Análise IEDI
A gravidade da crise recente para as empresas brasileiras
A Carta IEDI a ser divulgada hoje analisa o desempenho das empresas não financeiras, com especial atenção para as empresas industriais, entre os anos de 2010 e 2017. Ao total, foram pesquisadas 293 empresas, agrupadas em três macrossetores (indústria, comércio e serviços), de modo a obtermos uma amostra bastante representativa na economia brasileira. Com isso, o IEDI dá sequência à divulgação de uma série de estudos que subsidiaram a formulação de sua estratégia industrial a ser divulgada em breve. O primeiro trabalho desta série (Carta IEDI n. 855) analisou as transformações na estrutura industrial, quanto à composição setorial, custos, endividamento e investimento, entre 2007 e 2015.
Nesta edição dos trabalhos, fica nítido que o quadro geral da economia no período foi decisivo para o desempenho empresarial no período analisado. Após a recessão em 2009, desencadeada pela crise financeira mundial de 2008, teve lugar um forte crescimento do PIB em 2010 (7,5%) que não se sustentou. No período seguinte, de 2011 a 2014, resultados modestos se alternaram com outros francamente desfavoráveis, com uma média de crescimento baixo. Para a indústria de transformação a recessão chegou com antecedência, já em 2014, se intensificaria e se espalharia para toda economia nos anos de 2015 e 2016. Somente em 2017 a economia voltaria a crescer, ainda assim sem muita força.
Esse acanhado crescimento médio depois de 2010, seguido de recessão grave e de uma frágil recuperação, formou o pano de fundo do processo trilhado pelas empresas brasileiras de regressão significativa na rentabilidade, no endividamento e no comprometimento do lucro operacional (ou EBITDA) com despesas financeiras. O estudo mostra que, mesmo com o fim da recessão em 2017, tais efeitos continuaram presentes, compondo o quadro de pouco dinamismo do investimento e da recuperação da economia na atualidade.
A trajetória das empresas em cada uma das etapas da economia brasileira pode ser resumida como se segue.
O crescimento em 2010 criou condições muito favoráveis para as empresas. Para o conjunto das companhias da amostra, envolvendo todos os setores, a margem líquida de lucro neste ano foi de 12,9% (8,5% para o conjunto das empresas industriais, excluída a Petrobras e a Vale). O índice de endividamento líquido oneroso sobre o capital próprio ficou em 51,7% (62,1% para as empresas industriais) e a geração de lucro operacional foi capaz de cobrir 3,2 vezes o volume de despesas financeiras brutas ou 320% das despesas financeiras brutas (2,3 vezes os custos financeiros para as empresas industriais).
No período de baixo crescimento compreendido entre 2011 e 2014 esses indicadores sofreram forte deterioração, numa indicação de que as empresas brasileiras entraram na crise de 2015/2016 já fragilizadas. A margem líquida recua progressivamente para um nível muito baixo, 1,9% considerando o conjunto das companhias não financeiras (3% para a indústria sem Petrobras e Vale). O endividamento subiu para 88,4% (para as empresas industriais, 62,7%, ou seja, praticamente sem variação) e a cobertura da despesa financeira bruta pelo lucro operacional recuou para apenas 1,0 vez (1,4% no caso da indústria). Ou seja, a geração de lucro operacional passou a ser suficiente apenas para honrar os compromissos financeiros no caso do conjunto das empresas da amostra e algo próximo a isso para as companhias industriais.
O primeiro ano de recessão foi devastador para as empresas. Além da retração rápida e muito intensa do nível de atividade, o aumento das taxas de juros do crédito doméstico e a desvalorização do Real ensejaram um grande crescimento do endividamento e dos custos financeiros. A margem líquida de lucro tornou-se negativa para o conjunto das empresas não financeiras, caindo para -3,6% (1,4% para as empresas industriais), o endividamento oneroso líquido sobre o capital próprio subiu para 115,5% (89,7% para a indústria) e a geração de lucro operacional passou a cobrir apenas uma pequena parcela (30%) do valor das despesas financeiras brutas. Para as empresas industriais, este último índice foi melhor, mas mesmo assim inferior a 1 (70% da despesa financeira bruta).
Como a desvalorização da moeda do ano anterior não se repetiu (ao contrário, houve valorização) e o Banco Central iniciou uma fase de redução dos juros, o segundo ano da recessão, 2016, abriu oportunidade para a melhora dos índices empresariais. O fim da recessão no ano seguinte permitiu nova melhora nos indicadores. O comentário pertinente sobre os índices empresariais vigentes para o final do período aqui estudado (2017) é que alguns avanços nos indicadores de fato ocorreram, mas em todos os casos foram de pequena envergadura ou mesmo marginais.
A margem de lucro líquido melhorou para a totalidade das companhias não financeiras, alcançando 4,0% e 3,7% para as empresas industriais sem Petrobras e Vale, devido em ambos os casos, principalmente, à redução das despesas financeiras e do menor efeito da variação cambial no biênio 2016/2017. Também melhoraram marginalmente os índices de cobertura das despesas financeiras pelo lucro operacional de ambos os grupos, que se mantiveram apenas um pouco acima da unidade em ambos os casos (1,2 e 1,3, respectivamente). No caso do endividamento sobre o capital próprio o avanço foi pequeno para o primeiro grupo (99,7%), e praticamente não se apresentou para o segundo grupo (89,1%). As taxas de juros ainda muito elevadas do crédito bancário explicam uma parcela relevante do atraso do reajuste da rentabilidade e do endividamento empresarial.
O estudo constatou ainda que após 2011 a retração dos investimentos das empresas se tornou praticamente uma constante, tendo como líder o setor industrial seguido dos demais setores, serviços e comércio. O processo ganha expressão às vésperas da recessão de 2015 e se estende até 2017.
O trabalho mostrou que, para as empresas industriais exceto Petrobras e Vale, o retorno do capital investido (ROIC) teve queda desde 2011, acusando uma recuperação mais significativa apenas em 2017. Como não há investimento sem a perspectiva de lucro, tal trajetória tem relevante papel explicativo na redução das inversões. Nos anos de recessão de 2014 e 2015, a conjuntura se tornou ainda mais adversa ao investimento produtivo em razão do aumento do custo médio ponderado do capital (WACC).
Para as empresas da indústria de transformação em nenhum ano do período 2011-2017, a rentabilidade dos investimentos superou o custo médio do capital. Mesmo o nível de rentabilidade um pouco melhor alcançado em 2017 ficou bem aquém do que seria razoável em relação ao custo médio de capital. Esta constatação sugere que ainda existem obstáculos importantes para a retomada de um ciclo de investimentos produtivos na economia, condição necessária para a saída sustentada da recessão.
Em suma, o período em análise se encerra com indicadores de lucratividade, de endividamento e de cobertura de despesas financeiras abaixo dos recomendáveis para que as empresas virem a página da recente crise e voltem a investir. Este é um condicionante relevante do atual quadro de baixo nível de dinamismo da economia brasileira.