Carta IEDI
Indústria e Políticas de Desenvolvimento
O IEDI faz hoje uma retrospectiva de uma série de estudos divulgados ao longo de 2018 sobre temas de grande relevância para o Brasil, como desenvolvimento econômico, inovação tecnológica, a indústria do futuro, estratégias industriais etc. Nesta edição inicial, aborda-se o papel central da indústria no progresso econômico e social dos países, decorrente, sobretudo, de sua capacidade de criar novos produtos que revolucionam mercados e formas de produzir não apenas do próprio setor, mas também de todas as atividades econômicas.
Por essa razão, os países mais bem-sucedidos em elevar o padrão de vida de suas populações não abriram mão de definir estratégias de desenvolvimento industrial, que atualmente têm enfatizado, cada vez mais, as ações de pesquisa, desenvolvimento e inovação (P&D&I). Em boa medida, derivam dessas ações as transformações em curso que prometem ensejar a Quarta Revolução Industrial.
Para tratar do assunto, esta Carta IEDI recorre a três trabalhos que já foram sintetizados em Análises anteriores. O primeiro deles, divulgado pelo Banco Mundial, é intitulado “Why Manufacturing Has Been Important for Development”, de autoria de Mary Hallward-Driemeier e Gaurav Nayyar.
Segundo os pesquisadores do Banco Mundial, a indústria é elemento-chave no desenvolvimento por apresentar fatores que, embora não sejam de sua exclusividade, não aparecem reunidos na mesma intensidade em outros setores. A combinação de cinco critérios abre a possibilidade a determinado setor de promover ganhos dinâmicos de produtividade que transbordem para a integralidade do sistema econômico de um país:
1. capacidade para absorver mão de obra menos qualificada de outros setores;
2. peso do emprego do setor no total da economia;
3. nível de produtividade que o setor consegue extrair do trabalho;
4. grau de participação do setor nos mercados internacionais;
5. escopo para inovação e difusão.
É a indústria que melhor se posiciona frente a este conjunto de critérios, ao apresentar níveis elevados de produtividade e grande capacidade de absorção de mão de obra menos qualificada de outros setores, ao mesmo tempo em que é o principal responsável pelas atividades de inovação e pela integração internacional das economias. Deste modo, os países têm muito a ganhar se estabelecerem estratégias de desenvolvimento que promovam uma indústria competitiva internacionalmente.
Como promover o desenvolvimento industrial de modo efetivo e inteligente? Eis o propósito do segundo trabalho analisado aqui, intitulado “Los fundamentos de las políticas industriales y de innovación”, de autoria de Mario Cimoli, Giovanni Dosi e Joseph E. Stiglitz, este último ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2001. O artigo é um dos capítulos de “Políticas industriales y tecnológicas en América Latina”, relatório publicado pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL).
Os autores argumentam que as políticas de suporte das indústrias nascentes, a definição dos regimes internacionais de comércio e de propriedade intelectual, a distribuição das rendas setoriais e a sintonia das políticas industriais com as políticas macroeconômicas são elementos fundamentais no desenvolvimento industrial e econômico dos países.
Neste sentido, advogam uma política industrial moderna, cujos aspectos, diga-se de passagem, há muito tempo também são defendidos pelo IEDI: o apoio governamental concedido às empresas deve envolver prazos e contrapartidas de resultados, como metas de investimentos em tecnologia e exportações, de modo que o incentivo concedido – por exemplo, via tributação e crédito favorecido – não resulte meramente na apropriação de rendas por grupos específicos. Por fim, mas não menos importante, também se destaca a necessidade de coordenação entre políticas industriais e políticas macroeconômicas para se produzir trajetórias virtuosas de desenvolvimento.
Somente assim as políticas industriais são capazes de estimular nas empresas de países emergentes as capacidades tecnológicas necessárias para concorrer com empresas de países desenvolvidos, já consolidadas no mercado internacional.
Potencializar a criação de novas tecnologias, especialmente aquelas disruptivas, implica uma interação virtuosa entre setor público e setor privado, como destaca Mariana Mazzucato em seu artigo “Políticas industriales y tecnológicas en América Latina”, também publicado pela CEPAL. Que consiste no terceiro trabalho tratado nesta Carta.
Segundo Mazzucato, a inovação é um meio fundamental para fomentar o crescimento econômico inteligente, justo e sustentável e, por isso, consiste em um dos principais desafios que os Estados não podem deixar de enfrentar.
Dada a complexidade do fenômeno inovativo, seu elevado grau de incerteza, a cumulatividade do processo de aprendizado e os volumes financeiros necessários para seu financiamento, a atuação do setor público é parte importante na criação de revoluções e trajetórias tecnológicas. Sua eficácia é tão maior quanto mais as políticas estiverem direcionadas ao cumprimento de missões, isto é, à resolução de problemas sociais, econômicos ou propriamente tecnológicos.
Entretanto, Mazzucato argumenta que os desafios colocados por estas missões não são suficientemente respondidos pelo arcabouço tradicional de políticas públicas, que sugere que a atuação estatal deva se circunscrever a situações em que não se verificasse o funcionamento adequado do mercado. Em outros termos, este arcabouço continuaria a enfatizar um caráter excludente entre a presença do Estado e do mercado.
Com vistas a superar tais limitações e fomentar um crescimento inteligente, Mazzucato defende a centralidade das alianças público-privada, capazes de funcionar como bases de um novo arranjo institucional que potencialize os esforços inovativos para fomentar novas tecnologias disruptivas ao invés de apenas viabilizar inovações incrementais.
A importância da indústria para o desenvolvimento
Desenvolvimento econômico e industrialização sempre caminharam juntos. Historicamente, as economias que alcançaram maior nível de renda e atualmente constituem o grupo de economias desenvolvidas foram aquelas que trilharam o caminho do desenvolvimento industrial. A importância do desenvolvimento liderado pela indústria e suas distintas configurações setoriais são tema do primeiro capítulo do livro do Banco Mundial intitulado “Trouble in the Making? The Future of Manufacturing-Led Development” e escrito por Mary Hallward-Driemeier e Gaurav Nayyar.
Os principais ganhos em termos de desenvolvimento econômico, entendido como crescimento da renda per capita, estiveram historicamente associados com os processos de industrialização das diversas economias do mundo. Isso se observa desde a Revolução Industrial na Inglaterra e os movimentos subsequentes de industrialização mundo afora. Raros foram os casos de elevação dos níveis de renda por outros meios, como extração de recursos naturais ou exploração de vantagens locacionais. As evidências empíricas e históricas mostram a forte correlação entre o crescimento da atividade industrial e o crescimento econômico em geral de um determinado país.
Nesta dinâmica, cumprem papel decisivo os movimentos de transferência do excesso de mão de obra da agricultura para a indústria e de acumulação de capital neste último setor. Tal transformação estrutural impulsiona a produtividade total da economia, uma vez que os setores industriais apresentam maior produtividade do trabalho, se comparados aos setores primários. Também cabe observar que a produtividade pode variar mesmo dentro dos setores e este tem sido um argumento por parte de diversos estudos para compreender ganhos de produtividade da economia como um todo.
Outra questão fundamental levantada pelos autores envolve o fato de que não apenas o que é produzido, mas sobretudo como um bem é produzido, apresenta importante impacto potencial sobre o desenvolvimento de um país. Diversos exemplos sugerem que os mesmos setores podem ter sido incentivados em países distintos, porém resultando em transbordamentos positivos apenas em alguns locais. Os autores contrastam os casos de industrialização orientada para as exportações do Leste Asiático e de substituição das importações da América Latina para ressaltar que não apenas o que se produz, mas também como se produz, importa para os resultados que a economia obterá em termos de crescimento. Enquanto se destaca a integração dos países asiáticos aos mercados internacionais, possibilitando-lhes alcançar escala, enfrentar a concorrência e adquirir tecnologia estrangeira, sublinha-se que a estratégia de industrialização voltada para o mercado doméstico dos países latino-americanos por meio do uso de barreiras comerciais para proteger os produtores locais não resultou em crescimento semelhante.
Historicamente, se comparada aos setores primários e de serviços, a indústria foi capaz de combinar, em maior medida, sua penetração no comércio internacional e outras características de fomento à produtividade com a criação de empregos em larga escala para uma mão de obra relativamente pouco qualificada. Embora também transacionados internacionalmente, os bens primários enfrentavam volatilidade de preços mais acentuada nos mercados internacionais e ganhos de produtividade fortemente relacionados a tecnologias poupadoras de mão de obra. A dinâmica da demanda também desempenha importante papel, visto que aumentos da renda per capita são acompanhados por redução da participação de produtos primários e ampliação da participação de bens industriais nos gastos totais, dada a menor elasticidade renda da demanda dos primeiros em relação aos últimos. Como consequência, países especializados na produção primária tenderiam a se beneficiar menos de uma expansão dos mercados globais.
Para os setores de serviços, nota-se que os setores de ponta tipicamente são intensivos em conhecimento e capacitações, mas, por muito tempo no passado, não se constituíam serviços transacionáveis nos mercados internacionais. Ainda que serviços mais precários pudessem absorver excesso de mão de obra da agricultura, pouco se traduziam em crescimento da produtividade. Os autores enfatizam, ainda, que crescentemente as fronteiras entre os setores têm se tornado mais tênues e, logo, a peculiaridade da indústria enquanto motor do desenvolvimento econômico deve ser entendida ao longo de toda a cadeia de valor. Cada vez mais, diversos tipos de serviços são incorporados antes, durante e após a execução de um determinado processo produtivo e, nesse sentido, também são essenciais na compreensão do desenvolvimento econômico.
A partir dessas considerações, busca-se destacar o caráter único do desenvolvimento liderado pela indústria por meio da combinação de cinco variáveis que são indicativas dessas características pró-desenvolvimento. São elas: (i) escopo para empregar mão de obra menos qualificada (mensurado pela participação de trabalhadores de colarinho azul no emprego total do setor); (ii) parcela do emprego do setor no total da economia; (iii) produtividade do trabalho (dada pelo produto por trabalhador de cada setor); (iv) grau de comercialização nos mercados internacionais (medido pela razão setorial entre exportações e produto); e (v) escopo para inovação e difusão (mensurado pela razão entre gastos em pesquisa e desenvolvimento – P&D – e valor adicionado). A combinação entre essas variáveis indica o potencial relativo pró-desenvolvimento de cada setor.
Características pró-desenvolvimento entre subsetores industriais. O setor industrial é bastante heterogêneo e composto por diversos subsetores que apresentam, em graus variados, as características pró-desenvolvimento discutidas anteriormente. Tais características de determinado subsetor não são fixas nem tampouco inatas, de modo que variam entre países e ao longo do tempo. Logo, quando se pensa no impacto potencial sobre o desenvolvimento econômico, o que realmente importa é a manifestação de tais características e não simplesmente um subsetor em particular.
Apesar da importância de se considerar a indústria como um todo no processo de desenvolvimento econômico, faz-se também necessário perceber a existência de nítidas diferenças entre subsetores industriais, salientando como as características pró-desenvolvimento se manifestam nos diversos subsetores. Conhecer essas distintas manifestações torna-se fundamental para se refletir sobre potenciais impactos das novas tecnologias e dos encaminhamentos do processo de globalização sobre as possibilidades e limitações do desenvolvimento de países distintos.
O setor industrial, na medida em que é composto de diversos subsetores que combinam em graus distintos as cinco dimensões pró-desenvolvimento, merece uma análise mais desagregada, a partir da qual se permite avaliar com maior clareza o potencial para ganhos dinâmicos resultantes das esferas de mão de obra, produtividade e comércio. No referido estudo, os autores classificam 16 subsetores industriais em cinco categorias, de acordo com o grau de manifestação das cinco características pró-desenvolvimento. Identificam-se cinco grandes grupos de subsetores industriais: (i) low-skill labor-intensive tradables; (ii) medium-skill global innovators; (iii) high-skill global innovators; (iv) commodity-based regional processing; e (v) capital-intensive regional processing.
O primeiro grupo – de low-skill labor-intensive tradables – corresponde aos setores industriais cujos bens são bastante transacionados internacionalmente e, ao mesmo tempo, emprega uma parcela relativamente maior de trabalhadores de colarinho azul e apresenta elevada participação de emprego na produção total. Setores, como têxtil, de vestuário, moveleiro, entre outros, compartilham tais características. Estes setores também possuem a menor relação produto por trabalhador dentre os subsetores industriais e tampouco são intensivos em P&D. Logo, apesar de terem seus bens amplamente transacionados internacionalmente, apresentam um escopo limitado para difusão tecnológica.
Os dois grupos seguintes são compostos por setores intensivos em P&D – medium-skill global innovators e high-skill global innovators. Variam, contudo, conforme o grau de abertura comercial e a participação de trabalhadores de colarinho azul. Os setores classificados como medium-skill global innovators, que envolvem setores de equipamentos de transporte, máquinas e equipamentos, setores elétricos, entre outros, possuem bens altamente transacionados nos mercados internacionais, assim como os low-skill labor-intensive tradables, porém apresentam menor parcela de trabalhadores de colarinho azul em sua força de trabalho total. Por sua vez, os setores classificados como high-skill global innovators, que compreendem, por exemplo, os setores eletrônicos, de informática e de instrumentos ópticos, e de produtos farmacêuticos, possuem uma razão exportação-produto bastante elevada e uma participação de trabalhadores de colarinho azul bastante baixa em relação aos setores considerados medium-skill global innovators.
Os demais grupos – commodity-based regional processing e capital-intensive regional processing – estão entre os subsetores industriais com menor penetração internacional. Variam tanto na participação de trabalhadores de colarinho azul como no grau de transação internacional. Os setores de alimentos e bebidas, produtos de madeira, produtos de papel e celulose, produtos de metal, produtos de minerais não metálicos, produtos de borracha e de plástico, entre outros, são classificados como commodity-based regional processing. Suas atividades estão fortemente relacionadas ao uso de matérias-primas agrícolas ou minerais. Tais bens são tipicamente menos transacionados internacionalmente, seja porque são volumosos e implicam custos de transporte maiores, seja porque requerem maior proximidade com os recursos naturais e matérias-primas. Dentre esses setores, destaca-se o de alimentos e bebidas por responder pela segunda maior parcela do emprego industrial, atrás apenas do setor têxtil, de vestuário e de produtos de couro. Já os setores agrupados como capital-intensive regional processing apresentam um grau um pouco maior de transação internacional, mas empregam menores parcelas de trabalhadores de colarinho azul. Correspondem aos setores de produtos químicos e de derivados do petróleo.
Estes agrupamentos setoriais permitem identificar potenciais meios de inserção para países de menor renda. Os setores classificados como high-skill global innovators correspondem não apenas aos setores cujos bens são mais transacionados internacionalmente como também são mais intensivos nas cadeias globais de valor, seguidos pelos setores classificados como medium-skill global innovators e low-skill labor-intensive tradables. Tais setores possuem mais estágios produtivos e parcela maior desses estágios realizada no exterior. Nesse sentido, podem oferecer oportunidades aos países de menor renda para participarem dessas cadeias produtivas, embora em um conjunto mais restrito de atividades e tarefas, já que as etapas mais intensivas em tecnologia e mão de obra qualificada se concentram nas economias desenvolvidas. Os setores considerados commodity-based regional processing, por sua vez, possuem menos estágios de produção e menor parcela desses estágios realizada no exterior. No entanto, como envolvem processos produtivos menos complexos, os requisitos à entrada tendem a ser menores, ainda que o potencial de comércio e inovação seja também inferior.
É válido ressaltar também que as características pró-desenvolvimento associadas a determinado subsetor industrial variam entre os países, geralmente refletindo a posição relativa dos países nas cadeias globais de valor. O setor de equipamentos de transporte, por exemplo, emprega uma parcela muito maior de trabalhadores menos qualificados em países de renda média, como Índia, México e Vietnã, do que em países de renda elevada, como França, Espanha e Estados Unidos. O mesmo se verifica para outros subsetores industriais, como o setor de vestuário. Enquanto países de renda menor adicionam valor nas etapas intensivas em trabalho pouco qualificado, associadas à montagem de um determinado bem, países de renda elevada adicionam mais valor por meio da execução daquelas etapas produtivas mais intensivas em conhecimento e capacitações, tanto na concepção do produto como na comercialização e pós-venda.
Não menos importante é o fato de que tais características pró-desenvolvimento também variam ao longo do tempo entre os subsetores industriais. O aumento da razão entre exportação e produto do setor farmacêutico, por exemplo, retrata uma das mudanças mais significativas no tempo. Com exceção dos produtos de minerais não metálicos e dos produtos de madeira, todos os demais apresentaram uma elevação da parcela da produção global que é exportada. A grande maioria dos setores também experimentou uma redução da parcela de trabalhadores de colarinho azul no emprego total, comparando-se dados dos anos 1990 com anos 2010.
Ganhos de produtividade do trabalho também foram observados em diversos setores, notadamente no setor de produtos químicos. No setor de informática e de eletrônicos, no entanto, houve um declínio na produtividade relativa. Já no que se refere à criação de empregos entre 1994 e 2013, mais empregos foram gerados no setor de informática e de eletrônicos comparativamente ao setor têxtil e de vestuário que, embora respondesse por parcela maior do total do emprego industrial, teve sua participação reduzida.
De modo geral, a constatação dessas diferenças entre subsetores industriais implica que maior atenção deve ser dada à expansão daquelas atividades que resultem nas características desejadas, tomado em consideração o contexto de um determinado país, ao invés da produção de um produto específico por si mesmo. O que um país produz é indicativo do conjunto de características pró-desenvolvimento que provavelmente ele irá experimentar, mas como os bens são produzidos – conforme observado nas variações existentes nos processos produtivos e na natureza das atividades desempenhadas pelo mesmo subsetor entre países e ao longo do tempo – reforça a hipótese de que uma avaliação acerca do apoio a determinado subsetor industrial deva considerar a combinação provável de características pró-desenvolvimento no contexto de cada país específico.
Políticas industriais e de inovação: por que são necessárias?
O apoio ativo do Estado mediante, por exemplo, diferentes instrumentos de proteção ao mercado doméstico e incentivos a setores industriais específicos é característica marcante dos países que conseguiram se industrializar e realizar o processo de catching-up com as economias desenvolvidas durante os séculos XIX e XX.
A estratégia de proteger a indústria nacional enquanto adquirisse as capacidades necessárias para concorrer com as empresas mais avançadas de economias líderes em setores considerados cruciais ao desenvolvimento é a base do argumento da indústria nascente. Sem proteção, a tentativa de industrialização estaria fadada a fracassar, muito embora a proteção por si só não seja garantia de competitividade da indústria no longo prazo.
Por isso, segundo Mario Cimoli (Diretor da CEPAL para Desenvolvimento Produtivo e Empresarial), Giovanni Dosi (professor da Universidade de Columbia e da Scuola Superiore Sant’Anna, em Pisa) e Joseph E. Stiglitz (professor da Universidade de Columbia e Prêmio Nobel de Economia em 2001), autores de “Los fundamentos de las políticas industriales y de innovación”, publicado pela CEPAL, cabe avançar na reflexão sobre as circunstâncias em que a proteção às indústrias nascentes são conducentes a uma indústria nacional sólida.
Os principais países atualmente considerados desenvolvidos apresentaram um grau de intervencionismo econômico relativamente elevado durante sua história. Isso se aplica, sobretudo, ao período quando tais nações estavam em processo de alcançar a convergência com os então líderes internacionais. O Japão constitui um exemplo na adoção de políticas intervencionistas durante seu processo de desenvolvimento econômico. Dentre os países, diferem-se, contudo, os instrumentos, arranjos institucionais e filosofia de intervenção.
Cimoli, Dosi e Stiglitz elaboraram uma taxonomia das intervenções governamentais em termos de políticas, medidas e instituições relacionadas ao aprendizado tecnológico e à mudança industrial. As medidas de política e instituições afetam: (i) a capacidade tecnológica dos indivíduos e das empresas, bem como o ritmo ao qual efetivamente aprendem; (ii) os sinais econômicos que recebem, inclusive em termos de rentabilidade e custos de oportunidade; e (iii) a maneira como interagem entre si e com instituições fora do mercado, como organismos públicos, bancos de desenvolvimento e entidades de capacitação e pesquisa.
Apesar de as políticas poderem ser combinadas de distintos modos segundo as especificidades de cada país e setor, é possível elencar características semelhantes:
• Em primeiro lugar, ressalta-se a centralidade dos organismos públicos, incluindo as universidades, e das políticas públicas para a formulação e implementação de novos paradigmas tecnológicos.
• Em segundo lugar, destaca-se a insuficiência dos incentivos de mercado aos atores econômicos para promover convergência tecnológica, resultando necessárias políticas industriais e de inovação para ampliar a capacidade de tais atores.
• Em terceiro lugar, coloca-se o conflito gerado pela disciplina concorrencial imposta pelo mercado, eliminando grupos de empresas de baixo desempenho e recompensando aqueles de maior desempenho, o que poderia, durante esse processo de seleção, ampliar diferenças entre empresas e minar possibilidades de aprendizado futuro.
• Em quarto lugar, enfatiza-se certo desequilíbrio entre medidas para construção de capacidades e proteção às indústrias nascentes e os mecanismos para restringir a inércia e a captura de renda por grupos específicos.
• Por último, observa-se forte relação entre processos exitosos de convergência de renda per capita e processos de convergência aos paradigmas tecnológicos novos e mais dinâmicos, independentemente dos padrões iniciais de vantagens comparativas, do grau de especialização e dos sinais econômicos emitidos pelos mercados.
A experiência histórica corrobora a hipótese de que frequentemente apenas os países líderes em âmbito tecnológico e político preconizam e aproveitam ao máximo o livre comércio irrestrito. Estes ensinamentos do passado são úteis na medida em que também se apliquem ao futuro, de modo que os atuais formuladores de política deveriam estar conscientes de que as capacidades futuras se baseiam nas capacidades de hoje, modificando-as e aperfeiçoando-as. A percepção dessas trajetórias de dependência no desenvolvimento de novas capacidades deve ser, portanto, objeto de política.
Fortalecimento das indústrias nascentes sob o atual regime de comércio internacional. Para o desenvolvimento de indústrias nascentes, é essencial resguardar a possibilidade de aprender. Os sinais de mercado frequentemente são insuficientes para isso, pois tendem a não incentivar atividades que apresentem desvantagens comparativas, as quais, no entanto, poderiam ser fontes para acumulação de capacidades tecnológicas futuras. Várias políticas factíveis são apontadas, portanto, nesta direção.
Por razões associadas ao processo de aprendizado, a evidência história demonstra que as tarifas médias aplicadas às importações industriais tendem a crescer durante a fase de convergência econômica e tendem a cair quando o processo de industrialização se torna maduro. É durante a fase de convergência que se coloca a necessidade de agir sobre os sinais dos mercados internacionais, uma vez que as indústrias nascentes se encontram em processo de aprendizado, ainda incapazes de concorrer de igual para igual internacionalmente.
Vale ressaltar que a ausência ou presença de capacidades tecnológicas maduras e dinâmicas em qualquer país não constitui uma variável binária. Muitos países apresentam algumas dessas capacidades, enquanto outros possuem poucas organizações que avançam tecnologicamente diante de um grande número de empresas menos dinâmicas. Mesmo em nações mais desenvolvidas, apenas uma parcela pequena de todas as empresas pode ser considerada dinâmica do ponto de vista tecnológico. Porém, a industrialização guarda relação com as propriedades que possibilitam alterar essa distribuição entre empresas que avançam e que retrocedem tecnologicamente.
As políticas cumprem papel decisivo nesse processo. Destacadas para os casos de China e Índia, mas válidas também para outros países embora sendo alvo de críticas, as políticas podem incluir aspectos referentes a empresas estatais, alocação seletiva de crédito, regime tributário preferencial para certos ramos industriais, restrições ao investimento estrangeiro, exigências do contexto local, regimes especiais de direitos de propriedade intelectual, sistemas de contratação pública e fomento às grandes empresas nacionais.
Não se trata meramente de escolher uma empresa ganhadora ao beneficiá-la por meio de políticas discricionárias, como se no mercado houvesse muitos competidores ou como se o governo soubesse melhor que o mercado qual empresa selecionar. Nem todas as políticas dessa natureza obtiveram sucesso. Porém, cabe reconhecer que os principais veículos de aprendizado e convergência em todos os casos de industrialização com êxito, com a possível exceção de Cingapura, foram empresas nacionais, em alguns casos sozinhas, em outros de maneira conjunta com empresas multinacionais estrangeiras. Isto é válido para a industrialização tanto da Alemanha e dos Estados Unidos como mais recentemente da China. No caso chinês, parece clara a estratégia dual que fomenta o desenvolvimento das empresas nacionais ao mesmo tempo em que procura extrair das multinacionais estrangeiras todos os conhecimentos tecnológicos possíveis.
Segundo os autores do estudo, as medidas para estimular o fortalecimento e crescimento das indústrias nascentes têm sido um dos principais componentes das políticas de desenvolvimento nos processos de industrialização ao longo da história. Mostrava-se necessário proteger ou ajudar novas empresas, sobretudo diante da concorrência externa. Nas interações entre empresas nascentes e empresas maduras, não há motivo para abandonar a filosofia orientada a estimular as empresas nascentes. As políticas podem, inclusive, servir para impulsionar o uso mais explícito dos mercados nacionais e regionais como espaços para fortalecer a indústria nacional emergente em meio ao contexto internacional dominado por produtores avançados e exportações chinesas.
A realidade econômica internacional atual, entretanto, é distinta daquela em que muitos países hoje desenvolvidos se industrializaram. Por isso, para Mario Cimoli, Giovanni Dosi e Joseph E. Stiglitz é preciso repensar as políticas de apoio diante do regime regulatório colocado pela Organização Mundial do Comércio (OMC) e pelo Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPs, na sigla em inglês). Tal regime envolve uma redução, sem precedentes históricos, da liberdade que os países em desenvolvimento possuem para praticar políticas comerciais e industriais, diferentemente do que países no passado podiam realizar por meio de uma ampla gama de cotas, tarifas e outras formas de barreiras comerciais. Neste contexto, tornou-se mais difícil aos novos atores – empresas, setores e economias emergentes – inserir-se nas indústrias existentes.
Apesar da crescente dificuldade, ainda é possível recorrer a várias alternativas dentro do marco dos acordos vigentes, já que apresentam lacunas legais e exceções geralmente introduzidos pelos próprios negociadores representantes dos países desenvolvidos visando salvaguardar seus interesses. Nesse sentido, os acordos bilaterais são vistos como uma tentativa de preencher essas lacunas, exceções e cláusulas de salvaguarda dos acordos originais da OMC e TRIPs, a fim de manter uma situação benéfica às empresas e indústrias do mundo desenvolvido. Ressalta-se que, caso China e Índia tivessem adentrado em um processo de liberalização desde o princípio, provavelmente não teriam se transformado nas potências econômicas atuais. Em grande medida, um dos pontos fortes de ambos os países foi que desenvolveram grandes capacidades antes de liberalizarem o comércio.
Cabe, portanto, certo nível de renegociação comercial. Sugere-se, por exemplo, que o objeto dos acordos multilaterais seja a tarifa de importação industrial média, ao invés de tarifas estabelecidas a cada produto ou setor específico. Dessa forma, tornar-se-ia mais simples a atual estrutura de compromissos tarifários ao mesmo tempo em que se possibilitaria reconciliar a disciplina multilateral com a flexibilidade das políticas, dado que os países ficariam sujeitos a uma tarifa média geral, porém com graus de liberdade para adotar estratégias setoriais discricionárias. Na prática, permitiria equilibrar aumentos e reduções tarifários, uma vez que os países precisariam baixar as tarifas aplicadas a alguns produtos para elevar as de outros. Isso levaria os governos a utilizar as tarifas apenas como instrumentos provisórios e a concentrar seus esforços em garantir que efetivamente cumpram o papel para o qual são aplicadas, qual seja, dar às indústrias nascentes tempo para amadurecer e promover o catching up com seus pares de países mais avançados.
Distribuição das rendas setoriais, propriedade intelectual e coordenação de políticas. Importante faceta das políticas de fortalecimento das indústrias nascentes se refere ao modelo de distribuição das rendas por elas geradas. Todas as políticas bem-sucedidas de industrialização foram acompanhadas por estratégias de administração das rendas que exigiam contrapartidas das empresas em termos de aprendizado e acumulação de capacidades tecnológicas e produtivas, para que estas não apenas se beneficiassem das rendas obtidas em decorrência da proteção.
Tais estratégias apresentam três dimensões. Em primeiro lugar, no que se refere aos incentivos, as políticas devem ser capazes de transferir recursos aos atores mais progressistas por meio das políticas fiscais, da concessão de subsídios e de créditos preferenciais, além do apoio de instituições financeiras que favoreçam a industrialização. Em segundo lugar, no que concerne às contrapartidas, é indispensável um compromisso confiável de se estabelecer prazos a todas as medidas orientadas a gerar rendas e também de impor sanções às empresas e indústrias que fracassem em alcançar metas de investimento em tecnologia ou metas de exportação. Em terceiro lugar, também é necessário que o processo de fortalecimento de oligopólios nacionais seja acompanhado de medidas que promovam a concorrência. Das experiências sul-coreana e japonesa, ficou o ensinamento de que as empresas nacionais oligopolizadas foram forçadas, desde cedo, a competir fortemente nos mercados internacionais. A gestão da distribuição das rendas e sua relação com o aprendizado industrial constituem uma das tarefas mais cruciais e difíceis de toda a estratégia de industrialização, pois diz respeito à distribuição geral da renda, riqueza e poder político entre distintos grupos sociais e econômicos.
Ademais, todos os países durante seu processo de desenvolvimento, incluídos os Estados Unidos e a Alemanha do passado, lograram superar o atraso recorrendo, em grande medida, à imitação, engenharia reversa ou simplesmente cópia de diversos produtos. Tais atividades, porém, são justamente o que se supõe que um sistema sólido de direitos de propriedade deveria impedir. Quando resultam eficazes, os direitos de propriedade intelectual representam frequentemente um obstáculo ao aprendizado tecnológico em âmbito nacional. Também não há evidências suficientemente robustas de que este mecanismo de proteção sirva de incentivo mesmo aos países que estão na fronteira tecnológica para que empreendam atividades de inovação. Com os acordos TRIPs e acordos comerciais bilaterais, elimina-se a possibilidade de distinguir o regime de proteção aplicado a diferentes produtos e tecnologias, agravando o diferencial tecnológico dos países em desenvolvimento em relação aos desenvolvidos.
Assim, segundo os autores cabe aos países em desenvolvimento tornarem-se cautelosos na adesão aos acordos de direitos de propriedade intelectual, uma vez que não implicam necessariamente maior grau de inovação. Ao contrário, em muitos casos, dificultam o processo de aprendizado tecnológico. Além disso, cabe a estes países aprender a explorar as lacunas, exceções e cláusulas de salvaguarda ainda existentes nesses acordos. Países avançados também poderiam oferecer a seus parceiros menos desenvolvidos acordos regionais atrativos como alternativas viáveis aos acordos bilaterais com os Estados Unidos e a União Europeia, os quais tendem a incorporar disposições rigorosas relativas aos direitos de propriedade.
Propõe-se, assim, uma nova rodada de negociações multilaterais com as seguintes metas: (i) reduzir a amplitude e alcance da cobertura dos direitos de propriedade intelectual; (ii) ampliar a aplicação do conceito de “não patenteável” a fim de abarcar não apenas conhecimentos científicos, mas também algoritmos e dados; e (iii) condicionar os diferentes graus de proteção de direitos de propriedade intelectual ao nível relativo de desenvolvimento econômico e tecnológico de cada país. A reforma, tal como sugerida no estudo, resultaria em benefícios não somente aos países em desenvolvimento, mas também aos consumidores de países mais avançados, sem prejudicar a taxa geral de inovação.
Por fim, cabe frisar brevemente a necessária consistência entre as políticas macroeconômicas e industriais. Determinadas políticas macroeconômicas podem anular a maioria dos esforços de aprendizado. Nesse sentido, os autores mencionam, por exemplo, a eliminação repentina e indiscriminada de barreiras comerciais, sobretudo quando acompanhada de uma gestão imprudente da taxa de câmbio, caracterizada por ciclos viciosos de valorização seguidos de desvalorizações abruptas, que tendem a ser intensificados na ausência de controles de capitais.
A crença cega na eficácia do mercado e a consequente ausência de políticas fiscais e de uma gestão da demanda ampliam a volatilidade da produção. Por sua vez, essa volatilidade, junto com a fragilidade financeira endêmica de diversas empresas de países em desenvolvimento, induz ondas de mortalidade empresarial e desaparecimento de capacidades tecnológicas. Mesmo entre as empresas sobreviventes, as condutas tendem a se tornar mais de curto prazo e a economia tende a responder mais aos sinais financeiros do que às oportunidades de aprendizado de longo prazo. A importância de formular políticas industriais e de inovação adequadas torna-se evidente ao se comparar os circuitos de retroalimentação viciosa entre políticas macroeconômicas mais ortodoxas e microdinâmica na América Latina com os circuitos de retroalimentação virtuosa entre políticas macroeconômicas mais intervencionistas e contínua expansão industrial no Leste Asiático, notadamente na Coreia do Sul.
Inovação: como criar mercados e fomentar um crescimento inteligente?
A capacidade de se fomentar um crescimento inteligente, justo e sustentável se configura como um desafio à economia global. Assim como há um certo consenso acerca deste desafio, também há um consenso que o instrumento para tal crescimento é a inovação, sobretudo a criação de novas revoluções tecnológicas e não apenas avanços incrementais.
Entretanto, as características da inovação (incerteza, cumulatividade e importância do aprendizado coletivo por meio de interações entre os agentes) exigem desafios crescentes aos Estados Nacionais e a suas políticas de financiamento ao esforço tecnológico.
Tais desafios não podem ser respondidos pelo arcabouço tradicional de políticas, uma vez que este sugere fortemente que a atuação do Estado deve ocorrer apenas quando o mercado não funciona de maneira eficiente. Em outros termos, a visão de que Estado e mercado substituem um ao outro de forma excludente deixa de considerar o que há de mais relevante, a saber, como Estado e mercado interagem e se combinam de modo a potencializar os efeitos positivos sobre o desenvolvimento dos países.
Nesse sentido, Mariana Mazzucato, no trabalho intitulado “Sistemas de innovación: como dejar de subsanar las falhas de mercado para comenzar a crear mercados”, que compõe o livro “Políticas industriales y tecnológicas en América Latina”, publicado em novembro de 2017 pela CEPAL, defende que as políticas públicas devem ser orientadas para objetivos amplos, os quais ela denomina de missões. A ideia geral é a de que a atuação do Estado por meio das missões deve se concentrar em fomentar novas revoluções e trajetórias tecnológicas que possibilitem um crescimento inteligente, socialmente justo e sustentável.
As limitações do Estado Mínimo para criar revoluções tecnológicas. Segundo Mazzucato, as diretrizes atuais que orientam a formulação de políticas públicas são insuficientes para promover um crescimento econômico inteligente, isso porque restringem-se a corrigir eventuais falhas de mercado. Tais falhas podem ser interpretadas como eventuais situações onde o sistema de preços não funciona adequadamente, devido a fatores como informação assimétrica, poder de monopólio, vigência de externalidades e bens públicos e problemas de coordenação. Deste modo, essa forma de atuação do Estado incorreria em quatro limitações para viabilizar o crescimento inteligente.
A primeira delas é a incapacidade de direcionar as transformações rumo a novos paradigmas tecno-econômicos. Essa limitação ocorreria porque não há processo automático que seja capaz de, ao mesmo tempo, viabilizar a resolução de desafios tecnológicos e sociais. Para justificar tal proposição, Mazzucato apresenta inúmeros exemplos que comprovam a centralidade da atuação do Estado no desenvolvimento de novos paradigmas e revoluções tecnológicas. De maneira geral, o que se mostra é que historicamente as grandes revoluções tecnológicas contaram com importantes investimentos públicos por meio de missões, que tinham como objetivo desenvolver tecnologias específicas. Assim, por exemplo, a revolução da microeletrônica e das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) teve como base públicas mission-oriented que alavancaram o desenvolvimento de tecnologias específicas como a internet, o GPS, o display touch screen, entre outras.
Essas políticas por missões disponibilizaram créditos e subsídios aos agentes privados, além de fomentarem a demanda inicial por meio de compras públicas e criarem incentivos à cooperação para o aprendizado tecnológico entre instituições públicas e privadas. Como resultado, viabilizaram indiretamente o florescimento de tecnologias que são embarcadas em produtos e serviços de empresas como Apple e Google. Ou seja, a atuação ativa do Estado teria sido decisiva para promover a transição do paradigma tecnoeconômico da produção em massa para o da microeletrônica, dados os volumes de recursos iniciais envolvidos, a elevada incerteza e os elevados prazos de maturação dos investimentos.
Uma segunda limitação do Estado mínimo em promover revoluções tecnológicas em direção ao crescimento inteligente decorre da insuficiência dos atuais instrumentos de avaliação de políticas públicas centrados exclusivamente na mensuração de custos e benefícios para captarem toda a contribuição positiva destas públicas para o desenvolvimento.
Como estes instrumentos de avaliação são essencialmente estáticos, não conseguem captar todos os benefícios de um processo dinâmico de crescimento marcado por grandes transformações tecnológicas. Em outras palavras, como tais transformações envolvem necessariamente a criação de novos cenários que anteriormente não existiam, os instrumentos utilizados para se mensurar os custos e benefícios por meio da comparação estática entre dois cenários hipotéticos que existiriam caso não houvesse atuação do Estado são insuficientes.
Como terceira limitação da atuação tradicional do Estado para fomentar o crescimento inteligente, aponta-se a incapacidade do Estado mínimo fomentar os processos de aprendizado, experimentação e inovação. Isso porque tais processos exigiriam uma nova estrutura organizacional, uma vez que demandaria uma grande capacidade de formulação de políticas audaciosas. Adicionalmente, tal formulação e a conseguinte execução exigiriam a construção de estruturas públicas com elevada capacidade de absorção de conhecimento e aprendizado, propensas à experimentação e ao erro, ao invés de estruturas burocráticas restritas à gestão de curto prazo.
Por fim, a quarta limitação da visão tradicional acerca da atuação do Estado diz respeito à incapacidade de se criar mecanismos que façam com que uma parcela dos resultados positivos do processo de inovação retorne ao Estado de forma a financiar novos esforços de transformações tecnológicas. Só desta forma a interação virtuosa entre Estado e empresas poderia se reproduzir ao longo do tempo.
Além disso, embora importante, o capital de risco, segundo Mazzucato, tende a ter uma atuação muito focada no curto prazo, concentrando-se, assim, no financiamento de inovações incrementais, dado o fato destas permitirem o retorno do investimento em um horizonte de cerca de 3 anos na média. Esta tendência, entretanto, ocorreria em detrimento da disponibilização de recursos para o financiamento de esforços tecnológicos que tenham como objetivo mais amplo viabilizar transformações nas trajetórias tecnológicas. Uma vez que estes esforços apresentam elevado grau de incerteza e longo prazo de maturação, seu financiamento seria essencialmente público.
No entanto, a dinâmica de financiamento destas inovações mais disruptivas se mantém com muita dificuldade no longo prazo se o Estado não se beneficiar diretamente do eventual sucesso de seus esforços de apoio, de modo a compensar os riscos assumidos por ele. Ou seja, é importante que não haja um movimento de socialização dos riscos e de privatização dos lucros (potencializado pelas estratégias empresariais de elisão tributária por meio da transferência de atividades para outros países), pois esta assimetria pode deteriorar progressivamente a capacidade do Estado de financiar as próximas rodadas de esforço tecnológico.
Alianças público-privadas para o desenvolvimento. Dada a limitação da capacidade do capital de risco de financiar os esforços que se materializarão nas novas revoluções tecnológicas disruptivas – devido a natureza de curto prazo de seus investimentos – tal atividade depende fundamentalmente de recursos públicos. Como fora afirmado anteriormente, a garantia da disponibilidade em nível adequado destes recursos e da capacidade do Estado financiar rodadas sucessivas de esforços tecnológicos depende da criação de um arranjo institucional que viabilize um melhor equilíbrio entre distribuição de lucros e prejuízos entre os setores público e privado.
Conforme destaca o trabalho, as interpretações convencionais tendem a amplificar os ecos dos casos nos quais as políticas públicas financiaram tecnologias ou empresas que posteriormente fracassaram. Por outro lado, essas mesmas interpretações tendem a minimizar a importância das políticas públicas para o sucesso de empresas e tecnologias que lograram grande sucesso.
Para ilustrar tal situação, pode-se destacar a pequena divulgação da participação central do Estado no desenvolvimento de tecnologias utilizadas nos produtos da Apple e o financiamento pelo governo americano de parte dos esforços tecnológicos do Google e da Tesla. No exemplo oposto, fracassos retumbantes como o financiamento do governo Obama à Solyndra e do governo francês ao projeto Concorde ganham grande ênfase.
Essa percepção assimétrica dos sucessos e dos fracassos das políticas públicas, por sua vez, dificulta o esforço de se constituir mecanismos institucionais que façam com que o Estado recupere uma parcela dos recursos utilizados para apoiar tecnologias inovadoras. Canais indiretos, tais como a tributação sobre a atividade econômica geral não são suficientes, segundo Mazzucato. Isso principalmente porque, nas últimas décadas, sob a pressão da globalização, ocorreram ações na direção da redução da tributação ao capital por parte dos governos e da engenharia tributária por parte de grandes empresas. Ademais, com a internacionalização das cadeias produtivas, nem sempre as atividades geradoras de impostos são realizadas nas mesmas regiões onde houve o financiamento ao desenvolvimento das tecnologias subjacentes a tais atividades.
Neste cenário, com o intuito de se garantir recursos para o financiamento contínuo para enfrentar os próximos desafios tecnológicos e sociais, Mazzucato sugere a construção de um arcabouço institucional que viabilize um crescimento inteligente, inclusivo e sustentável.
Baseado em alianças entre setores público e privado, tal arcabouço poderia assegurar vários instrumentos que garantissem o retorno direto ao Estado de uma parcela dos lucros auferidos pelo setor privado a partir de tecnologias desenvolvidas fundamentalmente com financiamento público. Dentre os instrumentos que poderiam viabilizar tal arranjo, a autora cita uma pequena participação do Estado no capital acionário das empresas financiadas e empréstimos semelhantes aos estudantis onde a restituição seria condicionada à geração de receita e lucros futuros. Assim, se teria um equilíbrio maior entre socialização dos riscos e das recompensas.
Vale destacar que em nenhum momento tais alianças teriam como objetivo subjugar a atuação do setor privado ao direcionamento Estatal. Adicionalmente, o que se sugere são participações bastante pequenas (às vezes ínfimas, por exemplo 1% da receita gerada pelas empresas de internet, dado que essa tecnologia foi desenvolvida com forte financiamento estatal) apenas em eventuais futuros retornos.
A partir destas propostas, o que se nota é a preocupação em se criar condições para a transformação sustentável da estrutura produtiva a partir de missões inovativas. Entretanto, a fim de se viabilizar esse novo arcabouço baseado nas alianças público-privada é necessária uma nova visão sobre a atuação do Estado na economia. Dada a insuficiência da atuação nos moldes atuais para garantir tal crescimento inteligente também é preciso que os organismos públicos se transformem no sentido de desenvolverem em seu seio capacidades criadoras ou experimentadoras e de aprendizado.