Análise IEDI
A pandemia e o crédito anticíclico
O crédito oficial é bastante controverso. Como geralmente conta com taxas de juros, prazos e outras características definidos por regulamentação, se utilizado em excesso pode gerar grandes distorções no mercado de crédito. Em contrapartida, também pode assumir um papel de estabilização em momentos de crise, quando o financiamento de mercado tende a ficar mais escasso.
A pandemia de Covid-19 ilustra este aspecto anticíclico. No acumulado de jan-ago/20, as concessões totais de crédito, descontada a inflação medida pelo IPCA, cresceram +5,8% frente ao mesmo período do ano anterior. O crédito oficial, denominado pelo BC de crédito direcionado, avançou +37,7% neste mesmo período.
Embora estas operações direcionadas representem apenas 11% do total de crédito novo contratado em 2020 (R$ 278 milhões), sua ampliação no contexto da pandemia (+R$ 76 milhões) representou 53% do crescimento total das concessões reais em relação a jan-ago do ano passado. Ou seja, o crédito fluiu mais facilmente por este segmento do sistema de financiamento.
Esta tendência se manteve firme nos últimos meses, como mostram os dados divulgados hoje pelo BC. As variações frente ao mesmo mês do ano anterior a seguir sintetizam o quadro geral:
• Concessões reais totais: +0,9% em jun/20; +3,3% em jul/20 e +3,1% em ago/20;
• Concessões reais do crédito direcionado: +22,6%; +95,6% e +69,4%, respectivamente;
• Concessões reais do crédito livre: -1,3%; -5,1% e -4,0%, respectivamente.
A alta do crédito direcionado no trimestre jun-ago/20 chegou a +61,5% frente ao mesmo período do ano anterior, já descontada a inflação. O dado mais recente, de ago20/ago19 indica preservação deste dinamismo: +69,4%, alavancado pelo BNDES (+46,2%) no segmento corporativo e pelo financiamento imobiliário (+75,7%) no segmento do crédito às famílias.
Já as concessões do crédito livremente pactuado entre credores e clientes, mais sujeitas ao quatro de grandes riscos e incerteza decorrentes da pandemia, acusaram retração de -3,5% no trimestre móvel formado pelos últimos três meses, de junho a agosto, frente a igual período do ano anterior. Com isso, a evolução no acumulado de 2020, que era de +20% até março, vem perdendo dinamismo, registrando variação de apenas +3% no período de janeiro a agosto.
A comparação de ago/20 com ago/19, não sugere nenhuma reversão de tendência para o crédito livre ao apontar declínio de -4,0%, derivado de menores concessões tanto às empresas (-3,8%) como às famílias (-4,3%).
No segmento corporativo, os principais resultados negativos do crédito livre foram apresentados pelas modalidades de cheque especial (-39,3% ante ago/19), financiamento da aquisição de veículos (-14,7%) e desconto de duplicata (-4,6%). No segmento de pessoa física, por sua vez, couberam a cheque especial (-27,6%), cartão de crédito (-5,8%) e aquisição de veículos (-1,3%).
Os dados de crédito apresentados hoje pelo Banco Central registraram que o saldo das operações alcançou R$3,7 trilhões em agosto, apresentando variação positiva de 1,9% em relação ao mês imediatamente anterior. O saldo de crédito a pessoas físicas registrou variação positiva de 1,5% (R$2,1 trilhões) frente ao mês imediatamente anterior e a carteira de pessoas jurídicas apresentou variação positiva de 2,4% na mesma comparação, alcançando R$1,6 trilhão. Na comparação com o mesmo mês do ano anterior (agosto de 2019), o saldo total de crédito obteve incremento de 12,1%.
A carteira de crédito com recursos livres registrou R$2,2 trilhões, com acréscimo de 1,9% em relação ao mês anterior e expansão de 16,4% quando comparado com agosto de 2019. A parcela destas operações realizadas junto a pessoas físicas foi de R$1,1 trilhão, aferindo expansão de 1,6% em relação ao mês imediatamente anterior e crescimento de 8,2% quando comparado com o mês de agosto de 2019. Para as operações junto a pessoas jurídicas aferiu-se montante de R$1,0 trilhão, crescimento de 2,2% em relação ao mês anterior e variação positiva de 26,9% na comparação com o mesmo período de 2019.
O estoque de crédito com recursos direcionados registrou valor de R$1,6 trilhão em agosto de 2020 em termos nominais, indicando expansão de 6,7% frente ao mesmo mês do ano anterior e variação positiva de 1,9% em relação ao mês imediatamente anterior. O saldo referente as pessoas físicas registrado foi de R$954,8 bilhões, apresentando incremento de 9,4% quando comparado ao mês de agosto de 2019. O saldo relativo a pessoas jurídicas foi de R$603,3 bilhões, acréscimo de 2,5% na comparação com o mesmo mês do ano anterior.
Para o mês de agosto de 2020, foram concedidos R$343,1 bilhões em novas operações de crédito, apresentando variação positiva de 3,3% frente ao montante de R$332,2 bilhões observado em agosto de 2019. Deste volume apresentado em agosto de 2020, R$287,9 bilhões foram originados de recursos livres e R$55,3 bilhões de recursos direcionados, o que representou, quando comparados aos mesmos meses do ano anterior, retração de 3,9% para recursos livres e incremento de 69,6% para recursos direcionados.
Para as concessões de crédito às pessoas físicas a partir de recursos livres, destacaram-se as operações de crédito rotativo (R$109,1 bilhões), cartão de crédito (R$101,4 bilhões), crédito não rotativo (R$44,2 bilhões), crédito pessoal (R$30,9 bilhões) e cheque especial (R$23,5 bilhões). Quanto as pessoas jurídicas, as principais modalidades foram desconto de duplicatas (R$30,6 bilhões), capital de giro (R$30,4 bilhões), cheque especial (R$11,2 bilhões), conta garantida (R$9,0 bilhões) e cartão de crédito (R$5,3 bilhões).
Nas novas concessões de crédito realizadas com recursos direcionados destacaram-se, para pessoas físicas, as modalidades de crédito rural (R$13,1 bilhões), financiamento imobiliário (R$12,7 bilhões), BNDES (R$1,3 bilhão) e microcrédito (R$1,0 bilhão). De outra forma, para as empresas, as principais modalidades ficaram com BNDES (R$5,8 bilhões), crédito rural (R$5,6 bilhões) e financiamentos imobiliários (R$753,0 milhões).
Setores. Considerando o saldo total de crédito do sistema financeiro nacional por atividade econômica, a carteira de operações para o setor de serviços registrou R$909,3 bilhões, o que significa um acréscimo nominal de 20,7% frente a agosto de 2019, e as maiores expansões ficaram para: comércio atacado - bens duráveis e não duráveis (39,8%), demais serviços prestados às empresas (36,9%), outros serviços (32,1%), comércio varejo – bens não-duráveis (31,0%), demais serviços prestados às famílias (30,6%), transporte via terrestre (25,8%), comércio (24,2%), comércio geral – bens intermediários (24,2%) e transporte (20,9%).
Para o setor da indústria aferiu-se valor de R$697,6 bilhões, variação positiva de 13,1% frente ao mesmo mês do ano anterior e, por fim, o setor agropecuário registrou crédito de R$29,3 bilhões, variação positiva de 10,9% em termos nominais, quando comparado ao registrado no mês de agosto de 2019.
Analisando a distribuição de crédito do sistema financeiro nacional por controle de capital, temos que as instituições financeiras públicas emprestaram R$1,733 trilhão, representando 46,4% do volume de crédito, as instituições financeiras privadas nacionais concederam R$1,327 trilhão, representando 35,5% e as instituições financeiras estrangeiras contribuíram com R$675,3 bilhões, representando por sua vez 18,1% do volume total de crédito no sistema financeiro.
Juros e Inadimplência. A taxa média de juros das operações contratadas em agosto alcançou 18,7% a.a., variação negativa de 0,5 p.p. no mês e declínio de 6,1 p.p. em doze meses. O spread geral das taxas das concessões situou-se em 15,0 p.p., o que representou variações de -0,5 p.p. e de -4,4 p.p., nas mesmas bases de comparação.