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                          Carta IEDI

                          Edição 904
                          Publicado em: 04/02/2019

                          Desafios da Era Digital: sugestões da Unctad para políticas em países emergentes

                          Sumário

                          As tecnologias digitais vêm transformando a maneira como as pessoas se comunicam, aprendem, trabalham e compram. Para as economias em desenvolvimento, a digitalização traz expectativa de abertura de novos setores, de promoção de novos mercados, de impulso à inovação e de ganhos de produtividade, necessários para elevar os padrões de vida da sociedade. 

                          Porém, para que o mundo digital cumpra suas promessas em termos de desenvolvimento será necessário que os governos dos países emergentes adotem um programa ambicioso de apoio à infraestrutura e treinamento de habilidades, combinado com uma estratégia abrangente e uma ampla gama de políticas para enfrentar potenciais efeitos adversos sobre a estrutura do mercado, a inovação e a distribuição dos benefícios da digitalização. 

                          Esta é a visão sustentada pela Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento e Comércio (Unctad) em capítulo de seu último relatório anual sob o título de Poder, Plataformas e a Ilusão do Livre Comércio. A Carta IEDI de hoje traz os principais elementos da discussão a respeito das oportunidades e dos desafios que o avanço da digitalização coloca para os países em desenvolvimento em termos de opções de políticas. 

                          Segundo a Unctad, no atual ambiente globalizado, onde os ganhos decorrentes do progresso tecnológico e da abertura das economias tenderam a ser capturados apenas por uma fração da sociedade, há o risco de a disseminação das tecnologias digitais concentrar ainda mais os benefícios em um pequeno número de agentes econômicos, tanto no interior dos países e como entre eles. 

                          Dada a natureza transfronteiriça da digitalização e a combinação dos efeitos de rede e o comportamento de busca de renda das grandes empresas digitais, os países em desenvolvimento terão, portanto, que enfrentar alguns desafios críticos, tais como a adoção de marcos regulatórios e de concorrência, além do controle do uso dos dados, que são o principal combustível da economia digitalizada. 

                          Na visão dos autores do relatório, outro importante desafio para os emergentes será o aproveitamento de novas tecnologias digitais para o desenvolvimento local, de modo a poder desfrutar do crescimento de valor agregado nas atividades da indústria manufatureira e de serviços. 

                          A digitalização e a consequente erosão da fronteira entre a indústria e os serviços podem encurtar as cadeias globais de valor (CGV), customizar a produção, possibilitando menor escala e maior lucratividade, e permitir que os segmentos de design, produção e pós-produção do processo de fabricação sejam mais estreitamente entrelaçados. Isso tanto pode abrir novas possibilidades de produção manufatureira para países em desenvolvimento como reduzir algumas das que estão atualmente disponíveis.

                          Contra o “utopismo digital” dos que só veem oportunidades ilimitadas na digitalização, a Unctad adverte que os países em desenvolvimento precisarão preservar e possivelmente expandir seu espaço político disponível para gerenciar eficazmente sua integração na economia digital global. 

                          Por essa razão, recomenda aos países em desenvolvimento visão estratégica na adesão a acordos de comércio e investimento, especialmente àqueles que buscam uma integração profunda entre as nações. 

                          Os acordos internacionais contemporâneos estão indo muito além das restrições comerciais na fronteira e se concentrando cada vez mais nas regras e regulamentações domésticas. Com isso, não apenas podem reduzir espaço para políticas nacionais, mas também podem produzir resultados adversos ao bem-estar social nos países signatários. Como mitigação a esses efeitos, a Unctad defende maior cooperação regional entre os países emergentes. 

                          Potencializar os benefícios positivos de um mundo digital requer, segundo a Unctad, políticas ambiciosas e abrangentes, que devem ser empregadas de maneira coerente. Para tanto, recomenda as seguintes políticas: 

                            1.     Construção da infraestrutura digital, uma condição necessária para progredir em um mundo digitalizado, compreendendo, por exemplo, conexões de energia e telecomunicações. 

                            2.     Desenvolvimento de capacidades digitais, promovendo a educação digital em escolas e universidades, melhorando as habilidades digitais da força de trabalho existente, financiando o empreendedorismo digital etc.

                            3.     Política industrial digital, para melhorar o uso de tecnologias digitais e serviços digitais na produção, bem como para construir competências digitais em todos os setores. 

                            4.     Política de inovação, de caráter abrangente, compreendendo startups digitais, para evitar que os ganhos de inovações fluam para fora do país. 

                            5.     Política de regulamentação das plataformas digitais, para tirar maior proveito do comércio eletrônico, pois a conexão a plataformas estrangeiras existentes apenas fornecerá mais dados às superplataformas, fortalecendo-as ainda mais e facilitando seu maior acesso aos mercados domésticos.

                            6.     Políticas controle e regulação de dados, pois os dados são o combustível da era digital, tornando fundamental garantir distribuição equitativa dos ganhos decorrentes dos dados gerados dentro das fronteiras nacionais.

                          Futuro Digital nos Países em Desenvolvimento

                          Em seu último relatório anual sobre Desenvolvimento e Comércio, cujo título é “Poder, Plataformas e a Ilusão do Livre Comércio”, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento e Comércio (Unctad, na sigla em inglês) discute, no capítulo 3, as oportunidades e os desafios que o avanço da digitalização coloca para os países em desenvolvimento. As tecnologias digitais, tais como a robótica e inteligência, manufatura aditiva, internet industrial das coisas e blockchain, baseiam-se em informações registradas em código binário (bits), que permitem o armazenamento de enormes quantidades de palavras e imagens em pequenos dispositivos transportáveis e facilmente preserváveis.

                          Na avaliação da Unctad, as tecnologias digitais já transformaram a maneira como as pessoas se comunicam, aprendem, trabalham e compram. Essas tecnologias também estão mudando a geografia da atividade econômica por meio de seus impactos na estratégia corporativa, comportamento de investimento e fluxos de comércio. Contudo, o uso industrial dessas tecnologias, que reduzem os custos e aceleram a velocidade da transmissão de dados, ainda está em diferentes estágios de desenvolvimento. 

                          Enquanto, desde 2010, se observa um rápido crescimento dos robôs industriais nos países desenvolvidos e em alguns países em desenvolvimento mais avançados na industrialização, o uso de manufatura aditiva (ou impressão 3D) na produção industrial ainda está em um estágio inicial, em razão do custo bastante levado. Espera-se que, ao longo da próxima década, haja maior acessibilidade a essa tecnologia, bem como às tecnologias de big data, computação nas nuvens e inteligência artificial. 

                          De uma perspectiva de desenvolvimento, a promessa da digitalização é que ela abrirá novos setores, promoverá novos mercados, impulsionará a inovação e gerará os ganhos de produtividade necessários para elevar os padrões de vida nos países em desenvolvimento. Contudo, para muitos países em desenvolvimento, alcançar os benefícios de um novo futuro digital exigirá programas ambiciosos de apoio à infraestrutura e treinamento de mão de obra, combinados com uma estratégia abrangente para enfrentar potenciais efeitos adversos sobre a estrutura do mercado, a inovação e a distribuição dos benefícios da digitalização. 

                          Contra o “utopismo digital”, presente em alguns estudos recentes, que vê oportunidades ilimitadas para os países em desenvolvimento com a digitalização, a Unctad adverte que os países em desenvolvimento precisarão preservar e possivelmente expandir seu espaço político disponível para gerenciar eficazmente a integração na economia digital global.

                          Segundo a Unctad, no ambiente atual da economia mundial hiperglobalizada, onde os ganhos do progresso tecnológico e das economias abertas tenderam a ser capturados por uma parcela diminuta da sociedade, há o risco de a disseminação das tecnologias digitais concentrar ainda mais os benefícios em um pequeno número de pioneiros, tanto no interior dos países como entre eles. Dada a natureza transfronteiriça da digitalização e a combinação dos efeitos de rede e o comportamento de busca de renda das grandes empresas digitais, os países em desenvolvimento terão, portanto, que enfrentar alguns desafios políticos críticos, tais como a adoção de marcos regulatórios e de concorrência e controle do uso dos dados, que constituem o principal combustível da economia digitalizada. 

                          Na visão dos autores do relatório, outro desafio crítico para os países em desenvolvimento será o aproveitamento de novas tecnologias digitais para o desenvolvimento local, de modo a poder desfrutar do crescimento de valor agregado nas atividades da indústria manufatureira e de serviços. A digitalização e a erosão da fronteira entre a indústria e os serviços podem encurtar as cadeias de valor, personalizar a produção, possibilitando produção menor e mais lucrativa, e permitir que os segmentos de design, produção e pós-produção do processo de fabricação sejam mais estreitamente entrelaçados. Isso pode abrir novas possibilidades de produção manufatureira para os países em desenvolvimento, permitindo avançar em direção aos segmentos de alto valor agregado do processo de produção, mas pode igualmente reduzir algumas que estão atualmente disponíveis. 

                          De acordo com a Unctad, o uso mais amplo de tecnologias digitais ainda está se desenvolvendo, sobretudo, nos países em desenvolvimento, e seus impactos precisos permanecem incertos. Os impactos potenciais da digitalização nos diferentes segmentos do processo de produção industrial, organizado por meio de cadeias de valor, e suas possíveis consequências distributivas são discutidos a seguir.

                          Impactos Potenciais das Tecnologias Digitais nas Cadeias de Valor

                          Segundo a Unctad, a digitalização é considerada um fator de mudança no modo no qual o processo de produção industrial é realizado e organizado em cadeias de valor. Isso ocorre porque a digitalização dá aos ativos intangíveis - pesquisa e desenvolvimento (P&D), design, projetos, software, pesquisa de mercado e estratégia de marcas (branding), bancos de dados etc. - um papel mais proeminente na geração de renda, inclusive nas cadeias de valor. 

                          Os dados que incorporam esses intangíveis e sua codificação impulsionam as várias novas tecnologias digitais que são, frequentemente, identificadas com as atividades de serviços, tornando cada vez mais confusas as fronteiras tradicionais entre bens e serviços no processo de produção industrial. Da mesma forma, vários segmentos do processo de produção tornam-se mais estreitamente interligados.

                          As novas tecnologias digitais permitem que os materiais sejam redesenhados para torná-los mais específicos ao seu uso, reduzindo assim o uso de insumo por unidade de produto, além de reduzir o consumo de energia e as emissões de poluentes. As tecnologias digitais permitem também uma produção e distribuição mais descentralizadas e flexíveis, reduzindo algumas das economias de escala que dominaram a era da produção em massa. Desse modo, empresas de tamanhos variados podem responder e acomodar múltiplos segmentos de demanda, e pequenos produtores podem atender a nichos de mercado que não precisam estar em proximidade geográfica. 

                          O uso de novas tecnologias digitais pode, portanto, possibilitar que os países em desenvolvimento agreguem mais valor em suas etapas de produção, seja o produto final destinado à exportação ou ao consumo interno. No entanto, isso depende crucialmente não apenas da infraestrutura disponível, mas também do acesso a dados e de um ecossistema de apoio.

                          De acordo com o relatório, em razão do uso intensivo dos ativos intangíveis, as novas tecnologias digitais e especialmente as tecnologias de informação e comunicação (ICTs) associadas à Internet das Coisas - como computação em nuvem e análise de big data – aumentam a importância do segmento de pós-produção industrial. Essas ICTs tendem a reduzir os custos de coordenação e aumentar a eficiência dos cronogramas de produção, logística, gerenciamento de estoques e manutenção de equipamentos. A computação em nuvem e a análise de grandes dados reduzem a necessidade de infraestrutura digital rígida. Isso torna mais barato para as empresas, mesmo em países em desenvolvimento, coletar dados e analisá-los para fins comerciais, reforçando as possibilidades de personalização e flexibilização da produção, tanto de bens intermediários como de bens finais. 

                          O relatório destaca que essas tecnologias aumentam acentuadamente o número de interações entre empresas e clientes, tanto no mercado doméstico como no mercado internacional, mesmo que essas interações nem sempre sejam evidentes para os clientes. As empresas que detêm os dados dessas interações e que possuem as capacidades analíticas necessárias podem identificar a heterogeneidade dos padrões de demanda, tanto entre mercados estrangeiros quanto domésticos, e personalizar as características de seus produtos de acordo com esses padrões de demanda. Isso permite campanhas de publicidade e distribuição mais personalizadas que, ao ir além do marketing tradicional, reduz os custos de marketing e, ao mesmo tempo, atinge mais clientes em potencial, aumentando a eficácia dos gastos com publicidade.

                          A Unctad destaca que possuir dados em volume cada vez maior permite benefícios econômicos crescentes à medida que facilita sua transformação em um ativo rentável. Isso dá uma vantagem aos pioneiros, os quais são mais facilmente capazes de ampliar seu investimento inicial em inteligência e análise de dados, ampliando assim o valor de seus dados e a base de conhecimento associada. O aumento da produtividade e da lucratividade também fornece financiamento adicional para adquirir bancos de dados ou softwares complementares e explorar spillovers e sinergias. Essas aquisições podem incluir startups, cujas atividades podem até ter sido deliberadamente orientadas para serem complementares, em vez de serem genuinamente inovadoras e fornecerem um substituto para as empresas estabelecidas. 

                          Tais processos cumulativos agravam, contudo, tendências já existentes de concentração e centralização dos mercados. Quando isso ocorre surgem tendências desfavoráveis: o progresso tecnológico genuíno e a pressão competitiva podem ser reduzidos. Igualmente significativa, a alta lucratividade das empresas incumbentes também permite a busca por rendas extra econômicas, formação de lobby e esforços para influenciar a regulamentação, tais como reduções de impostos ou “bloqueio” de patentes ou direitos autorais que mantêm de fora do mercado rivais em potencial. 

                          De acordo com a Unctad, essas vantagens do pioneirismo de algumas empresas colocam em evidência tanto a urgência com que os países em desenvolvimento precisam atuar como as dificuldades e os desafios políticos relacionados à sua participação em atividades no segmento de pós-produção de cadeias de valor digitalizadas.

                          As novas tecnologias digitais impactam, igualmente, as atividades nos segmentos de pré-produção. A simulação de design digital reduz, por exemplo, o número de horas de trabalho necessárias para criar novos produtos. A manufatura aditiva também pode aumentar a flexibilidade das atividades de pré-produção e diminuir seus custos. Essa tecnologia comprime o ciclo de desenvolvimento de produtos que podem, subsequentemente, ser produzidos em massa com base na tecnologia e infraestrutura tradicionais, ou ser selecionados para uma produção mais personalizada baseada em tecnologias digitais. Na avaliação dos autores do relatório, a utilização de tecnologias digitais na fase de pré-produção poderia, pelo menos em parte, ajudar a compensar a falta de designers qualificados e a ausência de setor de bens de capital nos países em desenvolvimento.

                          Na avaliação da Unctad, alguns países em desenvolvimento já avançaram em direção à digitalização na produção. Isso poderia fornecer um trampolim para um envolvimento adicional mais amplo também nos segmentos de pré e pós-produção do processo de fabricação, em que os retornos são tradicionalmente mais altos. Todavia, isso dependerá da maneira como as cadeias de valor são controladas.

                          Governança corporativa envolve uma mistura de coordenação, contratos e controle. No contexto das cadeias de valor, a governança determina como e onde as empresas-líderes organizam padrões de produção em um conjunto disperso de fornecedores e tarefas, como as transações são feitas entre essas partes contratantes, o marketing do bem ou serviço final e como o valor gerado a partir da venda final do produto ou serviço é distribuído pelos diferentes atores que operam dentro da cadeia.

                          Nas últimas décadas, a governança corporativa foi transformada por meio de uma combinação de financeirização, ideologia neoliberal e avanço nas tecnologias de informação e comunicação. Como resultado, as empresas integradas verticalmente concentraram-se em competências essenciais, terceirizando muitas tarefas, particularmente na fase de produção. Isso coincidiu e incentivou ainda mais uma abordagem muito diferente à criação e distribuição de valor, com foco no valor para o acionista e no comportamento de procura de renda.

                          A digitalização provavelmente alterará ainda mais a estrutura de governança das cadeias de valor. Segundo a Unctad, alguns analistas consideram que a digitalização poderá reduzir o controle das empresas líderes e transferir os relacionamentos de “cativos” para tipos de governança mais relacionais e modulares. O aumento das possibilidades de personalização do produto poderia mover o controle das cadeias de valor para clientes, cujos desejos específicos em relação à funcionalidade e aos recursos dos produtos podem guiar os padrões de projeto e produção. Porém, colher esses benefícios dependerá crucialmente dos recursos digitais do fornecedor. Como a digitalização também satisfaz as demandas por um controle financeiro e gerencial mais granular e contribui para uma maior flexibilidade para as empresas-líderes na escolha entre um número maior de fornecedores, há o risco de marginalização ou exclusão para os produtores que não têm recursos digitais.

                          A digitalização repercute igualmente sobre a distribuição de valor dentro das cadeias por meio do surgimento de plataforma de digitais monopolistas, que operam em várias atividades. Nessas plataformas, que viabilizam a interação e a troca entre vários grupos, o principal ativo estratégico da empresa-líder é o controle e o uso de dados digitalizados para organizar e mediar transações entre os vários atores da cadeia, combinados com a capacidade de expandir o tamanho de tais ecossistemas, em um processo de realimentação circular. 

                          De acordo com a Unctad, haveria duas categorias de plataformas: as de transação, que permitem a interação entre indivíduos que de outra forma não se encontrariam; e as plataformas de inovação, que fornecem blocos de construção tecnológicos, permitindo aos inovadores desenvolver serviços ou produtos complementares. Ambas englobam vários tipos de plataformas digitais. 

                          As maiores e mais poderosas plataformas digitais de transação estão localizadas, principalmente nos Estados Unidos, algumas na Europa e na China, que, segundo a Unctad, conseguiu expandir suas próprias empresas ao impedir que as empresas globais entrassem em seu mercado. O predomínio norte-americano também vale para as plataformas de inovação, como os ecossistemas móveis, completamente dominados por três empresas sediadas nos Estados Unidos: o Android, com 81,7% de participação de mercado, o iOS, com 17,9%, e o Windows, com 0,3% do mercado global. Nas plataformas digitais industriais (ou IIoT)¸ empresas dos Estados Unidos e da Europa são igualmente dominantes.

                          De acordo com o relatório, a combinação de direitos de propriedade reforçados, efeitos de escala, vantagens do pioneirismo, poder de mercado e outras práticas anticoncorrenciais, abriu novos caminhos de geração de lucro na economia digital. O ambiente resultante de o “vencedor leva o máximo” permite que as empresas líderes pressionem os fornecedores, capturem as rendas criados em outras partes da economia, adquiram concorrentes e explorem os cofres públicos mesmo quando estão reduzindo os preços para os consumidores. 

                          Esse ambiente confere uma forte dimensão espacial à distribuição de recompensas ao longo da cadeia de valor. Segundo a Unctad, é provável que a concentração de poder econômico nas empresas-líderes, em torno de fluxos elevados de informação e capital, observada por vários analistas na era pré-digital, seja agravada na era digital. Porém, dada as pressões de polarização entre os próprios países avançados, com o domínio das empresas americanos sobre os seus rivais europeus e japoneses, e a emergência de competidores globais na Ásia em desenvolvimento, é complicado apontar para uma divisão digital Norte-Sul.

                          Todavia, a busca por escala no mundo digital é onipresente. As grandes empresas de tecnologia de informação não são apenas maiores do que nunca, mas também cada vez maiores do que a maioria das empresas tradicionais, assumindo uma presença crescente nas 100 maiores empresas globais do mundo. De acordo com o relatório, em 2015, dezessete empresas multinacionais de tecnologia de informação classificadas entre as 100 maiores empresas representavam um quarto da capitalização de mercado total do conjunto das empresas listadas e 18% de seus lucros, embora suas receitas de vendas tenham sido inferiores a 10% do total das empresas. 

                          Os autores do relatório ressaltam, contudo, que o surgimento de algumas grandes empresas de tecnologia de informação no Leste da Ásia (incluindo, mais recentemente, a China), indica que experiências bem-sucedidas de industrialização tardia podem dar origem a grandes empresas capazes de explorar novas oportunidades na economia digital. Esses recém-chegados não apenas têm acesso a dados, mas também a capacidade de traduzi-los em conhecimento economicamente significativo. 

                          Opções de Política Econômica no Mundo Digital

                          Na avaliação da Unctad, os países em desenvolvimento enfrentarão muitas dificuldades tanto para obter muitos dos benefícios potenciais de um mundo digital como para garantir tenham um amplo alcance social. Ambas as tarefas requerem políticas ambiciosas em um conjunto de áreas diversas que devem ser empregadas de maneira coerente. 

                          Avançar rumo a um mundo digital depende, obviamente, da infraestrutura física e digital adequada, bem como das capacidades digitais, mas também são necessárias políticas adicionais para garantir a repartição mais justa e equitativa desses benefícios. Todavia, o ritmo acelerado da digitalização está deixando muitos formuladores de políticas despreparados. Dependendo do nível de desenvolvimento de um país, o despreparo pode ter inúmeras consequências adversas, incluindo atrasos na fronteira tecnológica, paralisação econômica ou mesmo marginalização frente à economia global. 

                          Algumas das principais políticas sugeridas pela Unctad para ajudar os países em desenvolvimento a enfrentar os desafios impostos pela revolução digital e aumentar seus ganhos para o desenvolvimento a partir das GVCs são descrita a seguir.

                          1.Infraestrutura digital

                          Uma economia digital é construída com infraestrutura digital e recursos digitais. Os três grandes componentes inter-relacionados de infraestrutura digital são: redes, software e dados. Recursos digitais são necessários para usá-los de forma eficaz. 

                          Nas últimas duas décadas, os países vêm construindo continuamente suas redes digitais (isto é, infraestruturas de tecnologias e informação e comunicação e de banda larga) como a principal ferramenta para coletar e transmitir fluxos de informação. Essa infraestrutura de ICT forma a base da infraestrutura digital, pois fornece acesso à internet para a população, enquanto a infraestrutura de banda larga ajuda a fornecer grandes quantidades de dados a uma velocidade muito mais rápida. Desde o final dos anos 2000, ficou claro que a conectividade de banda larga com fio, especialmente em áreas remotas, não era adequadamente atendida por empresas privadas. Como a universalidade da infraestrutura de banda larga é um pré-requisito para uma economia digital mais equitativa, isso aponta, de acordo com a Unctad, para a necessidade de maior investimento público em infraestrutura de banda larga na maioria dos países em desenvolvimento.

                          O segundo componente inter-relacionado da infraestrutura digital é o software e seu uso em toda uma gama de atividades econômicas, com ênfase crescente no acesso por meio de uma infraestrutura de computação em nuvem, que combina a potência do software com o poder da rede, permitindo uma disseminação global rápida, ampla e profunda de tecnologias de ponta relativamente baratas. No entanto, os aplicativos em nuvem proporcionam aos seus proprietários um imenso poder, na medida em que as dependências aumentam com a transição dos modelos de infraestrutura como um serviço (IaaS) à plataforma como serviço (PaaS) para os modelos software como serviço (SaaS). Por exemplo, os aplicativos em nuvens globais forneceram ao Google, Facebook, Uber etc. o poder de se tornarem painéis de controle virtuais para reorganizar setores inteiros. Isso cria um desafio de política para os países em desenvolvimento cuja legislação nacional antitruste pode não ser adequada para lidar com o poder de mercado intersetorial cada vez maior detido por essas empresas multinacionais.

                          O terceiro componente interdependente da infraestrutura digital são os dados, que fornecem às plataformas a matéria-prima de que precisam para operar. Este é, indiscutivelmente, o componente mais importante da infraestrutura digital, fornecendo a base para a geração de grandes fluxos de lucros e potencialmente mudando as posições relativas dos países em termos de suas participações na produção, consumo, investimento e comércio globais. O relatório destaca que muitos analistas consideram os dados como “novo petróleo”, não apenas porque precisam ser extraídos e processados de um estado inicialmente não refinado, mas porque os dados processados também podem conferir poderes monopolísticos aos seus proprietários. Porém, contrariamente ao petróleo, os dados não constituem um recurso finito. A capacidade de excluir concorrentes do acesso aos dados pode gerar ainda mais poder de monopólio e incentivar comportamento de busca de renda.

                          Os desafios enfrentados pelos países em desenvolvimento para assegurar essa infraestrutura digital são evidentes. Ainda há grandes lacunas na maioria dos países em desenvolvimento. As assinaturas fixas de banda larga nos países em desenvolvimento ainda são menos de um quarto do número nos países desenvolvidos em termos per capita, enquanto nos países menos desenvolvidos o número praticamente não aumentou e a taxa de penetração é inferior a 1%. As assinaturas de banda larga móvel eram de cerca de 78 por 100 habitantes nos Estados Unidos e na Europa em 2016, mas apenas 20 por cento na África. Dois terços da população dos países em desenvolvimento - cerca de 4 bilhões de pessoas - permaneceram desconectados em 2015/16. 

                          As assinaturas de telefonia móvel cresceram mais rapidamente no mundo em desenvolvimento recentemente, mas, em razão do alto custo, ainda são apenas cerca de metade dos níveis per capita no mundo desenvolvido. A velocidade da banda larga, que é um determinante crucial do potencial de digitalização e negócios relacionados, permanece relativamente mais lenta na maioria dos países em desenvolvimento. Reduzir esses grandes déficits de infraestrutura é uma tarefa enorme que exigirá grandes investimentos.

                          Além da infraestrutura digital, a construção de uma economia digital exige, obviamente, a presença de infraestrutura física e instituições de apoio, das quais conexões contínuas de energia e acesso a instituições bancárias e financeiras são obviamente cruciais. Embora estas sejam consideradas como condições prévias necessárias para outras políticas digitais nas economias avançadas, elas ainda são largamente insuficientes em grande parte do mundo em desenvolvimento, e não abordar essas questões aumentaria ainda mais os fossos digitais. Da mesma forma, as capacidades digitais também exigem níveis mínimos de educação em toda a sociedade. Na ausência deles, grande parte da conversa sobre o “salto” digital é altamente exagerada.

                          2.Desenvolvimento de capacidades digitais

                          Conhecidas como habilidades, competências ou capacidades digitais abrangem gerenciamento de informações, colaboração, comunicação e compartilhamento, criação de conteúdo e conhecimento, ética e responsabilidade, avaliação e solução de problemas e operações técnicas. Devido ao rápido avanço tecnológico, há uma crescente “lacuna de habilidades digitais” que é sentida tanto pelos países desenvolvidos como pelos países em desenvolvimento. 

                          Para desenvolver habilidades digitais, esforços têm que ser feitos pelos países em desenvolvimento em vários níveis: introdução de educação digital em escolas e universidades, melhoria das habilidades digitais da força de trabalho existente, execução de programas básicos e avançados de desenvolvimento de habilidades para jovens e idosos, incluindo programas de treinamento de habilidades digitais em programas já existentes de desenvolvimento profissional e fornecimento de apoio financeiro para desenvolvimento do empreendedorismo digital. Todos esses elementos deveriam idealmente ser parte de uma estratégia nacional geral de construção de habilidades digitais para o século XXI.

                          Na avaliação da Unctad, para avançar nas competências digitais, os países em desenvolvimento precisarão contar com apoio em nível tanto regional como internacional. As agendas de integração regional precisam incluir, entre outras inciativas, a construção de uma economia de dados, parcerias para construir cidades inteligentes; promoção de inovações e tecnologias digitais; e a construção de métricas para auferir a digitalização.

                          3.Política industrial

                          Ao longo dos anos, Unctad vem defendendo, de forma consistente que os países em desenvolvimento adotem políticas industriais proativas para gerenciar a transformação estrutural. No atual cenário de mudança da economia mundial, dois elementos podem ser cruciais para a eficácia das políticas industriais: 

                          1) o movimento em direção a uma economia digital e suas interações sistêmicas associadas entre atividades de inovação, educação, produção e serviços; e 

                          2) o aumento do peso dos países em desenvolvimento na economia global, o que pode permitir um reequilíbrio dos mercados externo e interno como destinos das atividades de produção desses países.

                          Na avaliação da Unctad, as políticas industriais para digitalização devem procurar explorar o potencial de usar novas tecnologias para fins de transformação, para criar e modelar novos produtos e novos mercados, bem como para compensar a destruição de empregos que a aplicação de tais tecnologias pode causar. 

                          As fortes sinergias entre as pressões do lado da oferta e do lado da demanda no estabelecimento de um “círculo virtuoso digital” (de setores e empresas digitais emergentes, aumento do investimento e da inovação, aceleração do crescimento da produtividade e aumento da renda, levando à expansão dos mercados) atendem à necessidade de caminhar para uma política industrial orientada para a missão em um mundo digital.

                          De acordo com os autores do relatório, isso envolve o uso de métricas mais dinâmicas na avaliação de políticas para aferir o grau em que o investimento público pode desbloquear e transformar paisagens setoriais e tecnológicas. Além disso, os governos poderiam se engajar em mais do que apenas ajudar a financiar novas tecnologias, investindo diretamente no capital das empresas inovadoras. Esse investimento poderia garantir uma reflexão de longo prazo em todo o ecossistema digital e permitir tirar partido dos efeitos de transbordamento e das sinergias que os ativos intangíveis podem gerar entre as empresas.

                          Uma estratégia digital também deve se adaptar à estrutura modificada de financiamento para investimento na economia digital. Ao contrário dos ativos tangíveis - como edifícios, máquinas ou terrenos particulares -, os ativos intangíveis - como dados, software, análise de mercado, projeto organizacional, patentes, direitos autorais e similares - tendem a ser únicos ou mais valiosos dentro de contextos específicos definidos de forma restrita. Portanto, eles são difíceis de vender ou avaliar como garantia. Isso dificulta o financiamento do investimento em intangíveis provenientes de fontes tradicionais, como empréstimos bancários e títulos negociáveis, e, além do financiamento via participação acionária, aumenta o papel dos lucros retidos como fonte de financiamento para investimentos. 

                          Como resultado, apoiar o investimento em bens intangíveis pode implicar um papel crescente dos bancos de desenvolvimento, como fontes de financiamento ou de veículos de financiamento especializados - como os fundos de orientação ligados à nova estratégia industrial do governo da China -, bem como medidas políticas para fortalecer o nexo entre lucro e investimento, tais como mudanças nas exigências de relatórios financeiros ou imposição de restrições sobre recompras de ações e pagamento de dividendos quando o investimento é baixo, ou tratamento fiscal preferencial de lucros reinvestidos.

                          4.Política de inovação

                          A aquisição e adoção de tecnologia, bem como sua adaptação às circunstâncias locais, é um processo dispendioso. Para acelerar e apoiar esse processo, os países em desenvolvimento foram aconselhados a garantir capacidade de absorção adequada, inclusive em termos do nível de qualificação da força de trabalho e das estruturas institucionais para facilitar o desenvolvimento e a transferência de tecnologia. 

                          Recentemente, a política de inovação proativa também encontrou um lugar de destaque na agenda dos formuladores de políticas dos países em desenvolvimento. Uma razão para isso é a melhoria das capacidades tecnológicas e das instituições relacionadas à tecnologia de alguns países em desenvolvimento, refletidas em maiores realizações educacionais e aumento nos gastos com pesquisa e desenvolvimento e nos registros de patentes.

                          No contexto do avanço da digitalização, a Unctad ressalta um elemento adicional de mudança: o aumento do poder de compra e das classes médias emergentes em alguns países em desenvolvimento, particularmente na Ásia. Esse aumento está criando novos mercados e, assim, gerando novo potencial de inovação para atender à sua demanda crescente. Como resultado, os países em desenvolvimento estão sendo vistos não apenas como receptores, mas também como fontes de inovação, particularmente inovações voltadas para o desenvolvimento de bens e serviços personalizados, atendendo a mercados específicos a um custo relativamente baixo.

                          Essas chamadas inovações frugais, que fornecem “novas funcionalidades com menor custo”, dependem dos residentes dos países em desenvolvimento, tanto como consumidores quanto como produtores, concentrando-se nas oportunidades específicas de inovação, produção e consumo em uma determinada localização geográfica. Dado que não são restringidos pelas demandas dos países desenvolvidos, as empresas de países em desenvolvimento podem se beneficiar das vantagens de custos locais, melhores condições locais de fornecimento e melhor conhecimento das circunstâncias, preferências e necessidades locais. 

                          A digitalização pode fornecer oportunidades específicas para a inovação frugal das empresas dos países em desenvolvimento, porque tendem a reduzir o custo da inovação. Tais inovações, no entanto, dependem cada vez mais de análises de big data e outras tecnologias digitais. Portanto, são obviamente importantes políticas projetadas para evitar o controle monopolista dos dados e assegurar que os pequenos e médios produtores e inovadores em potencial tenham acesso a eles.

                          Segundo a Unctad, dado que a digitalização pode viabilizar produtos inteiramente novos, bem como possibilitar novas funcionalidades e formas de uso para produtos já existentes, parece haver algum espaço para uma política ativa de inovação orientada para o design nos países em desenvolvimento, não obstante as regras existentes de proteção para os direitos de propriedade intelectual (DPIs), que restringem a transferência de tecnologia. Embora essas tenham sido reforçadas no contexto de acordos de livre comércio, algumas histórias de sucesso recentes sugerem que ainda é possível superar os obstáculos que elas representam.

                          A transição para um mundo digital também pode ampliar o escopo para empresas de países em desenvolvimento se engajar em acordos de licenciamento cruzado com empresas de países desenvolvidos. Pelo menos algumas dessas empresas podem privilegiar a proteção de seus projetos por meio de segredos comerciais, mas outras ainda poderiam estar interessadas em licenciar e, assim, divulgar seus projetos para os países em desenvolvimento. Eles poderiam desejar fazê-lo em troca de recursos de design inovadores em relação à funcionalidade e facilidade de uso que as empresas dos países em desenvolvimento desenvolveram para seus clientes domésticos, o que também poderia atrair os grupos de baixa renda nos países desenvolvidos. Os proprietários de DPI também podem desejar criar novos fluxos de receitas comercializando modelos de arquivos CAD ou software que os compradores podem subsequentemente personalizar.

                          Para aumentar as habilidades e capacidades digitais, muitos países em desenvolvimento estão estimulando a criação de empresas digitais. As startups digitais diferem das startups de TI que fornecem serviços técnicos básicos na forma de SaaS, na medida em que as primeiras visam transformar digitalmente serviços setoriais específicos como educação, saúde, transporte, etc. Essas startups digitais representam uma nova onda de empreendedorismo, que, se aproveitada adequadamente, poderia introduzir algumas soluções altamente eficientes, bem como impulsionar as capacidades digitais, tornando-se uma fonte primária de inovação em um país. 

                          No entanto, em vez de serem usadas para expandir as fronteiras da tecnologia digital em um país, essas inovações estão sendo cada vez mais compradas e usadas por grandes empresas de tecnologia para expandir suas operações. Por exemplo, as aquisições de empresas jovens de inteligência artificial aumentaram 155% no período de 2015- 2017, passando de 45 para 115. As recém-criadas empresas digitais precisam, portanto, ser apoiadas por políticas nacionais e por medidas regulatórias para fomentar e avançar os esforços nacionais de digitalização. 

                          5.Política regulatória

                          A economia digital cria novos desafios significativos na política regulatória porque os efeitos da rede e as economias de escala associadas à digitalização podem causar crescente desigualdade e gerar barreiras à entrada no mercado. Como observado acima, as vantagens do pioneirismo na forma de benefícios do controle e do escalonamento de grandes volumes de dados tendem a criar algumas grandes empresas altamente lucrativas e as preocupações de que “o vencedor leva mais”. 

                          Tais vantagens também podem se autorreforçar, já que os dados recolhidos de um mercado podem facilitar a entrada em novos mercados ou até mesmo em novas linhas de negócios. Os aumentos resultantes na concentração de mercado podem aumentar significativamente o poder financeiro de algumas empresas líderes e causar aumento das práticas anticoncorrenciais em busca de renda e de tentativas de bloquear concorrentes reais ou potenciais. Isso significa que políticas estabelecidas de concorrência e antitruste podem ser inadequadas para a economia digital.

                          O controle esmagador sobre plataformas digitais por algumas empresas, principalmente baseadas nos Estados Unidos, no Reino Unido e em alguns outros países europeus, aponta para a necessidade de consideração de políticas ativas para evitar comportamentos anticoncorrenciais por tais empresas, bem como o uso dos dados que são coletados no processo. Ele também fornece uma noção das dificuldades associadas aos países em desenvolvimento que desejam atuar nessas áreas. Mesmo quando inovadores baseados em países em desenvolvimento inventam novos produtos e processos, eles podem ser incapazes de colher os benefícios em um ambiente oligopolístico, ou podem ser controlados pelas empresas dominantes. 

                          Segundo a Unctad, as preocupações com a ausência de normas trabalhistas associados a plataformas supostamente entre pessoas físicas (P2P), mas que são efetivamente plataformas business-to-consumer (B2C), como é o como da Uber, são agora bem conhecidas. Mas, para os países em desenvolvimento, uma questão adicional pode ser a concentração dos lucros gerados em tais plataformas pelas empresas que se baseiam principalmente em países desenvolvidos. Essas superplataformas (empresas que dominam o cenário digital como Google, Apple e Amazon) usam cada vez mais algoritmos baseados em big data para afastar a concorrência. Os algoritmos podem fomentar colusões tácitas quando cada empresa programa seu algoritmo com uma estratégia para maximizar os lucros. 

                          Os algoritmos monitoram as mudanças de preço e reagem rapidamente à redução de preço do concorrente, da mesma forma que também seguem aumentos de preço quando sustentáveis, como quando outros o seguem de maneira oportuna, de modo que todos os concorrentes aumentam os preços e o lucro juntos, levando a um resultado não muito diferente daquele obtido pelo conluio. “Mas ao contrário dos humanos, os computadores não temem a detecção!” Além disso, é extremamente difícil responsabilizar as superplataformas pelas decisões de preço de seus algoritmos de autoaprendizagem, o que pode transferir a riqueza dos consumidores para os vendedores.

                          Essas colusões crescentes e práticas anticoncorrenciais das superplataformas representam novos desafios para as políticas de concorrência e antitruste. A inteligência artificial determina de forma independente os meios para ampliar os lucros e leva a um resultado anticoncorrencial, sem evidência de qualquer acordo ou intenção anticoncorrencial. Ademais, o novo dinamismo do mercado, viabilizado pelos avanços tecnológicos, leva a uma transferência de riqueza dos consumidores para superplataformas, com os consumidores desconhecendo os mecanismos subjacentes; erradica a concorrência de pequenas empresas por meio de aquisições ou práticas excludentes; e promove efeitos de rede para crescer e assimilar mais poder de mercado.

                          Na avaliação da Unctad, as agências de defesa da concorrência precisam entender os contornos da concorrência e os mecanismos de mercado subjacentes que ajudam os “grandes” a se “tornarem maiores” e se prepararem para regulamentar essas superplataformas. Embora os crescentes poderes monopolísticos das plataformas digitais estejam sendo cada vez mais reconhecidos, poucos foram os esforços dos países em desenvolvimento para projetar políticas de modo a combater essas práticas anticoncorrenciais. 

                          Muitos desafios são enfrentados na elaboração de políticas antitruste para regulamentar as plataformas baseadas em dados, abrangendo vários grupos de clientes com demanda interdependente que oferecem produtos e serviços em muitos países. Estes incluem as dificuldades associadas à definição do “mercado” envolvido e à avaliação o poder das empresas dentro desse mercado. No entanto, como as plataformas digitais existentes estão mudando o cenário competitivo, é necessário regulamentá-las para oferecer às empresas / plataformas dos países em desenvolvimento uma oportunidade de competir com as plataformas existentes e aproveitar novas oportunidades no mundo digital.

                          Segundo o relatório, recentes preocupações em relação à regulamentação da economia digital também se concentraram no bem-estar do consumidor, particularmente no que diz respeito à preservação da privacidade de dados e segurança da Internet, bem como evitar mudanças indesejáveis na forma como as sociedades funcionam. Em contraste, a extração da renda econômica recebeu atenção insuficiente dos formuladores de políticas, apesar de seu papel central no funcionamento da hiperglobalização.

                          Segundo a Unctad, uma forma de extração de renda é o planejamento fiscal agressivo, localizando a base tributária de uma empresa em jurisdições com baixa tributação. A economia digital pode exacerbar a erosão da base tributária, uma vez que os principais ativos das grandes multinacionais são ativos intangíveis (propriedade intelectual e/ou dados). A iniciativa de Erosão da Base e Transferência de Lucros (BEPS) deu alguns passos úteis para salvaguardar as receitas fiscais nos países onde a atividade é executada. Porém, a tributação não altera as características anticoncorrenciais das estratégias de busca de renda. 

                          Uma maneira de abordar as estratégias de busca de rendas em um mundo digital seria por meio de regulamentação mais rígida de práticas comerciais restritas, com forte monitoramento e administração em nível internacional. Outra abordagem seria desmembrar as grandes empresas responsáveis pela concentração de mercado. De acordo com a Unctad, forçar as empresas a formar joint ventures com certas regras de maioria para evitar a concentração de mercado pode também ser uma opção viável para economias com digitalização emergente, incluindo muitos países em desenvolvimento.

                          Para os países em desenvolvimento, as preocupações regulatórias podem ser ainda maiores se não quiserem perder os benefícios da quarta revolução industrial. A divulgação do código-fonte de um programa de software pode ser necessária, por exemplo, não apenas por razões de segurança, mas também porque permitira desenvolver habilidades de codificação de software, bem como a criação de um novo software, personalizado para se adequar às preferências e sensibilidades locais, e até mesmo adaptado para ser usado em idiomas locais. Da mesma forma, a localização de servidores pode ser necessária para fins regulatórios, e essa regulamentação também pode operar para auxiliar na promoção de fornecedores domésticos de uma variedade de produtos e serviços.

                          O relatório da Unctad alerta que a soberania da internet é outra questão chave que requer muito mais discussão e negociação internacional, já que agora está claro que uma suposta “internet livre e aberta” é aquela que pode estar sujeita a regulação oculta por Estados poderosos, bem como manipulação por grandes atores privados como algumas empresas de plataformas multinacionais. Por essa razão, os governos dos países em desenvolvimento precisam estar cientes dessas preocupações antes de firmarem acordos de livre comércio que possam efetivamente reduzir sua soberania nacional e espaço político no mundo digital.

                          6.Controle e uso dos dados

                          Todas as empresas, e não apenas as plataformas digitais, precisam coletar e analisar dados para ganhos de inovação e eficiência. No entanto, o acesso e o controle de dados podem, de fato, ser uma fonte de poder de mercado e podem criar barreiras à entrada de novos participantes. Os formuladores de políticas precisam encontrar um equilíbrio entre essas pressões conflitantes. 

                          Os autores do relatório destacam que dados não são um produto homogêneo e que há uma necessidade, desde o início, de uma clara distinção entre dados pessoais (padrões comportamentais ou dados educacionais dos consumidores, dados de transporte ou dados de saúde) e dados não pessoais. Embora seja necessário permitir que dados não pessoais fluam livremente dentro do país, garantir a proteção de dados pessoais é extremamente importante, especialmente na construção da confiança dentro do país. 

                          A Unctad considera que os países em desenvolvimento precisam manter sua soberania de dados para desenvolver suas habilidades digitais e evitar regras que restrinjam sua capacidade de monitorar o fluxo de seus dados nacionais. A classificação de dados em dados pessoais e não pessoais e o desenho das respectivas políticas de dados são passos importantes para a construção da infraestrutura digital. Proteger efetivamente os dados exigirá uma consideração mais séria dos formuladores de políticas, especialmente no mundo em desenvolvimento.

                          Desde o início da internet, vários governos, de países desenvolvidos e em desenvolvimento, estão adotando medidas de localização para desenvolver capacidades digitais domésticas e infraestrutura digital para modernizar as cadeias de valor. Segundo a Unctad, no contexto da economia digital, as medidas de localização incluem requisitos como localização de servidores e / ou instalações de computação dentro das fronteiras nacionais que podem incentivar empresas estrangeiras a investir em infraestrutura digital doméstica e permitir que as autoridades locais apliquem leis e regulamentos nacionais. 

                          Em alguns casos, o processamento e / ou armazenamento de dados deve estar em conformidade com padrões nacionais exclusivos, ou as transferências de dados devem ser roteadas em grande parte ou exclusivamente dentro de um espaço nacional ou regional, quando possível. Tais políticas podem ser adotadas para promover as capacidades digitais locais; proteção da indústria infante; evitando a dependência de longo prazo da infraestrutura digital de propriedade estrangeira e/ou localizada no exterior; e / ou para proteger a privacidade dos cidadãos, suas jurisdições legais e a segurança cibernética nacional.

                          Regras de Comércio e Investimento e o Espaço para Políticas

                          Segundo a Unctad, para formular políticas econômicas direcionadas a integração na nova era digital, os países precisam assegurar espaço político em seus acordos de comércio e investimento, especialmente aqueles que buscam uma profunda integração entre as nações. Acordos comerciais contemporâneos estão indo muito além das restrições comerciais na fronteira e se concentrando cada vez mais nas regras e regulamentações domésticas. Com isso, não apenas reduzem o espaço político, mas também produzem resultados que prejudicam o bem-estar social nos países signatários. 

                          Entre as regras vinculantes de comércio e investimento nos acordos comerciais contemporâneos que podem afetar seriamente o espaço político dos países para projetar as políticas necessárias no mundo digital, o relatório destaca a interdição das regras de localização de dados. Como mencionado na seção anterior, essas regras foram amplamente utilizadas pelos países desenvolvidos na fase inicial da digitalização e ainda estão ativas. Todavia, segundo a Unctad, acordos comerciais existentes, bem como em negociação, restringem as flexibilidades dos governos signatários para adotarem essas medidas de localização com o propósito de encorajar a melhoria nas cadeias de valor. Esses seriam os casos do Acordo de Comércio de Serviços (TiSA, na sigla em inglês), que está sendo negociado por 23 membros da Organização Mundial de Comércio (OMC), entre os quais Estados Unidos, União Europeia, Chile, China, Costa Rica, Peru, México, Paquistão e Turquia, e do Acordo Parceria Transpacífica (TPP, na sigla em inglês). 

                          Para acompanhar a revolução tecnológica em curso, os países em desenvolvimento precisam urgentemente de transferências internacionais de tecnologia (ITT) dos países desenvolvidos e de outros países em desenvolvimento que tenham conseguido desenvolver tecnologias digitais avançadas. No entanto, o ITT tornou-se muito mais complicado na economia digital, na qual a tecnologia e a análise de dados estão sendo comparadas a segredos comerciais. De acordo com a Unctad, cada vez mais as tecnologias de análise de dados estão sendo protegidas em acordos de comércio e investimento, que restringem a capacidade dos governos de usar as políticas tradicionais de IED para encorajar transferências de tecnologia. 

                          Uma dessas regras vinculantes se aplica ao compartilhamento de código-fonte, que é a coleção de instruções de computador que são processadas e executadas, e cuja versão legível por humanos (chamada de código-fonte) é geralmente protegida por direitos autorais e geralmente mantida em sigilo para proteger informações proprietárias. Acordos de comércio e investimento recentemente negociados estabelecem regras de não divulgação, que proíbem os governos de elaborar políticas que exigem compartilhamento de código-fonte, exceto por razões de segurança nacional.

                          Também na intepretação da Unctad, o conceito de neutralidade tecnológica aplicado aos compromissos assumidos por muitos países em desenvolvimento sobre a oferta transfronteiriça de serviços sob o Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS) pode afetar a capacidade dos governos em formular políticas de promoção de tecnologias locais ou de restringir novos meios de entrega de um serviço. Esse princípio implicaria que se um país se compromete a permitir o fornecimento de um serviço, então o provedor de serviços pode aplicar qualquer tecnologia para fornecer esse serviço, incluindo tecnologias futuras, como veículos sem motorista ou entregas por meios de drones. Com as tecnologias em constante evolução no mundo digital, a neutralidade tecnológica pode ter implicações de longo alcance, reduzindo a flexibilidade regulatória dos países. 

                          O relatório destaca igualmente que as propostas de comércio eletrônica em discussão na OMC têm o potencial de reduzir o espaço de política para os países em desenvolvimento. Muitos países em desenvolvimento estão esforçando para desenvolver suas políticas / estratégias nacionais de comércio eletrônico de maneira a vincular seus produtores e consumidores domésticos a plataformas de comércio eletrônico. Porém, se essas plataformas forem internacionais, os países não apenas expõem seus consumidores a novos produtos e produtores, como também se arriscam a reduzir as participações no mercado doméstico de seus produtores domésticos, além de também perderem dados valiosos que são gerados pelas transações de consumidores e produtores. 

                          A Unctad sustenta que os ganhos do comércio eletrônico para os países em desenvolvimento só podem se tornar realidade se protegerem suas “plataformas nacionais de comércio eletrônico” com o objetivo de melhorar o acesso dos seus produtores ao mercado doméstico e internacional. Parcerias público-privadas podem ser encorajadas a formar plataformas nacionais de comércio eletrônico para impulsionar o comércio eletrônico doméstico e transfronteiriço e usar a análise de dados dos clientes engajados para prever a demanda futura e mudar os gostos e preferências. 

                          Além da necessidade de repensar os acordos de comércio e investimento, a Unctad também sugere que os países em desenvolvimento intensifiquem a cooperação regional Sul-Sul e cooperação triangular. A cooperação digital em nível regional pode ser adicionada às iniciativas de integração regional em curso tanto para construir uma economia de dados e mercados regionais de comércio eletrônico, como para maximizar os benefícios da computação nas nuvens. 

                          Em conclusão, o relatório adverte que o potencial de desenvolvimento sugerido pelas tecnologias digitais pode ser facilmente eclipsado se os países em desenvolvimento não tiverem flexibilidade e espaço político para projetar suas políticas econômicas e industriais e estruturas regulatórias nacionais para promover a infraestrutura digital e as capacidades digitais. É importante manter a liberdade e o espaço para projetar políticas digitais que ajudem a aumentar os ganhos de desenvolvimento do comércio e investimentos estrangeiros, como políticas de localização, restrições ao livre fluxo de dados, transferências de tecnologia e tarifas alfandegárias sobre transmissões eletrônicas.

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                          Publicado em: 14/03/2025

                          A indústria de transformação ampliou sua produção em 2024, apresentando especificidades em relação à última década, o que também inclui a distribuição deste dinamismo entre suas diferentes faixas de intensidade tecnológica.

                           

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                          Carta IEDI
                          Carta IEDI n. 1305 - O Brasil e a guerra comercial entre EUA e China
                          Publicado em: 10/03/2025

                          Há muitos produtos coincidentes que Brasil e China exportam para os EUA e nossos embarques poderiam ser favorecidos com a imposição de alíquotas sobre as exportações chinesas.

                           

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                          Carta IEDI n. 1304 - Ano de crescimento, mas com inflexão à vista
                          Publicado em: 28/02/2025

                          Em 2024, todos os grandes setores econômicos se expandiram e a um ritmo superior ao de 2023, mas uma desaceleração já se avizinha, como resultado do aumento da Selic.

                           

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