Carta IEDI
Entraves à recomposição da rentabilidade empresarial
A expectativa de uma retomada consistente da atividade econômica após dois anos de recessão continua sendo frustrada. No início do ano, em março, a perspectiva de crescimento do PIB para 2018 (pesquisa Focus) era de 2,9%. Essa projeção do mercado refluiu para a faixa de 1,4% em setembro. O resultado do PIB desde o final de 2017, na comparação com o mesmo período do ano anterior, mostra a intensidade da desaceleração: de uma expansão de 2,1% no 4º trimestre de 2017 para altas de, respectivamente 1,3% e 1,0%, nos dois primeiros trimestres de 2018.
Esta perda de força da recuperação teve efeitos adversos importantes sobre a rentabilidade das empresas não financeiras na primeira metade de 2018, como analisa esta Carta IEDI a partir dos dados contábeis de 322 empresas não financeiras de capital aberto, representantes dos principais setores da economia – indústria, comércio e serviços.
A inconsistência da recuperação econômica não foi, contudo, o único fator a restringir a melhora das condições patrimoniais das empresas. Outros fatores de peso consistiram na aguda perturbação dos negócios derivada da paralisação dos caminheiros, no final de maio, e na elevada incerteza do cenário político, com a proximidade das eleições. Todos estes fatores contribuíram para a deterioração da confiança no meio empresarial, que até hoje não conseguiu se restabelecer integralmente. Não bastassem esses percalços, houve desvalorização do Real, inflando as dívidas denominadas em moeda estrangeira e encarecendo insumos importados.
Neste contexto, a situação financeira das grandes empresas voltou se deteriorar, sobretudo em função do desempenho do segundo trimestre de 2018. Houve alta do endividamento bancário, maior comprometimento dos lucros operacionais com as despesas financeiras e redução das margens líquidas de lucro. A piora entre 2017 e 2018 se manifestou de forma mais contundente no agregado da indústria (exceto a Petrobras e a Vale): a margem líquida de lucro caiu entre os primeiros semestres desses dois anos de 2,9% para 1,7%, esta última a menor rentabilidade líquida observada desde 2015.
O segundo trimestre de 2018 explica boa parte desta evolução. A margem líquida de lucro para o agregado da indústria (exceto Petrobras e Vale) tornou-se negativa em -2,0% contra um resultado positivo de 5,7% observado no primeiro trimestre do ano. Outra dimensão da fragilidade financeira da grande empresa industrial foi a diminuição da cobertura dos encargos financeiros pelo lucro operacional. Este indicador tinha atingido no primeiro trimestre de 2018 o índice de 1,7%. Nos meses de abril a junho, esta proporção caiu abruptamente para o patamar de 0,61%, o que significa dizer que o volume de lucros operacionais passou a honrar apenas 61% dos custos financeiros incorridos neste período.
Ainda que tenha havido alguma consistência na recuperação da margem operacional (apesar da queda no segundo trimestre de 2018, em parte devido aos efeitos da paralisação dos caminhoneiros), os fatores financeiros novamente pesaram na composição do quadro de baixa rentabilidade do setor produtivo, em especial o setor industrial. O segundo trimestre de 2018 teve como característica mais destacada o aumento das despesas financeiras deste conjunto de empresas, de R$ 6,5 bilhões (1º trimestre) para R$ 19,7 bilhões no segundo trimestre do ano, como resultado da desvalorização do Real.
Frente a este quadro de restrições financeiras, as empresas industriais aumentaram o grau de endividamento oneroso líquido no 1º semestre de 2018 para 88% do capital próprio, quatro pontos percentuais acima do observado no mesmo período de 2017. Em termos de valores, o endividamento bancário total passou de R$ 348 bilhões, em 2017, para R$ 362 bilhões em 2018, no acumulado até junho de cada ano para o agregado da indústria (excluída a Petrobras e a Vale).
A desaceleração das margens de lucro líquido e operacional da indústria, especialmente no 2º trimestre de 2018, resultou na inibição de um processo mais consistente de investimentos produtivos. O indicador CAPEX/depreciação iniciou uma trajetória de recuperação a partir do segundo trimestre de 2017, mas evoluiu pouco até meados de 2018.
Introdução
Este trabalho atualiza o acompanhamento do IEDI sobre o desempenho das empresas não financeiras listadas na bolsa de valores. O último estudo realizado compilou os resultados para o período de 2010 a 2017 e foi divulgado na Carta IEDI 856 de junho de 2018. Identificaram-se os impactos dos desdobramentos da crise global de 2008 e da recessão econômica após 2014 sobre a rentabilidade e o grau de endividamento das grandes empresas. Especialmente, verificou-se um processo de fragilização dos balanços patrimoniais no contexto de expressiva retração da rentabilidade dos investimentos produtivos, de elevação das dívidas e das despesas financeiras, e de redução da capacidade das empresas honrarem os custos dos empréstimos bancários através dos seus lucros operacionais.
Esta atualização da pesquisa se propõe acompanhar os indicadores contábeis das empresas não financeiras de capital aberto no período compreendido entre 2015 e 2018 e as agregações privilegiarão o desempenho dos primeiros semestres de cada ano. Para tanto, foram consideradas 322 empresas que apresentam demonstrações contábeis para todos os anos do período.
As companhias selecionadas foram separadas em 42 segmentos produtivos, podendo ser consultados no anexo estatístico ao final do estudo. Estes, por sua vez, foram reagregados em três macrossetores: Indústria, Comércio e Serviços. Três subconjuntos dos macrossetores foram criados para isolar o peso das gigantes do setor de petróleo, mineração e de energia elétrica nos totais: (i) Indústria sem Petrobras; (ii) Indústria sem Petrobras e Vale e (iii) Serviços sem energia elétrica. O número de empresas em cada um desses grupos e subgrupos pode ser visto na tabela a seguir. Já a descrição dos indicadores e os conceitos empregados nesta Carta IEDI constam igualmente no anexo estatístico.
Rentabilidade e endividamento
O desempenho econômico-financeiro do setor produtivo nos últimos anos reflete bem a situação da economia brasileira, qual seja, uma sequência de curtos período de melhora que são posteriormente interrompidos ou revertidos, compondo uma trajetória de recuperação pouco consistente. Vários fatores têm provocado este cenário, tais como choques exógenos, variações cambiais abruptas e queda da demanda interna, que se alternam para encurtar os parcos momentos de retomada. O período entre 2017 e o primeiro semestre de 2018 foi marcado por uma conjuntura na qual o setor produtivo não conseguiu manter uma trajetória continuada de recuperação da rentabilidade e do investimento em capital fixo, especialmente no caso da indústria.
A situação financeira das grandes empresas após 2014 vem sendo marcada por: alto endividamento, comprometimento significativo dos lucros operacionais com as despesas financeiras e baixa margem de lucro líquida. Neste sentido, o primeiro semestre de 2018 não trouxe nenhuma alteração substantiva do quadro, especialmente devido ao agravamento do 2º trimestre, que foi impactado pela desvalorização do Real e pela greve dos caminhoneiros.
Para o conjunto das 322 empresas não financeiras, a margem líquida de lucro apresentou aumento entre os primeiros semestres de 2017 e de 2018, de 4,8% para 5,5%. Apesar disso, é importante notar que seu patamar ainda se manteve abaixo do observado no primeiro semestre de 2016: 5,8%.
Neste mesmo período, as empresas não financeiras também conseguiram melhorar a operação dos seus negócios e a lucratividade operacional subiu de, 15,1% para 15,6%. Todavia, essa melhora não se traduziu em menor comprometimento dos lucros operacionais com o pagamento das despesas financeiras; ao contrário, o indicador registrou uma pequena deterioração, passando de 1,31 no 1º semestre de 2017 para 1,28 no primeiro semestre de 2018. Em outras palavras, a geração interna de lucros foi capaz de cobrir com pequena margem de 28% os encargos financeiros deste período.
Esta relativa melhora nos indicadores de rentabilidade no primeiro semestre de 2018 para o total da amostra de empresas não financeiras foi construída apenas no 1º trimestre do ano, período em que ainda havia esperanças de um crescimento econômico mais vigoroso em 2018. De fato, nos primeiros três meses a margem líquida de lucro se elevou para 6,8%, mas retroagiu para 4,2% no trimestre seguinte (-1,6 p.p.), implicando uma margem acumulada no primeiro semestre de 5,5%.
Por sua vez, a relação entre o EBTIDA e as despesas financeiras, ou seja, o grau de cobertura dos encargos financeiros pelos lucros operacionais, que tinha subido para 1,7% no 1º trimestre, recuou de forma expressiva para apenas 1,0% entre abril e junho de 2018 denotando a atual fragilidade financeira das grandes empresas brasileiras.
As empresas industriais
As tendências das condições financeiras das empresas entre 2017 e 2018 se manifestaram de forma mais contundente no agregado da indústria (excluídas a Petrobras e a Vale). Para este conjunto de empresas, a margem líquida de lucro acusou queda na comparação semestral, de 2,9% para 1,7%, a menor rentabilidade líquida observada desde 2015.
A abertura trimestral, a seu turno, dá a dimensão dos problemas vividos pelas empresas em 2018, que se mostraram bastante concentrados em abril-junho. A margem líquida de lucro para esse agregado da indústria tornou-se negativa no segundo trimestre (-2,0%) contra um resultado positivo de 5,7% observado no primeiro trimestre de 2018.
A queda da margem líquida de lucro foi generalizada entre os setores da indústria no primeiro semestre de 2018, ainda que em magnitudes bem diversas. No acumulado dos primeiros seis meses de 2018, os seguintes ramos industriais apresentaram margem líquida negativa (prejuízo) devido ao segundo trimestre do ano: alimentos (-2,8%), construção civil (-12,6%), material aeronáutico (-6,5%), metalurgia (-8,4%), papel e celulose (-5,3%), têxtil (-1,7%). Outros setores mantiveram uma margem líquida positiva na primeira metade de 2018, porém menor do que aquela registrada no primeiro trimestre: autopeças (5,1%), siderurgia (9,8%), química (0,7%) e eletroeletrônicos (0,9%). No Anexo, ao sinal desta Carta IEDI, há informações sobre as margens de lucro de todos os setores industriais considerados.
Uma destacada razão para essa evolução foi o fato de setores importantes da indústria terem sentido o peso da greve dos caminhoneiros e, consequentemente, da paralisação da produção. Além disso, a intensificação das incertezas políticas, também decorrente da aproximação do período eleitoral, aprofundou o movimento de desvalorização do Real, impactando os fluxos de pagamentos dos encargos financeiros e o aumento do peso das variações monetárias e cambiais nos resultados das empresas não financeiras. Entre o primeiro e segundo trimestres de 2018, o Real se desvalorizou 11,2% na comparação das médias da cotação em cada trimestre. No final de junho a taxa de câmbio havia alcançado R$/US$ 3,85 implicando uma desvalorização de 16% frente à cotação do final do primeiro trimestre (março).
O impacto desses acontecimentos pode ser mensurado pela expressiva piora da cobertura dos encargos financeiros pelo lucro operacional. Para o agregado da indústria (excluída a Petrobras e a Vale), este indicador tinha atingido no primeiro trimestre de 2018 o índice de 1,7%, ou seja, a geração interna de lucros ultrapassou as despesas financeiras com uma diferença razoável de 70%. Nos meses de abril a junho, esta proporção caiu abruptamente para o patamar de 0,61%, o que significa dizer que o volume de lucros operacionais não foi sequer suficiente para honrar os custos financeiros.
Entre os dois primeiros trimestres de 2018, o peso das variações monetárias e cambiais como proporção da receita das empresas subiu de 3,7% para 11,6%. Este movimento combinado com o crescimento das despesas financeiras líquidas que, em termos de valores passaram neste período, de R$ 6,5 bilhões para R$ 19,7 bilhões, produziram a forte queda da margem líquida das grandes empresas industriais.
Os impactos negativos da greve dos caminhoneiros podem ser sentidos também na evolução da margem operacional (EBITDA/receita). No início de 2018, as expectativas de crescimento subiram e as empresas recompuseram estoques e ganharam escala de produção. Neste contexto, a margem operacional atingiu 11,5% no primeiro trimestre de 2018 para o agregado da indústria (exceto Petrobras e Vale). No 2º trimestre de 2018, a margem operacional para esse conjunto de empresas industriais voltou a cair, atingindo o patamar de 8,7% demonstrando que as paradas na produção acabaram por gerar perdas operacionais que se traduziram em menores margens de lucro.
Neste contexto de dificuldades financeiras, as empresas industriais elevaram o grau de endividamento oneroso líquido no 1º semestre de 2018 para o patamar de 88% do capital próprio, quatro pontos percentuais acima do observado no mesmo período de 2017. Em termos de valores, o endividamento bancário total passou de R$ 348 bilhões, em 2017, para 362 bilhões em 2018, no acumulado até junho de cada ano para o agregado da indústria (excluída a Petrobras e a Vale). Ainda que a relação de endividamento de curto e longo prazo tenha melhorado um pouco, o custo dos financiamentos sobre o volume de dívidas aumentou para as empresas.
A combinação de desaceleração das margens de lucro líquido e operacional da indústria, especialmente no 2º trimestre de 2018, inibiu um processo mais consistente de investimentos produtivos. O indicador CAPEX/depreciação iniciou trajetória de recuperação a partir do segundo trimestre de 2017, mas evoluiu pouco até meados de 2018.
Mesmo tomando o ano de 2015 como o período inicial da crise, observa-se que os gastos com capital fixo ainda estão em um patamar muito baixo. Apesar de certa recuperação, os investimentos das empresas industriais analisadas alcançaram, no segundo trimestre, um ritmo de crescimento equivalente a 40% daquele verificado no primeiro trimestre de 2015. Chama atenção também a incapacidade de o setor de construção civil demonstrar qualquer sinal de recuperação de sua taxa de investimentos.
Conclusões
Os dados contábeis das empresas não financeiras de capital aberto compreendem uma maneira adicional de se constatar a fragilidade da recuperação econômica do país. O nível de atividade, que já vinha dando sinais de perda de ímpeto em relação ao final de 2017, foi gravemente afetado pela paralisação do transporte rodoviário de carga no final de maio. Este evento pontual somou-se às incertezas vindas do cenário político-eleitoral, de modo a deteriorar a confiança de empresas e consumidores. A desvalorização cambial do período também impactou negativamente as condições financeiras das empresas ao elevar seu passivo externo.
Como resultado deste quadro, para o agregado dessas empresas houve, na primeira metade de 2018, alta do endividamento bancário, maior comprometimento dos lucros operacionais com as despesas financeiras e redução das margens líquidas de lucro. Esta deterioração se concentrou muito no segundo trimestre do ano e se mostrou mais nitidamente nas empresas industriais (exceto Petrobras e Vale), como os indicadores a seguir resumem bem.
• A margem líquida de lucro da indústria (exceto Petrobras e Vale) recuou de 2,9% no primeiro semestre de 2017 para 1,7% em igual período de 2018. Na origem desta involução está o prejuízo (margem líquida negativa) de 2% registrado em abril-junho/2018.
• A margem operacional dessas empresas industriais conseguiu se recompor, passando de 8,7% para 10,1% do primeiro semestre de 2017 para o primeiro semestre de 2018. O avanço poderia ter sido melhor, não tivesse sido o declínio da margem em abril-junho/2018 (8,7%).
• A cobertura das despesas financeiras, aferida a partir do indicador EBITDA/Desp. Financeira, voltou a ficar abaixo de 1 na primeira metade de 2018: 0,96, devido ao retrocesso no segundo trimestre do ano (0,61).
• O endividamento das empresas industriais aumentou 6% na comparação dos primeiros semestres de 2017 (R$ 341,8 bilhões) e 2018 (R$ 362 bilhões), mas houve melhora do perfil, com redução das dívidas de curto prazo (-15%).
• A piora quanto ao endividamento veio de sua relação com o capital próprio, que subiu de 84% para 88%, persistindo na trajetória de alta dos últimos anos. Vale ressaltar que o grau de endividamento oneroso líquido no 1º semestre de 2015 era de 68% do capital próprio das empresas industriais (exceto Petrobras e Vale).
• O indicador CAPEX/depreciação iniciou trajetória de recuperação a partir do segundo trimestre de 2017, mas evoluiu pouco até meados de 2018. Apesar de certa recuperação, os investimentos das empresas industriais analisadas alcançaram, no segundo trimestre, um ritmo de crescimento equivalente a 40% daquele verificado no primeiro trimestre de 2015.