Análise IEDI
A reação alemã às transformações mundiais
Enquanto o Brasil continua assistindo passivamente o retrocesso de sua indústria, que em 2018 chegou ao seu ponto mais baixo (11,3% do PIB), as principais potências do mundo têm buscado cada vez mais reforçar e constituir novas competências industriais.
É o que fez a Alemanha no início de fevereiro deste ano, ao anunciar novos princípios para sua estratégia industrial, no documento intitulado “National Industrial Strategy 2030: Strategic guidelines for a German and European industrial policy”, tema da Carta IEDI a ser divulgada hoje.
Poucos dias depois, o “Manifesto Franco-Alemão por uma Política Industrial Europeia Adequada para o Século XXI” criou, ainda, a possibilidade para que a nova concepção da estratégia alemã seja estendida para o âmbito da União Europeia (UE).
O grande objetivo da nova iniciativa alemã é dar uma “resposta aos movimentos das forças econômicas globais”: aceleração da globalização e da inovação, aumento das intervenções estatais por vários países e o abandono crescente dos acordos multilaterais.
O novo posicionamento prevê intervenção do Estado para o fortalecimento de setores e empresas nacionais como forma de reação à concorrência estrangeira e defesa contra aquisições de agentes estratégicos por não europeus.
O governo alemão reconhece que a força de sua economia está na sua indústria altamente competitiva e inovadora, que permanece líder em diversos setores industriais, como siderurgia, química, mecânica, aparelhos ópticos, equipamentos médicos, tecnologia verde, armamentos, aeroespacial, manufatura aditiva.
Contudo, foram diagnosticadas ameaças cada vez maiores à posição industrial do país no mundo, devido à emergência de novas tecnologias (sobretudo inteligência artificial e biotecnologias), para as quais a Alemanha ainda acumula defasagens em relação a outras economias, como os EUA ou mesmo a China.
Por isso, existe o risco de perda considerável de valor adicionado para Alemanha, e também para a Europa, se as empresas nacionais não conseguirem alcançar uma posição de liderança nas tecnologias disruptivas. Na avaliação do governo alemão, sem a grande parcela de empregos industriais, a Alemanha não poderia manter seus elevados níveis de renda, educação, proteção ambiental, segurança social, saúde e de infraestrutura.
A preservação e o fortalecimento da base industrial do país, portanto, são considerados do interesse nacional e uma tarefa de importância para a qual o Estado precisa de instrumentos e meios adequados. A iniciativa alemã tem como seus principais princípios:
• Soberania e capacidade industrial e tecnológica, isto é, a o país deve ser capaz de resistir à concorrência global em todas as áreas, sobretudo quando se trata de tecnologias-chave e inovações revolucionárias.
• Reindustrialização, prevendo aumento dos atuais 23% para 25% da participação industrial no valor adicionado total para Alemanha e para 20% no caso da UE até 2030.
• Preservação de cadeias doméstica de valor, ou seja, a manutenção de todos os elos da cadeia produtiva é considerada essencial para que cada um deles seja mais resistente, ampliando vantagens competitivas.
• Processo de catch-up em áreas onde o país já tem alguma competência cientifica-tecnológica, para evitar perder domínio industrial.
• Fortalecimento das pequenas e médias empresas industriais.
• Viabilizar o surgimento de “campeões nacionais e europeus” (revisão das regras antitruste), já que em um número crescente de domínios se faz necessária massa crítica para que um ator industrial participe com sucesso da concorrência global. O fato de que nenhum novo campeão nacional tenha surgido no país nos últimos 50 anos é visto como preocupante pelo governo alemão.
A estratégia industrial alemã define também limites à intervenção estatal e reforça seu compromisso com o modelo de economia aberta e de livre mercado. A partir do princípio econômico de proporcionalidade, estabelece maior grau de intervenção estatal quanto maior for a importância do processo econômico. O Estado alemão poderá assumir participação acionária em empresas consideradas estratégicas, mas por um período limitado de tempo.