Carta IEDI
A indústria como motor do progresso: P&D e Inovação no mundo e no Brasil
Todas as atividades econômicas são geradoras de emprego, renda e de produtos e serviços fundamentais à sociedade. Porém, nem todas têm a mesma capacidade de gerar impactos sobre as demais atividades e sobre o dinamismo do sistema econômico como um todo. Ainda mais desigual é a contribuição de cada uma das atividades na construção do crescimento de longo prazo e do desenvolvimento, que em boa medida é decorrente da inovação tecnológica.
A Carta IEDI de hoje faz parte de uma série de estudos que fundamentam a estratégia industrial do IEDI a ser divulgada em breve. Retoma-se, neste trabalho, a discussão do papel da indústria no desenvolvimento, no Brasil e no mundo, a partir deste que é um dos seus principais atributos, qual seja, seus esforços em pesquisa, desenvolvimento e inovação (P&D&I).
O Analytical Business Enterprise Research and Development da OCDE avalia que a indústria de transformação responde por nada menos do que 70% dos gastos empresarias em P&D. Em serviços e na agropecuária estes percentuais são menores, de 27,7% e 0,2%, respectivamente. No Brasil, ainda que a Pesquisa de Inovação Tecnológica (PINTEC) do IBGE não permita o mesmo agrupamento de atividades que a ANBERD, a indústria também aparece como o grande centro realizador de atividades empresariais de P&D, em especial, a indústria de transformação, cuja participação foi de 71% em 2014 (referente aos dados mais recentes da pesquisa).
Tais esforços em P&D&I são tão mais intensos quanto maior é a capacidade de as empresas industriais assegurarem certo nível de rentabilidade. Não surpreende, então, que, no Brasil, as empresas mais inovadoras geralmente encontram-se dentre as mais rentáveis. Com recursos assegurados para financiar seus investimentos, as atividades de P&D&I das empresas industriais são capazes não apenas de criar novos bens industriais, mas também de revolucionar as formas de produção da própria indústria e dos demais setores da economia, promomovendo ao longo do tempo, aumentos de produtividade. Neste aspecto, a indústria é que desempenha um papel singular no desenvolvimento de atividades inovadoras da economia, especialmente aquelas baseadas em novas tecnologias.
Economistas do Banco Mundial, em livro publicado no início de 2018, também defendem, no capítulo “Why Manufacturing Has Been Important for Development”, que a indústria é elemento-chave para as atividades de P&D&I. O setor industrial, segundo o Banco, é fundamental para o desenvolvimento dos países por apresentar fatores que, embora não sejam de sua exclusividade, não aparecem reunidos na mesma intensidade em outros setores. É a indústria que apresenta nível médio de produtividade elevado e grande capacidade de absorção de mão de obra menos qualificada liberada de outros setores, ao mesmo tempo em que é o principal responsável pela integração internacional das economias e pelas atividades de inovação, como mencionado.
No Brasil, porém, há vozes no debate econômico atual que defendem que o desenvolvimento do país pode dispensar as contribuições da indústria, a despeito das evidências da importância do setor para o crescimento econômico, arrecadação tributária, emprego, exportação, investimento e P&D. Esta é uma situação anôlada, já que no restante do mundo poucos, muito menos os destacados organismos internacionais, contestam os relevantes papéis desempanhados pela indústria.
Vale frisar alguns dados do nosso contexto. A indústria brasileira, sozinha, é responsável pela arrecadação de 27% dos impostos e suporta uma carga tribuária de 45% do seu valor adicionado, segundo levantamento da Firjan a partir de dados da Receita Federal para 2016. Serviços, que é a atividade que mais arrecada (40% do total), têm uma carga tributária muito inferior à industrial (23%). No emprego, os postos gerados pela indústria de transformação representam 15% do trabalho formal, de acordo com a CNI, pagando salários acima da média nacional, chegando a um valor 26% maior no caso de empregados com pelo menos o ensino superior. A importância da indústria tanto nos impostos como no emprego ultrapassa largamente sua participação na economia, que atualmente é de apenas 10% do PIB.
Além disso, em função de suas relações intersetoriais, a indústria quando cresce tem grande capacidade de alavancar o dinamismo de outras atividades econômicas. A matriz insumo-produto ilustra essas interações. Para produzir, a indústria brasileira total demanda insumos em que quase metade são fornecidos por outros setores que não a própria indústria: 9% são produtos agropecuários e 34% são serviços (dados de 2014). Estes insumos representam algo como nada menos do que 43% da produção agropecuária do Brasil e no setor de serviços, que é mais fechado em si mesmo, algo como 13% de sua produção total.
Quando olhamos para o investimento, novamente a indústria se destaca. No período de 2007 e 2015, por exemplo, a taxa de investimento do setor industrial manteve-se acima da taxa de investimento da economia como um todo na maioria dos anos. Em 2013, enquanto a economia geral investiu 20,9% do PIB, atingindo sua melhor marca no período recente, a indústria geral apresentou uma taxa de investimento de 24,1% do seu PIB setorial, segundo estimativas do IEDI feitas a partir da Pesquisa Industrial Anual (PIA) do IBGE (Carta IEDI n. 855 “Mudanças estruturais na indústria brasileira entre 2007 e 2015”).
Além disso, no setor externo, mesmo diante de um período de pronunciada valorização dos preços de commodities, as exportações de produtos da indústria de transformação permaneceram majoritários. Entre 1997 e 2017, em média, mais de 70% de nossa pauta exportadora correspondia a produtos tipivamente industriais, segundo metodologia do OCDE.
Recentemente, o FMI, no capítulo “Manufacturing Jobs: Implications for Productivity and Inequality” da edição de abril de 2018 de seu World Economic Outlook, tampouco encontra evidências de que a indústria não seja central para o desenvolvimento dos países. Neste trabalho, diferentemente de algumas interpretações que sustentam que o desenvolvimento do Brasil pode dispensar as contribuições de sua indústria, o FMI não chega a tal conclusão. O trabalho procura mostrar apenas que existem alguns ramos de serviços tão capazes quanto a indústria manufatureira de alavancar a produtividade dos países.
Para uma amostra de 62 países (19 desenvolvidos e 43 emergentes), o FMI identifica que para o ano de 2005 alguns ramos do setor de serviços privados apresentavam níveis de produtividade igual ou até superiores à média da indústria de transformação: transportes e comunicações, intermediação financeira e atividades de negócios. Alguns desses ramos, como telecomunicações e intermediação financeira, estiveram entre os serviços cuja produtividade cresceu mais rapidamente entre 2000 e 2010.
Em sendo confirmada, essa constatação do FMI é positiva, pois o desenvolvimento econômico tal como é concebido pelo IEDI, é um processo de avanço da complexidade da estrutura produtiva, criando e fortalecendo atividades de maior valor agregado e nível de produtividade. Neste sentido, o importante é que o Brasil preserve e continue avançando nas atividades econômicas portadoras de desenvolvimento que já possui – a exemplo não só dos setores industriais, mas também de ramos do agronegócio – e, além disso, assuma posições de maior destaque em outras que apresentem as mesmas propriedades, como em segmentos de serviços.
Não são muitos os países no mundo capazes, como é o Brasil, de se beneficiar do dinamismo dos três macrossetores em proveito de seu desenvolvimento. O país não pode e não deve abrir mão de nenhum deles.
Indústria, crescimento e desenvolvimento
A indústria tem características que a tornam um dos principais – senão o principal – motor do progresso tecnológico de uma economia e do próprio sistema econômico global. Um exemplo: quando se examina a produtividade agrícola mundial no século 20, constata-se o extraordinário crescimento da produção por hectare e a enorme redução da mão-de-obra ocupada nessa atividade. Essa evolução é o produto de um novo padrão produtivo, muito mais intensivo em tecnologia, com dois grandes alicerces: mecânico e químico. Em outras palavras, a fronteira tecnológica da agricultura contou com a colaboração de desenvolvimentos que ocorreram, em grande medida, nas atividades industriais.
O argumento com mais razão ainda vale para serviços. A eletrônica e a informática redefiniram os padrões de serviços aumentando de modo intenso em muitos segmentos a sua capacidade de atendimento e de redução de custos. Também nos serviços mais qualificados, como a medicina, os modernos equipamentos e a alta tecnologia habilitam uma prestação de serviços altamente qualificada e rigorosa. Na própria indústria, existem setores cujo progresso tecnológico é definido por algumas atividades especiais, dotadas de uma capacidade ímpar de incorporação de novos conhecimentos oriundos da base científica. A primeira revolução industrial, por exemplo, teve como setor-chave a produção têxtil, mas o seu motor de transformação foi a mecânica, cujas máquinas mudaram os processos de fiação e de tecelagem e permitiram ganhos de produtividade extraordinários.
Refletindo essa condição da indústria se constituir na principal fonte de geração de novas tecnologias para si própria (inter ou intra setores industriais) ou para setores localizados além de suas fronteiras, como a agricultura e a mineração, Keith Pavitt no artigo “Sectoral patterns of technical change: towards a taxonomy and a theory” de 1984 define quatro grupamentos de setores:
1) Dominados por fornecedores: inclui setores maduros, como a indústria têxtil, a agricultura e a mineração. As novas tecnologias são geradas por fornecedores especializados, como fabricantes de bens de capital e desenvolvedores de sementes, por exemplo. O ritmo em que esses bens de capital e insumos avançados são incorporados depende tanto do dinamismo tecnológico e do padrão setorial da competição dos fornecedores quanto das necessidades dos demandantes ou usuários, mas é fato que o fornecedor é quem dita o desenvolvimento das soluções.
2) Fornecedores especializados: setores com firmas especializadas em desenvolver e produzir tecnologias como instrumentos ou equipamentos para firmas de outros setores, com as quais possuem relação simbiótica. As empresas dos setores fornecedores especializados relacionam-se com uma grande variedade de empresas de seus setores clientes e conseguem, com base nesses relacionamentos e nos investimentos que realizam em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), desenvolver uma sucessão de soluções progressivamente mais produtivas e bem adaptadas a cada usuário.
3) Intensivos em escala: setores de grandes firmas produzindo em escalas muito dilatadas, como a indústria automobilística ou a química. As inovações podem ser geradas interna ou externamente, mas possuem frequentemente caráter incremental. Na fase inicial da constituição de uma base industrial apoiada em escala, as empresas encontram mais oportunidades de desenvolvimento tecnológico e de novas soluções, seja por não existir ainda um padrão tecnológico e industrial completamente definido, seja pela ausência de dificuldades para a introdução de mudanças importantes nos processos criadas por muitas plantas industriais com escalas elevadas. Isso ocorrerá em uma fase de maior maturidade da indústria.
4) Baseados em ciência: setores de alta tecnologia nos quais é fundamental a produção e incorporação de conhecimento científico de fronteira para o desenvolvimento de novas tecnologias, como a farmacêutica, a eletrônica e a biotecnologia industrial. Esses setores relacionam-se, direta e indiretamente, com todas as atividades industriais e não industriais, sendo a ponta de lança para o desenvolvimento de soluções mais inovadoras e especialmente aquelas que rompem o status quo e viabilizam novos processos de produção e produtos radicalmente inovadores.
A maioria das inovações mais importantes não nasce dentro do seu setor usuário, mas no relacionamento das necessidades desse setor com atividades industriais que se desenvolveram a ponto de tomarem como sua a missão de encontrar soluções para outros setores. Os segmentos de máquinas e os fornecedores especializados de uma maneira geral devem a sua existência, o seu mercado, a sua competitividade e a sua sobrevivência à capacidade que desenvolveram de produzir soluções e, com elas, elevar a competitividade dos demais setores, industriais ou não.
Cabe acrescentar que o papel da indústria no desenvolvimento dos países foi tema de publicação do Banco Mundial de 2018. Trata-se do caítulo intitulado “Why Manufacturing Has Been Important for Development” do livro “Trouble in the Making? The Future of Manufacturing-Led Development” de autoria de Mary Hallward-Driemeier e Gaurav Nayyar.
Neste trabalho, os autores mostram que desenvolvimento econômico e industrialização sempre caminharam juntos. A indústria é elemento-chave no desenvolvimento por apresentar fatores que, embora não sejam de sua exclusividade, não aparecem reunidos na mesma intensidade em outros setores.
Segundo Driemeier e Nayyar, é a combinação dos cinco critérios abaixo que abre a possibilidade de promover ganhos dinâmicos de produtividade que transbordem para a integralidade do sistema econômico de um país:
1) capacidade para absorver mão de obra menos qualificada de outros setores;
2) peso do emprego do setor no total da economia;
3) nível de produtividade que o setor consegue extrair do trabalho;
4) grau de participação do setor nos mercados internacionais;
5) escopo para inovação e difusão.
É a indústria que melhor se posiciona frente a este conjunto de critérios, ao apresentar níveis elevados de produtividade e grande capacidade de absorção de mão de obra menos qualificada de outros setores, ao mesmo tempo em que é o principal responsável pelas atividades de inovação, como será mostrado a seguir, e pela integração internacional das economias. Deste modo, os países têm muito a ganhar se estabelecerem estratégias de desenvolvimento que promovam uma indústria competitiva internacionalmente.
Apesar de muito importantes para o desenvolvimento, os demais setores da economia encontram dificuldades em reunir todos os critérios acima. Segundo o documento do Banco Mundial, a agricultura, por exemplo, pode ser bastante empregadora e muito integrada no comércio internacional, mas geralmente tem menor produtividade e de investimento em inovação. Já o setor de serviços, embora associado a níveis maiores de produtividade e grande capacidade empregadora, está pouco inserido no comércio exterior e investe menos em pesquisa e desenvolvimento. Além disso, os autores ressaltam que a absorção de mão de obra menos qualificada pelo setor de serviços não garante aumento da produtividade desses trabalhadores, uma vez que são seus funcionários de alta qualificação e especialização que garantem os maiores níveis médios de produtividade do setor.
O papel da indústria na liderança do processo de desenvolvimento, contudo, não é automático nem inevitável. O primeiro condicionante, segundo os autores, é a necessidade de sua integração internacional. O progresso industrial deve ser orientado ao mercado externo, de modo que os países também se aproveitem dos efeitos positivos do comércio mundial. O segundo condicionante diz respeito à heterogeneidade interna ao próprio setor industrial.
O trabalho do Banco Mundial argumenta que a indústria é muito heterogênea, de modo que seus subsetores se diferem ou se aproximam na medida em que compartilham, em graus distintos, os critérios pró-desenvolvimento identificados anteriormente. A importância da indústria está, assim, relacionada ao fato de o próprio setor constituir um sistema que articula componentes diferentes, cada qual responsável, em maior ou menor medida, por cada um dos critérios que juntos impulsionam o desenvolvimento.
Os setores que aparacem como os principais responsáveis pelo esforço inovador da indústria podem ser reunidos em dois grupos: medium-skill global innovators, que incluem os ramos de máquinas e equipamentos mecânicos, máquinas e aparelhos elétricos e equipamentos de transporte, por exemplo, e high-skill global innovators, grupo ao qual pertencem os setores de instrumentos ópticos, eletroeletrônicos, equipamentos de computação e produtos farmacêuticos, por exemplo. Outras informações a respeito da heterogeneidade dos diferentes ramos da indústria quanto aos gastos em P&D serão apresentados na sequência.
O FMI também busca tratar a questão do papel da indústria no desenvolvimento a partir da desagregação de diferentes ramos da própria indústria, mas também de outros setores, notadamente de serviços. Este exercício foi divulgado no capítulo “Manufacturing Jobs: Implications for Productivity and Inequality” da edição de abril de 2018 e do World Economic Outlook. Neste trabalho, diferentemente de algumas vozes do debate econômico atual no Brasil, que atestam que o desenvolvimento do país pode dispensar as contribuições de sua indústria, o FMI não chega a tal conclusão. O trabalho procura mostrar apenas que existem alguns ramos de serviços tão capazes quanto a indústria manufatureira de alavancar a produtividade dos países, um fator crucial em suas trajetórios de desenvolvimento.
Para uma amostra de 62 países (19 desenvolvidos e 43 emergentes), o FMI identifica que para o ano de 2005 dois ramos do setor de serviços privados apresentavam níveis de produtividade igual ou até superiores à média da indústria de transformação: transportes e comunicações; intermediação financeira e atividades de negócios. Alguns desses ramos, como telecomunicações e intermediação financeira, estiveram entre os serviços cuja produtividade cresceu mais rapidamente entre 2000 e 2010.
Esta constatação do FMI é positiva, pois o desenvolvimento econômico tal como é concebido pelo IEDI, é um processo de complexificação da estrutura produtiva, criando e fortalecendo atividades de maior valor agregado e nível de produtividade. Neste sentido, o importante é que o Brasil preserve e continue avançando nas atividades econômicas portadoras de desenvolvimento que já possui – a exemplo não só dos setores industriais, como também do agronegócio – e, além disso, assuma posições de maior destaque em outras que apresentem as mesmas propriedades, como em alguns segmentos de serviços destacados pelo estudo do FMI.
No Brasil, além dos aspectos destacados pelo Banco Mundial e pelo próprio FMI, as atividades industriais reúnem um conjunto de outros atributos. A indústria brasileira, sozinha, é responsável pela arrecadação de 27% dos impostos e suporta uma carga tribuária de 45% do seu valor adicionado, segundo o levantamento da Firjan a partir de dados da Receita Federal para 2016. Serviços, que é a atividade que mais arrecada (40% do total), têm uma carga tributária muito inferior à industrial (23%). No emprego, os postos gerados pela indústria de transformação representam 15% do trabalho formal, de acordo com a CNI, pagando salários acima da média nacional, chegando a um valor 26% maior no caso de empregados com pelo menos o ensino superior. A importância da indústria tanto nos impostos como no emprego ultrapassa largamente sua participação na economia, que atualmente é de apenas 10% do PIB.
Além disso, em função de suas relações intersetoriais, a indústria quando cresce tem grande capacidade de alavancar o dinamismo de outras atividades econômicas. A matriz insumo-produto ilustra essas interações. Para produzir, a indústria brasileira total demanda insumos em que quase metade são fornecidos por outros setores que não a própria indústria: 9% são produtos agropecuários e 34% são serviços (dados de 2014). Estes insumos, contudo, representam algo como nada menos do que 43% da produção agropecuária do Brasil e no setor de serviços, que é mais fechado em si mesmo, algo como 13% de sua produção total.
Quando olhamos para o investimento, novamente a indústria se destaca. No período de 2007 e 2015, por exemplo, a taxa de investimento do setor industrial manteve-se acima da taxa de investimento da economia como um todo na maioria dos anos. Em 2013, enquanto a economia geral investiu 20,9% do PIB, atingindo sua melhor marca no período recente, a indústria geral apresentou uma taxa de investimento de 24,1% do seu PIB setorial, segundo estimativas do IEDI feitas a partir da Pesquisa Industrial Anual (PIA) do IBGE (Carta IEDI n. 855 “Mudanças estruturais na indústria brasileira entre 2007 e 2015”). Além disso, no setor externo, mesmo diante de um período de pronunciada valorização dos preços de commodities, as exportações de produtos da indústria de transformação permaneceram majoritários. Entre 1997 e 2017, em média, mais de 70% de nossa pauta exportadora correspondia a manufaturados.
O papel da indústria nas atividades empresariais de P&D
A base de dados Analytical Business Enterprise Research and Development (ANBERD), da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), disponibiliza informações sobre os gastos empresariais em P&D segundo os setores e países com diferentes estruturas produtivas.
Suas informações mostram que a indústria é o principal locus dos investimentos empresariais em P&D na maioria dos países, a exemplo de Áustria, Bélgica, República Tcheca, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Hungria, Irlanda, Itália, Japão, Coréia, México, Holanda, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Suécia, Suíça, Turquia, Estados Unidos, China, Romênia, Singapura e Taipei. O setor de serviços prepondera no Canadá, Chile, Estônia, Israel, Nova Zelândia, Noruega, Polônia, Portugal e no Reino Unido. A agricultura não é predominante em nenhum país, tendo maior destaque no Chile, na Nova Zelândia, na Noruega e na Holanda.
Já no Brasil, embora a Pesquisa de Inovação Tecnológica (PINTEC) não permita o mesmo agrupamento de atividades que a ANBERD (entre Indústria, Agricultura e Serviços), ela evidencia que a indústria é o setor líder na realização de atividades empresariais de P&D no país, em especial, a indústria de transformação, que responde por nada menos do que 71% dos gastos empresariais em P&D.
Outra evidência da importância do setor industrial nas atividades de P&D e inovação no Brasil quem traz é o anuário Valor Inovação Brasil do jornal Valor Econômico, que em 2017 classificou as 150 empresas mais inovadoras do país. Neste conjunto de empresas, 95 delas pertenciam à indústria, ou seja, 63% do total. Consideradas apenas as dez empresas melhor posicionadas no ranking, oito delas eram industriais, notadamente do setor de bens de capital (3 empresas) e de bens de consumo (3 empresas). As únicas duas exceções eram empresas pertencentes ao setor de serviços financeiros.
Além da relação estreita entre empresas inovadoras e o setor industrial, deve ser destacada ainda a relação entre capacidade de inovação das empresas e seu nível de rentabilidade. Inova mais quem tem maior rentabilidade.
Um cruzamento realizado pelo IEDI das informações do anuário Valor Inovação Brasil com o ranking Valor 1000 sugere que as empresas mais inovadoras do Brasil também estão entre as mais rentáveis. No caso das 95 empresas industriais inovadoras, 49 disponibilizavam seus dados contábeis no ranking Valor 1000, tornando possível identificar que 86% delas registravam lucro líquido superior à mediana (R$ 27 milhões) da amostra total da divulgação. Do mesmo modo, 71% delas tinham uma margem operacional também superior à medida do total das empresas.
O ritmo da inovação na agricultura tem crescido em diversas partes do mundo como resultado de avanços em áreas como biotecnologia, comunicação máquina a máquina (M2M) e logística. O setor público tradicionalmente tem capitaneado estes avanços, sendo o principal responsável pelos gastos em pesquisa e desenvolvimento – 55% dos US$ 69 bilhões gastos no mundo nestas atividades em 2011 (ano mais recente para o qual dados globais estão disponíveis), segundo o The Global Innovation Index 2017: Innovation Feeding the World. No Brasil, como mostra o gráfico abaixo, os dispêndios públicos em P&D vêm aumentando a uma taxa considerável nos últimos anos, em valores nominais. No entanto, a participação da P&D agrícola no total dos dispêndios públicos em P&D vem mostrando tendência de queda.
A forte presença do setor público no P&D agrícola ilustra a diferença no padrão de inovação entre a agricultura e a indústria, especialmente a indústria de transformação, na qual uma maior fatia dos gastos em P&D são realizados e financiados pelas empresas privadas, embora existam diferenças importantes entre países. É importante destacar, ainda, que o advento da biotecnologia moderna está revolucionando a inovação na indústria de sementes. Com a possibilidade de patenteamento em alguns países, além de outros mecanismos formais de proteção industrial, o papel do setor privado em P&D agrícola tem aumentado consideravelmente, com destaque para grandes empresas como a suíça Syngenta (recentemente adquirida pela ChemChina) e a estanunidense Monsanto (recentemente adquirida pela alemã Bayer).
As informações até aqui levantadas nos permitem afirmar que é a indústria o grande propulsor da realização de atividades de P&D e da criação de novas oportunidades tecnológicas, no Brasil e no mundo. Mesmo na agricultura, onde o setor público historicamente tem sido ator predominante, as mudanças nas condições de apropriabilidade e oportunidade tecnológica após a biotecnologia moderna têm elevado o caráter industrial e privado da dinâmica inovativa nesse setor.
Estrutura industrial e oportunidades tecnológicas
Alguns padrões de particular interesse podem ser destacados na relação das 2.500 empresas que mais investem em P&D no mundo, segundo o “EU Industrial R&D Investment Scoreboard de 2016 (http://iri.jrc.ec.europa.eu/scoreboard16.html)”. Em primeiro lugar, aproximadamente 75% dessas empresas (1.838) estão concentradas em apenas nove setores industriais. Além disso, apenas dez setores industriais investem uma média em P&D acima de 4% de seu faturamento.
Os dados acima indicam em alguma medida o grau de oportunidade tecnológica dos diversos setores. A oportunidade reflete o potencial de geração de inovação para um dado valor financeiro investido em pesquisa. Elevada oportunidade é um poderoso incentivo para a realização de atividades de inovação em determinada indústria. Podemos considerar os setores industriais presentes nas tabelas como os de maior oportunidade tecnológica no plano global - ou seja, Farmacêuticos e Biotecnologia, Software e Serviços de Computação, Hardware e Equipamentos, Equipamentos elétricos e eletrônicos e Automóveis e Autopeças.
O Brasil possui apenas 9 empresas na relação das 2.500 corporações dentre as que mais investem em P&D no mundo. Dessas empresas, apenas a TOTVS pertence a uma indústria que pode ser classificada como de elevada oportunidade tecnológica (i.e. Software e Serviços de Computação), mesmo que o seu segmento específico de atuação permita uma convivência entre empresas mais propensas a investimentos em tecnologia e outras mais refratárias. Se considerarmos todas as indústrias relacionadas nas duas primeiras tabelas, esse número subiria para quatro, com a adição de EMBRAER (Aeroespacial e Defesa), WEG (Engenharia Industrial) e BRASKEM (Químicos).
O nível de oportunidade normalmente está relacionado com avanços científicos e com existência de capacidade interna para transformar tais avanços em produtos e processos com espaços no mercado. Os indicadores acima mencionados refletem ainda uma baixa capacidade da indústria brasileira absorver e utilizar conhecimento existente. Isso porque as possibilidades de desenvolvimento e aprendizado futuro dependem do estoque de conhecimento e das rotinas de aprendizado desenvolvidas no passado.
Há indicações, portanto, de que está ocorrendo um mismatch entre a estrutura industrial brasileira e a estrutura das oportunidades tecnológicas da indústria mundial. É importante levar em conta a dinâmica competitiva das grandes empresas brasileiras, bem como os fatores que limitam a capacidade de atores locais participarem ativamente da fronteira global de inovação.
Para tal, é forçoso ampliar a discussão para além dos usuais e inegavelmente importantes temas de juros, câmbio, carga tributária, deficiências do mercado de trabalho e de capitais, insuficiência da capacitação gerencial e falta de estímulo à formação de empreendedores na universidade. A precariedade relativa do sistema nacional de inovação brasileira, e as deficiências estruturais de grande parte das empresas locais, incluindo deficiências em capacitação gerencial como a administração da comercialização e do marketing são aspectos a serem considerados.
Conclusão
Um dos seus principais atributos da indústria são seus esforços em pesquisa, desenvolvimento e inovação, pois são capazes não apenas de criar novos bens industriais, mas também de revolucionar as formas de produção da própria indústria e dos demais setores da economia, promomovendo ao longo do tempo, trajetórias ascendentes de produtividade. Neste aspecto, a indústria desempenha um papel singular no desenvolvimento de trajetórias inovadoras da economia, especialmente aquelas baseadas em novas tecnologias.
O Analytical Business Enterprise Research and Development (ANBERD), da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo, avalia que a indústria de transformação responde por nada menos do que 70% dos gastos empresarias em P&D. Em serviços e na agropecuária estes percentuais são menores, de 27,7% e 0,2%, respectivamente.
No Brasil, ainda que a Pesquisa de Inovação Tecnológica (PINTEC) do IBGE não permita o mesmo agrupamento de atividades que a ANBERD, a indústria também aparece como o grande centro realizador de atividades empresariais de P&D, em especial, a indústria de transformação, cuja participação foi de 71% em 2014 (referente aos dados mais recentes da pesquisa).
Ademais, as empresas industriais também dominam o ranking do anuário Valor Inovação Brasil. Com dados de 2017, esta publicação classificou as 150 empresas mais inovadoras do país. Pois bem, neste conjunto de empresas, 95 delas pertencem à indústria, ou seja, 63% do total. Consideradas apenas as dez empresas melhor posicionadas no ranking, oito delas são industriais, notadamente do setor de bens de capital (3 empresas) e de bens de consumo (3 empresas).
De onde vem a capacidade da indústria (ou pelo menos algumas de suas atividades ou ramos) de se tornar vetor de transformação de outras atividades ou mesmo de boa parte das atividades da economia? Resumidamente, vem da criação na indústria de setores especializados na produção de soluções tecnológicas para si própria e para outros setores, gerando e difundindo tecnologias e elevando a produtividade. A maioria das inovações mais importantes não nasce dentro do seu setor usuário, mas predominantemente no relacionamento das necessidades do setor beneficiado com atividades industriais que se desenvolveram tomando como sua a missão de criar soluções tecnológicas para outros setores.
O conceito de oportunidades tecnológicas permite entender que, embora existam potencialidades de inovação tecnológica em todas as atividades, a frequência com que elas se apresentam, a intensidade e a amplitude dos seus impactos são muito distintas em diferentes áreas científicas, tecnológicas e industriais.
Ilustra o argumento o caso do complexo eletrônico-informático, cujo desenvolvimento e implicações sobre as mais variadas atividades eram inimagináveis no momento de invenção do primeiro semicondutor, em 1948. A conectividade e a inteligência derivadas desse novo campo do conhecimento científico e das tecnologias associadas criaram novos bens e está transformando produtos e formas de produzir que pareciam estabilizados.
As oportunidades tecnológicas em uma dada indústria são, em grande medida, definidas por avanços científicos nos campos adjacentes, avanços tecnológicos em outras indústrias (e.g. fornecedores, materiais) e feedbacks positivos de inovações prévias (e.g. uma solução tecnológica que supera um gargalo que bloqueava avanços subsequentes). Eis aqui um importante aspecto para a diversificação da estrutura produtiva de um país e sua maior integração na economia global.
Diferentes níveis de oportunidades tecnológicas são um fator destacado na explicação de diferenças intersetoriais na intensidade e na caracterização das atividades inovativas. Segundo a relação das 2.500 empresas que mais investem em P&D no mundo, a partir do EU Industrial R&D Investment Scoreboard de 2016, apenas cerca de dez setores industriais investem uma média em P&D acima de 4% de seu faturamento. Dessas empresas, a maioria (75%) está concentrada em apenas nove setores industriais. Farmacêutica e Biotecnologia, Software e Serviços de Computação, Hardware e Equipamentos Elétricos e Eletrônicos e Automóveis e Autopeças despontam, assim, como aqueles setores de maior oportunidade tecnológica no plano global.
O Brasil, por sua vez, tem apenas 9 empresas na relação de corporações que mais investem em P&D no mundo e apenas uma delas pertence a um setor de elevada oportunidade tecnológica (em Software e Serviços de Computação). Há indicações, portanto, de que esteja ocorrendo um descasamento entre a estrutura industrial brasileira e a estrutura das oportunidades tecnológicas da indústria mundial. Este é um fator que pode sugerir dificuldades de o sistema industrial asileiro avançar em direção à Indústria 4.0.