ainda precisam desenvolver com urgência certos aspectos fundamentais. Para países que desejam se tornar altamente conectados e capacitados, a agenda de reformas requer inúmeros esforços. Países que precisam aprimorar uma única dimensão, podem priorizar a agenda para aquele determinado “C”. Diversos aspectos das reformas podem ser conduzidos pelos países por conta própria. Para outros, incluindo padrões, fluxos de dados e aspectos de comércio, um esforço conjunto torna-se necessário.
As prioridades de reformas são apresentadas para cada “C” – competitividade, capacitações e conectividade – e detalhadas abaixo.
1. Prioridades de reformas para competitividade:
1.1. Reformas do ambiente de negócios: dada a elevação dos salários na China, produtores de manufaturas tendem a buscar outras localidades para realizar atividades intensivas em mão de obra barata, como Vietnã ou Etiópia, cujos salários são, respectivamente, metade e ¼ do salário na China. Todavia, como as novas tecnologias devem tornar o trabalho uma parcela cada vez menor dos custos totais de produção, ênfase crescente tem sido dada a aspectos do ambiente de negócios, incluindo regulação, acesso a financiamento, infraestrutura básica, mecanismos de controle da qualidade e regimes tributários. Muitos países de renda baixa não possuem vantagens nestes quesitos, o que compromete sua competividade, apesar de ofertarem mão de obra barata, tornando, assim, tais reformas particularmente importantes. Para países com maior inserção nas cadeias globais de valor ou com significativa atividade industrial, a agenda de reformas se amplia para compreender, em especial, aspectos de realocação de recursos e adaptabilidade das firmas diante da maior concorrência internacional, o que inclui, por exemplo, tempo e custo de se abrir e de se fechar um negócio, além de regulações nos mercados de crédito, de trabalho e tributário, a fim de facilitar oportunidades de negócios. Atenção especial também é necessária para os trabalhadores e o período de adaptação aos novos empregos, já que as novas tecnologias devem deslocar parte dos trabalhadores para novas funções, com reflexos também sobre os sistemas de proteção social.
1.2. Reformas da política de concorrência: muitos tipos de serviços, inclusive de utilidade pública, necessários para realizar as atividades industriais – como serviços de telecomunicação e informática, transporte, energia e água – são monopólios ou oligopólios públicos ou privados. Isso coloca a necessidade de reformas acerca da regulação de importantes setores de serviços que tenham impacto sobre a atividade industrial, permitindo, assim, maior participação na economia digital. Facilitar a entrada de concorrentes em setores provedores de insumos básicos para a atividade industrial também adquire importância neste novo contexto de maior integração entre as diversas atividades produtivas, sobretudo para economias de renda menor. Para países atualmente com maior grau de competitividade, é preciso atentar-se aos padrões e normas internacionais criados a partir das novas tecnologias, em geral estabelecidos antes pelas empresas do que pelos governos, na medida em que, muitas vezes, novas tecnologias com impacto sobre toda a cadeia produtiva acabam sendo testadas e transacionadas no mercado por grandes empresas concorrentes antes mesmo do desenvolvimento e estabelecimento de padrões internacionais e regulações nacionais.
1.3. Reformas para apoiar novos modelos de negócios: novas tecnologias podem melhorar o acesso a serviços financeiros no sentido de expandir oportunidades para a indústria, inclusive em países com um ambiente de negócios relativamente frágil. Este é o caso dos sistemas de pagamento móveis e do comércio digital, que facilitam as transações e ampliam a gama de consumidores em diferentes localidades, incluindo países da África, como o Quênia. Além disso, novas tecnologias estão sendo utilizadas para desenvolver novas formas de negócios, com diversas implicações concorrenciais e contratuais. Grande parte delas ainda está no setor de serviços, a exemplo de Uber e Airbnb, com efeitos respectivos sobre os setores de táxis e hoteleiro. Para a indústria, as projeções de expansão de uma economia compartilhada, com veículos, casas e máquinas (ou fábricas) compartilhadas, poderiam significativamente reduzir os custos de se instalar um negócio. Tais arranjos, no entanto, dependeriam da garantia dos contratos, de sistemas de pagamento sofisticados e de políticas concorrenciais sobre as plataformas de produção, de forma que provavelmente ganhariam maior relevância em países com níveis de competitividade mais elevados.
2. Prioridades de reformas para capacitações:
2.1. Políticas de educação e treinamento centradas em habilidades: políticas de educação e treinamento precisam ser reformuladas no sentido de conferir aos países as novas habilidades requeridas para se aproveitarem das oportunidades criadas pelas novas tecnologias. À medida que os países se tornam crescentemente mais conectados aos complexos processos produtivos, responder aos novos desafios em termos de conhecimentos e habilidades técnicas é fundamental para que mais pessoas possam ter oportunidades de empregos, os quais tendem a se tornar menos rotineiros e mais cognitivos. Outra dimensão importante refere-se à necessidade de os programas educacionais e de treinamento se adequarem de forma cada vez mais rápida às constantes mudanças nas demandas industriais por novas habilidades e conhecimentos, o que tende a exigir atributos, como adaptabilidade, criatividade, capacidade de resolução de problemas e iniciativa, dos novos profissionais. Logo, para países com baixo nível de capacitações frente aos avanços tecnológicos, a urgência de investimentos em educação e treinamento é enorme para possibilitar à força de trabalho desenvolver as capacitações necessárias para os empregos do futuro.
2.2. Fortalecimento das capacitações das firmas: a implementação de processos produtivos mais flexíveis a partir das tecnologias associadas à Indústria 4.0 não apenas exige novas capacitações dos trabalhadores, mas também maior autonomia na produção e capacidade decisória dentro das firmas, o que tornam necessárias práticas gerenciais e organizacionais que facilitem a adoção das novas tecnologias nos processos produtivos. A Internet das Coisas, por exemplo, eleva substancialmente a disponibilidade de informações em tempo real, o que requer práticas gerenciais e organizacionais adequadas para promover maior integração dos sistemas em múltiplos locais e, assim, realizar uma decisão mais eficaz acerca da produção. Neste sentido, cabe aos países avançarem em práticas gerenciais e organizacionais, iniciando-se, a depender do grau de desenvolvimento de seus sistemas nacionais de inovação, a partir de princípios básicos que permitam às empresas utilizarem e adaptarem os novos processos produtivos para, posteriormente, desenvolverem conhecimentos tecnológicos mais sofisticados associados à Indústria 4.0. Diante das novas tecnologias, maior grau de flexibilidade dos instrumentos e instituições adotados será necessário para adaptá-los a circunstâncias específicas e combiná-los de forma a refletir a crescente complexidade industrial.
2.3. Reformas de infraestrutura tecnológica: a exigência de padronização de componentes e sistemas é cada vez maior para permitir a conexão entre diferentes localidades e seus sistemas produtivos, o que torna crescentemente importantes os esforços de coordenação dentro dos sistemas nacionais de inovação dos países bem como a harmonização de interfaces conforme normas e padrões internacionais. Países de menor renda e com baixas capacitações geralmente não participam do processo de definição dos padrões internacionais, embora sua capacidade de atender a tais padrões afete, em geral, as oportunidades de se tornarem mercados exportadores. Logo, diante de produtos e processos mais complexos, as exigências de infraestrutura tecnológica, se muito elevadas, podem funcionar como barreiras não tarifárias ao comércio e desenvolvimento dos países. Para países e firmas com maiores capacitações, o ecossistema de dados é cada vez mais importante para o uso das tecnologias associadas à Indústria 4.0, o que implica novos aspectos regulatórios em termos de direitos de propriedade intelectual, privacidade e proteção dos dados, tanto para empresas como para consumidores.
3. Prioridades de reformas para conectividade:
3.1. Princípios básicos de cooperação comercial e novas tecnologias: para os países menos integrados à economia global, ainda se coloca a necessidade de ampliar a abertura dos mercados e facilitar o comércio internacional. Barreiras tarifárias e não tarifárias continuam representando obstáculos aos fluxos de comércio. Logística e simplificação alfandegária também são temas de crescente importância frente ao encurtamento dos prazos de entrega dos produtos, especialmente em países de renda mais elevada. Acesso a mercados, cooperação regulatória, entre outros temas relativos à conectividade, permanecem indispensáveis para fomentar novas modalidades de comércio possibilitadas pelos avanços tecnológicos, como o comércio eletrônico. Ao mesmo tempo, dada a crescente participação dos serviços nas atividades industriais, a agenda de reformas do comércio de serviços se torna ainda mais importante, sobretudo para os países mais integrados à ordem global. As reformas acerca dos serviços ganham destaque diante das novas tecnologias, uma vez que estas tornam diversos tipos de serviços cada vez mais presentes na produção e comercialização de bens, por meio, por exemplo, de serviços bancários, de transporte e de telecomunicações.
3.2. Novas regras sobre fluxos internacionais de dados: à medida que as tecnologias ampliam as formas de comércio internacional, novas regras também se tornarão necessárias para responder às crescentes demandas regulatórias. Processos produtivos inteligentes que integram máquinas e sistemas em diferentes partes do globo com acesso a dados armazenados em outras localidades enfrentam restrições existentes sobre fluxos internacionais de dados, o que limita a implementação de tais tecnologias no setor industrial. A tecnologia de impressão 3D também coloca desafios regulatórios específicos. Ao mesmo tempo, porém, os fluxos internacionais de dados acabam por expor firmas e consumidores a novas possíveis ameaças em termos de propriedade intelectual e privacidade. Logo, as agendas de direitos de propriedade intelectual e de privacidade passam a ser consideradas de modo conjunto com a permissão ou restrição de acesso aos fluxos internacionais de dados.
3.3. Acordos regionais e bilaterais de comércio: os acordos regionais e bilaterais de comércio se expandiram significativamente nos últimos anos, abarcando comércio de serviços, fluxos de dados e comércio eletrônico. O número de acordos de comércio preferenciais notificados na Organização Mundial do Comércio (OMC) passou de 50 em 1990 para cerca de 280 em 2015, com crescente cobertura de medidas não tarifárias e provisões em novas áreas, como proteção de dados e comércio eletrônico. Os acordos regionais e bilaterais de comércio permanecem, portanto, centrais em possibilitar maior conectividade entre mercados por meio de antigas e novas agendas de reformas, particularmente ao envolver arcabouços institucionais adequados para a utilização de novas tecnologias com a devida segurança acerca de dados e propriedade intelectual.
Em suma, as reformas do ambiente de negócios irão adquirir maior urgência na agenda de competitividade para reduzir os custos unitários do trabalho, enquanto regulações serão necessárias para ajustar às novas formas de negócios. Políticas para facilitar a adoção de tecnologias nos processos industriais por meio do fortalecimento de habilidades e competências, gerenciamento de capacitações e desenvolvimento de infraestrutura tecnológica serão requeridas. As novas tecnologias não tornarão os princípios básicos da cooperação comercial obsoletos, mas certos aspectos da agenda de reformas do comércio se intensificarão ainda mais, de modo que novas regras serão requeridas para apoiar novas modalidades de comércio abertas pelos avanços tecnológicos.
Revisitando a possibilidade e desejabilidade de políticas industriais direcionadas
Frente às tecnologias da Indústria 4.0, recolocam-se também questões a respeito da desejabilidade e possibilidade de se adotar políticas industriais direcionadas. Primeiro, cabe considerar se países de menor renda com uma base industrial limitada devem enfatizar políticas para utilizar novas tecnologias da Indústria 4.0 ou desenvolver as capacidades industriais ainda das revoluções industriais pretéritas. Isso, no entanto, está relacionado à questão se tais países seriam capazes de diretamente avançar para o uso das novas tecnologias ou se seria necessário criar primeiro as capacitações para desempenhar processos sofisticados no futuro. Isso iria requerer políticas direcionadas para fomentar tais indústrias e mesmo para dar continuidade para incorporar novas capacitações futuras.
Segundo, cabe considerar os efeitos das novas tecnologias sobre o emprego, muitas delas poupadoras de trabalho. A política industrial tem como preocupação também fomentar setores com geração de empregos. Contudo, tentativas de desenvolver um setor por meio de processos produtivos intensivos em trabalho, quando novas tecnologias mais eficientes estão disponíveis, não se mostram viáveis ao longo do tempo. Terceiro e último, as intervenções direcionadas a setores específicos podem ser mais arriscadas do que no passado em razão das rápidas transformações e da crescente incerteza no cenário econômico mundial. Ainda são incertos o ritmo e a profundidade das mudanças tecnológicas, apesar de sua difusão ter se acelerado nos últimos anos. Com mudanças ocorrendo tão rapidamente, existe o risco de se apostar e se investir em setores cuja tecnologia corrente se torne obsoleta. Somado a isso, apontam-se os recentes episódios políticos e ondas de protecionismo que tendem a questionar os compromissos dos países acerca da manutenção e cooperação comercial internacional.
Neste contexto, identificar interdependências entre diferentes escalas espaciais, do nível local ao regional e global, cumpre papel decisivo para a formulação de políticas, assim como criar arcabouços institucionais que aprimorem os fluxos informacionais entre governos e indústrias de modo a identificar oportunidades e desafios para promoção do desenvolvimento industrial.
Como resultado, amplia-se o grau de complementariedade entre políticas horizontais sobre toda a economia e políticas direcionadas a setores específicos, considerando as realidades de cada país frente aos possíveis efeitos das novas tecnologias. Por um lado, torna-se mais factível, ao menos no curto prazo, alcançar alguns requisitos competitivos direcionando esforços para setores e localidades específicas do que promovendo reformas e investimentos no conjunto da economia. Por outro lado, para que o crescimento seja mais inclusivo no longo prazo, cabe avançar na construção de aspectos associados à competitividade, às capacitações e à conectividade para melhor explorar os encadeamentos entre firmas, setores e regiões por toda a economia. Portanto, o debate não deve se limitar à utilização de políticas horizontais ou direcionadas, mas às possíveis combinações entre elas, de forma a identificar o que é factível imediatamente e ao longo do tempo diante da realidade de cada economia.