Carta IEDI
Resiliência da indústria e a economia no final de 2020
Em novembro de 2020, o nível de atividade econômica continuou em expansão no país. Dos grandes setores da economia, a indústria mostra ter a trajetória de recuperação mais consistente, ainda que não a mais vigorosa. Já superou o choque da Covid-19 em mar-abr/20 e continuou crescendo no final de 2020.
Os serviços, por sua vez, ainda não retornaram ao pré-pandemia, embora tenham registrado desempenho positivo em nov/20. Já o comércio varejista, que até então se saía melhor que os demais setores, quase parou no penúltimo mês do ano passado. Isto pode ter sido o primeiro efeito da redução do auxílio emergencial pago às famílias, assim como da aceleração da inflação, sobretudo de alimentos, e do elevado desemprego.
Em comparação com out/20, já descontados os efeitos sazonais, a produção industrial cresceu +1,2%, isto é, em linha com o desempenho anterior (+1,1%), enquanto as vendas reais do varejo variaram -0,1% e, se também forem incluídos os ramos de veículos, autopeças e material de construção, apenas +0,6%. Com bases de comparação ainda fragilizadas, o faturamento real do setor de serviços registrou +2,6%.
Deste modo, o indicador IBC-Br do Banco Central, que funciona como uma proxy do PIB, acusou expansão do nível geral de atividade econômica de +0,5% em nov/20 frente ao mês anterior, com ajuste sazonal. Ainda que positivo, foi o resultado mais fraco desde o início da recuperação em mai/20, reforçando a possibilidade de acomodação com o fim dos programas emergenciais de combate aos efeitos da pandemia.
Outro sinal nesta direção: o novo indicador de alta frequência da OCDE, que faz uso de inteligência artificial, machine learning e dados do Google Trends, estima queda de -1,2% do PIB do Brasil nas primeiras semanas de 2021 frente a igual período do ano anterior. Houve uma clara tendência de perda de dinamismo desde a entrada de nov/20, segundo este indicador.
Na indústria, também contou positivamente a maior amplitude setorial e regional com que cresceu. Em out/20, 58% dos 26 ramos acompanhados pelo IBGE e 53% dos 15 parques regionais do setor ficaram no azul, enquanto que em nov/20 estas proporções aumentaram para 65% e 67%, respectivamente. Ou seja, a reação continua incompleta, mas está progredindo.
Todos os macrossetores da indústria evitaram igualmente o terreno negativo na passagem de out/20 para nov/20, puxados por bens de capital e bens de consumo duráveis. O único resultado desfavorável coube a bens intermediários, que pela segunda vez consecutiva ficou virtualmente estagnado. Regionalmente, centros industriais importantes, como São Paulo e todos os estados da região Sul, avançaram mais do que o total nacional, assim como Amazonas e a região Nordeste.
Diferentemente da indústria, que manteve sua performance e espalhou melhor seu crescimento, o comércio varejista sofreu uma inflexão. E isto mesmo em um mês de promoções, que costumam ser positivas para o setor. Em nov/20, 40% de seus ramos ficaram no vermelho e contou muito para o resultado agregado a queda de -2,2% nas vendas de supermercados, alimentos, bebidas e fumo, já descontados os efeitos sazonais.
Nos serviços, a alta de nov/20 não só foi superior à de set/20 e out/20, como também contou com variações positivas em todos os cinco segmentos identificados pelo IBGE. O melhor resultado coube a serviços prestados às famílias, de +8,2% com ajuste sazonal, revertendo a tendência de desaceleração dos meses anteriores. Em seguida vieram serviços profissionais e de transporte.
Mesmo assim, os serviços permaneceram 3,2% aquém do nível de faturamento anterior ao choque da Covid-19 em mar-abr/20 e acumularam queda de -8,3% em jan-nov/20 frente a igual período do ano anterior. É a pior performance entre os grandes setores da economia e, por reunir atividades muito empregadoras, dificulta o recuo do desemprego no país.
Ademais, agrava a situação o fato de que a aceleração dos casos de Covid-19 na virada do ano, a demora no processo de vacinação da população e o fim dos programas emergenciais tendem a encontrar os serviços, neste início de 2021, em um ponto ainda muito frágil de sua recuperação.
A indústria, mesmo acumulando perdas de -5,5% em jan-nov/20, está melhor do que os serviços. Como vimos, tem crescido sistematicamente e de forma mais bem distribuída, resultando para o setor como um todo um nível de produção, em nov/20, 2,6% acima do patamar pré-pandemia, isto é, em relação a fev/20.
Já para o comércio varejista, o nível de vendas reais em seu conceito ampliado ficou 5,2% acima do pré-pandemia e acumulou perda de -1,9% em 2020 até o mês de novembro, em muito devido ao ramo de veículos e autopeças (-15,1%). Em seu conceito restrito, em que pesa mais o avanço das vendas de supermercados durante os meses de isolamento social, o desempenho é mais favorável: +7,3% ante fev/20 e +1,2% em jan-nov/20.
Indústria
Em nov/20, a indústria persistiu em sua trajetória de recuperação, mantendo o ritmo de crescimento em +1,2% na série com ajuste sazonal. Este desempenho sugere que o setor entra em uma nova fase de crescimento, após superar o tombo de mar-abr/20 devido à Covid-19. A sustentabilidade e vigor deste processo, contudo, ainda não estão totalmente definidos.
Também contou positivamente a amplitude setorial e regional com que ocorreu o crescimento em novembro último. Dos 26 ramos acompanhados pelo IBGE, 17 registraram aumento de produção na série com ajuste sazonal, isto é, uma proporção de 65% do total, e todos os macrossetores evitaram o terreno negativo. Regionalmente, a expansão atingiu 2/3 dos parques industriais.
Bens de capital foi o macrossetor que liderou a alta de produção na passagem de out/20 para nov/20, com +7,4%, já descontados os efeitos sazonais. Em seguida, vieram bens de consumo duráveis, com +6,2%, e bens de consumo semi e não duráveis, com +1,5%. O único desempenho desfavorável, mas que ainda assim evitou novas perdas, coube a bens intermediários, que pelo segundo mês seguido ficou praticamente estagnado (+0,1%).
Ainda na passagem de out/20 para nov/20, já descontados os efeitos sazonais, 10 das 15 localidades acompanhadas pelo IBGE registraram aumento da produção industrial. Ou seja, uma fração de 67% do total, implicando maior difusão de variações positivas em comparação com o mês anterior (53%).
Entre os resultados favoráveis, estão os grandes centros industriais das regiões Sul e Sudeste do país. São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul conseguiram crescer mais do que o total Brasil, revertendo o desempenho desfavorável de out/20. Amazonas e o Nordeste também tiveram taxas de crescimento mais elevadas.
Com estes resultados recentes, pouco mais da metade dos parques regionais já superaram o patamar de produção do pré-pandemia: 8 das 15 localidades ficaram acima do nível de fev/20, isto é, 53% do total. O melhor caso é o Amazonas, que em nov/20 ficou 14,9% acima de fev/20, devido às particularidades da curva epidemiológica no estado e em função da recuperação do ramo e eletrônicos e informática.
São Paulo, cuja indústria é a mais diversificada do país, não só superou o pré-pandemia, como está bastante à frente do total Brasil. Em nov/20 ficou 6% acima de fev/20 ante apenas 2,6% para a indústria do país como um todo. Rio Grande do Sul não ficou muito atrás, em um nível 5,2% acima da produção de fev/20. Todos os demais estados do Sul também já superaram o pré-pandemia. Ou seja, pela importância de suas indústrias, São Paulo e a região Sul estão no centro da reação industrial recente.
Encontram-se atrasados neste processo os estados com parques industriais mais especializados, especialmente aqueles associados ao agronegócio e às atividades extrativas minerais. Os casos mais distantes do pré-pandemia são Mato Grosso e Espírito Santo, com produção 10,3% e 11,8% abaixo de fev/20, respectivamente. Goiás, Pará e Rio de Janeiro também estão em patamares inferiores, embora não tão distantes.
O Nordeste como um todo, por sua vez, graças ao Ceará e a Pernambuco, aproximou-se muito do pré-pandemia. Em nov/20 ficou apenas 0,4% abaixo de fev/20 e seu crescimento de +2,9% frente a out/20 dá uma sinalização positiva de que esta lacuna deve ser fechada antes do fim do ano. Entretanto, a região deve ser uma das mais afetadas pelo fim do auxílio emergencial em 2021, o que pode comprometer a evolução positiva que vem apresentando nestes últimos meses.
Por fim, vale observar que, a despeito da reação a partir de mai/20, 2020 será um ano de grandes perdas para a grande maioria dos casos. No acumulado de jan-nov/20 frente ao mesmo período do ano anterior, apenas 3 localidades estão no azul. As outras 12 apresentam taxas negativas, sendo que 8 delas recuam mais intensamente que o total Brasil (-5,5%), a exemplo de São Paulo (-7,2%).
Comércio
Embora novembro tenha se firmado, nos últimos anos, como um mês de bons resultados para do comércio varejista, devido às promoções que passaram a caracterizá-lo, a evolução do setor em nov/20 foi de quase estagnação. Na série com ajuste sazonal, as vendas reais variaram -0,1% ante out/20 e apenas +0,6% em seu conceito ampliado, que inclui os segmentos de veículos, autopeças e material de construção.
Em comparação com o ano anterior, continuou havendo expansão das vendas, mas em ritmo mais moderado do que nos meses anteriores. Em seu conceito restrito, registrou +3,4% ante nov/19, depois de ter avançado +7,3% e +8,4% em set/20 e out/20, respectivamente. Em seu conceito ampliado, ficou em +4,1%, também abaixo dos dois meses anteriores (+7,4% e +6,1%).
Este fraco desempenho pode estar associado com a própria pandemia, levando a liquidações menos agressivas em nov/20. Além disso, é difícil não considerar os efeitos negativos da aceleração da inflação no final do ano, sobretudo de alimentos, que retirou poder de compra da população, assim como a redução do auxílio emergencial de R$ 600 para R$ 300. Isso tudo em um contexto de elevado desemprego.
Outro fator é que, dada a reação dos meses anteriores, as bases de comparação já foram recompostas, eliminando efeitos estatísticos que vinham ajudando na obtenção de taxas mais robustas de crescimento. Vale lembrar que o varejo ampliado está 5,2% acima do nível de vendas pré-pandemia.
Em 40% dos dez ramos do varejo acompanhados pelo IBGE, os resultados foram negativos na passagem de out/20 para nov/20. Se comparado com nov/19, esta proporção do setor no vermelho chegou a 50%. Ou seja, para algumas atividades do setor o quadro foi ainda mais adverso.
O resultado negativo nas vendas de móveis e eletrodomésticos (-0,1% ante out/20) e de material de construção (-0,8%) tende a ser uma acomodação, depois do crescimento recente que levou ambos os segmentos a patamares superiores ao pré-pandemia: 17,9% e 18,1% acima de fev/20. São dois ramos que contornaram bem as dificuldades do ano passado e terminaram 2020 no azul, já que até nov/20 acumulam alta de +11,6% e +10,1%. Se houve crise para estes ramos, foi passageira.
Outros dois segmentos do varejo também se saíram bem em 2020, pois, diferentemente da grade maioria das atividades econômicas, foram favorecidas pelo quadro pandêmico. É o caso de artigos farmacêuticos, médicos e de perfumaria, que estão 13% acima de fev/20 e acumulam alta de +7,7% em jan-nov/20; e de supermercados, alimentos, bebidas e fumo, com vendas 3,1% acima de fev/20 e alta de +5% em jan-nov/20. Algo semelhante também ocorre com outros artigos de uso pessoal e doméstico, que incluem as lojas de departamento.
Em contrapartida, o quadro ainda está longe de satisfatório para o ramo de combustíveis, ainda muito afetado pelo baixo nível de atividade econômica geral, e o ramo de veículos e autopeças. No primeiro caso, houve declínio de -0,4% em nov/20 ante out/20, permanecendo 5% aquém do patamar pré-pandemia e acumulando perda de -10% em jan-nov/20.
No caso das vendas de veículos e autopeças, embora estejam 1,9% abaixo de fev/20, conseguiram se manter no positivo na passagem de out/20 para nov/20, mas não deixou de apresentar certa desaceleração. No acumulado do ano até novembro, a queda chega a -15,1% frente a igual período do ano anterior.
Serviços
Em nov/20, mesmo sem ter suas atividades normalizadas devido ao surto de Covid-19 que ainda aflige o país, o setor de serviços registrou mais um mês de recuperação. Seu faturamento real aumentou +2,6% frente ao mês anterior, já descontados os efeitos sazonais. Foi o sexto mês seguido de avanço.
O ritmo de crescimento não só foi superior ao de set/20 e out/20, como novembro também contou com variações positivas em todos os cinco segmentos de serviços identificados pelo IBGE. A alta mais forte veio dos serviços prestados às famílias, de +8,2% com ajuste sazonal, revertendo a tendência de desaceleração dos meses anteriores. Em seguida vieram serviços profissionais (+2,5%) e de transporte (+2,4%).
Muito desse resultado positivo pode estar associado à proximidade das festas de final de ano e férias. Tanto é que o agrupamento especial de atividades turísticas também se saiu bem e cresceu +7,6% ante out/20. O risco é que o aumento do número de casos de Covid-19 em muitas regiões do país venha a retrair a demanda e exigir novas suspensões das atividades nos próximos seguintes.
De todo modo, a distância em relação ao nível de faturamento anterior ao choque da pandemia em mar-abr/20 tem se reduzido. Em nov/20, o setor como um todo estava apenas 3,2% abaixo do patamar de fev/20, mas havia quem estivesse muito mais longe, como serviços prestados às famílias (25,5% abaixo), serviços profissionais, administrativos e complementares (-8,7%) e transportes e correios (-5,1%).
Isto é, os três ramos com melhores resultados na passagem de out/20 para nov/20 coincidem com os que mais distantes estão do pré-pandemia, indicando que bases de comparação muito deprimidas continuam ajudando a obtenção de taxas de crescimento mais expressivas nesta fração do setor.
Em 2021, o fim dos programas emergenciais pode desacelerar a recuperação do PIB e comprometer o resultados destes segmentos dos serviços que têm crescido mais fortemente. Como os serviços pessoais, os administrativos e complementares, que envolvem as atividades de menor qualificação terceirizadas pelas empresas, e os transportes são bastante empregadores, se isso vier a acontecer, pode agravar o quadro do desemprego no país.
É importante a recuperação tenha continuidade porque, nos serviços, poucos são os ramos que já estão entrando em uma fase de dinamismo mais consistente. Ou seja, que já superaram o tombo de mar-abr/20 e que apresentam desempenho recente positivo. É o caso de apenas três grupos de atividade e, em menor medida, de um quarto grupo. Sinal de que os serviços ainda estão sob efeito da pandemia.
São eles: os serviços técnico profissionais, que compreendem serviços de maior qualificação demandados pelas empresas e que tendem a ser melhor adaptados ao home office, com alta de +2,5% em nov/20 e 4,9% acima do patamar de fev/20; serviços de armazenagem e correios, beneficiados pelos resultados da agricultura e das compras online, com +1,6% em nov/20 e 4,7% acima de fev/20; e outros serviços, que é um segmento que reúne um conjunto diversificado de atividades, com variação de +0,5% em nov/20 e 1,6% acima de fev/20.
Os serviços de tecnologia da informação, essenciais em tempos de isolamento social e teletrabalho, também já superaram em muito o patamar pré-crise: 11% acima de fev/20, mas apresentaram certa acomodação na passagem de out/20 para nov/20, quando ficaram virtualmente estáveis, com variação de -0,2%, já descontados os efeitos sazonais.