Carta IEDI
O futuro do BNDES e do mercado de capitais no Brasil
A questão do financiamento das empresas e especialmente de seus investimentos assume relevância ímpar para a economia brasileira no atual momento. O modelo de financiamento dos investimentos privados que prevaleceu nos últimos anos, com participação predominante do BNDES, apresenta profundas dificuldades de seguir operando nas mesmas bases, dada a substituição da TJLP pela TLP e a antecipação da amortização dos recursos concedidos ao BNDES pelo Tesouro.
Nesse cenário, o desenvolvimento de um novo modelo de financiamento do investimento, especialmente para projetos de infraestrutura e setores industriais mais intensivos em capital, é prioritário e urgente. Por essa razão, o IEDI vem divulgando estudos de pesquisadores da área, com avaliações e sugestões para que sejam acionados novos mecanismos de financiamento de médio e longo prazo e haja uma reformulação do papel do BNDES, que precisa ser mantido e revigorado para servir como importante agente de nosso desenvolvimento. Essas contribuições são sintetizadas nesta Carta IEDI, que faz parte de uma série de trabalhos que subsidiaram a formulação da estratégia industrial do IEDI a ser divulgada em breve.
Os estudos, cujos principais argumentos e conclusões estão aqui reunidos, compreendem: “O BNDES em uma encruzilhada: como evitar sua desmontagem” (Carta IEDI n. 828 de 30/1/18) preparado pelo economista Ernani Teixeira; “Para um novo desenvolvimento, um novo BNDES” (Carta IEDI n. 834 de 5/3/18) realizado pelo consultor do IEDI, João Furtado; “A importância do BNDES no acesso ao crédito e na produtividade das empresas brasileiras” (Análise IEDI de 1/6/18), de autoria de Filipe Sousa e Gianmarco Ottaviano; “Financiamento do investimento no Brasil e o papel do mercado de capitais” (Carta IEDI n. 850 de 6/6/18), de Carlos Rocca e “BNDES Relevante” (Carta IEDI n. 857 de 29/6/18), de João Carlos Ferraz.
Segundo Carlos Rocca, desde que se mantenha um ambiente de juros baixos, existem razões para acreditar que o mercado de capitais pode se transformar no mais destacado canal de financiamento de longo prazo da economia brasileira. O ajuste fiscal de longo prazo capaz de estabilizar e depois reduzir a carga da dívida pública é uma condição básica para isso. O autor recomenda a atuação do BNDES em sinergia com o mercado de capitais, a exemplo da subscrição e apoio à emissão de debêntures como alternativa à concessão de financiamentos, compra de quotas de fundos de investimento em infraestrutura e sua atuação como “market maker” das debêntures de infraestrutura.
Sobre o BNDES, todos os estudos destacam que, mesmo na hipótese de um forte desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro, o Banco deverá continuar desempenhando papel de grande importância em várias áreas, como infraestrutura, modernização e expansão da indústria, do agronegócio e dos serviços, inovação, exportação de manufaturados e de serviços, meio ambiente e pequenas e médias empresas.
Ernani Torres ressalta que, a despeito dos reveses que nos últimos anos, a qualidade dos ativos do BNDES se manteve elevada, garantindo sua solvência e abrindo espaço para se repensar sua atuação. Neste sentido, o autor propõe: i) isenção pelo BNDES do pagamento de certos impostos e desobrigação de transferir dividendos à União, como ocorre em outros países; ii) criação da Letra de Crédito de Infraestrutura, emitida com lastro em operações amparadas na Lei 12431 (debêntures incentivadas), permitindo ao BNDES concorrer na captação de recursos de longo prazo para financiar infraestrutura; iii) redução do prazo de tramitação e das exigências para empresas de bom risco financeiro; iv) criação de um programa de garantias firmes para a parcela das ofertas de debêntures incentivadas não atendidas pelos bancos privados; v) atuação do Banco como um importante dealer do mercado de debêntures incentivadas, promovendo a liquidez desses títulos no mercado secundário.
Os autores, a exemplo de João Furtado, advertem que certas críticas feitas ao BNDES, como a de favorecimento a grupos específicos, podem e devem ter resposta rápida, com o reforço da governança, incluindo conselhos independentes e conselheiros com mandatos definidos, impedimento de reconduções e regras de funcionamento que tornem públicas as atas das reuniões de diretoria e dos conselhos.
Para Furtado, o financiamento em condições adequadas dos esforços de capacitação tecnológica das empresas (de todos os tamanhos) deve ser uma prioridade sobre todas as demais, norteando a atuação do BNDES. Assim, a produtividade se tornaria a missão principal do Banco. O autor sugere, por exemplo, a criação da Finame Produtividade e de um fundo de investimento em empresas de base tecnológica e inovadoras detentoras de tecnologias que possam servir para a elevação substancial da produtividade do sistema econômico. Programas para apoiar a internacionalização de empresas, a Economia de Baixo Carbono e a transição energética completam o elenco das sugestões.
Já o estudo de Filipe Sousa e Gianmarco Ottaviano mostra a capacidade do BNDES de mitigar as restrições de crédito impostas às empresas brasileiras do setor industrial e de alavancar a produtividade delas, embora não tenha sido capaz de conferir às empresas financiadas uma performance superior quanto à produtividade. Se for objetivo da política de desenvolvimento aumentar a produtividade da economia, o BNDES precisa privilegiar tecnologias de ponta, ou seja, as linhas de fomento do Banco deveriam apresentar parâmetros que reforçassem a adoção de tecnologias modernas.
Por fim, o trabalho de João Carlos Ferraz sustenta que o BNDES tem a forma e a função de uma instituição voltada para missões pró-desenvolvimento. Sugere que as autoridades devem avaliar se extensão dos benefícios concedidos ao BNDES são adequados a suas missões, que o escopo de suas operações continue diversificado para diluir riscos, que sua atuação anticíclica seja preservada e que o BNDES deve atuar não em oposição, mas sim em parceria com a indústria financeira local. Finalmente, é fundamental o desenvolvimento de ferramentas de avaliação de políticas.
As potencialidades do mercado de capitais
O estudo de Carlos Rocca dedica-se a mostrar que o mercado de capitais no Brasil tem grande potencialidade de vir a ser a principal fonte de financiamento do investimento privado no país. No entanto, ele é relativamente pequeno para a dimensão e o nível de desenvolvimento de nossa economia e apresenta deficiências como prazos muito curtos para a dívida corporativa, baixa liquidez e acesso altamente concentrado para apenas poucas grandes empresas. Na origem disso encontram-se, dentre outros fatores, a permanência por décadas de taxas de juros em patamares elevados e a atratividade dos títulos da dívida pública vis-à-vis os riscos e a rentabilidade de ações e de papéis privados.
Para o Autor, “nesse contexto, e como seria de se esperar, surgem de várias fontes e de analistas experimentados manifestações de preocupação com a redução do tamanho do BNDES e com a capacidade do mercado de capitais brasileiro responder tempestivamente e com eficácia às necessidades de financiamento de longo prazo. Realmente, a história recente do mercado de capitais brasileiro no cenário macroeconômico em que tem atuado não ajuda a sustentar otimismo em relação ao seu papel nos próximos anos.”
Entretanto, com a manutenção de um ambiente de juros baixos, como agora, em que a taxa básica (Selic) se encontra em um dos seus menores patamares históricos (6,5% a.a.), existem razões para acreditar que o mercado de capitais tem potencial de crescimento suficiente para se transformar no mais destacado canal de financiamento de longo prazo da economia brasileira. O maior desafio para explorar esse potencial é de natureza macroeconômica, qual seja, criar as condições de sustentação de taxas reais de juros de longo prazo baixas, relativamente estáveis e próximas dos padrões internacionais. O ajuste fiscal de longo prazo, com a geração de superávits primários suficientes para estabilizar e depois reduzir a carga da dívida pública, é uma condição básica para isso.
Também chama a atenção o fato de que a participação dos instrumentos e veículos (fundos de investimento, fundos de pensão, fundos de previdência aberta e companhias de seguros) do mercado de capitais atinge 70% da mobilização da poupança financeira. Contudo, esta é relativamente pequena e parou de crescer nos últimos anos como fonte do financiamento das empresas e dos investimentos, não obstante a qualidade da regulação e da infraestrutura de mercados de ativos financeiros e derivativos no Brasil.
Com a redução do investimento público resultante da crise fiscal, a participação da formação bruta de capital fixo de empresas e famílias atingiu 90% do total em 2017. Dadas as projeções de que as verbas para investimento público permanecerão pressionadas nos próximos anos, o financiamento do investimento privado constitui a questão central para a retomada do crescimento. Como mostra o gráfico a seguir, a participação dos recursos captados no mercado de capitais mediante emissões primárias de ações e títulos de dívida de prazo mais longo foi da ordem de 10,7% nos últimos anos. Esse percentual é baixo e precisa ser elevado.
A participação do BNDES, depois de atingir nível excepcional de 18% em 2009, como parte de uma política anticíclica para mitigar os efeitos da crise, manteve a média de 14,3% no período 2010/2014, para, em seguida, cair até o nível de 5,3% em 2017. Mesmo tendo diminuído sua expressão no financiamento dos investimentos no Brasil e mesmo na hipótese de um forte desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro, o BNDES deverá continuar desempenhando papel de grande importância em várias áreas, como infraestrutura, modernização e expansão da indústria, serviços e agropecuária, inovação, exportação de manufaturados e serviços, meio ambiente e pequenas e médias empresas.
Devem ser sublinhadas outras conclusões deste trabalho a respeito das condições de financiamento dos investimentos no Brasil e do potencial do mercado de capitais.
A primeira delas é que existe grande espaço para aumentar a participação de títulos de dívida corporativa na carteira consolidada de ativos financeiros líquidos da economia brasileira, participação essa que era de apenas 4,4% em dezembro de 2017. Uma simulação feita com a hipótese de elevação da taxa de investimentos para o nível médio de 2010/2013 (21,7% do PIB), participação do BNDES equivalente à observada em 2006/2007 (1,5% do PIB), entre outras hipóteses, indica a necessidade de aumentar em cerca de 67% o volume a ser captado no mercado de capitais para o financiamento dos investimentos. Nesse caso, a participação dos títulos de dívida corporativa na carteira consolidada se elevaria de 4,4% para apenas 6,6%, o que certamente não representa um desafio de maior dificuldade.
A segunda conclusão diz respeito à rapidez com que investidores e empresas têm se ajustado à queda da taxa de juros e às mudanças da regulação, o que reforça a percepção de que as novas condições de juros, sendo mantidas, permitirão resgatar a funcionalidade do mercado de capitais. Alguns exemplos são: a experiência bem sucedida das debêntures de infraestrutura; a maior participação das empresas fechadas no mercado de dívida (ICVM476/2009); o forte aumento de emissões primárias de ações e dívida em 2017 em reposta à queda da taxa de juros, atingindo o maior valor desde 2005; a rápida migração de investidores de fundos de renda fixa de curto prazo para fundos multicarteiras e fundos de renda variável, em resposta à queda da taxa de juros no ano passado.
Finalmente, as debêntures de infraestrutura, com 79% das emissões com prazos superiores a 5 anos e 38% com prazos superiores a 10 anos, mostram o potencial de alongamento de prazos se comparados aos das debêntures comuns.
Segundo ainda Carlos Rocca, devem ser destacadas duas outras condições para que o mercado de capitais lidere o financiamento do investimento privado:
• A necessidade de elevar a liquidez do mercado secundário de dívida corporativa;
• A atuação do BNDES em sinergia com o mercado de capitais.
Entre outras alternativas de atuação, algumas já adotadas e/ou anunciadas pelo BNDES, destacam-se a subscrição e apoio à emissão de debêntures como alternativa à concessão de financiamentos, compra de quotas de fundos de investimento em infraestrutura, atuação como “market maker” das debêntures de infraestrutura, a utilização de recursos captados no mercado doméstico como fonte de fundos para financiar suas operações, além da possibilidade de securitização de recebíveis de sua carteira.
O futuro da atuação do BNDES
O estudo de Ernani Teixeira Torres Filho destaca que o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vem atravessando nos últimos dois anos um choque de grandes proporções. A mudança de rumos do BNDES derivou de cinco fatores.
O primeiro deles é de natureza conjuntural e está associado à forte queda na demanda de crédito, resultante da longa e profunda recessão que se abateu sobre a economia brasileira a partir de 2015. O segundo fator está relacionado às mudanças em curso na estrutura do mercado de crédito de longo prazo e com a perspectiva de a economia brasileira atravessar um regime prolongado de taxas nominais de juros (e de inflação) historicamente baixas.
O terceiro fator decorre de decisões de política econômica, que comprometem a capacidade de financiamento da instituição. É o caso da criação da Taxa de Longo Prazo (TLP) pela Lei nº 13.483/2017, que estabeleceu uma nova fórmula de determinação da taxa de juros para os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Em lugar de ser determinada pelo Conselho Monetário Nacional, de acordo com a política econômica do governo, a exemplo da antiga Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), a nova taxa do BNDES - a TLP - seguirá automaticamente a taxa de risco cobrada pelo mercado para os títulos do Tesouro de 5 anos, adicionada ao Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
A essa medida se soma o quarto fator: a drenagem do caixa livre do BNDES pelo Tesouro Nacional. Se toda a demanda anunciada pelo governo for atendida, o BNDES terá devolvido cerca de R$ 260 bilhões (Tesouro, FAT e PIS-PASEP) até o final deste ano, isto é, um montante de recursos equivalente à metade do estoque de créditos do governo federal na instituição em 2016. Esses pagamentos reduzem sobremaneira o tamanho do ativo de crédito do banco e comprometem sua liquidez no médio prazo.
Finalmente, o quinto fator da transformação recente do BNDES é de ordem reputacional. O banco foi publicamente envolvido nas ações investigativas sobre o financiamento ilegal de políticos por grandes empresas nacionais e sua atuação foi acusada de ser um instrumento de subsídio a grandes interesses econômicos.
A ação desses cinco fatores levanta indagações sobre o destino que o BNDES terá nos próximos anos. Não será a primeira vez que perguntas dessa natureza são feitas na história da instituição. Entretanto, nunca ao longo de seus mais de 60 anos de existência, o banco de desenvolvimento enfrentou uma situação de tão grande fragilidade.
Em compensação, observa ainda o estudo, existem elementos de robustez que estão intactos. A qualidade dos ativos financeiros do BNDES garante sua solvência no futuro e abre espaço para se repensar sua atuação e sua base de liquidez. Apesar de todas as ilações negativas que foram feitas, o risco de suas carteiras de empréstimos e de ações continua sendo muito inferior ao do restante do sistema bancário. O mesmo acontece com a capacidade do corpo técnico da instituição. Existe um conhecimento acumulado na gestão de operações de financiamento de longo prazo e de participação acionária que constituem uma vantagem competitiva da instituição.
Esses dois traços distintivos do BNDES não são de fácil nem rápida constituição e podem ser de relevância estratégica para um governo que veja valor em dispor de um instrumento próprio e já consolidado para atuar no mercado financeiro, com vistas à operacionalização de créditos de longo prazo voltados para a retomada da economia e do desenvolvimento nacional.
Diante desse cenário, o trabalho apresentou sucintamente a evolução do crédito do BNDES que, depois de 2015, deixou de atuar de forma a compensar a redução do crédito livre do sistema bancário, diferentemente da postura adotada nos anos anteriores. A instituição agiu de forma passiva e se tornou primordialmente um instrumento do ajustamento fiscal. O estudo deu ênfase ao desempenho do BNDES no mercado de crédito corporativo de longo prazo, avaliando os fatores contracionistas que estão colocando em xeque o modelo operacional da instituição.
Frente aos desafios enfrentados pelo BNDES, o IEDI selecionou algumas das sugestões feitas pelo autor com o propósito de criar condições para que o Banco continue atuando no mercado de crédito corporativo doméstico, no atendimento corrente do investimento, no fortalecimento da estrutura de capital das empresas e em ações de natureza anticíclica.
As iniciativas propostas não se destinam a evitar as mudanças estruturais em curso, associadas ao novo regime de taxas de juros e de inflação baixas. O BNDES continuará precisando ajustar sua atuação à nova realidade de crédito do sistema bancário e do mercado de capitais, dado o maior volume e a maior duração da oferta voluntária de crédito corporativo de longo prazo.
Para o autor, essa trajetória será benéfica para a economia brasileira sob qualquer ponto de vista e precisa ser, inclusive, no possível, encorajada pelo BNDES. As medidas sugeridas possibilitarão ao banco de desenvolvimento condições para promover um ajuste ordenado a essa nova realidade, mediante a criação de novos produtos financeiros e a revisão de seus mecanismos operacionais, garantindo que a instituição possa cumprir seu papel de financiar o investimento produtivo e promover o desenvolvimento nacional.
Medidas de natureza financeira
• Liquidação do passivo do BNDES com o Tesouro mediante a transferência para a União de créditos que foram originados com os recursos repassados pelo governo federal. Com isso, o BNDES reduziria de imediato o tamanho do seu balanço (ativo e passivo) e de sua liquidez. Voltaria a ser uma instituição exclusivamente voltada a atividades de financiamento ao desenvolvimento, que não teria mais envolvimento financeiro nem político com o Orçamento da União e com o Tesouro Nacional. A gestão da carteira que fosse transferida poderia continuar sendo feita pelo BNDES, que permaneceria como garantidor perante a União do risco dessas operações. Essa transferência poderia ser realizada através da criação de uma empresa federal de propósito específico, que carregaria esses créditos e débitos. Uma alternativa seria utilizar uma empresa estatal já existente para isso, no caso a EMGEA - Empresa Gestora de Ativos - do governo federal.
• Isenção pelo BNDES do pagamento de Imposto de Renda e Contribuições Sobre o Lucro e desobrigação de transferir dividendos à União. Esses mecanismos extra orçamentários são utilizados em outros países, como a Alemanha, para conferir vantagens marginais de custo a seus bancos de desenvolvimento.
• Criação da Letra de Crédito de Infraestrutura ou a Letra Financeira Vinculada à Infraestrutura, que seria emitida com lastro em operações amparadas na Lei 12431 e nas condições estipuladas por essa Lei. Com isso, o BNDES teria condições de concorrer em igualdade com as grandes empresas na captação de recursos de longo prazo para financiar diretamente projetos amparados nessa legislação. O financiamento do BNDES terá sempre uma importância muito grande em investimentos na fase de projeto e nos projetos que requeiram prazos mais longos.
Medidas operacionais específicas
• Redução do prazo de tramitação e das exigências relativas aos créditos para empresas de bom risco financeiro, inclusive a obrigatoriedade de análise de projeto.
• Criação de um programa de garantias firmes para a parcela das ofertas de debêntures incentivadas que não fossem atendidas pelos bancos privados. Ao mesmo tempo, a instituição deveria atuar como um importante dealer do mercado, promovendo a liquidez desses títulos no mercado secundário.
• Redução e agilização dos requerimentos das operações indiretas, tornando-as mais atrativas para os bancos agentes.
O BNDES do futuro
O trabalho do economista e consultor do IEDI, João Furtado, ressalta que o BNDES, ao lado de outras instituições, teve importância histórica indiscutível no processo de desenvolvimento econômico e social do Brasil. Entretanto, assumindo que o próprio desenvolvimento produz grandes transformações que eventualmente podem tornar redundantes e ociosas as instituições que o promoveram, é fundamental que o papel do Banco seja constantemente discutido. O desenvolvimento brasileiro ainda precisa de um banco público que o promova? Seria o atual BNDES este banco?
A resposta à primeira das questões é positiva, já que na visão do seu autor, mercado e banco de desenvolvimento se complementam de modo a potencializar o avanço das atividades econômicas. A missão dos bancos de desenvolvimento, como o BNDES, consiste precisamente em utilizar avaliações diferentes das do mercado para promover investimentos geradores de benefícios para a sociedade como um todo, mas cujo retorno privado seja - momentaneamente ou temporariamente - insuficiente sob as condições de mercado existentes.
O mercado privado de crédito pode exigir dos projetos de investimento prazos de maturação e retornos mais rápidos, bem como intensidade de capital e risco inferiores àqueles que um banco de desenvolvimento pode demandar. Sobretudo, os financiadores privados não veem razão econômica para calcularem transbordamentos ou retornos sociais, mesmo quando publicam relatórios ambientais ou sociais.
Desse modo, a existência de um banco de desenvolvimento está longe de ser uma “jabuticaba” da economia brasileira. Existem no mundo mais de 500 bancos desse tipo e seu número voltou a aumentar depois da grave crise global de 2008. Contudo, nem a experiência histórica brasileira nem a experiência internacional vêm sendo suficientes para justificar a existência dessa estrutura no Brasil. É preciso que a atuação do BNDES continue se mostrando como uma alavanca do desenvolvimento.
Desse ponto de vista, algumas críticas ao BNDES têm parcial procedência. A primeira delas é a que mais tem feito eco na imprensa e em diversas instâncias da sociedade: favorecimentos a grupos específicos, por razões estranhas ao fomento do desenvolvimento. Sem desmerecer sua importância, esta é uma questão de mais pronta solução, com o reforço da governança, incluindo conselhos independentes e conselheiros com mandatos definidos, impedimento de reconduções e regras de funcionamento que tornem públicas as atas das reuniões de diretoria e dos conselhos.
Mais importante é um segundo nível de crítica que diz respeito à própria natureza das intervenções do BNDES. É preciso reconhecer que depois do II PND (1975-79) houve um enorme alargamento das funções do banco (coordenador de privatizações, financiador de exportações de bens e serviços e de fusões e aquisições no Brasil e no exterior, agente de política industrial e tecnológica e de políticas anticíclicas), motivado por demandas pontuais. Ademais, a prevalência por um longo período de taxas de juros muito elevadas reduziu substancialmente o universo de projetos de investimento realizáveis sob as condições de mercado, sobrecarregando o papel do BNDES como viabilizador do setor produtivo.
Assim, as ações do BNDES foram ampliadas, sem, porém, que isso as tornasse mais estruturantes. De grande artífice e operador da industrialização brasileira e de suas bases de infraestrutura, o banco assumiu diversas ações, ainda que relevantes, em todas as dimensões nas quais necessidades urgentes foram identificadas pelos governos. O fundamental para o futuro do BNDES é que haja um resgate de sua ingente e insubstituível missão de promover o desenvolvimento brasileiro.
O maior desafio da agenda brasileira de desenvolvimento consiste no revigoramento da sua capacidade de crescimento, que exige, além da estabilidade do ambiente macroeconômico, a constituição, nas empresas, nos setores, nas cadeias produtivas e nas aglomerações setoriais (clusters, distritos industriais, arranjos produtivos localizados), de capacidades tecnológicas que produzam a atualização dos padrões de produção, de comercialização e de competição aos níveis mais avançados do mundo, alavancando a produtividade. O financiamento em condições adequadas dos esforços de capacitação tecnológica das empresas (de todos os tamanhos) deve ser uma prioridade sobre todas as demais, norteando a atuação do banco de desenvolvimento. Assim, a produtividade se tornaria a missão principal do BNDES.
No passado recente, muitas tentativas nessa direção foram iniciadas e interrompidas antes que pudessem frutificar. Governos, mesmo quando reeleitos, possuem mandatos às vezes bem mais curtos do que o necessário para a maturação dos investimentos em novas áreas tecnológicas e para que sejam processadas as mudanças estruturais imprescindíveis para revigorar o sistema industrial, condição para sua sobrevivência diante do advento da Indústria 4.0. Como a maior parte dos objetivos do desenvolvimento transcende qualquer mandato presidencial ou legislativo, o BNDES deveria ser uma espécie de guardião das missões constitucionais em prol do desenvolvimento brasileiro.
No intento de contribuir para o debate sobre a constituição do BNDES de que o desenvolvimento brasileiro precisa, o autor propõe:
• Reformulação e ampliação de escopo da Finame, com menor concentração das operações junto a montadoras de caminhões, ônibus e assemelhados; reformulação do cadastro da FINAME para privilegiar os instrumentos de difusão de produtividade e oferecer às empresas produtoras e usuárias condições para acelerarem a adoção e a migração para novas gerações de produtos; inclusão de serviços de todas as naturezas no acervo de itens financiáveis pela FINAME, com ênfase em serviços tecnológicos, design, consultorias de engenharia, de exportação, de capacitação em manufatura enxuta e manufatura avançada, etc.
• Criação do Finame Produtividade, para aquisição subsidiada de produtos e serviços promotores de produtividade empresarial e das cadeias produtivas, concentradas em 3 eixos: a) cadeias com potencial de exportação (FINAME - EXPORTAÇÃO); b) setores produtores de "bens salário" para ajudar no combate à inflação (FINAME - CONSUMO); c) projetos de infraestrutura para remover gargalos com economia de investimento (FINAME - INFRAESTRUTURA). Esse programa poderia ter uma vertente Indústria 4.0.
• Criação de um fundo de investimento em empresas de base tecnológica e inovadoras, com o objetivo não de apoiar startups ou empresas emergentes de base tecnológica de uma maneira geral, mas realizar um recorte preciso e relativamente bem delimitado desse universo: empresas detentoras de tecnologias que possam servir para a elevação substancial da produtividade do sistema econômico.
• Estabelecimento de um “programa de apoio à criação de produtos e serviços brasileiros de classe mundial” destinado a projetar bens e serviços promissores na conquista de fatias relevantes nos mercados mundiais. É preciso reconhecer que a única forma de amortizar os investimentos crescentes (e por vezes gigantescos) em P&D e em P&P é por meio de um denominador (dimensão de mercado) que vai muito além do que um país representa.
• Criação de um “programa de apoio à internacionalização das empresas, com propósitos tecnológicos para alcançar novas posições na cadeia de valor”, dado que o contato com o mundo e a exposição a novas fontes de concorrência, além das oportunidades de aquisição de competências e recursos, são uma fonte importante de dinamismo e vitalidade para as empresas. O programa deveria limitar os apoios à aquisição de ativos de natureza tecnológica e assemelhados (design, por exemplo; ou marcas de reputação; ou ainda certificações que permitam ampliar os horizontes de mercado).
• Financiamento de entrepostos comerciais e incubadoras tecnológicas para pequenas e médias empresas brasileiras no exterior (Vale do Silício, China, Alemanha, entre outras regiões). Esse esforço deve ser voltado para a constituição de bases de incubação de empresas com potencial tecnológico em espaços econômicos de elevado dinamismo tecnológico, nos quais as chances de transformarem as suas propostas em produtos ou serviços de classe mundial existem.
• Programa de internacionalização para aquisição de mercados, uma vez que poucas dezenas de empresas brasileiras industriais e de serviços contam com presença relevante em outros mercados com atividades para além da exportação. É preciso reconhecer que as tecnologias são, cada vez mais, de alcance mundial e que nenhuma empresa confinada a um espaço nacional será capaz de acompanhar os desenvolvimentos tecnológicos que se originam em uma multiplicidade de polos econômicos.
• Apoio à Economia de Baixo Carbono (EBC), reconhecendo que o Brasil poderá sofrer restrições em suas exportações em um cenário de redução impositiva de emissões de carbono.
• Desenvolvimento de tecnologias para conciliar agricultura familiar e serviços ambientais, de modo a evitar a desertificação rural. Neste caso, deve-se promover a translação das pesquisas científicas e tecnológicas de natureza mais acadêmica para tecnologias, técnicas, equipamentos e artefatos que permitam elevar de modo significativo a produtividade do trabalho e reduzir o caráter penoso das lides agrícolas e rurais de uma maneira geral.
• Apoio à transição energética, pois, em que pesem as medidas recentes em prol da energia eólica e solar, o Brasil continua distante de uma iniciativa vigorosa e consistente em direção às novas tecnologias que estão alimentando o salto das indústrias produtoras de equipamentos e do uso de energias renováveis, tanto no meio industrial quanto no domiciliar.
O BNDES como instrumento de acesso ao crédito e de aumento da produtividade
Em economias emergentes, como a brasileira, as restrições de crédito são um dos principais entraves aos investimentos e, consequentemente, para ao crescimento econômico e ao avanço da produtividade. Financiamentos a partir de recursos públicos surgem como uma das possibilidades para aliviar essas restrições encontradas pelo setor privado. Entretanto, a efetividade desta forma de equacionamento do problema ainda está sujeita a muita controvérsia. O estudo realizado pelos economistas Filipe Sousa, da Universidade Federal Fluminense, e Gianmarco Ottaviano, da London School of Economics e University Bocconi Milan, aborda esses temas e contribui para o debate sobre o papel do BNDES.
Os autores avaliam os efeitos de dois tipos de financiamento do BNDES, o FINEM e o BNDES Automático, em um período de 12 anos (entre 1995 e 2007) sob dois aspectos: sua capacidade de mitigar as restrições de crédito para as empresas brasileiras do setor industrial e sua capacidade de alavancar a produtividade dessas mesmas empresas.
Explorando uma base de dados rica em informações ao nível da firma, o estudo encontra evidências de que as empresas industriais no Brasil enfrentam restrições de crédito para alavancar seus investimentos. Esta é a realidade para a ampla maioria delas, particularmente para aquelas que solicitam recorrentemente apoio financeiro do BNDES. Em outros termos, não fossem as linhas de financiamento do Banco, o quadro das empresas analisadas seria muito mais complicado do ponto de vista do acesso a recursos financeiros.
Além de amenizar a escassez de crédito à qual as empresas industriais estão sujeitas, a operação do BNDES por meio do FINEM e do BNDES Automático também conseguiu fazer com que a produtividade das firmas que receberam financiamento por essas linhas acompanhasse o desempenho de firmas com características semelhantes, mas que não estavam sujeitas à restrição de crédito.
Isso significa dizer que há evidências de que o BNDES desempenhou bem um papel compensatório das deficiências do sistema de crédito do país, assegurando acesso a recursos importantes para que mais empresas obtivessem um ganho de produtividade em linha com quem não tem problemas para acessar o mercado de crédito. Em contraste, significa igualmente que o Banco não foi capaz de conferir às empresas que financiou uma performance superior quanto à produtividade.
Essas evidências têm importantes implicações de política pública. A primeira é que o BNDES é um instrumento capaz de aliviar as restrições de crédito das empresas brasileiras. Essa capacidade, porém, deixa a desejar enquanto mecanismo para alavancar a produtividade média da economia. Os projetos financiados pelo BNDES por meio do FINEM e do BNDES Automático não permitem que as empresas que os executam tenham ganhos de produtividade acima daquelas com acesso a outras fontes de financiamento. Perdeu-se, com isso, uma oportunidade para melhorar o quadro da produtividade do país.
Segundo os autores do estudo, há duas formas de entender melhor as causas dessa restrição. Em primeiro lugar: quando os financiamentos oficiais induzem a implementação de projetos sem distinguir aqueles baseados em tecnologias modernas e em tecnologias antigas, o resultado final é um efeito nulo no aumento da produtividade média da economia, visto que algumas firmas desenvolvem projetos antigos enquanto outras, projetos modernos.
Portanto, se o objetivo for aumentar a produtividade da economia, o governo precisa privilegiar tecnologias modernas que possuem um custo de implementação maior, mas custos operacionais menores. As linhas de fomento do BNDES deveriam, então, apresentar parâmetros que reforçassem a adoção de tecnologias modernas. Para os autores do estudo, este é um aspecto da discussão que pede uma análise mais profunda dos critérios de conteúdo local exigidos por essas linhas de financiamento do BNDES.
A segunda forma de entender o problema da eficácia do BNDES sobre a produtividade seria com relação a dois custos fixos de um projeto: o de P&D (inovação de produto) e o de produção (inovação de processo). Conforme argumentam os autores, quando o governo reduz o custo fixo de P&D, há um efeito pró-competitivo no mercado que eleva a produtividade média da economia. No entanto, quando as políticas públicas visam reduzir o custo fixo de produção, o governo acaba tornando mais fácil a permanência de firmas menos competitivas no mercado, o que ocasiona uma redução da produtividade média na economia. Portanto, para os autores, os financiamentos do BNDES deveriam priorizar a redução dos custos fixos de P&D para que mais firmas sejam capazes de entrar no mercado lançando novos produtos, visto que as evidências empíricas sugerem que a inovação de produto é mais efetiva no aumento da produtividade.
Em resumo, os financiamentos do BNDES concedidos por meio do FINEM e do BNDES Automático deveriam dar maior ênfase a projetos com tecnologias mais modernas, podendo, inclusive, ser menos restritos em relação a tecnologias importadas, caso essas sejam efetivamente mais eficientes. Visto por outro ângulo, esses financiamentos deveriam também privilegiar a redução dos custos fixos de P&D, especialmente aqueles voltados para o desenvolvimento de novos produtos, de forma a permitir que mais firmas sejam capazes de entrar no mercado.
Portanto, essas duas linhas de financiamento em análise poderiam ser mais efetivas em aumentar a produtividade das empresas ao dar ênfase a projetos com menores custos operacionais, mesmo tendo maiores custos fixos de implementação (tecnologias novas), bem como incentivar a criação de valor agregado ao privilegiar inovação de produto em vez da inovação de processo.
BNDES Relevante
“O país atravessa um momento de retração dos investimentos ao mesmo tempo em que estão em curso transformações nos padrões de produção, concorrência, modelos de negócio, consumo e estilos de vida. É justamente na incerteza o momento quando se deve discutir como preparar um BNDES relevante para o futuro do país”.
Esse é o ponto de partida do trabalho de João Carlos Ferraz. O autor acrescenta que o BNDES tem a forma e a função de uma instituição voltada para missões pró-desenvolvimento. Sem perder o seu DNA de efetiva contribuição para o Brasil, o BNDES deve evoluir com a sociedade na gestação de uma nova agenda de desenvolvimento, buscando sempre ser mais eficaz, eficiente e efetivo.
O estudo parte de uma detalhada análise dos bancos de desenvolvimento existentes no mundo para fundamentar suas recomendações para um “BNDES relevante” no futuro. “Qual deve ser sua contribuição para a evolução do país, a partir do seu estágio de desenvolvimento e em meio a transformações importantes na economia real (no Brasil e no mundo)?”
O primeiro ponto levantado pelo autor é que o volume das operações do BNDES deverá aumentar e novas fontes de recursos serão necessárias. O argumento parte da constatação de que, ao longo de sua história, a missão do BNDES é apoiar o investimento. Na média de 1952 a 2017, este apoio correspondeu a 1,45% do PIB. Supondo um PIB de aproximadamente US$ 2 trilhões, isto significaria, atualmente, um desembolso da ordem de US$ 30 bilhões por ano. Os desembolsos correntes do BNDES estão abaixo deste montante e, caso a taxa de investimento da economia brasileira cresça nos próximos 3 anos para, por exemplo, 18% do PIB, será necessária uma participação mais ativa do BNDES, para além da posição tímida atual, mesmo que outras fontes de financiamento compareçam com presteza e força.
Outro ponto surge como contrapartida do consenso que parece ter se formado de que as prioridades do BNDES deveriam ser infraestrutura, empresas de menor porte, inovação e meio-ambiente. Caso, de fato, sejam essas as suas prioridades, o Banco deverá ter maior disposição de assumir os riscos de desenvolvimento, ou seja, a instituição deve estar disposta a correr os riscos (protegendo-se) e colher as recompensas (lucrando e financiando a expansão de seu capital) associadas a estes objetivos.
Isso significa, sustenta o autor, que as autoridades devem avaliar se a natureza e extensão dos benefícios concedidos ao BNDES são adequados, e, além disso, devem avaliar se o escopo de atuação da instituição deve se concentrar somente nestas missões. Nesses pontos, o autor lembra que são muito limitados os benefícios que as autoridades brasileiras conferem ao seu principal agente de desenvolvimento, ao contrário do que ocorre na média mundial. O KfW alemão, por exemplo, não paga dividendos, não recolhe impostos, tem garantia soberana automática e acesso a recursos parafiscais.
Outra sugestão é que o BNDES preserve o escopo diversificado de suas operações para diluir riscos, realizando operações seguras, de baixo risco e operações lucrativas. Isso inclui operar também com grandes empresas com as devidas condicionalidades de governança, sustentabilidade, etc.
O autor lembra que a maioria dos bancos de desenvolvimento existentes não é especializada e, sim, diversificada em termos de instrumentos utilizados e segmentos atendidos. A lógica da diversificação é bem direta e não é diferente de outras instituições financeiras que buscam uma distribuição de riscos e recompensas pela gestão de portfólios: taxas baixas e prazos longos podem ser compensados por operações de menor prazo e maior taxa; operações de maior risco podem ser compensadas por segmentos de retorno previsível e seguro.
O BNDES também deve preservar uma atuação anticíclica, segundo a seguinte orientação: na fase ascendente, a instituição precisa estar atenta para abrir espaços para a indústria financeira. Todavia, quando as taxas de expansão arrefecem e a indústria financeira age para proteger seus balanços e o mercado reduz ou para de fornecer crédito, cresce a importância das instituições públicas. Para ser eficaz, o papel anticíclico de um banco de desenvolvimento deve ser adequado e específico ao momento e às necessidades dos agentes econômicos.
O autor defende ainda que, seguindo a grande maioria dos bancos de desenvolvimento de outros países, o BNDES deve atuar não em oposição, mas em parceria com a indústria financeira local. A experiência do BNDES em “parceirar” com bancos comerciais e o mercado de capitais (através de fundos ou não) e induzir mercados secundários devem ser aprofundadas.
Finalmente, é muito necessário o desenvolvimento de ferramentas de avaliação de políticas. Quando iniciar e quando encerrar uma intervenção de política? Ou, como circunscrever uma iniciativa política aos limites de sua eficácia? O tema não é trivial quando os parâmetros envolvidos abrangem mudança estrutural, inovação, meio-ambiente, investimentos de longo prazo e duração de ciclos econômicos, cujo retorno é de difícil estimativa.
Será importante, sugere o autor, institucionalizar processos de busca sistemáticos e permanentes, experimentar e implementar soluções inovadoras relacionadas a: metodologias de identificação de ativos tangíveis e intangíveis de projetos e de beneficiários; métodos de impacto ex ante associados a processos de acompanhamento e avaliação ex post. Estes são ingredientes essenciais para um constante processo interno de aprendizagem e para prestar contas à sociedade.
Conclusões
Os estudos sobre o mercado de capitais e a atuação do BNDES reunidos pelo IEDI destacam a importância do tema do financiamento para que o Brasil supere a crise e volte a investir. Mais do isso, um financiamento dos investimentos adequado e de baixo custo é condição indispensável para que a economia trilhe uma etapa de crescimento maior e mais sustentada do que vem logrando nas últimas décadas.
O mercado de capitais, como procura mostrar o trabalho de Carlos Rocca, tem grande potencialidade de vir a ser a principal fonte de financiamento do investimento privado no país. No entanto, ele ainda é relativamente pequeno e apresenta limitações como prazos muito curtos para a dívida corporativa, baixa liquidez e grande concentração em apenas poucas grandes empresas.
Na origem disso encontram-se, entre outros fatores, a permanência por décadas de taxas de juros em patamares elevados, a atratividade dos títulos da dívida pública vis-à-vis os riscos e a rentabilidade de ações e de papéis privados.
Para o autor, “nesse contexto, e como seria de se esperar, surgem de várias fontes e de analistas experimentados manifestações de preocupação com a redução do tamanho do BNDES e com a capacidade do mercado de capitais brasileiro responder tempestivamente e com eficácia às necessidades de financiamento de longo prazo. Realmente, a história recente do mercado de capitais brasileiro no cenário macroeconômico em que tem atuado não ajuda a sustentar otimismo em relação ao seu papel nos próximos anos.”
Entretanto, com a manutenção de um ambiente de juros baixos, como agora, em que a taxa básica (Selic) se encontra em um dos seus menores patamares históricos (6,5% a.a.), existem razões para acreditar que o mercado de capitais pode se transformar no mais destacado canal de financiamento de longo prazo da economia brasileira. O maior desafio para explorar esse potencial é de natureza macroeconômica, qual seja, criar as condições de sustentação de taxas reais de juros de longo prazo baixas, relativamente estáveis e próximas dos padrões internacionais. O ajuste fiscal de longo prazo capaz de estabilizar e depois reduzir a carga da dívida pública é uma condição básica para isso.
O autor sublinha a rapidez com que investidores e empresas têm se ajustado à queda da taxa de juros e às mudanças da regulação, o que reforça a percepção de que as novas condições de juros, sendo mantidas, permitirão resgatar a funcionalidade do mercado de capitais. É recomendada também a atuação do BNDES em sinergia com o mercado de capitais, a exemplo da subscrição e apoio à emissão de debêntures como alternativa à concessão de financiamentos, compra de quotas de fundos de investimento em infraestrutura e sua atuação como “market maker” das debêntures de infraestrutura.
Sobre o BNDES, todos os estudos destacam que, mesmo na hipótese de um forte desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro, o Banco deverá continuar desempenhando papel de grande importância em várias áreas, como infraestrutura, modernização e expansão da indústria, do agronegócio e dos serviços, inovação, exportação de manufaturados e de serviços, meio ambiente e pequenas e médias empresas.
Mesmo tendo enfrentado reveses que levaram suas operações a caírem fortemente nos últimos anos, os autores, a exemplo de Ernani Torres, ressaltam a qualidade dos ativos financeiros do BNDES, que garante sua solvência no futuro e abre espaço para se repensar sua atuação e sua base de liquidez. Além disso, o risco de suas carteiras de empréstimos e de ações continua sendo muito inferior ao do restante do sistema bancário. O mesmo acontece com a capacidade do corpo técnico da instituição. Existe um conhecimento acumulado na gestão de operações de financiamento de longo prazo e de participação acionária que constituem uma vantagem competitiva da instituição.
Conclui o estudo de Ernani Torres que “esses elementos podem ser de relevância estratégica para um governo que veja valor em dispor de um instrumento próprio e já consolidado para atuar no mercado financeiro com vistas à operacionalização de créditos de longo prazo voltados para a retomada da economia e do desenvolvimento nacional.”
O autor propõe: i) isenção pelo BNDES do pagamento de Imposto de Renda e Contribuições Sobre o Lucro e desobrigação de transferir dividendos à União, mecanismos utilizados em outros países, como a Alemanha, para conferir vantagens marginais de custo a seus bancos de desenvolvimento; ii) criação da Letra de Crédito de Infraestrutura, emitida com lastro em operações amparadas na Lei 12431 (debêntures incentivadas), dando ao BNDES condições de concorrer na captação de recursos de longo prazo para financiar infraestrutura; iii) redução do prazo de tramitação e das exigências para empresas de bom risco financeiro, inclusive a obrigatoriedade de análise de projeto; iv) criação de um programa de garantias firmes para a parcela das ofertas de debêntures incentivadas não atendidas pelos bancos privados; v) atuação do Banco como um importante dealer do mercado de debêntures incentivadas, promovendo a liquidez desses títulos no mercado secundário.
Os autores, a exemplo de João Furtado, advertem que certas críticas feitas ao BNDES, como a de favorecimento a grupos específicos, podem e devem ter resposta rápida, com o reforço da governança, incluindo conselhos independentes e conselheiros com mandatos definidos, impedimento de reconduções e regras de funcionamento que tornem públicas as atas das reuniões de diretoria e dos conselhos.
Fundamental para o futuro do BNDES “é que haja um resgate de sua ingente e insubstituível missão de promover o desenvolvimento brasileiro.” Para Furtado, o maior desafio da agenda brasileira de desenvolvimento consiste no revigoramento da sua capacidade de crescimento, que exige, além da estabilidade do ambiente macroeconômico, a constituição, nas empresas e em todo o tecido econômico, de capacidades tecnológicas que produzam a atualização dos padrões de produção, de comercialização e de competição aos níveis mais avançados do mundo, alavancando a produtividade.
O financiamento em condições adequadas dos esforços de capacitação tecnológica das empresas (de todos os tamanhos) deve ser uma prioridade sobre todas as demais, norteando a atuação do BNDES. Assim, a produtividade se tornaria a missão principal do BNDES.
Para esse objetivo se endereçam várias das sugestões de revisão de sua política operacional, como a criação da Finame Produtividade e de um fundo de investimento em empresas de base tecnológica e inovadoras detentoras de tecnologias que possam servir para a elevação substancial da produtividade do sistema econômico. Programas para apoiar a internacionalização de empresas, a Economia de Baixo Carbono (EBC) e a transição energética completam o elenco das sugestões.
O trabalho dos economistas Filipe Sousa e Gianmarco Ottaviano contribui para o debate sobre o papel do BNDES, estudando a capacidade do Banco de mitigar as restrições de crédito às empresas brasileiras do setor industrial e sua capacidade de alavancar a produtividade das mesmas.
O estudo encontra evidências de que as empresas industriais no Brasil enfrentam restrições de crédito para alavancar seus investimentos, de modo que, não fossem as linhas de financiamento do Banco, o quadro das empresas analisadas seria muito mais complicado do ponto de vista do acesso a recursos.
Além de amenizar a escassez de crédito das empresas, o BNDES também conseguiu fazer com que a produtividade das firmas acompanhasse o desempenho de firmas com características semelhantes, mas que não estavam sujeitas à restrição de crédito. Isso significa dizer que há evidências de que o BNDES desempenhou bem um papel compensatório das deficiências do sistema de crédito do país, embora não tenha sido capaz de conferir às empresas financiadas uma performance superior quanto à produtividade.
Se for objetivo da política de desenvolvimento aumentar a produtividade da economia, o BNDES precisa privilegiar tecnologias de ponta, ou seja, as linhas de fomento do Banco deveriam apresentar parâmetros que reforçassem a adoção de tecnologias modernas.
Por fim, o trabalho de João Carlos Ferraz sustenta que o BNDES tem a forma e a função de uma instituição voltada para missões pró-desenvolvimento. Sem perder o seu DNA de efetiva contribuição para o Brasil, o BNDES deve evoluir com a sociedade na gestação de uma nova agenda de desenvolvimento, buscando sempre ser mais eficaz, eficiente e efetivo.
Para o autor, o volume das operações do BNDES deverá aumentar e novas fontes de recursos serão necessárias. Isso deverá ocorrer nos próximos anos, mesmo que outras fontes de financiamento compareçam com presteza e força, tornando necessária participação mais ativa do BNDES, para além da posição tímida atual.
Para atuar adequadamente são sugeridas várias linhas de conduta para o Banco:
• As autoridades devem avaliar se a natureza e extensão dos benefícios concedidos ao BNDES são adequados. Os benefícios são muito limitados ao contrário do que ocorre na média mundial. O KfW alemão, por exemplo, não paga dividendos, não recolhe impostos, tem garantia soberana automática e acesso a recursos parafiscais.
• O BNDES deve preservar o escopo diversificado de suas operações para diluir riscos, realizando operações seguras, de baixo risco e operações lucrativas. Isso inclui operar com grandes empresas com as devidas condicionalidades de governança, sustentabilidade, etc. O autor lembra que a maioria dos bancos de desenvolvimento existentes não é especializada e, sim, diversificada em termos de instrumentos utilizados e segmentos atendidos.
• O BNDES também precisa preservar uma atuação anticíclica, segundo a seguinte orientação: na fase ascendente, a instituição precisa estar atenta para abrir espaços para a indústria financeira; na fase descendente, quando a indústria financeira age para proteger seus balanços e o mercado reduz ou para de fornecer financiamento, cresce a importância das instituições públicas.
• O autor defende ainda que, seguindo a grande maioria dos bancos de desenvolvimento de outros países, o BNDES deve atuar não em oposição, mas em parceria com a indústria financeira local.
• Finalmente, é muito necessário o desenvolvimento de ferramentas de avaliação de políticas. O tema não é trivial quando os parâmetros envolvidos abrangem mudança estrutural, inovação, meio-ambiente, investimentos de longo prazo, duração de ciclos econômicos, cujo retorno é de difícil estimativa.