Carta IEDI
O Cenário Econômico Mundial
O Fundo Monetário Internacional divulgou, na edição de abril de 2019 do World Economic Outlook, a atualização de seu cenário para a economia global de 2019 e 2020. As notícias não são boas, sobretudo, para o Brasil, cuja recuperação econômica vem dando repetidos sinais de enfraquecimento. Mais uma vez, o FMI reduziu a expectativa de crescimento do PIB mundial para 2019: de +3,7% na projeção de out/18 foi para +3,3% nesta de abr/19. Ou seja, 2019 deve ser pior do que 2018 (+3,6%) quanto ao PIB e também em relação ao comércio internacional (+3,4% versus +3,8%).
Reforça este cenário o fato de outros organismos internacionais esperarem um mesmo movimento de desaceleração. A expectativa da OCDE, divulgada em março deste ano, também aponta para um crescimento de +3,3% em 2019. Já a estimativa do Banco Mundial, divulgada em seu Global Economy Prospects de jan/19, é ainda mais pessimista: +2,9%.
Para 2020 os cenários divergem, sugerindo que ainda existem incertezas importantes no horizonte. Banco Mundial (+2,8%) e OCDE (+3,4%) preveem um desempenho muito próximo ao de 2019. Já o FMI se mostra mais otimista, projetando um reforço mais significativo para o crescimento do PIB mundial: +3,6%.
Segundo o FMI, o principal determinante do desaquecimento global é a desaceleração em curso nas economias avançadas desde o segundo semestre de 2018, que respondeu por mais de 2/3 da perda de ritmo. Em 2019, este grupo de países deve crescer apenas +1,8% contra +2,2% em 2018. Por trás disso, há dois fatores já incorporados em cenários precedentes: o efeito do aumento das tarifas alfandegárias e a redução do impacto positivo do pacote de estímulo fiscal dos Estados Unidos sobre a própria economia americana e seus parceiros comerciais.
Fatores adicionais foram a paralisação de alguns serviços do governo americano (“shutdown”) entre dez/18 e jan/19, os seguidos fracassos dos acordos do Brexit; os protestos dos “coletes amarelos” na França e o impacto negativo da revisão das normas de emissão dos veículos a diesel sobre a produção automobilística da Alemanha. Todos eles aprofundaram a desaceleração cíclica dos países avançados.
No âmbito das economias emergentes e em desenvolvimento, a projeção de crescimento do FMI para 2019 também foi revisada para baixo mais uma vez, passando de +4,7% em out/18 para +4,5% em jan/19 e então para +4,4% em abril. Ou seja, ao invés de superar o resultado de 2018 (+4,5%), o dinamismo nestas economias deve ficar abaixo dele.
O principal determinante dessa revisão é a recessão na Turquia Com isso, segundo o FMI, o crescimento do PIB da Europa emergente não deve passar de +0,8% em 2019, isto é, muito aquém dos +3,6% de 2018. Devido a este resultado dos europeus emergentes, a América Latina deixará seu posto de “lanterninha” do panorama mundial. O FMI estima expansão econômica de +1,4% em 2019, melhor do que 2018 (+1%), mas muito abaixo das estimativas anteriores (+2,2% em out/18 e +2% em jan/19).
A piora em abril decorreu, sobretudo, da redução das taxas de crescimento previstas para as duas principais economias da região, associada a ajustes na avaliação da orientação de política dos seus novos governos. No caso do Brasil, houve recuo da previsão de crescimento de +2,5% em out/18 para +2,1% em abr/19. No caso do México, o corte foi ainda maior, passando de +2,7% em out/18 para +1,6% em abr/19. Agravaram a deterioração as previsões de recessão na Argentina e na Venezuela.
A Ásia, por sua vez, continuará sendo a principal responsável pelo ritmo de expansão dos países emergentes e em desenvolvimento (+6,3%). Em 2019, o FMI espera uma continuidade na mudança de composição do crescimento desta região presente já em 2018, com a Índia (+7,3%) crescendo mais do que a China (+6,3%).
No caso Chinês, além do aumento do peso do consumo interno vis-à-vis os investimentos, a perda de ritmo recente também decorre da imposição de tarifas alfandegárias pelos Estados Unidos a exportações chinesas num contexto de baixo dinamismo do comércio mundial. Já o crescimento da economia indiana está ancorado nos investimentos e no consumo doméstico, beneficiados por uma orientação mais expansionista das políticas monetária e fiscal.
O balanço de riscos para os cenários de 2019 e 2020 continua com viés negativo. O FMI destaca quatro principais fontes de risco, sendo os dois primeiros mais relevantes.
1. Tensões comerciais desencadeadas pelo governo Trump continuam ameaçando o desempenho do comércio, do investimento e do produto globais, embora alguns acontecimentos recentes apontem para uma distensão (novo acordo entre EUA, Canadá e México; trégua na guerra tarifária entre EUA e China). Se essas questões não forem resolvidas, o ambiente de tarifas elevadas reduzirá ainda mais o crescimento do comércio mundial. O FMI prevê um crescimento de +3,4% do volume desse comércio em 2019 contra os percentuais de +5,4% em 2017 e +3,8% em 2018.
2. Riscos em economias, classificadas como “sistêmicas” pelo FMI. Na Europa, elevados spreads sobre a dívida soberana da Itália e um “Brexit sem acordo” (no-deal Brexit). Nos Estados Unidos, a mudança de postura do Fed quanto aos juros básicos (ao anunciar uma pausa em março), não impede reavaliação pelo mercado e alta das taxas de juros de médio e longo prazo, apreciação do dólar e condições financeiras mais restritivas para as economias emergentes e em desenvolvimento. Na China, caso as tensões comerciais persistam, o desempenho da atividade econômica pode ser menor do que o esperado no cenário básico.
3. Vulnerabilidade financeira, como ataques cibernéticos, que podem ameaçar os sistemas de pagamento interfronteiras e o próprio comércio global. Além disso, uma reversão das reformas na regulação financeira após a crise e/ou a continuidade das condições financeiras relativamente acomodatícias podem levar à emergência de novos focos de vulnerabilidade, especialmente se as instituições financeiras intensificarem sua busca por rentabilidade num ambiente de baixo crescimento.
4. Incertezas políticas associadas à agenda de governos que tomaram pose recentemente, aos conflitos políticos no oriente médio e a tensões no sudeste da Ásia. Uma sequência de eventos adversos, somada a tensões comerciais e a condições financeiras mais restritivas podem acentuar a aversão aos riscos e ter repercussão global negativa.
Introdução
Esta Carta IEDI apresenta o cenário atual do FMI, divulgado no Panorama da Economia Mundial de abril (World Economic Outlook - WEO) e, a título de comparação, as projeções para a economia global de outras duas instituições multilaterais: o Banco Mundial (BM) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), divulgadas em janeiro e março, respectivamente. A primeira seção apresenta os três cenários e detalha as projeções do FMI. A segunda seção sintetiza as informações sobre o desempenho da economia global entre novembro de 2018 e março de 2019 (os meses de referência entre o WEO de outubro de 2018 e abril de 2019), subjacentes a esse cenário.
Cenários para a economia global
O Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou recentemente seu cenário atual para o desempenho econômico global no Panorama da Economia Mundial (World Economic Outlook - WEO) de abril 2019, que é bem menos otimista do que os dois cenários precedentes. A projeção para a atividade econômica global recuou para 3,3% contra os percentuais de 3,7% do WEO de outubro de 2018 e de 3,5% na atualização das projeções em janeiro.
O cenário da OCDE divulgado em março aponta para o mesmo percentual que o FMI, enquanto a estimativa do Banco Mundial (BM) na sua publicação Perspectivas para a Economia Global (Global Economy Prospects) de janeiro é mais pessimista (2,9%). Para 2020, os três cenários divergem: o BM prevê uma nova desaceleração (para 2,8%), a OCDE uma ligeira retomada (para 3,4%) e o FMI uma aceleração mais significativa, para 3,6%.
Os cenários das instituições multilaterais baseiam-se em séries temporais e podem divergir em função das hipóteses e modelos utilizados. A convergência dos cenários do FMI e da OCDE e o fato de incorporaram informações mais atualizadas sugerem que o crescimento da economia mundial deve ficar próximo do patamar de 3,3% em 2019. Se essa projeção se confirmar, 2019 será o segundo ano consecutivo de perda de dinamismo: desaceleração de 0,3 pontos percentuais (p.p.) frente à 2018, quando o crescimento foi de 3,6%, 0,2 p.p inferior ao de 2017 (3,8%).
Vale ressaltar que em outubro de 2018 todos os cenários apontavam para uma estabilização do crescimento mundial em 2018 frente ao ritmo de 2017 (Carta IEDI n. 885). O FMI projetava uma expansão de 3,7% nos dois anos. Assim, a desaceleração na passagem de 2017 para 2018 decorreu tanto do desempenho melhor em 2017 do que as primeiras prévias indicavam (3,8%), como do pior resultado de 2018 (3,6%), que ainda é preliminar. Esse resultado, por sua vez, está associado ao desaquecimento da economia mundial a partir do segundo semestre do ano passado, que se prolongou nos primeiros meses de 2019 (ver próxima seção). A hipótese subjacente ao cenário atual do Fundo é que o ritmo de expansão se estabilize em meados do ano e passe a se recuperar a partir de então, reconduzindo esse ritmo ao patamar de 3,6% em 2020 (0,1 p.p. inferior à projeção de outubro de 2018).
A desaceleração em curso nas economias avançadas desde o segundo semestre de 2018 será responsável por 2/3 desaquecimento global em 2019. A projeção atual do FMI para esse grupo é de uma expansão de 1,8% em 2019 (0,3 p.p. e 0,2 p.p. inferior às previsões de outubro e janeiro, respectivamente) contra 2,2% em 2018.
Essa revisão para baixo está associada, por um lado, a dois fatores já incorporados nos dois cenários precedentes: o efeito do aumento das tarifas alfandegárias em 2018 e a redução do impacto positivo do pacote de estímulo fiscal dos Estados Unidos sobre a própria economia americana e seus parceiros comerciais. Por outro lado, o ritmo da desaceleração cíclica está mais rápido do que o previsto em outubro e janeiro em função de eventos específicos em algumas economias, mencionados a seguir.
Embora a economia americana siga na liderança em termos de dinamismo, sua desaceleração em 2019 será a mais intensa entre os países avançados. Após atingir o patamar de 2,9% em 2018 (o pico do pós-crise, também registrado em 2015), seu ritmo de crescimento recuará para 2,3% em 2019, percentual 0,2 p.p. inferior ao projetado nos cenários de outubro e janeiro. Essa revisão decorreu, principalmente, da incorporação no cenário dos efeitos negativos da paralisação de alguns serviços do governo americano (“shutdown”) que se iniciou em 22 de dezembro de 2018 e se estendeu até o final de janeiro de 2019. Essa paralisação ocorreu em função da recusa do presidente Trump de aprovar o orçamento federal diante da não inclusão dos recursos necessários para a construção do muro na fronteira com o México pela câmara dos deputados (de maioria democrata).
Adicionalmente, o FMI também passou a prever, para os EUA, uma política fiscal menos expansionista em 2019. Já para 2020 houve uma ligeira revisão para cima (de 1,8% em janeiro para 1,9% em abril) como reflexo da perspectiva de uma política monetária mais acomodatícia após o Federal Reserve (Fed) anunciar em janeiro a interrupção da trajetória de alta da taxa de juros básica (Fed Fund Rate) esse ano. Com isso, a desaceleração em 2020 será de 0,4 p.p., um pouco inferior à projetada para o Japão.
A economia nipônica, que continua sendo a “lanterninha” desse grupo, ganhará um pouco de velocidade em 2019. A previsão atual é de um avanço de 1,0% contra 0,8% em 2018, na contramão das suas congêneres. A revisão de 0,1 p.p. acima da projeção de outubro decorre dos estímulos fiscais anunciados para esse ano com o objetivo de contrabalançar o aumento do imposto sobre o consumo em outubro. Contudo, em 2020 o crescimento recuará para 0,5%, 0,5 p.p. inferior à 2019.
Considerando a passagem de 2018 para 2019, a área do euro desacelerará 0,5 p.p. (contra 0,4 p.p. nos Estados Unidos). Todavia, a revisão do cenário foi bem mais significativa para a região da moeda única: de 1,9% em outubro para 1,6% em janeiro e 1,3% em abril (contra 1,8% em 2018). Na realidade, a perda de dinamismo teve início em 2017 após cinco anos consecutivos de aceleração do crescimento. Mas, a partir de meados de 2018, a reversão cíclica ganhou impulso e deve se reverter somente em 2020, quando o crescimento previsto é de 1,5% (contra 1,7% no cenário de janeiro).
O principal determinante dessa reversão na área do euro é a redução do dinamismo da economia alemã, líder da região. Seu crescimento deve recuar de 1,5% em 2018 para 0,8% em 2019 em função do baixo dinamismo do consumo privado, da produção industrial (após a revisão das normas de emissão dos automóveis com motor a diesel) e da demanda externa, concentrada nos demais países da região que também estão em desaceleração.
Se as previsões do FMI se confirmarem, a economia italiana ficará praticamente estagnada em 2019 com um crescimento de 0,1% contra 0,9% em 2018 (mesma velocidade de desaceleração da Alemanha, 0,8 p.p.) devido à fraca demanda doméstica num contexto de alta dos spreads dos títulos soberanos. Na França, a perda de ritmo será menor, de 1,5% para 1,3%, em função do impacto negativo dos protestos dos “coletes amarelhos”. A economia espanhola continuará registrando a maior taxa de crescimento da região, mas num ritmo mais suave do que em 2018 (2,1% contra 2,8%). Já em 2020, ela será a única dentre as principais economias da região a registrar desaceleração, para 1,9% (mesmo percentual previsto para os Estados Unidos)
Ainda no âmbito das economias avançadas, o Reino Unido deve crescer 1,2% em 2019 contra 1,7% em 2019, ou seja, um desaquecimento na mesma intensidade da área do euro (0,5 p.p.) e um pouco menor do que dos Estados Unidos (0,6 p.p.). O cenário para a economia britânica é especialmente incerto devido ao Brexit, que ainda não se concretizou. A revisão em relação ao cenário de outubro não foi ainda maior em função dos estímulos fiscais previstos no orçamento desse ano. A hipótese subjacente é da assinatura do acordo do Brexit em 2019.
No âmbito das Economias emergentes e em desenvolvimento, a projeção de crescimento do FMI também foi revisada duas vezes para baixo, passando de 4,7% em outubro para 4,5% em janeiro e 4,4% em abril, o que significará uma ligeira desaceleração frente à 2017 (4,5%). O principal determinante dessa revisão é a recessão prevista na Turquia decorrente da deterioração das condições de financiamento externo, que exigiu a adoção de políticas restritivas.
O piora do desempenho da economia turca foi mais do que suficiente para neutralizar a evolução favorável de algumas economias do centro e leste da Europa, resultando numa expressiva queda do crescimento projetado para a Europa emergente, que passou de 2% em outubro para 0,8% em abril, uma desaceleração de 1,,2 p.p. O cenário atual do FMI aponta para uma recuperação a partir do segundo semestre de 2019, com a saída da economia turca da recessão. Se essa hipótese de confirmar, a região crescerá 2,8% em 2019.
Com o crescimento de somente 0,8% em 2019, a Europa emergente voltará a ser a última colocada desse grupo de economias, posição que não ocupava desde 2013. Isto porque, o crescimento previsto para América Latina, que teve o pior desempenho entre 2014 e 2018, é de 1,4% em 2019 contra 1% em 2018. Já em 2020, as posições se invertem novamente, pois essa última região deve crescer 2,4% (0,4 p.p. inferior à Europa emergente)
É importante mencionar que, nos dois cenários anteriores, as perspectivas para a economia latino-americana eram muito melhores (2,2% em outubro e 2,0% em janeiro). A piora do cenário em abril decorreu da redução das taxas de crescimento previstas para as duas principais economias da região associada às mudanças de avaliação sobre a orientação de política dos novos governos: no caso do Brasil, de 2,5% em outubro e janeiro para 2,1% em abril contra 1% em 2017; no caso do México, a revisão foi maior, com um corte de 1,1 p.p. na taxa projetada para 2018 (de 2,7% em outubro para 1,6% em abril).
Em 2020, a economia brasileira também registrará um crescimento maior que a mexicana (as taxas previstas são de 2,5% e 1,9% respectivamente). A hipótese subjacente é de que o governo Bolsonaro terá sucesso na aprovação das reformas consideradas essenciais para a retomada do crescimento (com destaque para a reforma da previdência), enquanto as expectativas são bem menos otimistas no caso do governo do esquerdista de López Obrador. Contribuíram igualmente para a deterioração do cenário para a América Latina a revisão para baixo das projeções para a Argentina e Venezuela (recessão no primeiro semestre de 2019 e no ano de 2019, respectivamente). Essa deterioração também está associada à previsão de uma pequena queda dos preços do petróleo e das commodities metálicas e agrícolas após dois anos consecutivos de alta.
Seguindo a ordem crescente em termos de dinamismo, a Comunidade dos Estados Independentes ocupa o terceiro lugar, com um crescimento projetado de 2,2% contra 2,8% em 2018, uma desaceleração de 0,6 p.p. A revisão para baixo frente ao cenário de outubro (2,4%) reflete o menor crescimento previsto para a Rússia em 2019 (1,8% em outubro para 1,6% em janeiro e abril) em função da queda do preço do Petróleo e seus efeitos adversos sobre as exportações. Se confirmado o cenário atual, a desaceleração da economia russa será de 0,7 p.p. frente à 2018, a maior entre as principais economias emergentes (ver Tabela). Em 2020, a previsão é de uma pequena aceleração (2,2% para a região e 1,7% para a Rússia).
Finalmente, a Ásia emergente e em desenvolvimento registrará uma ligeira desaceleração na passagem de 2018 para 2019 (de 6,4% para 6,3%), mas continuará sendo a principal responsável pelo ritmo de expansão desse grupo. Contudo, houve uma importante mudança na composição do crescimento da região, que se iniciou em 2018: a Índia tornou-se o país de maior crescimento, posição ocupada pela China até 2017. Para 2019, o FMI projeta um ritmo de 7,3% para a Índia e 6,3% para a China frente aos percentuais de 6,6% e 7,1% em 2018. A trajetória de aceleração da economia indiana e desaceleração da chinesa terá continuidade em 2020: taxas de 7,5% e 6,1%, respectivamente.
No caso da China, além dos fatores estruturais subjacentes à desaceleração do seu ritmo de crescimento (o aumento do peso do consumo interno vis-à-vis os investimentos, já mencionado em cartas anteriores), a perda de ritmo decorre da imposição de tarifas alfandegárias pelos Estados Unidos, que tiveram efeito negativo sobre as exportações chinesas num contexto de baixo dinamismo do comércio mundial.
O FMI prevê um crescimento de 3,4% do volume desse comércio em 2019, estimativa um pouco menos otimista que a do Banco Mundial, de 3,6% (contra 3,8% em 2018). Todavia, a desaceleração esperada era ainda maior nos cenários de outubro e janeiro (para 6,2%). A ligeira alta decorreu dos estímulos fiscais anunciados pelo governo chinês e da revisão da hipótese sobre essas tarifas: agora a suposição é de que não haverá novas imposições em 2019 (a última foi em setembro de 2018). Já o crescimento da economia indiana está ancorado nos investimentos e no consumo doméstico, beneficiados por uma orientação mais expansionista das políticas monetária e fiscal.
O balanço de riscos continua com viés para baixo, assim como em outubro de 2018, após dois cenários equilibrados (outubro de 2017 e abril de 2018). O FMI destaca quatro principais fontes de risco.
O primeiro fator refere-se às tensões comerciais lideradas pelos Estados Unidos, que continuam ameaçando o desempenho do comércio, do investimento e do produto globais , embora alguns acontecimentos recentes apontem para uma distensão (como o novo acordo entre Estados Unidos, Canadá e México, a trégua entre Estados Unidos e China na questão tarifária e a redução das tarifas chinesas sobre as importações de carros americanos). Porém, tanto a ratificação desse acordo como a definição da disputa sino-americana são incertas.
Se essas questões não forem resolvidas, a economia mundial poderá se deparar com um ambiente de tarifas elevadas que encarecerá os custos dos bens importados e reduzirá ainda mais o crescimento do comércio mundial. Além desses impactos diretos, uma escalada de retaliações pode comprometer os investimentos, afetar negativamente as cadeias globais de valor e o crescimento da produtividade, com desdobramentos negativos sobre os lucros corporativos e as avaliações dos mercados financeiros.
O segundo fator diz respeito aos riscos presentes em economias classificadas como “sistêmicas” pelo FMI. Na Europa, a manutenção de elevados spreads sobre a dívida soberana da Itália pode aumentar ainda mais a pressão sobre os bancos, com efeitos negativos sobre o crescimento e os estoques de dívida pública e privada. Outros fatores que podem levar ao aumento da aversão aos riscos são o “Brexit sem acordo” (no-deal Brexit) e, em menor medida, o resultado das eleições do parlamento europeu, que pode resultar no adiamento ou reversão de reformas direcionadas ao fortalecimento da arquitetura da área do euro.
Nos Estados Unidos, há o risco de uma reavaliação pelo mercado da trajetória prevista para a Fed Fund Rate, o que resultará em alta das taxas de juros de médio e longo prazo, apreciação do dólar e condições financeiras mais restritivas para as economias emergentes e em desenvolvimento. Ademais, a fase de alta do ciclo de crédito nos Estados Unidos está num estágio avançado, com uma proporção crescente de emissões de alto risco no mercado de títulos corporativos e de empresas muito endividadas. Uma desaceleração mais forte do que a esperada pode ampliar a fragilidade financeira da economia americana e desencadear um círculo vicioso entre a deterioração da capacidade de pagamentos dos devedores, o rebaixamento das classificações de risco de crédito pelas agências de rating e a redução dos gastos das empresas.
Na China, o governo respondeu adequadamente à desaceleração em 2018, limitando o alcance da regulação financeira mais rigorosa e reduzindo os requerimentos de reserva dos bancos, o imposto de renda para pessoas físicas e o imposto sobre valor agregado para pequenas e médias empresas. Contudo, caso as tensões comerciais persistam, o desempenho da atividade econômica pode ser menor do que o esperado no cenário básico. Outra fonte de risco é o aumento da vulnerabilidade financeira provocado pelas próprias medidas de estímulo.
O terceiro fator de risco está relacionado a outras fontes de vulnerabilidade financeira, como ataques cibernéticos (cyberattacks), que podem ameaçar os sistemas de pagamento interfronteiras e o próprio comércio global. Além disso, uma reversão das reformas na regulação financeira após a crise e/ou a continuidade das condições financeiras relativamente acomodatícias podem levar à emergência de novos focos de vulnerabilidade, especialmente se as instituições financeiras intensificarem sua busca por rentabilidade num ambiente de baixo crescimento.
O quarto fator, por sua vez, reside nas incertezas políticas associadas à agenda de governos que tomaram pose recentemente, aos conflitos políticos no oriente médio e a tensões no sudeste da Ásia. O FMI ressalta que esses fatores isoladamente não devem ter impacto significativo sobre o crescimento, mas uma sequência de eventos adversos, somada a tensões comerciais e a condições financeiras mais restritivas podem acentuar a aversão aos riscos e ter repercussão global.
Desempenho recente da economia mundial
Após quase dois anos de aceleração do crescimento, a atividade econômica global perdeu dinamismo no segundo semestre de 2018. Até fevereiro de 2019 não havia sinal de reversão ou interrupção da trajetória de queda dos principais indicadores antecedentes acompanhados pelo FMI (Índice dos Gerentes de Compras, produção industrial e volume do comércio global).
Essa trajetória abrangeu tanto as economias avançadas, como as emergentes e em desenvolvimento, embora em ritmos diferenciados. Nos dois grupos, as expectativas foram abaladas pelo clima de incerteza política associado a um conjunto de iniciativas políticas ou à não-resolução de temas contenciosos, quais sejam, a disputa comercial entre Estados Unidos e China, as negociações do Brexit, as discussões sobre o orçamento italiano, as mudanças na orientação de política no México com a posse do governo esquerdista de López Obrador e a política dos Estados Unidos em relação ao Irã.
No âmbito das economias avançadas, o desaquecimento da produção industrial (especialmente de bens de capital) foi maior do que o esperado em outubro de 2018, não abrangendo somente os Estados Unidos. De acordo com o FMI, além da esperada reversão cíclica de economias que estariam crescendo acima do seu produto potencial, as incertezas em relação às tensões no comércio internacional e aos efeitos da normalização da política monetária afetaram negativamente as expectativas. O comércio global também registrou uma expressiva desaceleração já sob o efeito das novas tarifas de importação impostas pelos Estados Unidos sobre um conjunto de produtos chineses.
Na área do euro, uma combinação de fatores afetou negativamente a atividade econômica, dentre os quais: a deterioração da confiança dos consumidores e das empresas; atrasos na produção industrial alemã devido à introdução de novas normas de emissão para os automóveis com motor a diesel; os protestos dos “coletes amarelhos” na França que comprometeram as vendas de varejo e; a contenção dos investimentos associada à probabilidade crescente atribuída à um Brexit sem acordo (no-deal Brexit).
Neste contexto, após a forte aceleração em 2016 e 2017, as exportações da região do euro desaceleraram significativamente ao longo de 2018, devido, em grande parte, ao menor dinamismo do comércio intra-regional, o que contribuiu para deteriorar ainda mais as expectativas. A economia japonesa foi afetada por desastres naturais e a britânica pelas incertezas em relação do Brexit. Em contrapartida, a economia americana sustentou seu desempenho robusto ancorado no crescimento do consumo e num mercado de trabalho muito aquecido, embora o investimento tenha dado sinais de desaquecimento no segundo semestre de 2018.
Nas economias emergentes e em desenvolvimento, a redução do dinamismo também foi praticamente generalizada associada à deterioração das condições financeiras globais e a eventos específicos em alguns países, com destaque para a China, que exerce uma influência decisiva no desempenho desse grupo. A economia chinesa desacelerou de 6,8% no primeiro semestre para 6,0% no segundo semestre de 2018 em função de dois fatores.
Na China, por um lado, o investimento, especialmente em infraestrutura, perdeu dinamismo como reflexo, em grande medida, de medidas regulatórias para conter o endividamento e as atividades financeiras informais (em inglês, a shadow financial intermediation). Por outro lado, as exportações foram afetadas no segundo semestre pela entrada em vigor das novas tarifas alfandegárias adotadas pelos Estados Unidos. Consequentemente, as importações chinesas arrefeceram, com impactos negativos nos parceiros comerciais da Ásia e da Europa.
Nas demais economias, vale mencionar as políticas restritivas adotadas pela Argentina e Turquia em resposta aos desequilíbrios externo e fiscal, o impacto negativo de medidas do novo governo mexicano (como o recuo nas reformas nos setores energético e educacional) sobre as expectativas e os spreads soberanos e as tensões geopolíticas no Oriente Médio.
Neste contexto de desaceleração da produção e do comércio globais, os preços das commodities recuaram, em função, sobretudo, da queda da cotação do Petróleo, para a qual também contribuíram alguns fatores excepcionais (como a suspensão temporária das sanções americanas sobre as exportações do Irã para alguns países e a produção recorde nos Estados Unidos).
Contudo, essa trajetória se interrompeu no início de 2019 como reflexo do corte de produção em alguns países. O índice de preços dos metais foi pressionado no primeiro semestre de 2018 pelo menor dinamismo da economia chinesa e pelas tensões comerciais, mas reagiu a partir de agosto de 2018 com os estímulos fiscais na China, interrupções localizadas na oferta e a melhora nas expectativas nos mercados financeiros no início de 2019 (detalhado a seguir). Já o índice de preços das commodities agrícolas registrou uma ligeira alta
Como destaca o FMI, apesar do aumento da importância do setor de serviços na atividade econômica global, os preços das commodities continuam sendo um importante indicador antecedente dessa atividade em função de dois principais fatores. Por um lado, as commodities ainda representam 17% do comércio global e são insumos fundamentais da produção industrial. Por outro lado, como elas podem ser estocadas, seus preços refletem a demanda atual e esperada, assim como no caso dos ativos financeiros. Como várias commodities são negociadas em mercados líquidos e profundos (à vista e futuros), seus preços podem reagir rapidamente às mudanças nas condições financeiras.
A queda do preço do petróleo contribuiu para manter a inflação ao consumidor moderada nas economias avançadas. Na maioria dos países desse grupo, o núcleo da inflação (que exclui os preços dos alimentos e combustíveis) continua abaixo da meta estabelecida pelos respectivos bancos centrais apesar da aceleração da atividade econômica nos dois últimos anos.
Mesmo nos Estados Unidos e no Reino Unido, onde os salários registraram altas mais expressivas num contexto de baixo desemprego, o núcleo da inflação está próximo, mas ainda inferior à meta de 2%. Com o crescimento dos salários próximo ao da produtividade, o custo unitário do salário permanece contido de forma geral, assim como as expectativas de inflação. Neste último caso, houve inclusive redução em algumas economias, coerentemente com o ambiente de desaquecimento.
No caso das Economias emergentes e em desenvolvimento, a inflação ao consumidor também está em trajetória benigna, mas o desempenho foi heterogêneo entre os países. Na Turquia e Argentina, os preços ao consumidor foram pressionados pelo pass-through das depreciações cambiais, que neutralizou em parte o efeito baixista da queda dos preços das commodities. Em contrapartida, em algumas economias ela está abaixo da meta graças ao efeito benigno dessa queda e/ou à fraca atividade econômica (por exemplo, Indonésia e Brasil, respectivamente). Na China, o núcleo da inflação do consumidor permanece inferior a 2,0% diante da moderação do nível de atividade.
No se que refere às condições monetárias e financeiras nas economias avançadas, houve uma significativa deterioração no final de 2018 (evidenciada pela queda dos preços das ações e alta dos spreads, sobretudo dos títulos de alto rendimento) associada a um conjunto de fatores, dentre os quais se destacam: sinais de moderação da atividade econômica global; incertezas em relação do ritmo de aperto monetário nos Estados Unidos; resultados menos favoráveis dos lucros corporativos; aumento da probabilidade de uma saída sem acordo do Reino Unido da União Europeia (o já mencionado non-deal Brexit); notícias sobre medidas de estímulo à atividade econômica e fornecimento de liquidez na China, acendendo o sinal de alerta para uma possível desaceleração maior do que a esperada pelo governo.
A partir do final de janeiro, essas condições se distenderam como reflexo, principalmente, da mudança na postura do banco central americano em relação à trajetória da sua taxa de juros básica: em janeiro, o Fed sinalizou um ritmo paciente e flexível de normalização monetária e em março anunciou a pausa nessa trajetória em 2019.
Contribuíram igualmente para a redução da aversão aos riscos e melhora do sentimento nos mercados financeiros a mudança na mesma direção (mais acomodatícia) da orientação da política monetária em outros países desse grupo (área do Euro, Japão e Reino Unido) e o avanço nas negociações entre China e Estados Unidos sobre as tarifas alfandegárias. Neste contexto, os rendimentos dos títulos soberanos (inclusive os italianos) e privados (especialmente de maior risco) cederam e os preços das ações voltaram a subir. Contudo, em março essas condições continuavam um pouco mais restritivas do que em outubro de 2018.
No caso das economias emergentes e em desenvolvimento, as condições financeiras também estão mais apertadas do que em outubro de 2018, mas a heterogeneidade é maior do que nas economias avançadas em função de fatores específicos de natureza econômica e/ou política.
Por exemplo, em alguns países (Chile, México, Indonésia, Filipinas e África do Sul), os bancos centrais iniciaram uma nova fase de elevação das respectivas taxas de juros básicas diante do receio de aumento da inflação em decorrência da alta do preço do petróleo até meados de 2018 e/ou da depreciação cambial. Já na China as condições de liquidez no mercado interbancário foram afrouxadas.
No México e no Brasil, o resultado das eleições presidenciais teve efeitos opostos em linha com a convenção vigente nos mercados financeiros, respectivamente: clima de pessimismo e otimismo diante da vitória dos candidatos de esquerda e de direita (López Obrador e Bolsonaro). Na Argentina e Turquia, os spreads cederam ligeiramente após a adoção das políticas de ajuste, mas seguem em patamares elevados.
Finalmente, diante do alívio das condições financeiras internacionais a partir de janeiro, os fluxos de capitais para esse grupo de economias aumentaram no primeiro bimestre de 2019 após a forte queda registrada no segundo e terceiro trimestre de 2018. Os investimentos de portfólio nos fundos de ações tiveram o melhor desempenho, impulsionando as cotações nos mercados locais.
Bibliografia
IMF (2019) World Economic Outlook, april. Washington D.C.: International Monetary Fund. Disponível em: http://www.imf.org.
IMF (2018) World Economic Outlook, oct. Washington D.C.: International Monetary Fund. Disponível em: http://www.imf.org.
World Bank (2019) Global Economic Prospects. Washington D.C.: World Bank Group. Disponível em : http://www.worldbank.org.
OECD (2019) OECD Interim Economic Outlook Projections, mar. Disponível em : http:/www.oecd.org.