Carta IEDI
China: repensando as políticas industriais e de inovação
O crescimento econômico chinês tem sido tema de amplo debate internacional, geralmente apontando para a necessidade de transformar os impulsos de investimento em capital físico industrial em impulsos à inovação, e isto em uma era de novas tecnologias e profundas transformações mundiais.
A adaptação da China a esse novo contexto é tema do relatório “Innovative China: new drivers of growth”, produzido pelo Banco Mundial em parceria com o Development Research Center do State Council da China e publicado recentemente. Nesta Carta IEDI, são analisados dois capítulos do referido trabalho, cujos títulos são “Reshaping industrial policies and supporting market competition” e “Promoting innovation and the digital economy”.
Nestes estudos, o Banco Mundial aponta diretrizes de mudanças nas políticas industriais e de inovação chinesas que também podem ser de grande valia para o Brasil. Assume-se que o crescimento vigoroso chinês e o alcance da condição de país com renda per capita elevada resultarão, como é a regra em economias de mercado, da capacidade do país em manter altos ganhos de produtividade por meio da ênfase em inovação.
Nas últimas décadas, a política industrial chinesa assumiu um caráter direcionador e seletivo, o que, em grande medida, ajuda a explicar o sucesso do desenvolvimento industrial do país, estabelecendo um amplo conjunto de setores e empresas. Porém, segundo enfatizam os autores do estudo, uma vez que as políticas industriais estejam em curso, torna-se um desafio ajustá-las ou mesmo abandoná-las diante dos incentivos e da economia política envolvidos.
Na China, já existe forte orientação governamental no sentido de promover ciência, tecnologia e inovação. Entretanto, na visão do Banco Mundial, ainda é necessário promover maior concorrência em alguns setores, de forma que as empresas, sob pressão competitiva, se tornem mais propensas a inovar.
Nessa perspectiva, as sugestões do Banco Mundial compreendem:
• Fomentar maior concorrência no mercado e permitir maior alinhamento entre a formulação da política pelo governo central e sua execução pelos governos locais;
• Promover o setor de serviços sofisticados, particularmente a difusão da economia digital nos diversos subsetores de serviços e seus encadeamentos com a indústria;
• Apoiar o empreendedorismo e melhorar o ambiente de negócios;
• Reformar as empresas estatais e garantir condições de concorrência semelhantes entre as empresas no país.
Ao mesmo tempo, coloca-se a necessidade de refinar o amplo sistema nacional de inovação já existente na China. Sua atuação tem priorizado a descoberta de novas tecnologias e inovações. Complementarmente, o Banco Mundial defende acelerar a difusão dessas inovações no país por meio das políticas e instituições de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).
Em outras palavras, é nítido o forte movimento promovido pela China em termos de ampliar sua capacidade de inovação nos últimos anos, porém, esforços adicionais ainda precisam ser canalizados para melhorar a qualidade e difusão das novas tecnologias, em meio ao contexto de uma economia crescentemente digital.
Para isso, segundo o relatório do Banco Mundial, as estratégias de reformulação do sistema nacional de inovação chinês devem compreender:
• Melhorias em termos de P&D, fomentando desde uma abordagem bottom-up até o fortalecimento de pesquisas básicas e de redes de colaboração para pesquisa;
• Aperfeiçoamento das políticas de propriedade intelectual;
• Aprimoramento na condução e gerenciamento das políticas de inovação, a fim de evitar fragmentação institucional, duplicação e ausência de foco ou prioridade;
• Apoio à difusão das tecnologias digitais;
• Promoção e gerenciamento dos fluxos de dados, o que envolve, entre outros temas, a proteção e regulação de dados pessoais;
• Consolidação da infraestrutura associada às tecnologias de informação e comunicação.
Todos esses aspectos referentes às agendas de política industrial e de inovação integram orientações mais amplas de reformas para a economia chinesa e devem ser articulados em meio a um conjunto de especificidades relacionadas ao país. O intuito é adequar a economia chinesa às transformações colocadas no cenário internacional, ao mesmo tempo em que se modificam seus vetores de crescimento doméstico e o país se consolida como potência global, inclusive como núcleo de geração de novas tecnologias.
Reorientando as políticas industriais chinesas
O desenvolvimento industrial tem se caracterizado como importante elemento dinamizador da economia chinesa, assegurando elevadas taxas de crescimento nas últimas décadas. É notório o amplo e profundo processo de mudança estrutural vivenciado pela China desde 1978. Tal processo também se verifica no sentido de incorporar à estrutura produtiva chinesa setores industriais mais intensivos em tecnologia.
Apesar disso, ainda há enorme potencial de upgrading industrial para a economia chinesa. Nesse sentido, a crescente interação entre serviços e manufatura reside em um elo que pode resultar em novas oportunidades de crescimento. A própria economia digital oferece um potencial significativo para incrementar a produtividade a partir de melhorias nos processos de diversos setores econômicos.
O uso de políticas industriais direcionadas e seletivas foi frequente nas últimas décadas de forte desenvolvimento industrial na China. Contudo, tais políticas industriais também incorrem em desafios, segundo o recente relatório “Innovative China: new drivers of growth”, produzido pelo Banco Mundial em parceria com o Development Research Center do State Council da China e publicado recentemente.
O maior desses desafios, de acordo com os pesquisadores do Banco Mundial, é identificar quando uma política bem-sucedida previamente deve deixar de ser praticada. Uma vez em curso, os incentivos e a economia política associados às políticas industriais dificultariam um possível ajuste ou abandono.
Amplamente praticadas na China, as políticas industriais recentes enfatizam a promoção de ciência, tecnologia e inovação. Isso está presente no Plano Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico de Médio e Longo Prazo (2006-2020), bem como no Plano Manufacturing 2025 que visa colocar a China como grande potência industrial em setores de ponta.
No entanto, a visão compartilhada no relatório do Banco Mundial é a de que as políticas industriais chinesas ainda devem avançar no sentido de fomentar a concorrência em alguns setores, a fim de promover uma transição para uma estratégia de crescimento econômico liderado pelas inovações. Mercados muito protegidos podem desestimular a geração de novas tecnologias, enquanto que, sob pressão competitiva, alguns setores teriam mais incentivos para investir em inovação e realizar melhorias tecnológicas.
Com o objetivo de promover maior concorrência no mercado chinês, discute-se um conjunto de reformas relacionadas às políticas industriais. Apresentadas no capítulo 4 do relatório supracitado, intitulado “Reshaping industrial policies and supporting market competition”, as principais propostas do Banco Mundial envolvem:
(i) maior alinhamento entre a formulação da política pelo governo central e sua execução pelos governos locais;
(ii) promoção do setor de serviços;
(iii) apoio ao empreendedorismo e melhoria do ambiente de negócios; e
(iv) reforma das empresas estatais, visando garantir condições de concorrência mais igualitárias entre empresas distintas.
Na China, as autoridades centrais formulam as diretrizes de política industrial, porém são os governos locais, de províncias e municípios, que em geral as implementam. Em alguns casos, a implementação da política pode resultar em algum tipo de descoordenação entre autoridades centrais e locais, gerando consequências indesejadas.
Dessa forma, alinhamento e foco das políticas industriais reduziriam tais riscos, facilitando o monitoramento e gerenciamento central da realização da política em nível local. Além disso, torna-se necessário melhorar o arcabouço institucional envolvendo as informações e o diálogo entre o governo e as empresas, de modo a identificar de maneira mais transparente as possíveis falhas de mercado, bem como avaliar o impacto das políticas industriais durante sua implementação.
Destaca-se também a importância de se repensar os incentivos e o comportamento dos governos locais, que outrora se utilizaram de amplos benefícios creditícios e tributários para atrair empresas e desenvolver parques produtivos e tecnológicos, a fim de se preservar as iniciativas positivas, ao mesmo tempo em que se evitam os excessos.
Nesse sentido, a avaliação do desempenho dos oficiais de governo a partir do crescimento econômico local deve ser revista, uma vez que condiciona a ascensão no quadro governamental central ao desempenho econômico local, o qual acaba incentivado por inúmeras políticas locais, inclusive por iniciativas sobrepostas.
Além disso, uma reforma tributária também contribuiria para solucionar parte dos desequilíbrios entre receitas e despesas locais, o que no sistema atual tende a promover a geração de empresas locais, a fim de garantir a obtenção de recursos pelo governo local.
Tais aspectos remeteriam a uma maior disciplina sobre as políticas industriais dos governos locais, de forma a assegurar que todos os tipos de negócios pudessem usufruir do mesmo apoio, ao invés de um direcionamento de recursos, tal como se constitui o apoio atual dos governos locais às empresas de cada região.
Não menos importante seria garantir que firmas pouco competitivas deixassem o mercado no tempo adequado ou pudessem ser rapidamente reestruturadas por meio da legislação de falências que, embora aderente às práticas internacionais, fosse mais compatível à dimensão da economia chinesa e às necessidades de reestruturação das empresas.
Além de melhorias na articulação das políticas entre governo central e governos locais, valeria um esforço em promover setores de serviços mais competitivos, especialmente aqueles de maior valor agregado. A integração entre serviços, manufatura e agricultura é crescentemente percebida no cenário internacional como fonte de crescimento econômico.
Países de renda mais elevada tendem a demandar mais insumos provenientes dos setores de serviços. Na China, a contribuição de insumos provenientes de serviços para os setores produtivos é relativamente baixa em comparação a outros países. A contribuição de serviços tradicionais, como distribuição e transporte, à manufatura é relativamente maior do que serviços modernos, como P&D e serviços digitais. Promover estes serviços modernos poderia, portanto, ajudar ainda mais no upgrading do setor manufatureiro chinês.
A fim de fomentar os setores de serviços na China, aponta-se a redução de restrições sobre investimentos em tais setores como necessário. Ainda existem barreiras à entrada de investidores estrangeiros em setores de serviços, inclusive financeiros. Os tipos de restrições variam entre os diversos segmentos de serviços, exigindo reformas específicas a cada um deles. De modo complementar, também são necessárias reformas de governança no âmbito regulatório, com o objetivo de reduzir incertezas a respeito do ambiente de negócios.
A melhoria do ambiente de negócios passa não apenas por marcos regulatórios bem definidos, mas também pelo apoio ao empreendedorismo. A atividade empreendedora faz parte do crescimento econômico chinês desde as primeiras reformas econômicas do país no final dos anos 1970. A primeira onda de empreendedores se verificou no campo com as reformas agrícolas e a criação das chamadas Township and Village Enterprises. A segunda onda se materializou nos anos 1990 com a emergência de empresas privadas domésticas. A terceira e atual onda tem sido propiciada pela Mass Entrepreneurship Initiative, lançada em 2015. Essa grande iniciativa propicia uma série de mecanismos de fomento à atividade empreendedora de micro e pequenas empresas. Como resultado, um número crescente de novas empresas tem sido registrado na China.
Segundo indicadores do Banco Mundial sobre o ambiente de negócios, a situação na China tem melhorado significativamente, reduzindo sua distância para a fronteira ao longo dos anos 2000. Contudo, o peso regulatório e administrativo ainda permanece elevado e reformas para lidar com permissões, acesso a crédito, pagamento de tributos e casos de insolvência poderiam contribuir para melhorar o empreendedorismo e o ambiente de negócios.
Desde 2018, já existem diretrizes para reduzir o tempo médio de abertura de um negócio em diversas cidades chinesas de 20 para 8,5 dias úteis. A redução do tempo médio para aprovação de projetos de construção civil também está sendo implementada em algumas cidades como projeto piloto.
Complementarmente, o relatório do Banco Mundial aponta que a China também poderia estabelecer um novo National Center of Excellence for Entrepreneurship Promotion Policy, visando analisar e desenvolver políticas de promoção ao empreendedorismo e difundir conhecimento e experiência relevantes para a implantação de novos negócios.
Por fim, porém não menos importante, destaca-se a necessidade de se reformar as empresas estatais. A China reconhece que diferentes tipos de negócios precisam ter acesso ao mesmo apoio governamental, independentemente do tamanho ou propriedade. Nesse sentido, o capital privado nacional, o capital estrangeiro e as empresas estatais precisam compartilhar o mesmo ambiente concorrencial ou um ambiente com condições concorrenciais semelhantes. Já houve diversas reformas nas últimas décadas acerca das empresas estatais chinesas, provendo-lhes maior dinamismo e eficiência econômica.
O principal desafio agora consiste ainda em colocar a concorrência entre empresas estatais e privadas nos mesmos termos. Isso requer entender e definir o papel das diferentes categorias de empresas estatais existentes na China, por exemplo, entre empresas estatais comerciais (competitivas ou estratégicas) e empresas estatais de interesse público. É provável que as reformas avancem mais rapidamente no que se refere às empresas estatais comerciais competitivas, ampliando a concorrência no mercado. As demais atendem a um interesse nacional estratégico ou fornecimento de bens públicos.
De toda forma, há esforços para que o ambiente concorrencial seja respeitado, inclusive com a criação de uma agência regulatória independente para defesa da concorrência: State Administration for Market Regulation.
Complementarmente, a promoção de uma estrutura de capital misto nas empresas se torna um importante elemento da estratégia de reforma das empresas estatais. A presença de parte de capital não estatal em empresas estatais é vista como forma de potencialmente melhorar a governança corporativa e o desempenho das empresas.
A participação de capital privado em algumas empresas que serviram de piloto para a estrutura mista de capital em 2016, como a China United Network Communications Group Co. (Unicom Group), já apresenta resultados. Contudo, ainda restam avanços em termos de governança corporativa, a fim de tornar a estrutura mista de capital mais efetiva e difundida na economia chinesa, aliando-se às práticas internacionais.
A capacidade de inovação na China
A China apresenta atualmente um amplo e avançado sistema nacional de inovação, discutido no relatório do Banco Mundial em seu capítulo 5, intitulado “Promoting innovation and the digital economy”. Um sistema nacional de inovação envolve a oferta de inovações geradas por instituições e empresas com investimentos em P&D, a demanda por inovações das empresas, bem como a acumulação e alocação de recursos que permitam o desenvolvimento da oferta e demanda por inovação em um determinado país.
No caso chinês, há uma estrutura capaz de gerar tecnologias e inovações que possam alavancar o crescimento econômico baseado na produtividade. O maior desafio, contudo, reside, segundo o Banco Mundial, em refinar este vasto e já existente sistema nacional de inovação. Prioriza-se a descoberta de inovações e novas tecnologias, porém ainda é necessário acelerar, por meio das políticas e instituições de P&D, a difusão dessas inovações e tecnologias, notadamente entre empresas, setores e regiões do país.
A China vem rapidamente construindo uma grande capacidade de inovação, o que se reflete em diversos indicadores internacionais. O indicador de inovação global mostra que a capacidade de inovação chinesa vem melhorando constantemente na última década. A China, que figurava na 29ª posição do ranking em 2011, passou a ocupar a 17ª posição em 2018.
Como forma de comparação, outros países dos BRICS se encontram muito abaixo do desempenho chinês. O Brasil, por exemplo, em movimento inverso ao chinês, perdeu diversas posições no ranking mundial no mesmo período.
Os gastos em P&D, o número de patentes e as publicações científicas chinesas também cresceram significativamente nos últimos anos. Em 2018, a China gastou 2,18% do PIB em P&D, valor próximo à média dos países da OCDE, que foi de 2,4% do PIB. A partir de 2013, a China ultrapassou o Japão nos gastos totais em P&D, assumindo a segunda posição global dos países que mais investem em P&D, atrás apenas dos Estados Unidos. Ela já responde por, aproximadamente, 20% dos gastos globais em P&D.
Além disso, como proporção do PIB, os gastos chineses em P&D são muito mais elevados do que em países com o mesmo nível de desenvolvimento econômico, medido pelo nível de renda per capita. Porém, diferentemente de outros países de renda média, onde o setor público em geral responde por maior parcela dos gastos em P&D, na China as empresas são responsáveis por cerca de 75% desses gastos.
A China se destaca igualmente no número de patentes mundiais. Em 2016, encontrava-se atrás apenas dos Estados Unidos e Japão, porém prestes a ultrapassar este último. Os gastos em P&D se concentram nas grandes empresas. ZTE e Huawei figuram entre as principais empresas com pedidos de patentes mundiais. Porém, a maioria das empresas chinesas ainda investe pouco em P&D. Na média, as empresas chinesas investem 2,8% de suas receitas totais em P&D, montante ainda bastante abaixo da média das empresas americanas, que é de 6,2%.
Em grande medida, o crescimento das patentes chinesas reflete incentivos de política, como metas estabelecidas para patenteamento. Em contrapartida, resta avançar na qualidade dessas patentes, uma vez que muitas se mostram inviáveis do ponto de vista econômico, tecnológico ou comercial.
Conforme o relatório do Banco Mundial, o governo chinês deveria mudar seu foco de aumentar o número de patentes, objetivo já alcançado, para promover a qualidade dessas patentes. Para isso, caberia reorientar o apoio concedido aos investimentos em inovação, priorizando patentes de maior qualidade e comercialmente viáveis. Nesse sentido, o apoio financeiro governamental seria importante, mas também o desenvolvimento de capacidades gerenciais, que são muito díspares entre empresas chinesas e, por vezes, acabam por bloquear processos inovadores.
As políticas chinesas de apoio à inovação compreendem uma ampla gama de instrumentos, como incentivos fiscais, auxílios financeiros, garantias de empréstimos, compras governamentais, serviços de extensão tecnológica, incubadoras, parques científicos e tecnológicos, além de redes de pesquisa e colaboração.
Para o Banco Mundial, no entanto, é essencial garantir que tais instrumentos das políticas de inovação estejam alinhados às necessidades das empresas. Muitas vezes, a principal preocupação das autoridades chinesas se limita em garantir acesso ao financiamento, porém há outras áreas, como regulatória, de supervisão e colaboração, de desenvolvimento de capacidades gerenciais, que precisam ser aprimoradas, a fim de melhorar a qualidade e difusão das inovações.
Os desafios das políticas de inovação chinesas
É notório o movimento promovido pela China de ampliar sua capacidade de inovação nos últimos anos, com resultados bastante concretos que a colocam como grande potência inovadora mundial. Todavia, ainda há um conjunto de esforços que precisam avançar para melhorar a qualidade e difusão das inovações, sobretudo diante do contexto atual que se caracteriza por economias crescentemente digitais.
De acordo com o relatório do Banco Mundial, a reformulação do sistema nacional de inovação chinês para atender a essas novas necessidades deve compreender estratégias em termos de:
• melhorias em P&D, fomentando desde uma abordagem bottom-up até o fortalecimento de pesquisas básicas e de redes de colaboração para pesquisa;
• aperfeiçoamento das políticas de propriedade intelectual;
• aprimoramento na condução e gerenciamento das políticas de inovação, visando evitar fragmentação institucional, duplicação e ausência de foco ou prioridade;
• apoio à difusão das tecnologias digitais;
• promoção e gerenciamento dos fluxos de dados, garantindo a proteção e regulação de dados pessoais; e
• consolidação da infraestrutura relacionada às tecnologias de informação e comunicação.
As novas tecnologias estão se expandindo e atingindo a maturidade em ritmo mais acelerado do que antigamente, o que dificulta prever novas trajetórias tecnológicas. Nesse contexto, torna-se também mais complexo aos governos internalizar os processos de geração de inovações por meio de direcionamentos de mudança tecnológica de cima para baixo (top-down).
Diante dos riscos envolvidos nas novas tecnologias, sobretudo digitais, o arcabouço de inovação chinês se beneficiaria da adoção de uma abordagem mais orientada pelo setor privado e concebida de baixo para cima (bottom-up), como no caso da “especialização inteligente” (smart specialization) presente na União Europeia. A ideia seria priorizar o apoio governamental à inovação em atividades econômicas cujo potencial de desenvolvimento seja maior, embora não totalmente perceptível ainda.
Além disso, coloca-se a necessidade de a China ampliar seus gastos em P&D destinados à pesquisa básica, com recursos alocados de forma mais competitiva entre os pares, a fim de evitar decisões de pesquisa e inovação com algum tipo de viés dentro de uma estrutura burocrática hierarquizada.
O aparato de inovação chinês também se beneficiaria da ampliação das redes de pesquisa e colaboração internacional, participando crescentemente das comunidades internacionais de pesquisa, o que já tem sido observado em vários casos, como nas pesquisas globais sobre o genoma.
Outro aspecto importante diz respeito às políticas de propriedade intelectual na China. As leis e regulações chinesas melhoraram nos últimos anos, adotando diversos padrões internacionais. No passado, as reformas visavam aderir às práticas dos tratados internacionais de propriedade intelectual. Já as reformas atuais são motivadas pela necessidade de prover um ambiente mais robusto de apropriabilidade das inovações pelas empresas chinesas, que atualmente detêm maior capacidade de inovação.
Tal orientação se alinha com o interesse governamental de incentivar as empresas nacionais a investirem em P&D. Isso requer, por exemplo, um arcabouço legal com maiores punições a infratores que desrespeitem as normas de propriedade intelectual. Tais medidas contribuem, em particular, para as micro e pequenas empresas, bem como para as start-ups, pois em geral possuem menos recursos, além de experiência limitada, para lidar com eventuais roubos de propriedade intelectual.
Na China, agências administrativas de governos locais também buscam garantir os direitos de propriedade intelectual, tornando bastante complexa a coordenação desse sistema entre as regiões do país, o que exige esforços adicionais para evitar protecionismo local ou outras distorções que possam afetar a propriedade intelectual e, consequentemente, a capacidade de inovação das empresas, sobretudo menores.
Segundo o relatório do Banco Mundial, as políticas de inovação chinesas se beneficiariam de maior foco e consolidação. Desde 2001, a China implementou mais de 170 políticas de apoio à inovação apenas pelo governo central. Este número é ainda muito maior, se consideradas as políticas em nível local. As políticas são formuladas por, pelo menos, 24 ministérios e agências.
O grande número de políticas de inovação e instituições envolvidas em sua elaboração e implementação resulta em fragmentação institucional, duplicação e ausência de foco ou prioridade, argumenta o Banco Mundial. Logo, o aprimoramento na condução e gerenciamento das políticas de inovação seria bem-vindo, a fim de evitar esses problemas e avaliar a eficácia de cada política frente aos recursos dispendidos.
Já reconhecendo a necessidade de melhorar a coordenação entre as políticas e programas de inovação no país, o governo lançou, em julho de 2018, o National Science and Technology Leading Group, que pode aperfeiçoar a gestão das políticas em termos administrativos, de recursos destinados, de acesso às empresas, de avaliação de impacto, entre outros temas.
Como ponto central da estratégia de inovação chinesa, encontra-se o direcionamento dado pelo governo à promoção de tecnologias digitais, as quais lideram as inovações globais. A China busca se fortalecer cada vez mais nessa área, procurando se tornar líder mundial em algumas das tecnologias digitais emergentes, como a inteligência artificial. Entretanto, a China ainda precisa avançar na adoção e difusão de tecnologias digitais já existentes.
Muitas empresas chinesas permanecem bastante distantes de empresas de países da OCDE no que se refere à taxa de adoção de tecnologias digitais. Por exemplo, enquanto na China 49% das empresas possuem seu próprio website, na OCDE essa proporção sobe, em média, para 75%. Mesmo nas províncias chinesas mais avançadas, o uso de tecnologias digitais ainda é limitado. Em Shanghai, tem-se a taxa mais elevada, que é de 62% das empresas com seu próprio website, porém este ainda é um valor menor do que o observado em 26 dos 33 países pertencentes à OCDE.
Essa diferença de difusão digital observada entre a China e países da OCDE pode ser desagregada em três componentes: a diferença dentro da própria China, isto é, entre as províncias mais atrasadas e as mais avançadas; a diferença entre as províncias chinesas mais avançadas e a média dos países da OCDE; e a diferença entre a China e os países da OCDE na fronteira tecnológica, como Estados Unidos, Japão e países nórdicos. Para tecnologias digitais mais modernas, esse atraso da China em relação aos países da OCDE é maior. A difusão dentro da China tende a ser mais expressiva justamente para aquelas tecnologias menos recentes e amplamente disponíveis, como o uso da Internet.
Além das diferenças regionais expressivas na adoção das tecnologias digitais, também se verifica grande dispersão entre setores. Como em outros países, os setores mais digitais na China são os de tecnologia de informação e comunicação, mídia e finanças. As empresas chinesas de semicondutores estão expandindo a infraestrutura digital, inclusive para atender a demanda global. Em seguida, estão os setores de entretenimento, comércio a varejo e setores governamentais, como saúde, educação e utilidade pública, que passaram a adotar as tecnologias digitais como resposta às demandas dos consumidores.
Outros setores que se encontram na era digital, porém de maneira relativamente menor em comparação a países de renda elevada, são as indústrias intensivas em capital, como manufatura, óleo e gás, e de produtos químicos e farmacêuticos. O nível de automação e o estoque de ativos digitais desses setores na China ainda são menores do que em outros países. Por fim, menos digitais são os setores agrícola, imobiliário, de serviços locais e de construção civil, ainda que também estejam sendo cada vez mais permeados por tecnologias digitais, com start-ups oferecendo soluções e plataformas digitais, por exemplo, para restaurantes, aluguel, compra e venda de imóveis.
Nesse contexto de fluxos crescentes de dados e informações decorrentes da era digital, torna-se necessário repensar políticas de gerenciamento desses fluxos, preservando a segurança de dados pessoais, ao mesmo tempo em que se consolida uma rede mundial de comércio digital. Há crescente consenso de que dados são ativos importantes, o que requer políticas de governança acerca da manutenção e uso desses dados.
Na China, ainda se preserva um ambiente bastante restrito acerca dos fluxos de dados, colocando certas barreiras às estratégias nacionais de realização de um sistema de Big Data. Trata-se, contudo, de um tema ainda em amplo debate mundial, uma vez que é preciso balancear os esforços de se proteger a privacidade de dados pessoais e a segurança de dados em setores estratégicos, como o bancário e o de saúde, com soluções que facilitem e reduzam os custos de transferência de dados em circunstâncias razoáveis. Com a escalada de tensões mundiais, a regulação sobre o acesso e o uso de dados tende a se tornar mais rígida, a fim de garantir a segurança nacional.
Por último, como forma de possibilitar todo esse fluxo de dados e informações, encontra-se uma infraestrutura de tecnologias de informação e comunicação. Trata-se das tecnologias habilitadoras da economia digital. Nesse sentido, o governo chinês já estabeleceu diversas diretrizes para melhorar o acesso e a qualidade dos serviços, por exemplo, de Internet de banda larga, inclusive para promovê-la em áreas rurais remotas do país. O 13º Plano Quinquenal da China prevê metas de investimento em infraestrutura de telecomunicações da ordem de US$ 290 bilhões entre 2016 e 2020.
Os avanços em termos dos serviços de banda larga são notórios na China. Há praticamente uma cobertura universal da rede móvel, assim como de consumidores conectados. Ademais, a China aparece como relativamente competitiva nos preços de Internet de banda larga fixa e móvel, se comparada a outros países da região asiática e economias de renda mais elevada. Vale lembrar que o setor de telecomunicações na China é dominado por três grandes empresas estatais, a saber, China Mobile, China Telecom e China Unicom. As economias de escala das empresas e a orientação do governo cumprem papel decisivo nessa manutenção de preços baixos. Em 2015, por exemplo, o Ministério da Indústria e da Tecnologia de Informação determinou que as empresas estatais de telecomunicações baixassem os preços em, pelo menos, 30% até dezembro daquele ano.
Ademais, já há planos de investimentos substanciais nas redes 5G, que devem estar disponíveis comercialmente na China em 2020 e que conformam uma infraestrutura crítica para suportar as conexões associadas às novas tecnologias, como a Internet das Coisas. De toda forma, o país ainda carece de avanços para reduzir as disparidades regionais no acesso à era digital.
A partir desse conjunto de aspectos relacionados às agendas de política industrial e de inovação, consolidam-se, no relatório do Banco Mundial, proposições de reformas para a economia chinesa, articuladas sob orientações mais amplas de reformas também em outras áreas, porém considerando as inúmeras especificidades do país.
Tornam-se cada vez mais claros os novos rumos tomados pela China diante das transformações colocadas no cenário internacional, o que exige refletir acerca dos possíveis impactos sobre outros países, à medida que a China se consolida como potência global, inclusive por meio da geração de novas tecnologias.