Carta IEDI
Indústria e a transmissão da crise
O desempenho da indústria em março de 2020 refletiu apenas parcialmente os impactos negativos da crise do coronavírus: o tombo foi de -9,1%, já descontados os efeitos sazonais, e se deu de forma bastante disseminada entre os diferentes ramos do setor.
Adotadas somente na segunda quinzena de março, as medidas de isolamento social, necessárias para evitar o colapso de nosso sistema de saúde, levaram à contração do consumo das famílias, em especial de bens considerados não essenciais, e colocaram grandes desafios à organização da produção de forma geral, mas sobretudo dos ramos intensivos em mão de obra.
Outros canais de transmissão da crise do coronavírus também estiveram presentes em março. É o caso da interrupção das cadeias de fornecedores de insumos e componentes tanto importados como nacionais, que já vinha prejudicando os resultados dos ramos de eletroeletrônicos e informática e de veículos e autopeças.
Importante meio de difusão da crise é a escalada da incerteza, que pode, inclusive, se tornar ainda mais aguda nos próximos meses. Com o futuro mais incerto, decisões de investimento e de consumo de bens de maior valor tendem a ser suspensas, afetando a demanda e a produção de bens de capital e bens de consumo duráveis.
Assim, por todos estes motivos, entre os ramos industriais que mais se contraíram na passagem de fev/20 para mar/20 estão vestuário (-37,8%, com ajuste), couro e calçados (-31,5%), veículos (-28,0%), móveis (-27,2%), eletroeletrônicos e informática (-10,6%) e máquinas e equipamentos (-9,1%).
Embora estes tenham sido os casos mais graves, a verdade é que quase nenhum ramo se salvou. Na série com ajuste sazonal, dos 26 acompanhados pelo IBGE, 23 ficaram no vermelho e todos os macrossetores industriais perderam produção. Os piores resultados ficaram por conta de bens de consumo duráveis (-23,5% ante fev/20) e bens de capital (-15,2%), seguidos por bens de consumo semi e não duráveis (-12,0%) e bens intermediários (-3,8%).
Como a indústria forma um sistema, o grande número de ramos com perda de produção tende a estabelecer um processo que se retroalimenta, potencializando as quedas. Em abril, mês atingido integralmente pelo isolamento social e de forte incerteza, dados os problemas de implementação dos programas emergenciais do governo, a queda se aprofundou.
É o que sinaliza a forte deterioração da confiança dos empresários industriais, da ordem de -40% de março para abril, o recuo de -26% do índice de gerentes de compras (PMI/Markit) e o declínio de -24% da utilização da capacidade instalada da indústria, segundo o indicador da FGV, já descontados os efeitos sazonais.
Deste modo dificilmente a indústria escapará de mais um ano negativo. Depois da produção industrial cair -1,1% em 2019, devido aos problemas em seu ramo extrativo, à retração das exportações em função da crise argentina e ao baixo dinamismo do mercado interno, as projeções mais recentes (08/05/20) do Boletim Focus do Banco Central para 2020 apontam para um resultado de -3% no acumulado do ano. No 1º trim/20, a indústria acumula declínio de -1,7%.
Resultados da Indústria
Em março de 2020, a produção industrial recuou -9,1% na comparação com o mês anterior, já descontados os efeitos sazonais. Este desempenho, que reflete apenas os efeitos iniciais da pandemia do coronavírus, já que as necessárias medidas de isolamento social passaram a ser amplamente adotadas apenas na última quinzena do mês, foi mais do que suficiente para anular o baixo crescimento do primeiro bimestre de 2020 e prenuncia uma queda ainda mais intensa no mês de abril próximo. Com isso, atingimos, em mar/20, um nível de produção semelhante àquele de mai/18, mês da paralisação dos caminhoneiros.
O resultado da indústria em comparação com o mesmo período do ano anterior, embora negativo, foi menos adverso: -3,8%, tanto em função da existência de um efeito calendário favorável, já que mar/20 teve três dias úteis a mais do que mar/19, como também pela ajuda de uma base baixa de comparação, dada a perda de produção do ramo extrativo na entrada de 2019 em função do desastre de Brumadinho.
Deste modo, o saldo geral no acumulado do primeiro trimestre de 2020 não escapou do vermelho (-1,7%), mas reflete apenas parcialmente a crise da covid-19. De todo modo, é o pior resultado desde o 1º trim/19. Já no acumulado dos últimos doze meses findos em mar/20, a indústria registrou -1,0%, em uma trajetória desfavorável em que não apresenta uma variação positiva desde mar/19.
Em relação aos macrossetores, na comparação de março de 2020 com fevereiro de 2020, descontados os efeitos sazonais, não houve expansão em nenhum dos quatro macrossetores acompanhados pelo IBGE. O declínio mais pronunciado ficou a cargo de bens de consumo duráveis, com -23,5%, sendo seguidos por bens de capital (-15,2%) e bens de consumo semi e não duráveis (-12,0%). Bens intermediários, que representam no núcleo do sistema industrial, por produzirem bens que serão empregados pelas demais atividades, caiu menos: -3,8%, mas este foi seu pior resultado desde mai/18.
Na comparação de março de 2020 com março de 2019, variações negativas também marcaram o desempenho de todos os macrossetores industriais, acompanhando o total da indústria (-3,8%). Vale mencionar novamente que mar/20 teve três dias úteis a mais do que mar/19. O resultado mais adverso foi verificado em bens de consumo duráveis, com -9,7%, depois de recuar -11,7% em fev/20 na mesma comparação, interrompendo uma série de cinco meses consecutivos de crescimento (de set/19 a jan/20). Vale observar que este macrossetor reúne muitas das cadeias produtivas em dificuldade de obter componentes, peças e insumos importados devido à pandemia do coronavírus. Em seguida, vieram os bens de consumo semi e não duráveis, com declínio de -7,1%, aprofundando as perdas do primeiro bimestre do ano, e bens de capital, com -3,9%, e bens intermediários, com -1,7%.
O declínio interanual de -9,7% em bens de consumo duráveis foi derivou, sobretudo, da redução na fabricação de automóveis (-19,3%), mas também de resultados negativos em: eletrodomésticos da “linha marrom” (-0,8%), móveis (-8,8%) e outros eletrodomésticos (-13,6%). Em sentido oposto, exerceram pressão positiva os ramos de eletrodomésticos da “linha branca” (+8,7%) e motocicletas (+12,8%).
Bens de consumo semi e não-duráveis, que recuaram -7,1% ante mar/19, tiveram desempenho influenciado, em grande parte, pela queda de -24,6% no grupamento de semiduráveis, além dos resultados negativos assinalados pelos grupamentos de alimentos e bebidas elaborados para consumo doméstico (-3,8%) e de carburantes (-11,9%). A única variação positiva foi no grupamento de não-duráveis (+1,3%).
Por sua vez, o declínio de -3,9% de bens de capital, frente a mar/19, foi influenciado negativamente pelo grupamento de bens de capital para equipamentos de transporte (-10,0%), para fins industriais (-2,6%), de uso misto (-7,0%) e agrícolas (-5,1%). Em contrapartida, bens de capital para energia elétrica (+6,3%) e para construção (+3,0%) exerceram influências positivas.
Quanto a bens intermediários, cuja produção retrocedeu -1,7% ante fev/19, receberam influência negativa de produtos associados às atividades de produtos de veículos automotores, reboques e carrocerias (-19,5%), minerais não-metálicos (-10,7%), metalurgia (-5,8%), produtos de borracha e de material plástico (-5,3%), máquinas e equipamentos (-10,5%) e produtos de metal (-5,0%), entre outros. Pressões positivas vieram de coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (+13,8%), produtos alimentícios (+5,7%), celulose, papel e produtos de papel (+2,4%) e outros produtos químicos (+0,1%).
No acumulado do 1º trim/20 frente ao mesmo período do ano anterior, os bens de consumo foram novamente os que pior se saíram, sendo que a produção de duráveis declinou -6,4% e a de semi e não duráveis, -3,2%. Em seguida, vieram os retrocessos de bens de capital, com -1,8%, e bens intermediários, com -0,2%.
Por dentro da Indústria de Transformação
O tombo de -9,1% da produção industrial geral em março de 2020 ante fev/20, já realizado o ajuste sazonal, foi acompanhado de variação de -9,9% na indústria de transformação, depois de um declínio de -0,6% em fev/20. O ramo extrativo, a seu turno, registrou variação de -1,6% nesta comparação, sendo esta a sétima taxa negativa consecutiva.
Em relação a março de 2019, o desempenho do ramo extrativo também foi negativo e menos intenso do que na indústria de transformação: -0,4%, anulando a variação de +0,4% registrada em fev/20 que havia interrompido uma série de doze meses consecutivos de declínio nesta comparação. A indústria de transformação, por sua vez, caiu -4,2%, aprofundando a perda do mês anterior (-0,4%) e ficando aquém do desempenho geral da indústria (-3,8%).
Frente a fev/20, na série com ajuste sazonal, o decréscimo de -9,1% da indústria geral foi acompanhado por 23 dos 26 ramos pesquisados. As principais influências negativas foram registradas por veículos automotores, reboques e carrocerias (-28,0%), confecção de artigos do vestuário e acessórios (-37,8%), bebidas (-19,4%), couro, artigos para viagem e calçados (-31,5%), produtos de borracha e de material plástico (-12,5%), máquinas e equipamentos (-9,1%), produtos de minerais não-metálicos (-11,9%), entre outros. Por outro lado, os ramos que ampliaram produção foram: impressão e reprodução de gravações (+8,4%), perfumaria, sabões, produtos de limpeza e de higiene pessoal (+0,7%) e manutenção, reparação e instalação de máquinas e equipamentos (+0,3%).
Na comparação com igual mês do ano anterior, em que a indústria geral apresentou recuo de -3,8% na produção em mar/20, variações negativas marcaram o desempenho de 21 dos 26 ramos, 48 dos 79 grupos e 59,3% dos 805 produtos pesquisados, lembrando que mar/20 (22 dias) contou com três dias úteis a mais do que igual mês do ano anterior (19 dias) e uma base de comparação já baixa devido aos efeitos negativos do desastre de Brumadinho no início de 2019.
Em março último, as maiores influências adversas vieram de: veículos automotores, reboques e carrocerias (-16,2%), bebidas (-18,8%), confecção de artigos do vestuário e acessórios (-27,5%), couro, artigos para viagem e calçados (-26,7%), produtos de minerais não-metálicos (-10,6%), metalurgia (-5,8%), produtos de borracha e de material plástico (-5,0%), produtos de madeira (-12,6%), e produtos têxteis (-9,9%), entre outros.
Em sentido oposto, aqueles poucos ramos com expansão incluíram: coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (+8,1%), produtos alimentícios (+3,4%), perfumaria, sabões, produtos de limpeza e de higiene pessoal (+7,9%) e celulose, papel e produtos de papel (+3,1%).
Exportação
Segundo os dados da Funcex, divulgados pelo IBGE conjuntamente com os resultados da produção industrial, o quantum das exportações de manufaturados no mês de março de 2020 aumentou +3,2%, depois de cinco meses seguidos de retrocesso. Apesar disso, o desempenho exportador do 1º trim/20 foi negativo em -10,8%, isto é, pior do que igual período de 2019, quando houve declínio de -7,0%.
Por sua vez, as importações em quantum de matérias-primas para a indústria avançaram -24,9% na comparação com março de 2019. Diferentemente de nosso desempenho exportador, as importações acumularam variação positiva neste primeiro trimestre do ano: +8,2%, superior ao resultado de igual período de 2019 (+3,3%).
Utilização de Capacidade
O nível de utilização da capacidade instalada da indústria de transformação, de acordo com a série da FGV com ajustes sazonais, recuou de 76,2% em fevereiro para 75,3% em março de 2020, já descontados os efeitos sazonais. Em abril, segundo levantamento mais recente, o nível de utilização despencou para 57,3%, ficando ainda mais longe da média histórica, que é de 80%.
Estoques
De acordo com os dados da Sondagem Industrial da CNI, os estoques de produtos finais da indústria em março de 2020 ficaram estáveis, assinalando índice de 50 pontos, o que implicou a terceira elevação seguida (+3,3 ponto desde dez/19). Vale lembrar que valores inferiores a 50 pontos indicam queda de estoques e acima desta marca, aumento deles. No caso do segmento da indústria de transformação, o indicador registrou 49,9 pontos (+0,1 ponto frente a fev/20) e na indústria extrativa ficou em 49 pontos (+3,1 pontos).
Na avaliação dos empresários, os estoques efetivos da indústria geral ficaram praticamente no nível planejado, com um indicador de satisfação em 49,9 pontos em mar/20. Ou seja, segundo a medição da CNI, os estoques mantiveram movimento em direção à marca de 50 pontos, que indica equilíbrio dos estoques. No caso do setor extrativo e no caso da indústria de transformação, o indicador de satisfação dos estoques ficou em 54,1 pontos (acima do planejado) e em 49,6 pontos (abaixo do planejado), respectivamente.
No grupo da indústria de transformação, 17 dos 26 ramos acompanhados pela CNI, isto é, 65,4% do total, tiveram estoques iguais ou menores do que o planejado (50 pontos) em março de 2020. Esta proporção é inferior àquela de jan/20 (81% do total), mas próxima da de fev/20 (69%). Dentre estes, estão os ramos de outros equipamentos de transporte (42,3 pontos), farmacêutico (42,4 pontos), minerais não metálicos (42,5 pontos) e limpeza e perfumaria (43 pontos), entre outros. Em contraste, ficaram com estoques efetivos acima do planejado os ramos de bebidas (58,1%), máquinas e materiais elétricos (54,8 pontos), biocombustíveis (53,9 pontos) e madeira (52,5 pontos), entre outros.
Confiança e Expectativas
Com a virada do ano e os sinais de melhora relativa do final de 2019, a confiança do empresariado industrial, segundo o Índice de Confiança do Empresário da Indústria de Transformação da CNI (ICEI), progrediu a partir de nov/19, inclusive no mês de fev/20, chegando a 65,2 pontos.
Em março, diante do agravamento da pandemia do covid-19 no Brasil e seus impactos negativos sobre as atividades econômicas, o Índice de Confiança do Empresário da Indústria de Transformação da CNI (ICEI), recuou de 65,2 pontos para 60,6 pontos e, então, despencou para 34,3 pontos, das piores marcas já atingidas. Por se encontrar abaixo da marca de 50 pontos, este indicador ainda registra claro pessimismo dos empresários.
O declínio da confiança em abril de 2020 resultou da deterioração tanto de seu componente de expectativas em relação ao futuro como das avaliações das condições correntes. No primeiro caso, passou de 63,6 pontos em mar/20 para 34,4 pontos em abr/20. No caso do segundo componente do indicador, o recuo foi de 54,5 pontos para 34,1 pontos neste mesmo período.
Por sua vez, o Índice de Confiança da Indústria de Transformação (ICI) da FGV, que havia atingido 101,4 pontos em fev/20, recuou, em mar/20 para 97,5 pontos e então para 58,2 pontos em abr/20, o ponto mais baixo da série. Influenciaram este movimento tanto de seu componente de expectativas em relação ao futuro, que passou de 96,2 pontos em março para 49,6 pontos, como do seu componente da situação atual, que saiu de 98,8 pontos para 67,4 pontos em abril. Vale lembrar que no caso do indicador da FGV a marca que separa as zonas de pessimismo e otimismo é a de 100 pontos: abaixo dela, pessimismo e acima, otimismo. Fica evidente, então, que um quadro de pessimismo se instaurou no mês de abril.
Outro indicador frequentemente utilizado para se avaliar a perspectiva do dinamismo da indústria é o Purchasing Managers’ Index – PMI Manufacturing, calculado pela consultoria Markit Financial Information Services. Este indicador, que já havia declinado de 52,3 pontos em fev/20 para 48,4 pontos em mar/20, caiu para 36 pontos em abr/20. Vale observar que valores abaixo de 50 pontos sugerem piora das condições de negócio e acima desta marca, melhora. Por isso, o quadro geral apontado pelo indicador sugere forte deterioração dos negócios a partir de abril.
Anexo Estatístico
Mais Informações
Tabela: Produção Física - Subsetores Industriais
Variação % em Relação ao Mesmo Mês do Ano Anterior (clique aqui)