Carta IEDI
Desaceleração para 2019 e incertezas para 2020
Os cenários divulgados recentemente por instituições multilaterais sinalizam perspectivas menos favoráveis para o desempenho econômico global em 2019. A projeção do FMI foi reduzida de 3,2% em julho para 3,0% em outubro, aproximando-se do percentual de 2,9% estimado pela OCDE. Já a Unctad se mostrou ainda mais pessimista, apontando para um crescimento mundial de apenas 2,3%.
Diante do cenário de incertezas para a economia global, as estimativas de expansão do PIB para 2020 são menos convergentes. O FMI projeta uma melhora em relação a 2019, com a taxa de crescimento subindo para 3,4%. Em contrapartida, a OCDE espera mais do mesmo ao indicar um dinamismo de 3,0% em 2020.
Ou seja, entre estas grandes instituições multilaterais é o FMI que aparece como mais otimista, mas mesmo assim, se suas projeções vierem a se realizar, o crescimento da atividade econômica mundial será o menor desde 2009. Isso em muito devido ao “carry-over” (herança estatística) da desaceleração do 2º sem/18 e a despeito das políticas monetárias acomodatícias no 1º sem/19 que permitiram alguma reação moderada do PIB global.
Ao que tudo indica, 2019 será mesmo o segundo ano consecutivo de perda de dinamismo em âmbito global. Na sua origem estão fatores originados nas economias avançadas e nas economias de mercado emergente e em desenvolvimento (EMEDs). Seu denominador comum é a forte desaceleração do comércio internacional.
De uma alta de 3,6% em 2018 o comércio mundial desacelerou para 1,1% em 2019, como reflexo de novos aumentos das tarifas de importação pelos Estados Unidos e pela China em maio e agosto. Foi este o principal fator responsável pela revisão para baixo do crescimento previsto pelo FMI.
No âmbito das economias avançadas, o crescimento será de 1,7% em 2019 segundo o Fundo, retornando ao patamar de crescimento de 2016, após sustentar uma taxa de 2,3% no biênio 2017-2018. A área do euro é a principal responsável por esse resultado, o impacto do enfraquecimento da demanda externa e da atividade industrial desde meados do ano passado. No Reino Unido, o principal problema continua sendo as incertezas em relação ao Brexit, mas também o menor crescimento global. O FMI assume que ocorrerá uma saída ordenada do país da União Europeia
Os EUA, por sua vez, também registrarão recuo no ritmo de crescimento econômico, diante da mudança da orientação da política fiscal (de expansionista para neutra) e do impacto negativo das tensões comerciais. O Japão será a único país desenvolvido que não sofrerá desaceleração, mas o seu dinamismo permanecerá modesto, sustentado pelo consumo privado e gasto público, num contexto de baixa expansão das exportações.
Quanto aos países emergentes e em desenvolvimento, a desaceleração deve ser tão intensa quanto nos países ricos, ao passarem de uma alta do PIB de 4,5% em 2018 para 3,9% em 2019. O cenário sofreu deterioração em decorrência da revisão para baixo do desempenho de todas regiões, com exceção da Europa emergente e em desenvolvimento (devido ao desaquecimento menor do que o esperado na Turquia).
Foi na América Latina e Caribe que o cenário mais piorou. Em abr/19, o FMI esperava que a região crescesse 1,4% em 2019, mas na sua revisão de out/19 aponta para uma virtual estagnação: +0,2%. Isso implica uma importante desaceleração, já que em 2018 a alta foi de 1%. São os resultados frustrantes do Brasil e do México que levaram a este quadro menos favorável.
No caso do Brasil, a projeção atual do FMI é de recuo da taxa de crescimento de 1,1% em 2018 para 0,9% em 2019, devido principalmente ao impacto adverso do desastre de Brumadinho. Em sua projeção de abr/19, o Fundo esperava que o Brasil crescesse 2,1% em 2019. No caso do México, a estimativa de apenas +0,4% reflete o investimento anêmico e a desaceleração do consumo num ambiente de incerteza política, baixa confiança e alto endividamento.
Outros países latino-americanos também não devem se sair bem. Para o Chile é prevista uma desaceleração e para Argentina e Venezuela, uma retração de suas economias. Uma hipótese subjacente ao cenário atual é a queda dos preços das commodities no biênio 2018-2019.
Assim, a Ásia emergente e em desenvolvimento continua sendo a principal responsável pelo crescimento da economia global, mas nem por isso escapará de um menor dinamismo 2019: 5,9% contra 6,4% em 2018. Esse cenário decorre, sobretudo, da menor expansão prevista para a China (6,1% contra 6,6% em 2018) associada à combinação de regras mais rígidas de regulação financeira com o menor dinamismo das exportações.
Para a projeção de 2020, o FMI conta com a postura acomodatícia dos bancos centrais, medidas de estímulo na China e retomada gradual da produção industrial na Europa sob a hipótese de que não ocorrerá um Brexit sem acordo. Mais de 70% da aceleração do crescimento do PIB global para 3,4% em 2020 ficará a cargo da melhora da situação econômica no Brasil, México, Rússia, além de Argentina, Turquia, Irã e Venezuela. Ou seja, muito do otimismo relativo do Fundo deve-se a países emergentes, notadamente da América Latina.
A possibilidade uma escalada adicional da guerra comercial entre EUA e China é a primeira fonte de risco subjacente ao viés negativo para os cenários de 2019 e 2020. Se essas tensões se agravarem, o impacto adverso sobre o investimento pode aumentar, resultando em rupturas nas cadeias globais de valor e menores difusões de tecnologia, com consequentes prejuízos em termos de produtividade e crescimento no médio prazo.
Embora este viés já estivesse presente, o número de fontes de risco aumentou significativamente, quais sejam:
1. Redução da demanda por serviços de logística, finanças e comércio atacadista, que ainda se mantém aquecida, num contexto de fragilização adicional da atividade manufatureira global;
2. Abrupto colapso do otimismo nos mercados financeiros mesmo num ambiente de políticas monetárias frouxas, que pode trazer à tona vulnerabilidades financeiras acumuladas durante anos de baixas taxas de juros e crescimento econômico modesto;
3. Continuidade do processo de acúmulo dessas vulnerabilidades associada à manutenção desse ambiente devido a moderadas ou mesmo inexistentes pressões inflacionárias;
4. Possíveis ataques cibernéticos (cyberattacks) que podem levar à ruptura dos sistemas de pagamento interfronteiras e do próprio comércio global;
5. Retorno do risco de deflação, que pode aumentar o custo real do serviço das dívidas (comprometendo o investimento corporativo) e possibilitar a manutenção das taxas de juros baixas, limitando a capacidade de ação anticíclica da política monetária em resposta a choques adversos;
6. Incertezas políticas, conflitos e tensões geopolíticas, que aumentaram após o ataque às refinarias de petróleo na Arábia Saudita.
7. Mudança climática, que pode causar situações catastróficas e prolongada queda do crescimento em alguns países diante da insuficiência das estratégias tanto multilaterais como domésticas vigentes na direção de uma economia de baixo carbono.
Diante desse cenário de alta incerteza, o FMI destaca que a retomada da cooperação multilateral em diversas frentes (comércio e tecnologia, taxação internacional, reforma da regulação financeira internacional e mudança climática) é fundamental para lidar com os desafios de curto e longo prazo que ameaçam a sustentabilidade e abrangência do crescimento global.
Em âmbito doméstico, O FMI recomenda orientação expansionista das políticas macroeconômicas, o que não deve se restringir à política monetária. Nos países onde há espaço fiscal e o crescimento desacelerou de forma expressiva, o Fundo defende uma política fiscal ativa, incluindo aumento dos investimentos públicos em infraestrutura e em qualificação de mão-de-obra.
Introdução
Esta carta IEDI apresenta o cenário atual para a economia global em 2019 e 2020 do Fundo Monetário Internacional (FMI), divulgado no Panorama da Economia Mundial de outubro de 2019 (World Economic Outlook - WEO).
A título de comparação, as projeções de outras duas instituições multilaterais: a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), divulgadas em setembro de 2019 também serão mencionadas.
A primeira seção apresenta os três cenários e detalha as projeções do FMI. A segunda seção sintetiza as informações sobre o desempenho da atividade econômica mundial nos últimos doze meses, subjacentes a esse cenário.
Cenários para a economia global
Os cenários divulgados recentemente pelas instituições multilaterais sinalizam perspectivas mais sombrias para o desempenho econômico global em 2019. A projeção do FMI do WEO de outubro de 2019 é de uma expansão de 3,0% contra 3,2% de sua projeção em julho deste ano. Assim, o cenário do FMI se aproximou do percentual de 2,9% estimado pela OCDE. Já a Unctad mostra-se bem mais pessimista, apontando para um crescimento de apenas 2,3% do PIB mundial. Face às incertezas para 2020, os cenários do FMI e da OCDE são menos convergentes, indicando uma expansão de, respectivamente, 3,4% e 3,0%.
Mesmo considerando a projeção mais otimista do FMI, o crescimento da atividade econômica mundial será o menor desde 2009. Esse resultado está associado ao chamado “carry-over” (herança estatística) da desaceleração generalizada do segundo semestre de 2018, que foi compensada parcialmente pela retomada moderada nos primeiros seis meses de 2019 num contexto de políticas monetárias mais acomodatícias.
Também vale destacar que 2019 será o segundo ano consecutivo de desaceleração da economia global, que se intensificou na passagem de 2018 para 2019. De acordo com o Fundo, a perda de dinamismo nesse biênio decorre de uma conjunção de fatores originados nas economias avançadas e principalmente, nas economias de mercado emergente e em desenvolvimento (EMEDs).
No âmbito das economias avançadas, o crescimento deve desacelerar para 1,7% em 2019 (ligeiramente inferior às estimativas anteriores). Com isso, esse grupo retornará ao patamar de crescimento de 2016, após sustentar uma taxa de 2,3% no biênio 2017-2018.
A área do euro é a principal responsável por esse resultado. Seu ritmo de expansão recuará de 1,9% para 1,2% sob o impacto negativo do menor dinamismo da demanda externa e da atividade industrial sobre o crescimento desde meados de 2018. A Alemanha enfrentará a maior desaceleração do crescimento (+1,0 p.p.) devido não somente à forte dependência das exportações, mas também ao maior impacto sobre a produção automobilística dos novos padrões de emissão de poluentes adotados pela área do euro (ver próxima seção). A perda de ritmo da economia italiana será ligeiramente inferior (+0,9 p.p) num contexto de pequeno impulso fiscal e consumo privado tépido. A previsão é de uma recuperação tímida no resto do corrente ano e em 2020 (para 1,4%) associada ao aumento das exportações num contexto de melhora, mesmo que modesta, do desempenho do comércio internacional, e de dissipação de fatores negativos, dentre os quais desse impacto.
Após a área do euro, a economia americana registrará o segundo maior recuo na taxa de crescimento, de 2,9% em 2018 para 2,4% em 2019. As hipóteses subjacentes são: a mudança na política fiscal, de uma orientação expansionista em 2019 para neutra em 2020 na medida em que os estímulos do acordo bianual sobre o orçamentário neutralizarão o esgotamento dos efeitos do corte de impostos de 2017; o impacto negativo das incertezas em relação às tensões comerciais com a China; e a manutenção da taxa de juros básica em patamar reduzido. Em 2020, a previsão é de uma nova desaceleração, para 2,1%, ritmo mais próximo do normal para essa economia, de acordo com o FMI
No Reino Unido, a atividade econômica também perderá dinamismo, mas em menor intensidade, de 1,4% em 2018 para 1,2% em 2019. Contribuirão nesse sentido os efeitos negativos do menor crescimento global e das incertezas em relação ao Brexit, que serão atenuados pelo efeito positivo do aumento anunciado dos gastos públicos na revisão recente do orçamento. A projeção assume que ocorrerá uma saída ordenada da União Europeia, seguida por uma gradual transição para o novo regime. Neste contexto, o crescimento retornará ao patamar de 1,4% em 2021.
A economia nipônica será a única entre suas congêneres que não sofrerá desaceleração, contudo o avanço no seu ritmo de expansão será modesto (de 0,8% em 2019 para 0,9% em 2020), sustentado pelo vigor do consumo privado e do gasto público num contexto de baixo dinamismo das exportações (diante da forte desaceleração do comércio internacional). Contudo, o crescimento recuará para 0,5% em 2020, com o esgotamento dos efeitos favoráveis das medidas fiscais temporárias adotadas para mitigar o declínio esperado dos gastos das famílias após o aumento do imposto sobre o consumo em outubro de 2019.
Já as EMEDs devem desacelerar de 4,5 em 2018 para 3,9% em 2019, ou seja, na mesma intensidade das economias avançadas (+0,6 p.p), mas com aceleração em 2020 para 4,6%. O cenário para os dois próximos anos sofreu deterioração em relação aos vigentes em abril e julho em decorrência da revisão para baixo do desempenho de todas regiões, com exceção da Europa emergente e em desenvolvimento.
No caso da Europa emergente e em desenvolvimento, a previsão de crescimento foi revista duas vezes para cima, passando de 0,8% em abril para 1,8% em outubro. Mesmo assim, a perda de dinamismo em relação ao crescimento de 3,1% em 2018 será expressiva. Essa revisão decorreu do desaquecimento menor do que o esperado na Turquia associado a estímulos fiscais.
Em contrapartida, a projeção de crescimento da Rússia foi reduzida de 1,6% em abril para 1,1% em outubro que, se confirmada, significará um recuo de 1,2 p.p. frente à 2018. Entretanto, vários países da região, como Hungria e Polônia, estão experimentando um crescimento sólido ancorado na demanda doméstica robusta e crescimento dos salários, que deve se sustentar em 2020, contribuindo para o aumento da taxa de crescimento em 2020 (para 2,5%).
O piora do cenário foi maior para a América Latina e Caribe. Em abril, a previsão era de aceleração do crescimento de 1,0% em 2018 para 1,4% em 2019. No cenário atual, a região ficará praticamente estagnada (+0,2%) no corrente ano. A revisão decorreu das perspectivas mais pessimistas para suas duas principais economias.
No caso do Brasil, a projeção em abril de um ganho de dinamismo na passagem de 2018 para 2019 (1,1% para 2,1% em 2019) foi substituída por uma estimativa de 0,9%. O Fundo atribui essa revisão ao impacto adverso do rompimento da barragem de Brumadinho sobre a produção de minério-de-ferro e, com isso, sobre a atividade econômica (embora outros fatores tenham contribuído para o desempenho decepcionante da economia brasileira no primeiro semestre de 2019).
O cenário para o México (0,4% em 2019) sofreu deterioração na mesma intensidade (+0,9 p.p) diante do investimento anêmico e da desaceleração do consumo num ambiente de incerteza política, baixa confiança e alto endividamento. De acordo com o fundo, o desempenho decepcionante da região também decorre da perda de dinamismo no Chile e da retração das economias argentina (em situação de restrição externa) e venezuelana (que ainda enfrenta uma grave crise humanitária).
Para 2020, a projeção é de um aumento no ritmo de expansão da América Latina para 1,8% (contra 2,4% em abril), ancorado na melhora do desempenho das economias brasileira (num contexto de política monetária acomodatícia) e mexicana (com a redução da incerteza), bem como numa menor contração na Venezuela e na Argentina. Uma hipótese subjacente ao cenário atual, que afeta negativamente toda região, é a queda dos preços das commodities energéticas e não-energéticas no biênio 2018-2019.
A Ásia emergente e em desenvolvimento, por sua vez, continua sendo a principal responsável pelo crescimento da economia global, mas também registrará menor dinamismo 2019 (de 6,4% em 2018 para 5,9% em 2019). Esse cenário decorre, sobretudo, da menor expansão prevista para a China (6,6% para 6,1%) associada à combinação de regras mais rígidas de regulação financeira (para conter o endividamento) com o menor dinamismo das exportações em função do aumento das tarifas e da demanda externa mais fraca. A hipótese subjacente é de que as políticas de estímulo continuarão mitigando o impacto adverso da desaceleração do comércio mundial em 2019 sobre a economia chinesa, que deve crescer 5,8% em 2020.
A redução do ritmo de expansão da economia indiana, de 7,0% em 2018 para 6,1% em 2019 (mesmo patamar da China), também está subjacente ao cenário do FMI. Neste caso, a revisão em relação ao WEO de abril foi expressiva (previsão de aceleração para 7,3%) e decorreu da piora no desempenho esperado para a demanda doméstica. Contribuirão para sustentar o crescimento o afrouxamento da política monetária, a redução do imposto de renda das pessoas jurídicas e programas governamentais de apoio ao consumo rural.
No cenário básico do FMI, a forte deterioração das condições macroeconômicas em algumas EMEs (em especial, Argentina, Turquia, Irã e Venezuela) foi responsável pela metade da redução do crescimento global de 3,8% em 2017 para 3,0% em 2019. Em contrapartida, essas mesmas economias, ao lado de Brasil, México e Rússia, serão responsáveis por mais de 70% da aceleração do crescimento para 3,4% em 2020. Contribuirá nesse sentido a postura acomodatícia dos bancos centrais, as medidas de estímulo na China e a retomada gradual da produção industrial na Europa sob a hipótese de que não haverá uma escalada adicional da guerra comercial entre as duas maiores potências econômicas e um Brexit sem acordo.
A revisão para baixo da projeção do FMI para o crescimento da economia global em 2019, em relação às projeções de abril e julho, decorreu exatamente de uma nova rodada de anúncios de aumentos das tarifas de importação pelos Estados Unidos e pela China em maio e agosto. Com isso, a tarifa média americana incidente sobre produtos chineses ultrapassará de 24% (contra o percentual de 12,5% previsto no WEO de abril), enquanto a tarifa média chinesa sobre as importações dos Estados Unidos atingirá 26%.
No cenário atual do Fundo, os efeitos negativos desse acirramento do protecionismo sobre a confiança dos empresários, os mercados financeiros e a produtividade mais do que neutralizarão os eventuais impactos positivos do desvio de comércio sobre alguns países, que são temporários.
A possibilidade de intensificação adicional das tensões comerciais e entre empresas de alta tecnologia é a primeira fonte de risco subjacente ao viés negativo do balanço de riscos para os cenários de 2019 e 2020. Embora desde o WEO de outubro esse viés seja o mesmo, o número de fontes de risco aumentou significativamente.
A incerteza em relação às políticas comerciais não se restringe ao conflito Estados Unidos-China. Japão e Coréia do Sul também adotaram procedimentos mais rígidos nas respectivas exportações. De acordo com o FMI, se essas tensões se agravarem, o impacto adverso sobre o investimento pode aumentar, resultando em deslocamento das cadeias globais de valor e menores difusões de tecnologia, com consequentes prejuízos em termos de produtividade e crescimento no médio prazo. Os dados mais recentes das matrizes insumo-produto mostram inter-relações tecnológicas ainda mais intensas, como a maior dependência de setores intensivos em tecnologia dos Estados Unidos de importações chinesas.
A consequente fragilização adicional da atividade manufatureira global pode ameaçar o desempenho até agora resiliente do setor de serviços, especialmente nas economias avançadas (ver próxima seção). A segunda fonte de risco refere-se exatamente à redução da demanda pelos serviços de logística, finanças e comércio atacadista neste contexto, o que pode interromper o círculo virtuoso entre crescimento do emprego, confiança do consumidor e consumo, afetando serviços pessoais (como comércio varejista e serviços médicos), com repercussões negativas adicionais sobre o mercado de trabalho.
A terceira fonte de risco é um abrupto colapso do otimismo nos mercados financeiros mesmo num ambiente de políticas monetárias frouxas e condições financeiras favoráveis em várias economias. Nos últimos meses, o acirramento das tensões comerciais entre China e Estados Unidos desencadeou um súbito aumento da aversão aos riscos e uma fuga para ativos seguros. Potenciais gatilhos para novos episódios desse tipo continuam presentes, dentre os quais:
• a prolongada incerteza em relação à orientação da política fiscal;
• a deterioração das condições financeiras em alguns países altamente endividados;
• a intensificação das fragilidades nas grandes EMEs em processo de ajustamento macroeconômico;
• um Brexit sem acordo;
• uma desaceleração maior do que a esperada na China devido às tensões comerciais e à necessidade de fortalecimento da regulação financeira.
Uma redução abrupta do apetite por riscos nesses mercados pode trazer à tona vulnerabilidades financeiras acumuladas durante anos de baixas taxas de juros e crescimento econômico tímido já que devedores altamente alavancados podem se deparar com dificuldades de refinanciar suas dívidas. Outro evento provável neste contexto é uma reversão dos fluxos de capitais das EMEDs, com efeitos adversos sobre esse grupo de países.
A continuidade do processo de acúmulo de vulnerabilidades financeiras é a quarta fonte de risco. As moderadas ou mesmo inexistentes pressões inflacionárias permitiram o afrouxamento das políticas monetárias diante do aumento dos riscos de desaceleração do crescimento. Essas ações somadas às mudanças das expectativas dos mercados em relação à condução futura da dessas políticas, contribuíram para a melhora das condições financeiras. Enquanto este contexto pode favorecer a demanda agregada e o emprego, ele também pode levar a uma subestimação dos riscos e ao surgimento de vulnerabilidade financeiras adicionais na ausência de respostas regulatórias e de supervisão suficientes.
A quinta fonte de risco também tem sua origem nos mercados financeiros e se refere aos possíveis ataques cibernéticos (cyberattacks) à infraestrutura financeira, que podem levar à ruptura dos sistemas de pagamento interfronteiras e o próprio comércio global.
A sexta fonte de risco é o retorno das pressões deflacionárias provocado pelo menor crescimento e pela redução do núcleo de inflação nas economias avançadas e nas EMEs. As expectativas de manutenção da inflação baixa podem aumentar o custo real do serviço das dívidas, comprometendo o investimento corporativo. Além desse efeito direto, ao possibilitar a manutenção das taxas de juros baixas, este contexto também limita a capacidade da política monetária de estimular a economia frente a choques adversos. Com isso, o crescimento pode se manter persistentemente.
A sétima fonte de risco refere-se às tensões geopolíticas, incertezas políticas e conflitos. Mudanças na orientação de política em alguns países e a alta incerteza em relação a reformas têm constrangido o investimento e o crescimento. Ao mesmo tempo, alguns riscos geopolíticos apontados nos WEOs anteriores aumentaram, caso das tensões no oriente médio após o ataque às refinarias de petróleo na Arábia Saudita.
Estes fatores isoladamente podem ter impacto somente nos países diretamente afetados, mas em combinação com outros fatores (como o acirramento das tensões comerciais e a deterioração das condições financeiras globais), podem contaminar as expectativas, tendo implicações negativas para o crescimento global. Adicionalmente, conflitos civis em vários países aumentam o risco de custos humanitários, tensões migratórias em países vizinhos e, somadas às tensões geopolíticas, podem acirrar a volatilidade dos preços das commodities.
A mudança climática é a oitava e última fonte de risco, segundo o FMI. O Fundo destaca que a mitigação das graves ameaças à saúde e meios de subsistência em vários países requer uma transição rápida para uma economia de baixo carbono. Todavia, estratégias domésticas nessa direção não têm sido bem-sucedidas em obter amplo apoio da população, enquanto a cooperação internacional está pulverizada com vários grandes emissores declinando em participar.
Diante dessas incertezas, o clima pode se aquecer numa maior velocidade, provocando situações catastróficas e prolongada queda do crescimento em alguns países. A mudança climática pode igualmente acentuar a desigualdade mesmo nos países avançados que têm maior capacidade de adaptação.
Face a esse cenário de alta incerteza, altamente vulnerável a choques adversos de diferentes naturezas, o FMI destaca que a retomada da cooperação multilateral é fundamental para lidar com os desafios de curto e longo prazo que ameaçam a sustentabilidade e abrangência do crescimento global. As áreas prioritárias são: comércio e tecnologia, taxação internacional, reforma da regulação financeira internacional e mudança climática.
No âmbito doméstico, a recomendação é de manutenção da orientação expansionista das políticas macroeconômicas, mas que não deve se restringir à política monetária. O Fundo destaca que nos países onde há espaço fiscal e o crescimento desacelerou de forma expressiva, uma política fiscal ativa deve ser adotada, incluindo aumento dos investimentos públicos em infraestrutura e em qualificação de mão-de-obra.
Desempenho recente da economia global
Ao longo dos doze últimos meses (outubro de 2018 a outubro de 2019), o crescimento da atividade econômica global sofreu forte desaceleração. Nas economias avançadas, a redução do ritmo de expansão afetou tanto as principais economias (especialmente Estados Unidos e área do euro), como as chamadas novas economias avançadas da Ásia (Coréia do Sul, Hong Kong, Singapura e Taiwan). Essa redução foi ainda mais pronunciada nas EMEDs.
Um denominador comum desse desempenho foi a expressiva e generalizada perda de dinamismo da atividade industrial provocada por um conjunto de fatores, dentre os quais:
• queda das vendas e da produção da indústria automobilística em decorrência da menor demanda na China com o fim de incentivos fiscais e do ajustamento das linhas de produção aos novos padrões de emissão de poluentes na área do euro;
• menor confiança dos empresários no contexto das crescentes tensões entre Estados Unidos e China envolvendo fluxos de comércio e empresas de alta tecnologia, que tiveram impacto sobretudo sobre o preço dos insumos intermediários e a produção de bens de capital;
• desaceleração da demanda na China associada à adoção de medidas de regulação financeira para conter o endividamento.
O menor ritmo de expansão da produção industrial contaminou o desempenho do comércio global, cujo volume no primeiro semestre de 2019 cresceu somente 1,0% frente ao mesmo período do ano anterior (menor percentual para um período de seis meses desde 2012). Em termos regionais, os maiores responsáveis por esse desempenho foram a China, Leste da Ásia e algumas EMEs enfrentando dificuldades econômicas. Do ponto de vista dos componentes da demanda agregada, a desaceleração desse comércio decorreu, sobretudo, da redução dos gastos de investimento (assim como no biênio 2015-2016), altamente intensivo em bens intermediários e de capital. Também contribuiu para esse desempenho a queda na produção e vendas de automóveis.
Na China, país com a maior taxa de investimento no mundo, a desaceleração das importações foi maior do que dos investimentos devido ao menor crescimento das exportações (intensas em produtos importados) e da queda na demanda de automóveis e de produtos eletrônicos, como smartphones.
Em contrapartida, o setor de serviços (que responde pela maior parte da atividade econômica) manteve o dinamismo, com reflexos positivos sobre o emprego, a confiança dos consumidores e, consequentemente, o consumo das famílias por serviços. Esse círculo virtuoso contribuiu para sustentar a demanda doméstica em várias economias avançadas e, assim, estabilizar o crescimento nesse grupo de países no primeiro semestre de 2019, após uma forte desaceleração no semestre anterior.
A economia americana caminhou para um ritmo de crescimento mais suave (2,0% anualizado) com a dissipação dos efeitos positivos do corte de impostos em 2018. No Reino Unido, as incertezas em relação ao Brexit contiveram os investimentos. Já na área do euro, o crescimento acelerou frente ao segundo semestre de 2018 ancorado na demanda doméstica, mas a economia alemã contraiu no segundo trimestre em função da queda da produção industrial num contexto de baixo dinamismo das exportações. O Japão registrou forte crescimento puxado pelos consumos privado e público.
No casos das EMEDs, os dados preliminares indicam uma retomada modesta na primeira metade do corrente ano, mas bem abaixo do patamar de 2017 e início de 2018. Na China, medidas de estímulo fiscal e um pequeno alívio no ritmo de reforço da regulação financeira (em curso desde o segundo semestre de 2018) favoreceram o crescimento. Já na Índia a desaceleração intensificou-se no segundo trimestre devido ao menor dinamismo em alguns setores (como o automobilístico e imobiliário) e incertezas em relação à saúde de instituições financeiras.
Na América Latina, a economia mexicana reduziu seu ritmo de expansão já no primeiro trimestre num ambiente de alta incerteza política. Na Argentina, a contração do PIB teve continuidade no primeiro semestre, embora em menor velocidade. No Brasil, em contrapartida, o crescimento foi retomado no segundo trimestre após a retração no trimestre anterior devido ao desastre em Brumadinho. O desempenho da economia turca também melhorou num contexto de estímulos creditício e fiscal e condições financeiras globais mais favoráveis.
No que se refere ao desempenho da inflação, a expansão global sincronizada entre meados de 2016 e de 2018 resultou na redução do hiato do produto, especialmente nas economias avançadas, mas não gerou pressões duradouras sobre o núcleo dos índices de preços ao consumidor. Como era de se esperar, com a desaceleração em curso desde o segundo semestre do ano passado, a inflação deslizou para patamares ainda mais distantes das metas nessas economias e para percentuais abaixo das médias históricas em várias EMEDs. Foram poucas as exceções, dentre as quais a Argentina (em função da expressiva depreciação cambial) e a Venezuela (devido à escassez de bens essenciais).
O comportamento benigno da inflação também está associado à inexistência de pressões de custo generalizadas, apesar da alta das tarifas de importação e do crescimento dos salários num contexto de redução das taxas de desemprego (especialmente nos Estados Unidos e Reino Unido). Com isso, a participação dos salários na renda manteve sua trajetória ascendente, iniciada em 2014 no Japão, Reino Unido e Estados Unidos e desde 2018 na área do Euro. De acordo com o FMI, os preços ao consumidor não foram contaminados pelo desempenho dos mercados de trabalho graças à redução modesta das margens de lucro.
A queda dos preços das commodities energéticas e não-energéticas favoreceu, igualmente, esse comportamento. Além do menor dinamismo da economia mundial, fatores específicos afetaram os diferentes mercados. O maior recuo foi registrado nos preços das commodities energéticas (13% entre os meses de referência dos WEOs de abril e outubro) na medida em que a produção maior do que a esperada nos Estados Unidos e a demanda menos dinâmica mais do que contrabalançaram as interrupções na oferta decorrentes das sanções americanas ao Irã, cortes de produção pela OPED e greves na Venezuela. Já as cotações dos metais andaram de lado e dos alimentos caíram ligeiramente no mesmo período.
Em contrapartida, o comportamento dos mercados financeiros tornou-se volátil desde abril como reflexo de vários fatores, cujo efeito líquido foi um alívio nas condições monetárias e financeiras frente à situação vigente quando do fechamento do WEO de abril de 2019.
Por um lado, o acirramento da guerra comercial entre Estados Unidos e a China, o receio do seu impacto sobre as cadeias produtivas dos setores intensivos em tecnologia, a incerteza prolongada em relação ao Brexit e tensões geopolíticas fomentaram ondas de pessimismo.
Por outro lado, a mudança de orientação na política monetária em direção a uma postura mais acomodatícia tornou os investidores mais otimistas. No início do ano, os bancos centrais sinalizaram essa mudança, que foi colocada em prática durante o verão no hemisfério norte. O Federal Reserve (Fed) cortou sua taxa de juros básica duas vezes consecutivas (em julho e setembro) e interrompeu o encolhimento do seu balanço, enquanto o BCE reduziu a taxa de juros dos depósitos e retomou a política de afrouxamento quantitativo.
Essas iniciativas, somadas ao crescente receio de uma desaceleração econômica global, contribuíram para quedas expressivas dos rendimentos dos títulos soberanos dos países avançados, que, no caso do Japão e Alemanha, entraram no terreno negativo. Já os mercados acionários nos Estados Unidos e Europa perderam um pouco de fôlego, mas continuam num patamar acima do vigente no final de 2018, quando ocorreu uma venda em massa de papéis. O contexto de volatilidade também teve reflexo sobre os mercados cambiais. Considerando as taxas de câmbio real efetivas, o iene, o franco suíço e o dólar americano apreciaram, enquanto a libra e o euro perderam valor entre março e setembro
No caso das EMEDs, a orientação da política monetária também se tornou expansionista. Os bancos centrais de vários países cortaram suas taxas de juros básicas desde abril, dentre os quais Brasil, México, Chile, Índia, Indonésia, Rússia, Turquia e África do Sul. Os spreads soberanos mantiveram-se, em geral, estáveis, com algumas exceções: redução no Brasil (diante do crescente otimismo em relação à aprovação da reforma da previdência) e na Turquia (após as eleições municipais de junho) e alta no México (depois da redução da classificação do risco de crédito por uma agência de rating) e na Argentina (em resposta à vitória do candidato peronista nas eleições primárias).
Já os mercados acionários permaneceram nos patamares de abril na medida em o impacto negativo das tensões comerciais sobre as perspectivas de lucro das empresas foi contrabalançado pelos efeitos favoráveis do afrouxamento praticamente generalizado da política monetária tanto nas economias avançadas como nas EMEs.
No caso dos fluxos de capitais, o efeito líquido desses fatores foi negativo, resultando na redução da exposição dos investidores globais aos títulos desses países. Contudo, de acordo com o FMI, estes continuaram diferenciando as economias de acordo com seus fundamentos políticos e econômicos.
Já as taxas de câmbio se apreciaram entre março e julho na maioria dos países como reflexo da mudança praticamente generalizada na orientação da política monetária, mas o aumento da aversão ao risco nos mercados financeiros em agosto provocou a depreciação de várias moedas, com destaque para o peso argentino.
Bibliografia
IMF (2019) World Economic Outlook, oct. Washington D.C.: International Monetary Fund. Disponível em: http://www.imf.org.
OECD (2019) OECD Interim Economic Outlook Projections, mar. Disponível em : http:/www.oecd.org.
UNCTAD (2019) Trade and Development Report. Disponível em: www.unctad.org.