Carta IEDI
Saindo do Isolamento: critérios e orientações
Diante da ausência de vacina e remédios eficazes, a pandemia do coronavírus exigiu dos países medidas de isolamento social, que foram mais ou menos rígidas em função do momento em que foram adotadas e da rapidez do aumento do número de pessoas infectadas.
O impacto desse quadro na atividade econômica foi dos mais severos, justificando, nos países já com sinais claros de desaceleração da curva epidemiológica, a adoção de planos de flexibilização progressivo do isolamento social.
Tais planos também têm o papel de coordenar expectativas dos agentes econômicos e tentar reduzir parte das incertezas a que estão sujeitos no contexto atual de grande excepcionalidade.
Esta Carta IEDI faz parte de uma série de estudos, como aqueles divulgados pelas Cartas n. 987, 991 e 992 , sobre os impactos do coronavírus e as ações de política econômica para atenuar a crise. Nesta edição, foram sistematizados os protocolos de organizações internacionais e as estratégias que alguns países anunciaram para organizar o retorno gradual da atividade econômica.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda como pré-requisito para um plano de saída do isolamento social observar se o número de novos casos de covid-19 está em queda significativa e sustentada no tempo e se os hospitais possuem leitos gratuitos disponíveis para acomodar possíveis novos casos de infecções advindos do alívio do bloqueio.
Ou seja, para a OMS é preciso estar na fase descendente da curva epidemiológica para se começar a adotar um plano de flexibilização. Também é essencial saber a parcela já imunizada da população e, para isso, testar rapidamente e massivamente. É uma forma de assegurar que se chegou à chamada “imunização do rebanho”, ponto importante diante da falta de tratamento da covid-19.
Estes critérios constam em praticamente todos protocolos anunciados recentemente. A questão é garantir seu cumprimento, o que exige acesso aos testes, a construção de capacidade hospitalar e permanente monitoramento, pois ainda não se sabe se as estratégias de saída do isolamento levarão a uma segunda onda de contágio.
Os governos de países, estados e cidades que já passaram do pico da primeira onda de suas epidemias têm a vantagem de, em tese, ter melhores dados para tomar decisões, bem como exemplos a serem comparados.
Na China, a saída do isolamento foi acompanhada de rigoroso trabalho de identificar e colocar em quarentena os infectados e seus contatos próximos. Já na Coréia do Sul, que não instituiu um bloqueio completo, a pandemia foi contida com testes extensivos, rastreamento e rápido isolamento de infecções.
Na Europa, as orientações da Comissão Europeia seguem as da OMS e funcionam como guia para os roteiros de países como Áustria, Alemanha, Espanha, França, Noruega, República Tcheca, entre outros.
Os Estados Unidos também divulgaram linhas gerais de um processo em três fases para aliviar as restrições sociais, diferenciando as orientações para os indivíduos e as empresas durante a pandemia.
A gradualidade é um aspecto comum a todos os casos analisados. Não se trata de uma retomada imediata de todos os negócios, mas da redução dos bloqueios a setores ou atividades econômicas segundo a possibilidade de disseminação do vírus e ao estado de vulnerabilidade em que se encontram.
Primeiro, os mais impactados e com menor risco de disseminação, depois os demais, após avaliação do número de infectados, a fim de evitar uma segunda onda de contaminação.
Ademais, para serem reduzidas as restrições, é necessário respeitar regras de higiene e de distanciamento social, com o uso de máscaras e luvas, desinfecção constante das superfícies e objetos, limitar quantidade de pessoas em um mesmo ambiente, priorizar o teletrabalho, escalonar os horários de trabalho, etc.
Todos estes critérios estão presentes nas orientações da OMS e da Comunidade Europeia e nas estratégias adotadas pelas potências ocidentais, cuja análise ajuda o Brasil a desenhar seus próprios protocolos.
Embora ainda não tenhamos atingido o pico da curva epidemiológica, já estão sendo discutidas as medidas de flexibilização do isolamento social de modo a organizar a normalização das atividades econômicas. Nesta Carta, são apresentadas as sugestões realizadas pela FIESP e as linhas gerais para um plano anunciadas pelo governo do Estado de São Paulo.
Os casos aqui discutidos, sejam eles do exterior, ou de organizações e governos locais brasileiros, trazem princípios, critérios, recomendações e ações que poderiam inspirar uma estratégia no nível do governo federal, cuja capacidade de coordenação e organização deste processo tende a ser maior.
Orientações da Organização Mundial de Saúde
Em 16 de abril de 2020, a OMS divulgou orientações a serem seguidas por autoridades nacionais dos países que estão considerando ajustar suas medidas de isolamento para contenção da pandemia do covid-19. O roteiro pode ser mutável em função de novas informações ou avaliações a respeito da disseminação do vírus e do estresse dos sistemas de saúde, mas auxilia o planejamento e o retorno organizado das atividades econômicas e da vida social das pessoas.
As orientações sugerem gerenciar 4 tipos de riscos, a partir de indicadores, princípios e recomendações para a implementação: riscos epidemiológicos; risco de sobrecarga dos sistemas de saúde; capacidade de testagem e identificação de novos casos; e chances de intervenções farmacêuticas eficazes.
Apesar de não haver certeza sobre como a pandemia vai evoluir, a orientação foi desenvolvida com base em três cenários:
i. Interrupção completa da transmissão entre pessoas;
ii. Ondas epidêmicas recorrentes (grandes ou pequenas);
iii. Transmissão contínua de baixo nível.
O quadro a seguir resume o roteiro de flexibilização do isolamento social defendido pela Organização Mundial de Saúde.
Orientações da Comissão Europeia
A Comissão Europeia também traçou um roteiro com critérios, princípios, medidas de acompanhamento e recomendações gerais para embasar o planejamento de cada Estado Membro sobre aliviar restrições de contenção do covid-19. As diretrizes foram divulgadas em 15 de abril deste ano e reforçaram a preocupação primordial com a segurança sanitária da população. Nas palavras da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a prioridade é “salvar vidas e proteger os europeus do coronavírus”.
Por esta razão, os critérios a serem cumpridos para se iniciar a flexibilização progressiva do isolamento social seguem as recomendações da OMS apresentadas anteriormente. São definidos três critérios: o perfil epidemiológico, a capacidade de resposta dos sistemas nacionais de saúde e a capacidade de testagem e monitoramento de novos casos.
As fases do plano de flexibilização dos EUA
A Casa Branca anunciou, em 16 de abril, o roteiro intitulado “Opening up America again” com linhas gerais para orientar os estados federados a adotarem medidas de saída do confinamento. Os princípios e critérios são muito semelhantes aos da OMS e da Comissão Europeia.
Durante as três fases, sem datas predefinidas para iniciarem, recomenda-se a todos indivíduos manter boas práticas de higiene e permanecer em suas residências. Para os empresas, a orientação é manter as práticas de distanciamento social e o uso de equipamento de proteção; checagem de temperatura; testar, isolar e rastrear contatos; desinfecção; e restringir viagens de negócios.
O quadro abaixo apresenta recomendações especiais de cada fase da redução gradual do isolamento.
Andamento dos planos de saída do confinamento na Europa
Mais avançados na curva epidemiológica do que o Brasil ou os EUA, diversos países europeus já estão pondo em marcha medidas para flexibilizar o isolamento social, tais como Itália, Espanha e França.
De acordo com reportagem do The Guardian de 26 de abril, com dados atualizados sobre o planejamento dos países europeus, a França estabeleceu 17 prioridades no processo de saída do confinamento, tais como a reabertura de escolas, volta ao trabalho nas empresas, funcionamento normal do transporte público, fornecimento de máscaras e desinfetantes, política de testagem e o apoio a pessoas idosas.
Na Itália, o plano de saída do confinamento restringe bastante o movimento das pessoas. Em especial, as escolas devem permanecer fechadas até setembro. As fábricas voltadas para exportações e projetos de construção pública puderam retomar as atividades em 27 de abril, sendo que o restante das fabricas retornarão às atividades em 4 de maio. Durante a fase 2, de "coexistir com o vírus", será permitido viajar dentro das próprias regiões para visitar parentes, desde que as máscaras sejam usadas. O movimento entre as diferentes regiões do país ainda será proibido, a menos que seja para trabalho, saúde ou outros fins de emergência.
Parques e jardins públicos serão reabertos a partir de 4 de maio e as pessoas poderão passear ou se exercitar ao ar livre, desde que mantenham distanciamento físico. No entanto, os cidadãos ainda precisarão levar um documento citando o motivo de não estarem em casa caso sejam abordadas pelo controle policial. O transporte público continuará operando com serviços limitados, e as máscaras serão obrigatórias. Museus, galerias, bibliotecas e comércio varejista serão reabertos em 18 de maio. Em seguida, bares, restaurantes e cabeleireiros, a partir de 1º de junho.
Desde 20 de abril, a Alemanha começou a reduzir as restrições do isolamento com o uso de máscaras fortemente recomendado. Permitiu-se reabrir espaços comerciais com menos de 800 metros quadrados e também concessionárias de veículos, lojas de bicicletas e livrarias. Academias, restaurantes, bares e grandes lojas ainda permanecem fechadas.
A Suécia, por sua vez, confiou na responsabilidade cívica ao invés de impor regras obrigatórias, exceto no caso do fechamento das escolas secundárias e proibições de reuniões de mais de 50 pessoas. O governo solicitou que as pessoas evitassem viagens não essenciais, trabalhassem em casa e ficassem em casa isolados se tivessem mais de 70 anos ou se estivessem doentes. Assim, lojas, restaurantes e escolas infantis ficaram abertas.
Recomendações da FIESP
Em 18 de abril, a FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) lançou sugestões para o protocolo de retomada para o Brasil. Também partindo do pressuposto de que o sistema de saúde deve estar pronto para o combate ao vírus, defende um plano gradual.
A flexibilização do isolamento social começaria com distanciamento seletivo, enquanto grupos de risco e infectados continuariam em quarentena domiciliar. O uso de máscaras em ambientes públicos deve ser generalizado. As atividades econômicas devem ser retomadas de acordo com o grau de essencialidade até que todas voltem a operar. Mesmo reabertos, os estabelecimentos precisariam funcionar com horários alternados para diminuir a concentração do fluxo de pessoas no transporte coletivo. E eventos com aglomeração de muitas pessoas continuam suspensos.
Com relação ao tempo de execução, o prazo inicial otimista é de 45 dias. Porém, a cada 7 dias reavalia-se a situação da epidemia, adaptando-se os protocolos relaxados ou intensificados. As atividades que inaugurariam a saída do isolamento, segundo sugestão da FIESP, seriam creches e escolas, comércio varejista, restaurantes, transporte com frota de horário de pico. Após 14 dias, reabririam shopping centers e demais serviços. Em mais 14 dias, parques seriam reabertos com controle de entrada e no dia 42 cinemas, academias, teatros, museus e universidades.
Com relação ao horário de funcionamento das atividades, embora defenda um escalonamento, a FIESP pondera que cada companhia deve ter liberdade para definir os horários de entrada e saída de seus funcionários, de acordo com as suas necessidades. Além disso, as atividades têm horários possíveis diferenciados de acordo com a região do país e o porte de cidade, pois a realidade local deve ser levada em conta. Em que se pesem estes fatores que podem ajustar o protocolo, mas que exigirão forte coordenação, o quadro abaixo apresenta uma proposta de escalonamento do horário de funcionamento das atividades na região metropolitana de São Paulo – considerando o peso de cada uma na distribuição do emprego.
A seguir, um resumo das diretrizes que compõem o plano apresentado pela FIESP.
Roteiro do Governo do Estado de São Paulo
O estado de São Paulo, que apresentou os primeiros casos de covid-19 no Brasil, começou a planejar o processo de normalização das atividades econômicas. Inspirou-se em diretrizes e experiências internacionais, considerando a realidade do Estado demonstrada pelos indicadores, com base em argumento técnicos e científicos, e apresentou, em 22 de abril, princípios, critérios e as dimensões dos protocolos e padrões para lidar com a pandemia do covid-19 e flexibilizar as restrições de convívio social quando possível.
As três fases do plano consideram os níveis de risco, mas o documento ainda não indica que “números” seriam os parâmetros adotados:
• Zona Vermelha (pontos de atenção): elevado número de novos casos OU alta ocupação de leitos de UTI;
• Zona Amarela: estável número de novos casos OU ocupação adequada de leitos de UTI
• Zona Verde: baixo número de novos casos, baixa ocupação de leitos de UTI, testes disponíveis para sintomáticos e suspeitos, protocolos setoriais implementados
Os municípios do estado serão segmentados de acordo com situação da pandemia e a capacidade do sistema de saúde e testagem. Para a elaboração dos protocolos setoriais, serão considerados o risco de saúde do setor em contraste com a relevância e a vulnerabilidade econômica do mesmo.