Carta IEDI
Princípios de um Plano para a Indústria 4.0 no Brasil
Um novo estágio de desenvolvimento da produção industrial no mundo está em andamento, compreendendo o que vem sendo chamado de Indústria 4.0 ou Manufatura Avançada. As maiores potências industriais do mundo, como Alemanha, EUA e China, vêm reforçando ações de política industrial nesta direção. Os países em desenvolvimento passam, então, a conviver com um cenário internacional de grande movimentação que pode questionar o seu estágio de desenvolvimento produtivo.
Esta Carta IEDI procura estabelecer alguns princípios para um plano nacional voltado à Indústria 4.0 no Brasil. O trabalho faz parte de uma série de quinze estudos que subsidiaram a elaboração da estratégia industrial do IEDI e tem como base as reflexões feitas pelo consultor do IEDI Roberto Vermulm, Professor de Economia da USP e Ex-Diretor do CGEE, da FINEP e da EMBRAPII. Seu estudo também está disponibilizado, na íntegra, em nosso site.
Para fazer frente aos desafios da Indústria 4.0, o Brasil necessita retomar o investimento no setor industrial e, ao mesmo tempo, transformar a sua estrutura produtiva, modernizando sua pauta de produção e exportação, seus processos produtivos e modelos de negócios. Esse processo de transformação requer a cooperação entre agentes públicos e privados no direcionamento de uma estratégia de desenvolvimento nacional para evitar perdas adicionais ainda maiores em sua estrutura industrial.
A despeito de algumas iniciativas recentes, inclusive na esfera do governo federal, ainda existe, segundo o autor, a carência de um Plano Nacional para a Indústria 4.0 em que haja coordenação entre as instituições públicas entre si e entre elas e o setor privado. Vale lembrar que um grande problema da política industrial e tecnológica brasileira é a fragilidade da institucionalidade sobre a qual se apoia, refletindo-se em decisões que não são efetivamente implementadas, políticas sem definição de prioridades, não estabelecimento de instrumentos de ação, falta de articulação entre instituições e de cooperação efetiva entre governo e empresariado etc. Todas essas deficiências permanecem na ordem do dia e precisam ser endereçadas, segundo o autor.
Assumindo-se o compromisso dos agentes públicos e de lideranças empresariais com a agenda 4.0, é imprescindível a elaboração de um plano nacional para a Indústria 4.0 sob o comando no mais alto nível, de modo a, entre outros aspectos, assegurar convergências e sinergias. Recomenda-se ainda que seja um programa de longo prazo, algo como 10 anos, e que contemple princípios tais como:
• A política para a Indústria 4.0 deve estar voltada tanto para ações de inovação quanto de difusão de tecnologias. A questão da difusão é muito importante porque várias das tecnologias habilitadoras da Indústria 4.0 já são conhecidas e podem ser adotadas pelas empresas com impactos relevantes imediatos sobre sua produtividade. Por outro lado, não se pode restringir à difusão sob o risco de ficarmos presos em um horizonte curto demais para uma estratégia de desenvolvimento tecnológico.
• É importante que o Brasil defina sua estratégia no campo da inovação tecnológica na medida em que a Indústria 4.0 abre novas janelas de oportunidade. Todas as propostas sobre inovação ressaltam a importância da cooperação entre empresas e instituições científicas e tecnológicas como uma imposição.
• Tratar a indústria como se fosse um único campo de aplicação pode não ser o procedimento mais adequado, pois as especificidades setoriais são importantes em uma política para a Indústria 4.0. Isso porque o estágio e a dinâmica dos processos de digitalização industrial são diferenciados entre os setores industriais.
• Na dimensão da difusão tecnológica, o papel das empresas integradoras é considerado estratégico, o que justifica um conjunto de medidas de política para viabilizar e fortalecer esses empreendimentos.
• A estruturação de testbeds e as redes de inovação são infraestruturas relevantes para o desenvolvimento tecnológico da indústria brasileira na era 4.0. Esses laboratórios devem possuir foco de atuação bem definido, o que implica dizer que são necessários vários laboratórios desse tipo para atender a toda a demanda potencial do setor industrial. As empresas de menor porte seriam as maiores demandantes de serviços de testbeds.
• Dado que é bastante rara a cooperação entre empresas que possuem atividades de P&D, universidades e institutos de pesquisa e que as instituições de pesquisa no país não trabalham com foco bem delimitado em decorrência da grande instabilidade orçamentária na qual operam, pode ser mais aconselhável criar uma rede de laboratórios sob uma única instituição em parceria com o setor privado, com departamentos específicos definidos por conjuntos de competências necessárias para o desenvolvimento da Indústria 4.0.
• Diretamente, o governo deve se utilizar tanto de compras de bens e de serviços, em áreas como saúde, segurança, defesa, mobilidade, administração geral etc, bem como de encomendas tecnológicas com características específicas que sejam de interesse público.
• Indiretamente, o governo pode utilizar seus mecanismos tradicionais de redução de custo e de risco da pesquisa tecnológica. Nesse sentido pode se utilizar dos incentivos fiscais à P&D, subsídios financeiros na concessão de empréstimos com retorno, concessão de financiamento não reembolsável para institutos de pesquisa que desenvolvam tecnologias em parceria com empresas industriais, subvenção econômica etc. O pressuposto é que o Tesouro Nacional libere recursos para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) que tem essa possibilidade instrumental.
• Dada a intensidade de conhecimento das tecnologias habilitadoras da Indústria 4.0 e a intensidade de serviços embutidos nessas tecnologias, as startups se tornaram importantes como desenvolvedores de tecnologias e suas aplicações. Políticas específicas para esse segmento se justificam, abrangendo formação de recursos humanos, financiamento e gestão empresarial.
A Indústria 4.0 e seus impactos
A Indústria 4.0 resulta da incorporação e do desenvolvimento de um conjunto de tecnologias de base digital. Esse conjunto pode variar na percepção de diferentes analistas, todavia entre as tecnologias mais relevantes podem ser citadas as seguintes:
• Sensores e Atuadores – os sensores são dispositivos capazes de identificar e registrar informações sobre variáveis físicas ou químicas de um ambiente produtivo. Por exemplo, identificam e registram informações sobre temperatura, pressão, umidade, presença de produtos químicos, dimensões físicas, características físicas dos produtos etc. Essas informações são processadas por controladores que acompanham e gerenciam a produção. Os atuadores são dispositivos capazes de gerar uma ação, de comandar um movimento, e dessa forma atuam no processo de produção. Os sensores e os atuadores estão na base de processos de automação digital.
• Internet das Coisas – são sistemas, compostos por hardwares e softwares que viabilizam a interligação e a comunicação entre objetos, podendo ser máquinas e equipamentos conectados entre si ou bens de consumo conectados com outros produtos.
• Big Data – processamento e armazenamento de grandes bases de dados estruturados e não estruturados. Dispor de dados passou a ser muito importante para o tratamento computacional com o objetivo de analisar processos e tomar decisões, mesmo que apenas uma parte dos dados seja analisada. Dispor de grandes bases de dados também está na base da automação digital e da robotização de processos industriais nas quais os robôs autônomos tendem a assumir maior relevância.
• Computação em Nuvem – os serviços de computação em nuvem utilizam computadores, servidores e toda infraestrutura necessária para processar e armazenar bases de dados. Essa infraestrutura é compartilhada e acessada através da internet, a partir de diversos dispositivos de acesso, tais como computadores, tablets e celulares.
• Inteligência Artificial – é área da computação que permite que máquinas tomem decisão autonomamente. Para tanto é necessário dispor de grandes bases de dados, capacidade de processamento de informações e computação em nuvem. A inteligência artificial viabiliza que produtos e processos produtivos tomem decisões sem a interferência humana.
• Tecnologias de Comunicação sem Fio – são sistemas constituídos por equipamentos, dispositivos, componentes e por softwares que viabilizam a comunicação de voz e de dados sem fio. Essas tecnologias permitem grande mobilidade dos agentes dos processos produtivos, permitindo tanto a comunicação intraplanta industrial, como corporativa, integrando diferentes sites da empresa, como extrafirma, ao possibilitar a comunicação entre empresas.
• Sistemas Integrados de Gestão – são diferentes softwares de gestão que integram diferentes atividades de uma unidade industrial, ou que aumentam a eficiência da gestão produtiva, comercial ou financeira da empresa, ou que integram diferentes unidades produtivas de uma mesma corporação.
• Robótica – os robôs são equipamentos de automação industrial controlados automaticamente, podendo ser programados e reprogramados a distância e com maior ou menor grau de autonomia, isto é, sem a necessidade de intervenção humana. Robôs mais avançados são equipados com diferentes dispositivos e programas, que permitem a tomada de decisão diante de alterações das variáveis consideradas no processo de produção, e podem interagir com os trabalhadores engajados em um determinado processo produtivo.
• Manufatura Aditiva – é o processo de produção de peças através da deposição de materiais.
• Novos Materiais – há nova geração de materiais que podem ser nanoestruturados ou não, que possuem aplicações diversas e que estão contribuindo para o desenvolvimento das tecnologias apontadas acima. É o caso de novos materiais desenvolvidos para aplicações eletrônicas que estão viabilizando aumento da capacidade de processamento e de armazenamento de dados com baixos custos relativos.
A Indústria 4.0 resulta da aplicação dessas diferentes tecnologias, que se integram para a geração de soluções específicas segundo a prioridade e a programação de cada empresa. Não necessariamente todas as tecnologias são empregadas em uma mesma solução, assim como a intensidade do emprego de cada uma delas pode variar bastante de projeto a projeto. O fato é que existem inúmeras possibilidades de combinações dessas tecnologias para a resolução de problemas concretos colocados pela produção industrial. Apesar do potencial de geração de grandes impactos sobre a atividade industrial, nem todas as tecnologias que dão suporte à Indústria 4.0 são novas. Algumas já são utilizadas pela produção industrial, tais como sistemas modernos de gestão, automação eletrônica de processos produtivos e robotização, comunicação móvel, sensores e atuadores etc.
Todavia, a grande novidade da Indústria 4.0 está na integração das distintas tecnologias e, pode-se dizer, na inteligência artificial. Isto significa que as tecnologias que já são conhecidas pelas empresas industriais estão tendo uma difusão muito mais acelerada e as soluções empreendidas são distintas daquelas que prevaleciam até então.
Esse processo de mudança técnica, que combina novas tecnologias e intensificação da difusão de outras já conhecidas, tem sido viabilizado pela redução de custos de algumas dessas tecnologias. Este é o caso dos sensores e atuadores que têm permitido ampliar a automação digital muito rapidamente. De forma análoga vem ocorrendo com o processamento e armazenamento de grandes bases de dados. Mesmo assim, o investimento necessário para a digitalização de uma unidade fabril não é desprezível, o que equivale dizer que, embora seja uma tendência clara, o grau de digitalização das empresas industriais será diferenciado segundo seu fôlego financeiro e sua estratégia.
Os impactos das tecnologias da Indústria 4.0 são variados e podem ser divididos entre impactos sobre os processos de produção e sobre os produtos. Em outra dimensão, podem ser classificados em impactos sobre a empresa industrial ou sobre toda a cadeia produtiva na qual se insere a empresa industrial.
Na primeira dimensão (produtos e processos produtivos), é importante observar que os impactos serão diferenciados dependendo de a indústria ser de processos contínuos de produção ou processos discretos, também chamados de manufatura ou indústria de montagem. Nos processos contínuos não há interrupção dos fluxos de produção, entrando a matéria-prima no início do processo juntamente com demais insumos e resultando em um ou mais produtos ao final da produção. Exemplo de indústria de processo contínuo de produção é a de bens intermediários, tais como siderurgia e química. Geralmente são indústrias de capital intensivas, sob o comando de empresas com grande faturamento, que trabalham com elevadas escalas de produção, movimentando também altos volumes de matérias-primas e outros insumos. No caso do Brasil esse segmento industrial está entre aqueles que se encontram mais próximos da tendência mundial de produção, já com elevada automação eletrônica de processos de produção.
De outro lado está a manufatura ou indústria de montagem na qual a produção pode ser interrompida em várias de suas etapas. O produto final resulta da montagem de partes, peças e componentes que podem ser inseridos no produto já pré-montados. A indústria automotiva, a indústria de máquinas e equipamentos, de vestuário, de calçados são alguns exemplos. Nesse segmento industrial convivem empresas de diferentes tamanhos, com variada intensidade de capital e de escala de planta industrial. As cadeias produtivas destas indústrias geralmente são mais complexas e mais extensas, agregando um conjunto bastante diferenciado de fornecedores.
Dadas as considerações acima, pode-se dizer que os impactos da adoção das tecnologias da Indústria 4.0 serão mais intensos na indústria de montagem do que na indústria de processo contínuo. Uma grande diferença entre eles está na possibilidade de maior flexibilização do processo produtivo. No caso da indústria de montagem imagina-se mais claramente a possibilidade de customização da produção às demandas dos clientes sem se perder as vantagens da produção em alta escala.
Isto será viabilizado pela adoção de algumas tecnologias: integração das atividades produtivas (engenharia de produto, engenharia de processo, planejamento da produção, programas de gestão da produção); integração da empresa montadora com seus fornecedores; integração da empresa montadora com seus sistemas de distribuição e comercialização, por exemplo. Com a digitalização, será possível receber demandas diferenciadas dos clientes, as quais irão requerer insumos e componentes diferenciados dos fornecedores; as empresas programarão a produção da forma mais eficiente possível, dada a integração das máquinas, dos equipamentos e dos sistemas de alimentação e de distribuição de produtos.
Essas possibilidades são maiores na indústria de montagem do que na indústria de processo contínuo na qual a programação e reprogramação de toda a planta industrial pode demandar um tempo incompatível com as vantagens obtidas com a customização. Mais do que isso, os processos de produção adotados podem conter uma rigidez muito grande não viabilizando a diferenciação de produtos segundo demandas dos clientes.
Portanto, a flexibilidade da produção tende a aumentar com a digitalização, contudo com maior intensidade nos setores da indústria de montagem do que nos setores de processos contínuos de produção. Além disso, no caso do Brasil, os segmentos industriais que empregam processos contínuos estão relativamente mais atualizados, sob o ponto de vista tecnológico, porque receberam investimentos mais recentemente.
Os impactos da adoção das tecnologias da Indústria 4.0 são os mais variados. A eficiência dos processos irá melhorar. Como as tecnologias digitais utilizam sensores espalhados por toda a planta industrial e as variáveis do processo de produção são controladas automaticamente por unidades computacionais, é possível aumentar a eficiência dos processos produtivos.
Muito relevante será a economia de energia, seja porque as máquinas e os equipamentos empregados tendem a ser mais inteligentes, seja porque os programas de controle da produção possibilitarão economizar energia em diferentes momentos da produção.
Também melhorará a qualidade dos produtos, com a redução de imperfeições dos processos de produção. Máquinas e equipamentos mais inteligentes dotados de sensores e atuadores serão capazes de prevenir e de tomar decisões autonomamente diante de defeitos observados ao longo do processo de produção.
A redução de custos de produção constituirá outro impacto porque as máquinas e os equipamentos trabalharão de forma integrada, comandados por computadores que otimizarão a produção. Haverá redução do tempo para setup das máquinas e dos equipamentos a partir da maior automação, que pode já prever, no próprio equipamento, os parâmetros e a decisão de reprogramação das operações industriais. Haverá redução de custos de manutenção das máquinas e dos equipamentos, porque eles serão controlados por programas mais sofisticados, que já incluem o acompanhamento de parâmetros para a definição da manutenção. A inteligência artificial, por outro lado, viabilizará a manutenção preditiva, reduzindo assim os custos com a manutenção e reduzindo a parada da produção decorrente da necessidade de manutenção.
A digitalização da produção, a internet das coisas e as tecnologias de comunicação integrarão diferentes departamentos das empresas, plantas industriais de uma mesma empresa e a empresa com seus fornecedores, prestadores de serviços e clientes. Dessa forma, será possível diminuir custos administrativos, reduzir estoques de partes, peças e componentes e de produtos acabados, aumentar a eficiência dos processos produtivos, diminuindo os custos de transação e otimizando a logística.
Ademais, esta integração viabilizará a redução do tempo investido no desenvolvimento de novos produtos, e a inteligência artificial, aplicada a processos de pesquisa e desenvolvimento (P&D), poderá contribuir para a redução do tempo no lançamento de novos produtos e no desenho de novos processos de produção. Além dos programas de gestão da produção, serão difundidos programas que simularão ambientes produtivos, que testarão alternativas para identificar o processo mais eficiente. De forma análoga, programas de simulação e de realidade aumentada serão empregados no desenvolvimento de novos produtos.
As tecnologias da Indústria 4.0 possibilitam também a geração de novos modelos de negócio. Basicamente, aumenta-se a venda de serviços atrelados ou não à venda de produtos. As empresas produtoras de bens de capital poderão optar pela venda dos serviços desses produtos, mediante negociação de parâmetros de desempenho. O mesmo poderá ocorrer com a substituição da venda de bens de consumo duráveis pelos serviços por eles prestados.
Novas gerações de produtos surgirão com a maior difusão de sensores e atuadores nos produtos e com a utilização da inteligência artificial; ou seja, os produtos serão mais conectados. Isto vale tanto para os bens de consumo como para os bens de capital.
Enfim, os pontos relacionados acima dão uma ideia da extensão dos impactos esperados com a difusão das tecnologias da Indústria 4.0. Em linhas gerais, as mudanças irão gerar redução de custos de produção, maior flexibilidade dos processos produtivos, aceleração do ritmo de desenvolvimento tecnológico, seja de produtos ou de processos produtivos ou ainda de novas gerações de produtos e novos modelos de negócio.
O baixo estágio de difusão das tecnologias 4.0 no país
Dado esse cenário, torna-se estratégico para a indústria brasileira acelerar o ritmo de difusão das tecnologias da Indústria 4.0 assim como intensificar as inovações aproveitando a nova onda tecnológica. Por outro lado, o estágio atual de difusão dessas tecnologias ainda está muito pouco desenvolvido. Duas pesquisas empíricas recentes atestam esse fato.
Em abril de 2016, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) publicou uma Sondagem Especial sobre a Indústria 4.0 no Brasil. Foram consideradas 10 tecnologias digitais para se obter informações como: adoção dessas tecnologias pelas empresas; objetivos da adoção das tecnologias; importância delas para a competitividade industrial; principais dificuldades para a sua aplicação etc. Essas questões foram submetidas a 2.225 empresas do setor industrial brasileiro, sendo 910 pequenas, 815 médias e 500 grandes empresas. O período de coleta de dados foi de 4 a 13 de janeiro de 2016.
Uma das constatações mais relevantes do levantamento foi o baixo conhecimento das empresas da importância das tecnologias digitais para a competitividade: “43% não identificaram quais tecnologias digitais, em uma lista com 10 opções, têm o maior potencial para impulsionar a competitividade da indústria. O desconhecimento é significativamente maior entre as pequenas empresas (57%). Entre as grandes empresas, o percentual de empresas que não identificaram alguma das 10 tecnologias digitais apresentadas como importantes para a competitividade cai para 32%” (CNI, 2016; p. 3). Esses dados demonstram o distanciamento da indústria brasileira das tecnologias digitais.
A pesquisa mostra ainda que as empresas pouco se utilizam das tecnologias digitais: 52% das empresas entrevistadas manifestaram que não empregam nenhuma das tecnologias selecionadas. As que utilizam o fazem em atividades dos processos de produção com o objetivo de redução de custos operacionais e aumento da produtividade.
Por fim, o alto custo de implantação das tecnologias digitais é apontado como a principal barreira à incorporação dessas tecnologias, mesmo entre as empresas que as utilizam. Outros fatores como falta de clareza na definição do retorno sobre o investimento e a estrutura e cultura da empresa também foram apontados como barreiras.
A pesquisa atesta que a difusão das tecnologias na indústria é bastante baixa, o que coloca a necessidade de um grande esforço de modernização nos próximos anos para não se consolidar a defasagem tecnológica da indústria brasileira e dificultar sua inserção internacional.
Outro levantamento também relativo à adoção das tecnologias da Indústria 4.0 foi realizado pelo projeto Indústria 2027, encomendado pela CNI à Universidade Federal do Rio de Janeiro em conjunto com a Universidade de Campinas. A pesquisa de campo foi realizada entre 01 de junho e 31 de outubro de 2017, junto a médias e grandes empresas industriais, tendo obtido retorno de 759 estabelecimentos industriais.
Em relação à situação atual, a pesquisa constatou que 1,6% das empresas encontravam-se na Geração 4, a mais avançada em termos da adoção de tecnologias digitais. “Mais do que isso, 77,8% das empresas encontravam-se nas Gerações 1 e 2, não tendo ainda alcançado a Geração 3, equivalente à “Produção Integrada”, com uso relativamente intensivo de TICs [tecnologias da informação e comunicação] nas diversas áreas organizacionais” (Indústria 2027, p. 24). O dado que mais chama a atenção é que 3/4 das empresas estão nos estágios iniciais do que seria a digitalização da indústria.
Tomando apenas a Geração Digital 1, tem-se 38,7% das empresas nesse estágio. Lembrando que o painel é constituído por grandes e médias empresas, e considerando que a Geração 1 se caracteriza por processos administrativos e comerciais realizados manualmente, e a produção é efetivada com máquinas não conectadas, pode-se ter uma ideia de como a indústria brasileira está defasada e distante da adoção das tecnologias que tendem a predominar com a difusão da Indústria 4.0. Se as médias e grandes empresas estão tão distantes desse paradigma, o que dizer das empresas de menor porte, tradicionalmente com menos condições de acessar novas tecnologias?
Quase dois terços das empresas (64%) consideram ser alta ou muito alta a probabilidade da Geração Digital 4 de tecnologias digitais ser dominante em 2027. Apesar disso, poucas estão de fato trabalhando para essa incorporação. Somente 15% das empresas possuem alguma ação para incorporar a Geração 4 das tecnologias digitais e 39,4% não estão agindo e nem mesmo executam ou executaram estudos iniciais com esse objetivo.
Enfim, as duas pesquisas recentes sobre a adoção das tecnologias digitais na indústria brasileira demonstram que o risco de a defasagem conduzir à perda de competitividade da indústria brasileira existe e é elevado. Procurando alterar esse quadro, o setor público e entidades empresariais têm procurado lançar propostas e ações voltadas ao desenvolvimento da Indústria 4.0 no Brasil. O próximo item resume algumas dessas iniciativas.
Recentes propostas de políticas para a Indústria 4.0 no Brasil
Cada vez mais o tema da Indústria 4.0 tem estado presente nas agendas de instituições públicas, entidades empresariais, academia e das agências de fomento. Algumas instituições têm implementado ações de promoção da Indústria 4.0 no Brasil, enquanto outras têm proposto políticas públicas. Na maior parte dos casos tem predominado a temática da difusão e da adoção dessas tecnologias por parte das empresas industriais instaladas no país. Mas ainda é muito recente esse movimento para que se possa avaliar a efetividade das iniciativas.
Neste item do trabalho o foco está no tema de propostas de políticas. A seguir serão apresentadas e comentadas algumas das mais recentes proposições de políticas voltadas para a Indústria 4.0 no Brasil.
Inovação, manufatura avançada e o futuro da indústria – ABDI Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, 2017
O documento encomendado pela ABDI ao Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) propõe para o Brasil um programa para a Indústria do Futuro. Suas recomendações destacam quatro grandes temas: Governança, Integração Internacional, Laboratórios e Rede Testbeds.
No tema Governança a proposta é de instituição do programa sob responsabilidade de um Comitê de Liderança dirigido pelo Presidente da República e composto por representantes do governo, dos empresários e da academia, com representação empresarial majoritária, porque o tema é muito novo e existem várias tecnologias para serem desenvolvidas com graus diferenciados de incerteza. A maior representação empresarial concederia um mosaico de possibilidades para a tomada de decisão do Comitê. A este Comitê caberiam as decisões estratégicas: diretrizes do Programa, principais iniciativas e mobilização de instrumentos de ação.
Abaixo do Comitê de Liderança é proposta uma Secretaria Executiva com participação majoritária de empresários. O documento não indica qual seria a instituição líder dessa Secretaria Executiva ou a quem caberia a coordenação geral dos trabalhos. Por fim, propõe-se a formação de Grupos de Trabalho, de natureza técnica, sem especificar se seriam representantes institucionais ou não; o destaque aqui foi dado para a competência técnica na realização de estudos e proposição de ações. Inicialmente sugere-se a criação dos seguintes Grupos de Trabalho: Robótica e Automação; Sensores e Inteligência Artificial; Infraestrutura; Regulação; e Recursos Humanos.
Persistem algumas dúvidas sobre essas recomendações. Em primeiro lugar, atribuir a direção do Comitê de Liderança ao Presidente da República a nosso ver é adequado, mas não assegura a prioridade e importância estratégica que se espera para o Programa. Em segundo, sobre o Comitê ser majoritariamente composto por representantes do meio empresarial, a questão é como serão selecionados esses representantes. A criação do Movimento Empresarial pela Inovação (MEI) é uma demonstração de que a representação tradicional dos industriais é insuficiente no tema da inovação. Pode também não se revelar efetiva uma Secretaria Executiva com formação colegiada, se prevalecer a dispersão das ações e a falta de coordenação objetiva. Em suma, a proposta ABDI/Cebrap tem o mérito de ressaltar a necessidade de que seja concedida prioridade estratégica para as políticas da Indústria 4.0, mas a proposta de Governança ainda pode ser aperfeiçoada.
O segundo tema é o da Internacionalização. Como as tecnologias da Indústria 4.0 ainda são muito recentes há a necessidade de cooperação internacional, seja para acelerar o processo interno de capacitação, seja para acompanhamento das novidades que estão sendo desenvolvidas em todo o mundo. Nesse sentido, o trabalho propõe a intensificação de acordos internacionais envolvendo tanto empresas como instituições de pesquisa tecnológica. São propostos alguns instrumentos de política: financiamento para a internacionalização; apoio financeiro à participação acionária e à aquisição de empresa de tecnologia no exterior; atração de investidores estrangeiros para as empresas de base tecnológica no Brasil; difusão de informação sobre integração internacional para empresas, sobretudo para as de menor porte etc.
Sobre o tema de Laboratórios o documento menciona a existência no Brasil de instalações em universidades e institutos de pesquisa, mas a apreciação é de que eles nem sempre atuam de forma articulada com empresas, e os projetos são considerados de baixo valor e de pouca ambição. A recomendação é de constituir uma rede de laboratórios de inovação dedicada às tecnologias de suporte da Indústria 4.0. O pressuposto é de que esta rede garantiria toda a articulação necessária entre as instituições e as empresas e conseguiria mobilizar recursos para projetos de maior fôlego.
Por fim, a rede de testbeds. O testbed é uma infraestrutura que agrega empresas e grupos de pesquisa. Segundo o documento, “em resumo, os testbeds possuem infraestrutura básica para a simulação de sistemas de produção recebem, por período de tempo determinado, tecnologias adicionais de empresas e ICTs [Instituições Científicas e Tecnológicas] interessadas na realização de testes e podem, nesse caminho, ser utilizados para fins de demonstração para eventuais interessados” (p. 681). A proposta é de constituição da rede, financiamento dos trabalhos através de editais e auxílio na organização administrativa e jurídica dessa infraestrutura.
Portanto, as recomendações do estudo focam em algumas questões consideradas fundamentais para o futuro da indústria no Brasil. É dado grande destaque para iniciativas de inovação tecnológica e de articulação das instituições de pesquisa tecnológica com as empresas industriais. Todavia, algumas dessas propostas estão desenhadas de tal forma que não asseguram o seu êxito ou ainda carecem de detalhamento. Nos temas de Laboratórios e de Testbeds, por seu turno, não se tem detalhamento de como mobilizar o setor empresarial para essas prioridades. Ademais, é necessário que se procure trabalhar mais a questão de como direcionar as empresas para a pesquisa e para a difusão das tecnologias da Indústria 4.0.
Oportunidades para a Indústria 4.0 – Aspectos da demanda e da oferta no Brasil – CNI Confederação Nacional da Indústria, 2017
O trabalho da CNI reconhece que o tema da Indústria 4.0 abrange diferentes dimensões: aplicações nas cadeias produtivas e desenvolvimento de fornecedores; mecanismos para adoção das tecnologias da Indústria 4.0; desenvolvimento tecnológico; recursos humanos; infraestrutura; regulação; e articulação institucional. Apesar desse reconhecimento, o documento aqui citado procura trabalhar apenas a difusão das tecnologias da Indústria 4.0.
Para tanto, se debruça sobre o mercado de soluções digitais. Entende que a demanda está em toda a atividade industrial, embora ressalte que as indústrias de processo contínuo apresentam uma situação e uma dinâmica diferentes da indústria de montagem. De outra parte, tem-se a oferta de soluções digitais, que está analisada em quatro segmentos: grandes empresas produtoras de tecnologias habilitadoras; empresas integradoras; startups e pequenas empresas de base tecnológica; empresas de consultorias especializadas. Nesse conjunto de empresas é concedido destaque para as integradoras, as quais prestam serviços de concepção ou desenho de soluções para as empresas industriais segundo suas demandas. Elas podem ser entendidas como empresas agentes da difusão de tecnologias da Indústria 4.0.
As propostas do trabalho estão voltadas para a oferta e para a demanda de tecnologias habilitadoras. As recomendações para o lado da demanda são as seguintes:
1. Programa Nacional para Elaboração e Implementação de Plano Empresarial Estratégico de Digitalização. O trabalho parte do pressuposto de que cada empresa industrial tem uma realidade particular, porque é detentora de um estoque de capital específico, possui uma capacitação que lhe é própria, conta com recursos humanos determinados, tem uma trajetória tecnológica peculiar e, sobretudo, define uma estratégia empresarial para seu posicionamento nos mercados em que atua. Diante dessas condições, cada empresa deve definir um Plano Estratégico de Digitalização que é customizado. A recomendação é de se estruturar uma rede de instituições capacitadas para a elaboração desses planos. A princípio, o próprio Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), que constitui o Sistema Indústria, poderia chamar para si a responsabilidade de estruturar essa rede.
2. Financiamento para Implementação do Plano Empresarial Estratégico de Digitalização. Para executar seu plano estratégico a empresa industrial pode necessitar de financiamento das soluções definidas. Alguns bens já contam com financiamento das linhas tradicionais das agências de fomento, mas haveria necessidade de adaptar algumas linhas para cobrir os serviços tecnológicos não convencionais que serão agregados na composição da solução digital a ser implementada.
3. Programas de Compras Públicas. O trabalho sustenta que “por meio do mecanismo de compras públicas, o governo pode incentivar a geração e adoção de soluções digitais, ainda que as suas compras não necessariamente se caracterizem como aquisição de produtos industrializados” (CNI, 2017 p. 43). As áreas de transporte, energia e segurança são citadas como exemplos. Na mesma linha, cita que as compras públicas deveriam incentivar a fabricação de bens mais inteligentes de uma forma em geral. Destaca que a área da saúde deve ser considerada separadamente pelo potencial dos impactos que as tecnologias digitais podem ter tanto na prestação dos serviços de saúde, como na produção de bens para a área médica, quanto na gestão dos serviços de saúde. O estudo sublinha que poderiam ser mobilizados recursos já existentes das obrigações de investimento em P&D em setores regulados - petróleo, energia e informática – para viabilizar encomendas tecnológicas demandadas pelo governo federal através das suas agências.
De outra parte, para estimular a oferta de soluções digitais, são sugeridas as seguintes medidas:
4. Estímulos às Empresas Integradoras. As empresas integradoras são consideradas estratégicas, pois se colocam no mercado como transmissoras de progresso técnico para o conjunto da atividade industrial. As propostas nesse caso abrangem a capacitação de recursos humanos para empreender e trabalhar nas integradoras, assessoramento para as novas empresas integradoras se inserirem nos mercados e financiamento para capacitação das integradoras. No financiamento, a sugestão é que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) “ofereçam linha específica às integradoras, com condições mais favoráveis de custo, para a aquisição de programas de automação industrial e ativo fixo, capital de giro e capacitação de recursos humanos. Para reduzir custos para o tomador final, sugere-se que a Lei de Informática seja modificada e inclua disposição que permita utilizar uma parcela dos recursos para equalizar juros” (CNI, 2017; p. 46).
5. Programas de Incentivos à Constituição de Startups. As startups podem ter papel relevante na disseminação das tecnologias habilitadoras da Indústria 4.0. Todavia, necessitam de recursos financeiros e assessoramento de mercado. No primeiro caso, como são empresas novas, não possuem condições de oferecer garantias para empréstimos. Assim, o mecanismo financeiro mais adequado seria o de instituição de fundos de investimento. O BNDES e a Finep poderiam instituir fundos específicos para startups que se dediquem às tecnologias da Indústria 4.0. Também é recomendada a constituição de um fundo de investimento fechado utilizando recursos da Lei de Informática. O governo poderia ainda mobilizar recursos da subvenção econômica do FNDCT e do Fundo Tecnológico (Funtec/BNDES) para empresas novas e de pequeno porte de base tecnológica na área das tecnologias da Indústria 4.0. Quanto à gestão empresarial, são recomendados programas específicos de mentoria e de incubação de empresas com recursos das fundações estaduais de pesquisa.
6. Linhas de Financiamento para Inovações de Produtos Inteligentes. Para financiamento ao desenvolvimento de produtos inteligentes, a proposta é utilizar os recursos da Lei de Informática e do FNDCT/Fundo Verde e Amarelo para a equalização de juros para as empresas. No caso de as empresas desenvolverem projetos de desenvolvimento com instituições de pesquisa tecnológica, abre-se a possibilidade de uma chamada pública com recursos financeiros da Lei de Informática e a utilização das unidades Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial) credenciadas. Cabe observar que além do documento aqui citado, o Sistema Indústria, através do Sistema Senai, promove ações diretas de difusão e de capacitação de recursos humanos na área da Indústria 4.0 e possui alguns Institutos de Inovação nessa área, com destaque para o Centro Integrado de Manufatura e Tecnologia (Cimatec), que é a unidade Senai no Estado da Bahia.
Centro de Pesquisa em Engenharia em Manufatura Avançada – FAPESP, 2017
Em 2017, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) publicou um edital para que empresas ou consórcios de empresas manifestassem interesse em participar de centros de engenharia em manufatura avançada (centros de inovação) a serem criados em instituições de ensino e pesquisa no Estado de São Paulo. Em uma segunda etapa, devem ser decididos os institutos de pesquisa e as universidades parceiros na realização das pesquisas.
Inicialmente a negociação deverá ocorrer entre empresas e Fapesp para definir o escopo geral dos trabalhos dos centros de engenharia e a ambição dos projetos a serem executados. A Fapesp se comprometerá a conceder apoio às pesquisas durante um período de 10 anos.
A Fapesp recebeu 12 manifestações de interesse de empresas ou de consórcios de empresas na criação dos centros de engenharia em manufatura avançada. Cada centro terá um foco de atuação definido a partir dos seguintes temas selecionados pelo edital: manufatura aditiva; sistemas ciber-físicos (tecnologias de informação e comunicação, sistemas mecatrônicos para monitorar processos industriais em toda a cadeia de valor); redes de comunicações e segurança cibernética; sensores e rastreadores; virtualização, modelagem e simulação; digitalização (hardware e software para levantamento de dados na cadeia produtiva e sua posterior utilização em processos industriais e empresariais); tecnologias de apoio (para apoiar os processos, operações, pessoas e equipamentos, incluindo a realidade aumentada, nanotecnologia e wearables); inteligência artificial, computação ubíqua, analytics e big data; novos materiais e materiais inteligentes; e fotônica, ótica avançada, lasers, displays, optoeletrônica e eletrônica flexível.
Ainda não houve a definição do montante de recursos que serão aplicados nesta iniciativa. Mas, está definido que eles serão exclusivamente destinados às atividades do centro de engenharia, ficando excluídas as despesas administrativas e os recursos destinados à pesquisa nas empresas.
Esta iniciativa é interessante por vários de seus pontos: financiamento a programa de pesquisa em manufatura avançada; definição de um foco de atuação; financiamento de longo prazo; apoio às atividades decorrentes de cooperação de empresas com instituições de ensino e pesquisa. Estes são alguns ingredientes mencionados em várias propostas de políticas para o desenvolvimento da Indústria 4.0 no Brasil.
Indústria 4.0: Desafios e Oportunidades para o Brasil- IEDI, 2017
O IEDI/ Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial publicou, em 2017, um trabalho, sintetizado na Carta n. 797, com algumas sugestões de política para a Indústria 4.0 no Brasil. Em resumo, essas sugestões abordam os pontos que se seguem.
1. A vinculação da obtenção de empréstimos do Finame (Financiamento de Máquinas e Equipamentos) e para capital de giro, do BNDES, à contratação de consultoria visando o aumento da produtividade com a adoção de técnicas da produção enxuta. O Sistema Senai e os institutos de pesquisa tecnológica deveriam ser envolvidos nessa iniciativa.
2. A difusão de tecnologias digitais em arranjos produtivos locais relevantes.
3. O financiamento à inovação no campo das tecnologias digitais através das agências de fomento BNDES e Finep juntamente com subvenção econômica. A Fapesp e a Finep já possuem uma ação conjunta nesse sentido, voltada para empresas de menor porte.
4. A criação de laboratórios de testbeds, embora não se denominem assim, com recursos de empresas interessadas e dos governos federal e estaduais.
5. A capacitação de recursos humanos em diferentes níveis de formação, nas tecnologias habilitadoras da Indústria 4.0, em instituições de pesquisa e de transferência de tecnologias para as empresas.
6. A atração de empreendedores de base tecnológica para o Brasil, com apoio governamental.
7. A intensificação e multiplicação de programas de participação em investimentos do BNDES, da Finep e de outras agências de fomento, para gerar uma onda de criação de novas empresas de base tecnológica.
8. O aporte de capital das agências de fomento para empresas nascentes que queiram desenvolver projetos ambiciosos de tecnologias digitais.
9. O apoio financeiro para aquisição de ativos tecnológicos no exterior.
10. A concessão de financiamento não reembolsável a consórcios formados com participação de empresas para desenvolver soluções digitais de natureza setorial. A proposta do IEDI não deixa claro se os consórcios seriam também constituídos por instituições de pesquisa, todavia, como utiliza o financiamento não reembolsável, depreende-se que os consórcios seriam formados por empresas e por instituições de pesquisa tecnológica sem fins lucrativos.
Há uma grande concordância das propostas do IEDI com outras realizadas por diferentes instituições, principalmente no que diz respeito à difusão de tecnologias, à formação de recursos humanos, ao apoio à criação de startups e empresas de base tecnológica e à criação de laboratórios que simulam unidades produtivas projetadas com as tecnologias da Indústria 4.0.
Os principais instrumentos de política pública propostos estão no campo do apoio financeiro, através da concessão de empréstimos, de financiamento não reembolsável, de subvenção econômica e de participação em investimentos. No que diz respeito aos financiamentos, dois problemas precisam ser resolvidos: custos elevados e restrição de acesso das empresas ao financiamento; no caso da subvenção econômica e do financiamento não reembolsável há que se mobilizar novos recursos. Essas dificuldades precisam ser superadas para viabilizar o desenvolvimento da Indústria 4.0 no Brasil.
Agenda Brasileira para a Indústria 4.0 – MDIC/ABDI, março de 2018
A Agenda Brasileira para a Indústria 4.0 foi uma iniciativa do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) e da ABDI. A Agenda Brasileira é constituída por dez medidas:
1. Difusão do Conteúdo da Indústria 4.0. O primeiro elemento da agenda é a difusão no setor industrial do significado da Indústria 4.0 e das possibilidades abertas por essa nova onda tecnológica. Trata-se, portanto, de uma medida de disseminação de informação.
2. Autoavaliação. O governo desenvolveu uma plataforma que permite às empresas estimarem o seu grau de maturidade em relação às tecnologias digitais.
3. HUB 4.0. É outra plataforma desenvolvida pelo governo federal para conectar empresas do setor industrial com provedores de tecnologias digitais. É mais uma informação para as empresas, mas não há nenhum incentivo ou instrumento de política associado. A meta governamental é de atender 3 mil empresas no biênio 2018/19.
4. Brasil Mais Produtivo 4.0. É uma iniciativa voltada para as empresas de menor porte. A proposta é ampliar o seu programa Brasil Mais Produtivo (consultoria para produção enxuta) para incluir ações de digitalização. A meta do governo é atender 1.500 empresas em 2018 e 2019.
5. Fábricas do Futuro e Testbeds. O governo se dispõe a destinar recursos federais para a instalação de 20 fábricas do futuro e laboratórios de testes de demonstração no biênio 2018/19. O objetivo é contribuir para a instalação de uma infraestrutura necessária para a realização de testes de demonstração de alternativas tecnológicas. Concretamente, em meados de março de 2018, o governo federal, através do MDIC e da ABDI, lançou um edital para selecionar 10 projetos para a realização de testbeds. As áreas de interesse são desenvolvimento e conhecimento tecnológico; mecanismos de inserção e adoção de tecnologias; habilidades sistêmicas e formação educacional 4.0; teste e validação de modelos de fomento e financiamento para a adoção e geração de tecnologias para a indústria 4.0. O proponente deverá oferecer contrapartida financeira mínima de 10% do valor do projeto e contrapartida econômica mínima também de 10% do valor total do projeto. A contribuição do governo federal será de no máximo R$ 300 mil. Dessa forma, os valores de projeto poderiam estar próximos a R$ 400 mil, que pode ser considerado um montante modesto. Além de modesto, o montante é incerto porque o edital condiciona a participação do governo à disponibilidade de recursos financeiros.
6. Conexão Startup-Indústria 4.0. Através da ABDI, o governo objetiva criar e fomentar um ambiente para aproximar e viabilizar a conexão de startups com empresas industriais de maior porte. Em 2018/19 pretende envolver 50 empresas industriais e 100 startups.
7. Mercado de Trabalho e Educação 4.0. Basicamente a proposta é identificar competências necessárias para a Indústria 4.0 e contribuir para a formação de recursos humanos atendendo às demandas das empresas industriais.
8. Regras do Jogo 4.0. O governo apresentou uma agenda de reformas legais e infralegais objetivando a aceleração da robotização – que envolve a definição de normativos para viabilizar a colaboração de robôs e força de trabalho -, ajustes no marco regulatório da Zona Franca de Manaus e regulação da privacidade e proteção de dados.
9. Financiabilidade para uma Indústria 4.0. Esta é uma medida voltada para o financiamento da Indústria 4.0. O MDIC anunciou as seguintes ações: i) redução do spread do BNDES de 1,7% ao ano para 0,9% ao ano; o montante de crédito destinado para a modernização industrial é de R$ 5 bilhões em três anos; ii) concessão, pela Finep, de R$ 3 bilhões de crédito em três anos com juros de TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) menos 1,5% ao ano até TJLP mais 6,25% ao ano, dependendo do grau de inovação dos projetos; iii) definição de R$ 1,1 bilhão de recursos do Banco da Amazônia S/A (Basa) para financiamento para a indústria 4.0 na região norte do Brasil. Cabe observar que, na realidade, esses financiamentos não se diferenciam das linhas tradicionais oferecidas pelas agências de fomento.
10. Comércio Internacional 4.0. Neste tema foram anunciadas as seguintes ações: i) redução de 14% para 0% das alíquotas do imposto de importação para robôs industriais e robôs colaborativos; ii) redução de 14% para 0% das alíquotas do imposto de importação para impressoras 3D e equipamentos para manufatura aditiva; iii) inclusão do tema da Indústria 4.0 em todos os acordos bilaterais de comércio entre o Mercosul e outros países ou blocos; iv) cooperação e projetos bilaterais em Indústria 4.0 com diferentes países. As medidas são positivas, mas o seu impacto relativo pode ser pequeno. Merece destaque que as duas primeiras simplificam processos, mas, por outro lado, deveria ser mais bem estudado se essas novas alíquotas não dificultam a produção nacional desses bens.
O MDIC e a ABDI também propuseram uma estrutura de governança para a Agenda Brasileira para a Indústria 4.0, composta por um Conselho Governamental formado por oito ministérios e comandada pelo MDIC, com atuação de natureza estratégica. A ABDI seria a Entidade Gestora da Agenda e um Comitê de Monitoramento seria constituído por entidades convidadas. Finalmente, é sugerida a formação de Grupos de Trabalho e Comunidades de Especialistas com o objetivo da prestação de assessoria técnica.
Políticas para o Desenvolvimento da Indústria 4.0 no Brasil
A seção anterior resumiu alguns documentos propostos como políticas para a Indústria 4.0. Existem outras iniciativas e também ações concretas voltadas à disseminação da Indústria 4.0, tais como sensibilização e esclarecimento para o meio empresarial, testes de demonstração de algumas das tecnologias da Indústria 4.0, ações de fomento para o desenvolvimento tecnológico etc. O conjunto dessas iniciativas poderia estar confirmando que o Brasil finalmente definiu uma estratégia nacional para o desenvolvimento da Indústria 4.0 e que as ações empreendidas encontram-se articuladas entre si.
Infelizmente não é isto o que parece, a despeito dos esforços e do inquestionável mérito das instituições envolvidas. A análise das iniciativas mostra a carência de um Plano Nacional e a falta de coordenação entre as instituições públicas entre si e entre elas e o setor privado. Os documentos comentados apresentam propostas às vezes divergentes, e a falta de coordenação e de definição política fica evidenciada, enquanto outros países bastante citados como exemplos, Estados Unidos, Alemanha e China formularam estratégias nacionais de longo prazo.
No caso do Brasil, no tema da política industrial e tecnológica, um grande problema é a institucionalidade frágil, o que se reflete em documentos e mesmo em decisões que não são efetivamente implementados; políticas sem definição de prioridades; proposição de políticas sem estabelecimento de instrumentos de ação; falta de articulação entre instituições do setor público; falta de cooperação efetiva entre governo e empresariado industrial etc.
Convém sublinhar que o estudo da ABDI/Cebrap propôs a institucionalização de um Plano Nacional para a Indústria 4.0, embora não tenha abordado as distintas dimensões envolvidas em uma estratégia com essa ambição. Além de propor um plano estratégico, definiu a Presidência da República como responsável pelo Plano. Já foi comentado que apenas uma definição formal de comando no mais alto nível, não necessariamente garante a identificação de estratégicas e implementação de políticas consequentes. A definição de uma política nacional para o desenvolvimento da Indústria 4.0 deverá de fato ocupar lugar privilegiado num programa de governo, e o ano eleitoral abre espaço político para os agentes assumirem compromissos.
Assumindo-se o compromisso dos agentes públicos e de lideranças empresariais com a agenda 4.0, é imprescindível a elaboração de um plano nacional para a Indústria 4.0 sob o comando no mais alto nível. Os seguintes fatores justificam tal conclusão:
1. Os impactos da difusão e da geração de tecnologias do paradigma da Indústria 4.0 são potencialmente muito grandes, afetando não apenas a atividade industrial, mas também padrões de consumo e de relacionamentos sociais. Nesse sentido, os impactos potenciais definem a posição estratégica da Indústria 4.0 no desenvolvimento econômico e social de uma Nação.
2. Como já foi observado, a Indústria 4.0 é um estágio de desenvolvimento do setor industrial que envolve um conjunto de tecnologias digitais que se integram e formam um leque de possibilidades de alternativas tecnológicas, muitas delas não exclusivamente dedicadas ao setor industrial. Assim, as tecnologias da Indústria 4.0 abrangem um conjunto de conhecimento técnico e científico, impossível de ser dominado por apenas uma instituição. Os conhecimentos requeridos e as áreas de aplicação dessas tecnologias são missões de várias instâncias de poder e de suas entidades subordinadas.
3. Os instrumentos de ação de um plano nacional são de natureza complexa. De fato, devem ser mobilizados instrumentos financeiros, fiscais, regulatórios, de comércio exterior, de formação de recursos humanos, poder de compra estatal, encomendas tecnológicas etc, que não são detidos, todos eles, por uma única instância de poder ou instituição pública. A articulação e o manejo de diferentes instrumentos podem garantir o sucesso de uma política, daí a necessidade de comando único sobre as políticas descentralizadas em um país no qual o aparelho de Estado tem sido muito dividido, desrespeitado nas suas atribuições e comandado por interesses contraditórios.
4. Um plano nacional para a Indústria 4.0 no Brasil engloba definições gerais em campos distintos. Por exemplo, são imprescindíveis mudanças no sistema de ensino e de formação de recursos humanos; são necessárias revisões na regulação em vários setores, tais como telecomunicações, segurança e proteção de dados, relações trabalhistas, definição de padrões de conectividade e acompanhamento de padronização internacional etc. Essas pautas são muito abrangentes e afetam não apenas a atividade industrial, requerendo uma definição política estratégica nacional.
5. A intensidade de conhecimento envolvido nas tecnologias da Indústria 4.0 e, ainda, a velocidade de mudança técnica e a possibilidade de comunicação e tomada de decisão empresarial à distância recomendam que empresas e instituições de pesquisa intensifiquem seu relacionamento com outras instituições e empresas estabelecidas no exterior.
6. A necessidade de articulação do governo com o empresariado também recomenda que esta relação se estabeleça no mais elevado nível de governo e de representação empresarial para que sejam evitadas ações e definições de política contraditórias e para que o meio empresarial não questione a autoridade e a legitimidade de seus interlocutores.
Enfim, recomenda-se que seja definido um Plano Nacional para a Indústria 4.0 de responsabilidade da Presidência da República e que seja um programa de longo prazo, como 10 anos.
A política para a Indústria 4.0 deve estar voltada tanto para ações de inovação quanto de difusão de tecnologias. Nos documentos referidos neste trabalho, a difusão é mais citada do que as iniciativas de inovação tecnológica propriamente ditas. A questão da difusão é muito importante porque várias das tecnologias habilitadoras da Indústria 4.0 já são conhecidas e podem ser adotadas pelas empresas com impactos relevantes sobre sua produtividade no curto prazo. Mas um plano nacional não pode se restringir à difusão sob o risco de apresentar um horizonte curto para a estratégia de desenvolvimento.
Por outro lado, as dificuldades a serem enfrentadas no campo da inovação tecnológica são maiores e o grau de incerteza é relevante na medida em que algumas das tecnologias ainda são pouco conhecidas. Nesse quadro, as proposições de políticas para inovação acabam sendo mais tímidas do que as de difusão. Mesmo assim, é importante que o Brasil defina sua estratégia no campo da inovação tecnológica para a Indústria 4.0 na medida em que novas janelas de oportunidade estão sendo abertas. Todas as propostas sobre inovação ressaltam a importância da cooperação entre empresas e instituições científicas e tecnológicas como uma imposição.
Sob o ponto de vista do foco da política industrial e de inovação, alguns estudos e documentos chamam a atenção para a necessidade de definições setoriais, enquanto outros tratam a indústria como se fosse uma unidade. O documento da CNI ressalta a importância de políticas industriais setoriais. Tratar a indústria como se fosse um único campo de aplicação pode não ser o procedimento mais adequado, pois sabe-se que as especificidades setoriais são importantes em uma política para a Indústria 4.0. Apenas a título de exemplo, já chamamos a atenção de que as indústrias de processo contínuo de produção encontram-se em estágios diferentes de digitalização relativamente às indústrias de montagem.
Já a estrutura e a dinâmica dos setores produtores de bens de consumo são distintas das empresas de bens de capital mesmo que ambos sejam segmentos industriais montadores de partes, peças e componentes, mas a relação com os elos da cadeia para frente difere se o cliente for um consumidor final ou uma empresa industrial. Enfim, o estágio e a dinâmica dos processos de digitalização industrial são diferenciados entre os setores industriais e eles precisam ser considerados em um plano.
No que diz respeito à manufatura, deve ser ressaltado que as tecnologias habilitadoras da Indústria 4.0 não estarão impactando somente processos de produção, mas também produtos, o que deve acontecer em menor medida com as indústrias de processos contínuos. Isto significa que além das tecnologias de processo, também são importantes as tecnologias digitais aplicadas sobre os produtos, conferindo características diferenciadas aos produtos industriais, agora conectados e inteligentes.
Alguns trabalhos vão mais além da dimensão setorial e destacam a relevância dessas tecnologias para as empresas. Ao considerar que as possibilidades de soluções digitais são numerosas e estratégicas, a proposta da CNI ressalta a importância dos chamados Planos Empresariais Estratégicos de Digitalização. Esta é uma questão relevante porque a difusão customizada das tecnologias vai exigir uma estrutura institucional pulverizada.
Ainda na dimensão analítica da difusão tecnológica, o papel das empresas integradoras pode ser considerado estratégico. Diante dos planos empresariais de digitalização, ou mesmo sem eles, as empresas do setor industrial demandam alternativas tecnológicas. As empresas integradoras desempenham o papel de levar as melhores soluções tecnológicas para as corporações do setor industrial, especificando dispositivos, equipamentos, componentes e máquinas necessários, além dos programas de automação mais apropriados para a gestão e a produção da empresa industrial, atendendo às suas demandas específicas. Algumas empresas integradoras também são produtoras de bens ou prestadoras de serviços de automação e são responsáveis pelo projeto e pela instalação do sistema de automação digital.
Independente da configuração e das características das integradoras, o fato é que elas desempenham papel estratégico, como chamou atenção a CNI. Dada a relevância desse segmento empresarial, justifica-se um conjunto de medidas de política para viabilizar e fortalecer esses empreendimentos.
Como infraestruturas relevantes para o desenvolvimento tecnológico da indústria brasileira no padrão da Indústria 4.0, vários estudos apontam a estruturação de testbeds e redes de inovação. Podendo assumir configurações muito distintas, a infraestrutura de testbeds pode variar bastante dependendo da complexidade dos serviços prestados pelas instituições responsáveis. Genericamente, essas infraestruturas são destinadas à demonstração de alternativas tecnológicas, à realização de testes de soluções digitais em condições muito próximas das operacionais em uma unidade fabril.
Apesar da concordância com essa definição, concretamente, os laboratórios para demonstração de tecnologias podem ser muito simples, especializados em algumas plataformas de testes, ou podem até simular uma unidade fabril completa. Todavia, a mesma infraestrutura não é adequada para qualquer tipo de prestação de serviço tecnológico. Assim, esses laboratórios devem possuir foco de atuação bem definido o que implica em dizer que são necessários vários laboratórios desse tipo para atender a toda a demanda potencial do setor industrial. Segundo o estudo ABDI/Cebrap, em 2016, na Alemanha eram 33 laboratórios de testbeds em operação.
A princípio esses laboratórios se dedicam ao teste e demonstração de tecnologias, mas podem se aproximar de trabalhos de desenvolvimento de tecnologias inovadoras propriamente ditas, tudo dependerá da missão definida para o laboratório e da sua correspondente infraestrutura física e de recursos humanos disponíveis. Tanto no exterior como no caso do Brasil, as empresas de menor porte seriam as maiores demandantes de serviços de testbeds.
Os estudos mencionados recomendam a estruturação de laboratórios de testbeds localizados em instituições de pesquisa tecnológica. Outra infraestrutura recomendada são as redes de inovação congregando empresas demandantes e ofertantes de alternativas de tecnologias da Indústria 4.0 e instituições de ensino e pesquisa.
Os objetivos dessas instituições são o desenvolvimento de tecnologias e a formação de recursos humanos. Algumas propostas não pressupõem a criação de uma nova instituição, mas o fortalecimento de instituições de pesquisa que já trabalham com empresas. O fortalecimento pressupõe a definição de projetos mais ambiciosos e o aporte de recursos financeiros mais volumosos para dar conta da ambição operacional e a constituição de redes organizadas por temas. Portanto, as instituições de pesquisa tecnológica devem definir foco para seu trabalho. Nesse ambiente também devem ser formados recursos humanos qualificados nas tecnologias da Indústria 4.0.
As propostas de laboratórios de demonstração ou de inovação sempre mencionam a necessidade de articulação das empresas com as instituições de pesquisa. Com base na experiência de outros países, com destaque para Alemanha e Estados Unidos, as propostas são de criação de redes de laboratórios com foco específico. Duas observações a esse respeito.
Em primeiro lugar, a experiência no Brasil é bastante distinta daqueles países tomados como referência. Inicialmente, porque no Brasil se inova pouco e muito menos ainda se realiza de pesquisa e desenvolvimento. Entre as empresas que possuem atividades de P&D a cooperação com universidades, institutos de pesquisa e mesmo com outras empresas é bastante rara.
A criação de instituições de pesquisa com infraestrutura adequada e gente competente não parece ser suficiente para atrair as empresas para o desenvolvimento compartilhado. As propostas de criação de laboratórios parecem supor que dada a infraestrutura haverá demanda empresarial para projetos de pesquisa, como se a oferta de serviços das instituições de pesquisa tecnológica fosse suficiente para criar sua própria demanda. Esta é uma visão parcial, ofertista, já adotada no passado no Brasil sem bons resultados sob o ponto de vista do engajamento das empresas industriais em trabalhos de desenvolvimento tecnológico inovador.
Em segundo lugar, as instituições de pesquisa no Brasil geralmente não trabalham com foco bem delimitado em decorrência da grande instabilidade orçamentária na qual operam. Como os recursos para pesquisa são bastante reduzidos no Brasil, seja por parte do governo, seja por parte das empresas, e como a instabilidade desses parcos recursos é grande, a abrangência temática das instituições de pesquisa é bastante aberta porque elas precisam captar recursos financeiros para sua sobrevivência. São raros os casos de instituições de pesquisa com área de competência bem definida. A experiência da Embrapii é uma tentativa de apoiar iniciativas focadas das instituições, mas ainda não se dispõe de avaliações dos impactos do fomento realizado.
Considerando as duas observações, propostas de estruturação de redes de laboratórios para demonstração e para inovação podem ser inoportunas. Talvez seja mais aconselhável a criação de uma única infraestrutura com alguns departamentos específicos definidos por conjuntos de competências necessárias para o desenvolvimento da Indústria 4.0. Essa instituição haveria que aprovar um programa de pesquisa de longo prazo nessas áreas e a gestão necessariamente deveria seguir um modelo privado, para não se subordinar às regras da gestão pública e da administração orçamentária. É necessário que essa instituição tenha agilidade e graus de liberdade suficientes para viabilizar a evolução rápida em direção à fronteira do conhecimento técnico e científico.
Nesse modelo, empresas industriais deveriam estar na constituição dessa iniciativa e, ao mesmo tempo, deveriam ter incentivos para demandar trabalhos de pesquisa e de prestação de serviços tecnológicos. Para tanto, será necessário desenhar mecanismos de política para atrair empresas para essa iniciativa. Sem dúvida nenhuma, caberá ao Estado brasileiro esse papel de fomentar a participação empresarial, atuando diretamente ou através de mecanismos de incentivos.
Diretamente, o governo deve se utilizar tanto de compras de bens e de serviços quanto de encomendas tecnológicas. No caso das compras em vários campos da intervenção estatal como saúde, segurança, defesa, mobilidade, administração geral etc., há a possibilidade de aquisição de bens e serviços que demandarão o desenvolvimento e a aplicação das tecnologias da Indústria 4.0. Assim, o governo estaria garantindo um montante de demanda para que os desenvolvimentos realizados tenham menor risco e incerteza quanto ao seu sucesso comercial. O mesmo vale para as encomendas tecnológicas, na medida em que o governo pode encomendar, para os laboratórios de inovação e de demonstração, o desenvolvimento de determinadas tecnologias com características específicas que sejam de interesse público.
Indiretamente, o governo pode utilizar seus mecanismos tradicionais de redução de custo e de risco da pesquisa tecnológica. Nesse sentido pode se utilizar dos incentivos fiscais à P&D, subsídios financeiros na concessão de empréstimos com retorno, concessão de financiamento não reembolsável para institutos de pesquisa que desenvolvam tecnologias em parceria com empresas industriais, subvenção econômica etc. A subvenção econômica é um dos instrumentos mais poderosos na medida em que transfere recursos financeiros líquidos para a empresa desenvolver tecnologias. No caso do Brasil, o pressuposto é que o Tesouro Nacional libere recursos para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) que tem essa possibilidade instrumental.
Na concessão de financiamento reembolsável, o governo poderia se utilizar dos fundos já existentes para promover a equalização de juros e assim reduzir os custos do financiamento para as empresas industriais tomadoras de empréstimos destinados à atividade de P&D. Em outras palavras, recursos do Fundo Verde Amarelo, recursos das obrigatoriedades de investimento em P&D em setores regulados – petróleo e gás; energia elétrica, informática e telecomunicações – poderiam também ser utilizados para reduzir os custos financeiros dos empréstimos. Para tanto há que se introduzir modificações no marco regulatório dessas obrigações. Estima-se que as obrigações de investimento em P&D nas áreas de petróleo, energia e informática em conjunto alcancem cerca de R$ 3 bilhões por ano. Uma parcela desse montante poderia ser redirecionada para a equalização de juros.
Outra parcela desse mesmo montante poderia ser alocada em fundos de investimento para participar do capital de empresas de base tecnológica. Este tipo de empresa, de pequeno porte, tem maior dificuldade de acessar financiamentos porque não dispõe de garantias suficientes. O fomento estatal através da participação no capital das empresas é uma forma de financiamento barata e acessível para essas empresas. Os fundos de capital de risco e as participações diretas das agências de fomento do governo federal podem intensificar as operações envolvendo estes mecanismos de renda variável. O trabalho do IEDI reitera a importância dos instrumentos de natureza financeira para estimular a inovação e a difusão de tecnologias, visando a modernização da indústria brasileira. Entre suas sugestões destaca-se a proposta de apoio financeiro para a aquisição de ativos tecnológicos no exterior.
A utilização de quaisquer desses instrumentos tem por pressuposto a seletividade. Eles devem ser mobilizados para programas de pesquisa e de difusão de tecnologias considerados estratégicos e prioritários no contexto de um plano nacional para o desenvolvimento da Indústria 4.0 no Brasil. Este é um outro problema da política industrial e tecnológica brasileira que não tem a tradição de definir prioridades e nem de exigir contrapartidas dos agentes beneficiados. Essa prática necessita mudar e uma ação estratégica no nível da Presidência da República parece ser o caminho mais recomendado.
Por fim, cabe destacar o tema das startups, mencionado por todas as propostas de política utilizadas neste trabalho. Dada a intensidade de conhecimento das tecnologias habilitadoras da Indústria 4.0 e a intensidade de serviços embutidos nessas tecnologias, as startups se tornaram importantes como desenvolvedores de tecnologias e suas aplicações. Políticas específicas para esse segmento se justificam, abrangendo formação de recursos humanos, financiamento e gestão empresarial. A proposta da CNI menciona essas três áreas como norteadoras de uma política específica.
Vários outros temas foram tratados pelos documentos analisados. Alguns desses temas são bem mais específicos, tais como regulação e marco legal; interoperabilidade e definição de padrões; segurança de dados; padronizações etc. Outros temas são mais gerais como formação de recursos humanos e internacionalização. Tudo isso demonstra que a questão do desenvolvimento da Indústria 4.0 de fato é multidimensional e somente um plano nacional estratégico será capaz de organizar as políticas públicas e articular essas ações com as do setor empresarial.