Carta IEDI
O efeito China no aumento das importações brasileiras
O IEDI vem analisando as relações comerciais entre o Brasil e a China dos últimos anos e seus efeitos para a nossa indústria. Duas Cartas IEDI já foram divulgadas sobre este tema, com foco na complexidade de nossa estrutura econômica e de nossas exportações: Carta n. 1292 “O comércio Brasil-China e nossa perda de complexidade econômica” e Carta n. 1294 “A complexidade das exportações brasileiras e a concorrência da China”.
Adicionalmente, também abordamos os efeitos dos subsídios chineses sobre os fluxos internacionais de comércio no período entre 2009 e 2022, a partir da análise feita por pesquisadores do FMI no estudo “Trade Implications of China’s Subsidies”, de autoria de Lorenzo Rotunno e Michele Ruta, na Carta IEDI n. 1295 “O comércio mundial e os subsídios chineses”.
Na presente edição, damos ênfase ao aumento da penetração de importações no mercado brasileiro de produtos industriais, destacando a contribuição da China. Além disso, também retomamos a discussão sobre os padrões de comércio entre Brasil e China, mas agora sob a perspectiva da intensidade tecnológica dos setores industriais, complementando a análise da Carta n. 1292.
Em síntese, o comércio internacional do Brasil com a China segue um padrão “centro-periferia”, onde o Brasil exporta predominantemente produtos básicos com baixo grau de processamento industrial e importa produtos manufaturados de maior intensidade tecnológica, exacerbando a trajetória de retrocesso industrial do país.
Ou seja, a China aprofunda nossa dependência das exportações de commodities. Vale lembrar o estudo da UNCTAD, discutido na Carta IEDI n. 1101, que argumenta que a experiência internacional indica que os países em desenvolvimento dependentes de commodities permanecem presos por longos períodos em uma situação de baixo crescimento do PIB e fraco desenvolvimento socioeconômico, instabilidade macroeconômica, alta exposição a choques e à volatilidade dos preços internacionais das commodities, entre outros problemas.
Nas últimas décadas, a China vem ganhando market share na pauta de importações do Brasil em ritmo acelerado. Entre 2000 e 2023, a participação da China nas importações brasileiras de bens da indústria de transformação aumentou dez vezes, de 2,5% para 25%. O crescimento foi ainda mais expressivo em alguns setores mais tecnológicos, como equipamentos de informática, produtos eletrônicos e material elétrico, bem como em setores de baixa tecnologia, como têxteis, vestuário e confecções.
Neste estudo, preparado pelo economista Paulo Morceiro para o IEDI, entre outros indicadores, calculamos o coeficiente de penetração das importações no período recente para avaliar o peso das importações no consumo doméstico e a contribuição da China para o aumento desse coeficiente.
Cabe observar que o coeficiente de penetração das importações mensura o peso das importações no consumo doméstico brasileiro, ou melhor, no chamado “consumo aparente” do país, que é a soma da produção industrial doméstica mais importações menos exportações.
A seguir, resumimos os principais resultados.
Entre 2010 e 2023, o coeficiente de penetração das importações da indústria de transformação do Brasil aumentou de 15,8% para 23,2%, ou seja, +7,4 pontos percentuais (p.p.). Isso, vale notar, a despeito de uma desvalorização de 58% de nossa taxa de câmbio real efetiva.
Além de intensa, a elevação da penetração dos importados também foi bastante difundida entre os ramos industriais. Todos os 24 ramos registraram alta, sendo que aquele que mais se aproximou de uma virtual estabilidade foi o ramo de impressão e reprodução, cujo coeficiente passou de 2,66% para 2,72%.
Onde a penetração de importados progrediu mais entre 2010 e 2023 foi na indústria de alta e média-alta intensidade tecnológica, cujo indicador aumentou em quase 50% no período, passando de 25,6% para 39,2% (+13,6 p.p.). Seis dos sete ramos de alta e média-alta tecnologia apresentaram aumentos de dois dígitos.
A China sozinha foi responsável por 42% do aumento do coeficiente de penetração de importações de bens da indústria de transformação no Brasil entre 2010 e 2023. Neste último ano, os produtos industriais chineses responderam por ¼ da penetração de importados do país.
A contribuição da China foi significativa na penetração de importados na maioria dos ramos industriais, superando 50% em mais de 1/3 deles. Todo o aumento do coeficiente nos ramos têxteis, impressão e reprodução, informática e eletrônicos e máquinas e equipamentos se deve exclusivamente à China.
Nos setores de alta e média-alta tecnologia, a contribuição só não foi superior a 30% na farmacêutica e em outros equipamentos de transporte, segmentos onde a Europa e os EUA produzem bens mais sofisticados e ainda são mais competitivos do que a China no comércio internacional.
Para alguns ramos, o período pós pandêmico se destaca como importante momento de elevação do coeficiente de penetração de produtos chineses. São os casos, por exemplo, de couros e calçados e de produtos químicos, para quem o período 2019-2023 responde por metade do aumento do coeficiente do período integral de 2010-2023, de veículos e de informática, eletrônicos e ópticos com 60% do aumento em 2019-2023, e notadamente metalurgia, que inclui o ramo siderúrgico, para quem 90% do aumento da penetração de importados chineses se deu após a pandemia de Covid-19.
Em síntese, produtos importados continuaram avançando no mercado doméstico nos últimos 15 anos, refletindo períodos de apreciação cambial, como em 2004-2012, mas também defasagens tecnológicas, baixa produtividade e deterioração das condições de competitividade da indústria brasileira, ao mesmo tempo que em outros países, como a China, reforçaram ações de promoção de seu desenvolvimento industrial, como discutido nas Cartas IEDI n. 827 de 26/11/18, n. 961 de 29/11/19, n. 1088 de 18/06/21, n. 1094 de 16/07/21 e n. 1171 de 18/11/22, entre outras.
Não por acaso, a China desempenhou um papel preponderante no aumento do coeficiente de penetração de bens importados da indústria de transformação no Brasil, sobretudo em ramos de maior intensidade tecnológica. A isso, se deve agregar a conclusão de outros estudos realizados pelo IEDI, citados inicialmente, que mostram que a China também deslocou produtos industriais brasileiros em mercados externos de peso para o país.
Pari passu a estas trajetórias, verificamos a perda de complexidade econômica do Brasil, comprometendo nossas condições de crescimento econômico e de geração de empregos, como argumentam os professores Ricardo Hausmann da Universidade de Harvard e César Hidalgo do MIT, que desenvolveram a abordagem da complexidade econômica.
Fica, assim, evidente a necessidade urgente de recompormos as condições de competitividade nacional de forma estrutural, por meio de uma adequada reforma tributária, melhoria de nossa infraestrutura e redução do custo de capital ao investimento produtivo, bem como outros fatores há muito defendidos pelo IEDI, como podem ser verificados no documento “Indústria e Estratégia de Desenvolvimento Socioeconômico do Brasil”.
Acelerar a inovação e a atualização tecnológica da indústria nacional, em direção à sustentabilidade e à digitalização, também é vital para inaugurarmos uma nova fase de aumento da sua produtividade, determinante último de sua competitividade de longo prazo. Uma boa implementação da NIB – Nova Indústria Brasil – é um caminho a ser sistematicamente perseguido e aprimorado.
Por fim, e não menos importante, o Brasil deve estar atento a práticas desleais de comércio internacional, aperfeiçoar sua política de defesa comercial e adotar tempestivamente medidas antidumping sempre que forem necessárias.
China e a composição do comércio internacional do Brasil por grau de processamento industrial
O Brasil apresenta um padrão de comércio internacional típico de um país periférico, exportando principalmente bens com baixo grau de processamento industrial e importando produtos industrialmente processados. Esse padrão tem se agravado nas últimas décadas, como veremos a seguir.
Entre 2010 e 2023, a participação de produtos básicos nas exportações brasileiras aumentou de 44,9% para 58,9%, enquanto a parcela de bens manufaturados caiu de 39,0% para 28,3%, como mostra o gráfico abaixo. A fatia de bens semimanufaturados manteve-se estável.
Em contraste, nossa pauta de importação tem se mostrado bastante rígida, concentrada preponderantemente em bens manufaturados, cuja participação elevou-se de 83,1% em 2010 para 84,9% em 2023, após oscilação em torno de 85% ao longo do período.
Atualmente, de cada US$ 10 exportados pelo Brasil, US$ 7 são provenientes de bens básicos e semimanufaturados, enquanto de cada US$ 10 dólares destinados às importações, US$ 8,5 são para bens manufaturados. Esse cenário difere dos países industrializados, que tendem a praticar um comércio intraindústria, exportando e importando majoritariamente produtos industrializados. As cadeias globais de valor (CGVs) têm acentuado essa tendência, concentrando importações e exportações nos mesmos setores industriais.
O Brasil, no entanto, segue um padrão de comércio interindustrial, importando e exportando produtos com estágios de processamento bastante distintos, típico de países menos industrializados. Apesar de possuir um dos maiores parques industriais do mundo, o Brasil tem perdido competitividade em bens manufaturados devido à desindustrialização e ao avanço do comércio com a China.
Nos últimos 15 anos, a China tornou-se o principal parceiro comercial do Brasil, superando os Estados Unidos em 2009 como destino das exportações e em 2012 como origem das importações. Esse avanço reforça e agrava o padrão comercial brasileiro.
Conforme os gráficos a seguir, o Brasil exporta para a China predominantemente produtos básicos (US$ 9 em cada US$ 10 exportados) e importa produtos manufaturados (US$ 10 em cada US$ 10 importados), um padrão de comércio ainda mais desfavorável do que o praticado com o total da economia mundial.
O padrão de comércio entre Brasil e China assemelha-se ao modelo “centro-periferia” de um século atrás, quando o Brasil exportava produtos primários (como café) e importava bens industriais. Atualmente, o Brasil exporta uma variedade de bens primários para a China, como soja, minério de ferro, petróleo, e outros com baixo processamento industrial (carnes, milho, celulose e algodão) e não apenas café como um século atrás. Ou seja, logramos diversificar a pauta, mas sempre no interior do grupo de produtos pouco ou nada processados industrialmente.
Enquanto a pauta de exportações do Brasil com a economia mundial está se especializando regressivamente nos últimos quinze anos, isto é, rumo aos produtos básicos e semimanufaturados; o comércio brasileiro com a China praticamente esgotou tal processo de reprimarização ao atingir quase 100% do total exportado. A participação dos nossos embarques de manufaturados à China (7,6% da pauta) é cerca de ¼ da participação destes bens em nossa pauta total de exportações (28,3%).
Os gráficos a seguir trazem maior detalhamento do grau de processamento industrial por categorias de uso da pauta comercial do Brasil com o mundo e com a China. Cerca de 2/3 do comércio mundial é composto por bens com baixo processamento industrial (matérias-primas, bens intermediários e combustíveis), enquanto o restante é dividido entre bens de consumo não-duráveis (BCND) – as chamadas indústrias leves (alimentos, têxtil, calçados e cosméticos) –, bens de consumo duráveis (BCD) e bens de capital (BK).
Os bens de consumo duráveis (automóveis, motocicletas, eletrodomésticos, computadores e eletrônicos) e bens de capital (máquinas e equipamentos) abarcam as indústrias que possuem elevado grau de processamento industrial, as quais representam os estágios mais difíceis da industrialização por incorporar elevada intensidade tecnológica e densidade de capital por unidade de produto. Também incluem os setores que passaram a mais se organizar em Cadeias Globais de Valor.
Entre 2010 e 2023, a participação de bens intermediários e combustíveis nas exportações brasileiras aumentou de 76,4% para 82,2% (gráfico abaixo). As categorias com maior grau de processamento industrial (BCND, BCD e BK) encolheram, com BCND caindo de 13,4% para 10,8%, BCD de 3,0% para 1,7%, e BK de 7,1% para 5,4% no mesmo período. Nota-se também que à medida que avançamos no grau de industrialização – BCND → BCD/BK – a parcela exportada pelo Brasil ficou menor.
As importações brasileiras, por outro lado, incluem uma maior participação de BK e BCD, que juntas formavam 20,2% da pauta de importações em 2010, reduzindo-se para 15,8% em 2023. Essas categorias dependem da expansão da taxa de investimentos – sobretudo BK – e de crédito acessível. Em 2023, a taxa de investimento caiu para 16,5% do PIB, uma das mais baixas entre os países em desenvolvimento, e o crédito continuou caro, com o Brasil mantendo uma das taxas de juros reais mais elevadas do mundo.
No comércio com a China, o Brasil praticamente não exporta BCD e BK, que representaram menos de 1% do total em 2023. A pauta exportadora é dominada por bens intermediários (principalmente matérias-primas) e combustíveis (petróleo bruto) com baixo grau de industrialização.
Nossas importações da China, por sua vez, incluem uma parcela maior de BK e BCD (19,8%) do que o comércio com o restante do mundo, embora as fatias dessas categorias tenham diminuído desde 2010 (gráfico abaixo, à direita). Vale destacar que os bens intermediários importados da China possuem maior processamento industrial – como insumos químicos, partes e peças de material elétrico e de informática e eletrônica – que os bens intermediários que o Brasil exporta para a China que são essencialmente matérias-primas e bens com baixo processamento industrial.
Em síntese, o padrão de comércio do Brasil vem se deteriorando, especialmente à medida que avança o comércio com a China. O Brasil exporta para o país asiático produtos básicos com baixíssimo grau de processamento industrial e importa produtos industrializados, incluindo bens intermediários e itens de alto valor agregado (BCND, BCD e BK). A próxima seção abordará com mais detalhes como o comércio com a China tem contribuído para essa deterioração.
Avanço da China no comércio com o Brasil desde 1990
Desde o início dos anos 1980, a China tem registrado um crescimento econômico notável, transformando-se de uma economia industrial menor do que a do Brasil em uma potência global. Esse crescimento acelerado ganhou ainda mais força a partir dos anos 2000, com a entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), o que permitiu aos produtos chineses expandirem sua presença no comércio internacional. Em 2009, a China se tornou o maior exportador mundial e o segundo maior importador (atrás apenas dos EUA), posições que mantém até hoje.
O impacto desse crescimento no comércio com o Brasil é evidente. Em 1990, a China ocupava o 14º lugar como destino das exportações brasileiras; em 2000, subiu para 11º e, desde 2009, é o principal destino das exportações do Brasil. Nas importações, a China passou de 14º lugar em 1990 para 9º em 2000, alcançando o 2º lugar uma década depois e, desde 2012, é o maior fornecedor de importações ao Brasil, exceto em 2016, quando foi superada pelos EUA.
Os gráficos a seguir ilustram a evolução da China na pauta de exportações e importações do Brasil por principais agregados setoriais. As exportações de produtos agropecuários e da indústria extrativa mineral para a China cresceram significativamente desde a segunda metade dos anos 1990, atingindo 60% do total exportado no final da década de 2010.
Em 2023, a China foi responsável por mais da metade das exportações brasileiras de bens agropecuários e da indústria extrativa, 30% das exportações totais e 10% das exportações de bens da indústria de transformação. À medida que as exportações para a China aumentam, a participação de produtos primários (agropecuária e extrativa) na nossa pauta exportadora também cresce.
Entre 2000 e 2023, segundo os dados da FUNCEX, a participação da China nas importações de bens da indústria de transformação do Brasil aumentou significativamente de aproximadamente 2,5% para 25% do total, conforme mostra o gráfico a seguir. O Brasil importa essencialmente bens industriais da China.
O próximo gráfico, por sua vez, exibe o peso da China nas exportações e importações de produtos da indústria de transformação do Brasil por intensidade tecnológica. Observa-se um descompasso no comércio por intensidade tecnológica: enquanto as exportações e importações de baixa e média-baixa tecnologia são relativamente equilibradas, há uma grande discrepância no comércio de produtos de alta e média-alta tecnologia.
Entre 2000 e 2023, a participação das importações de alta e média-alta tecnologia da China no total das importações brasileiras aumentou de 2,4% para 24,2%, enquanto as exportações desses produtos para a China cresceram apenas de 0,8% para 2,1%.
As próximas duas tabelas mostram, segundo os dados da FUNCEX, a evolução do peso da China nas exportações e nas importações brasileiras para os principais agregados e setores industriais entre 1990 e 2023.
Durante esse período, a participação da China nas exportações totais do Brasil aumentou de 1,2% para 30,7%, um crescimento de 29,5 pontos percentuais (p.p.). No setor agropecuário, o aumento foi de 53,6 p.p., e na indústria extrativa, de 50,4 p.p.
Na indústria de transformação, a participação da China cresceu 9,3 p.p., passando de 1,2% para 10,5%, especialmente em bens de baixa e média-baixa tecnologia, que tiveram um aumento de 12,0 p.p.. Na produtos de alta e média-alta tecnologia, o aumento foi de apenas 1,6 p.p., de 0,5% para 2,1%.
Assim, a expansão da China na pauta exportadora brasileira se concentrou em produtos primários (agropecuária e indústria extrativa) e nos bens de baixa e média-baixa intensidade tecnológica que possui pouco processamento industrial como papel e celulose (aumento 36,8 p.p. entre 1990 e 2023), fumo (aumento de 15,9 p.p.), alimentos (aumento de 15,2 p.p.) e couros e calçados (aumento de 13,3 p.p.).
A última coluna da primeira tabela a seguir traz as informações da variação em pontos percentuais para todos os setores da indústria de transformação.
Por outro lado, o avanço da China nas importações do Brasil foi expressivo na indústria de transformação e na maioria dos seus setores, sejam eles de maior ou menor intensidade tecnológica conforme exibido na próxima tabela.
Entre 1990 e 2023, a participação da China nas importações dos produtos da indústria de transformação do Brasil aumentou de 0,5% para 24,2%, um aumento de 23,6 p.p. Nos produtos de alta e média-alta tecnologia, o crescimento foi de 25,2 p.p., enquanto nos itens de baixa e média-baixa tecnologia, o aumento foi de 20,0 p.p.
No entanto, alguns setores industriais tiveram aumento ainda mais expressivo. Entre as indústrias de maior intensidade tecnológica, o avanço chinês foi gigante nas indústrias máquinas, aparelhos e materiais elétricos (aumento de 51,5 p.p.), em informática, eletrônicos e ópticos (aumento de 50,1 p.p.) e em máquinas e equipamentos (aumento de 27,4 p.p.).
Nas indústrias de menor intensidade tecnológica, o avanço chinês foi muito robusto em têxteis (aumento de 65,9 p.p.), vestuário e confecções (aumento de 47,5 p.p.), couros e calçados (aumento de 40,5 p.p.), madeira (aumento de 38,0 p.p.), móveis e produtos diversos (aumento de 37,9 p.p.), minerais não-metálicos (aumento de 34,5 p.p.), produtos de metal (aumento de 31,6 p.p.), papel e celulose (aumento de 30,5 p.p.), impressão e reprodução (aumento de 29,1 p.p.), borracha e plástico (aumento de 28,9 p.p.) e metalurgia (aumento de 26,3 p.p.).
A penetração robusta das importações chinesas no mercado brasileiro nas últimas décadas tem preocupado os formuladores de políticas e representantes da indústria preocupados com a desindustrialização da indústria brasileira e de seus setores industriais (tema da Carta IEDI nº 920), elevada dependência dos insumos e componentes importados em setores mais tecnológicos (tema da Carta IEDI nº 929) e com o fraco desempenho da indústria doméstica em relação aos produtos. Mas qual o tamanho do avanço chinês frente à produção industrial brasileira e no consumo doméstico de produtos industriais? A próxima seção procura responder essa pergunta.
Penetração das importações no mercado brasileiro e o avanço chinês
Nesta seção, avaliamos a penetração das importações no mercado brasileiro, destacando o avanço chinês através de dois indicadores tradicionais: o coeficiente de importações e o coeficiente de penetração das importações. O primeiro indicador mensura as importações divididas pela produção industrial brasileira, enquanto o segundo mensura as importações divididas pelo consumo doméstico – ou consumo aparente, que é a soma da produção industrial mais importações menos exportações.
O gráfico a seguir exibe o coeficiente de importação do Brasil com o mundo e com a China. Entre 2010 e 2023, o coeficiente de importações da indústria de transformação brasileira aumentou 7,9 pontos percentuais (p.p.), de 16,4% para 24,3%, indicando que os bens importados pelo Brasil de todos os países corresponderam por cerca de um quarto da produção industrial brasileira em 2023.
No mesmo período, o coeficiente com a China aumentou 3,3 p.p., de 2,6% para 5,9%, significando que os bens importados da China corresponderam a 5,9% da produção industrial do Brasil. Isso implica que a China foi responsável por 41,4% do aumento no coeficiente de importações do Brasil durante esse período (3,3 p.p. dividido por 7,9 p.p.).
Na indústria de alta e média-alta tecnologia, o coeficiente de importações aumentou 23,4 p.p., de 30,2% para 53,6%, ou seja, aumentou 1,8 vez no período. No gráfico abaixo, a maior inclinação da linha de alta e média-alta tecnologia no comércio brasileiro com a China indica um aumento relativo ainda maior nesse período, com seu coeficiente de importação quase triplicando (2,9 vezes) entre 2010 e 2023. Em contrapartida, a indústria de baixa e média-baixa tecnologia ainda apresenta um coeficiente de importação baixo, mas também aumentou no período em tela: 1,3 vez no total e 1,7 vezes no caso das importações da China.
As próximas duas tabelas exibem os coeficientes de importação do Brasil com a economia mundial e com a China, respectivamente, para todos os setores industriais entre 2010 e 2023.
O coeficiente de importações cresceu em 22 dos 24 setores industriais, com aumentos maiores concentrados nas indústrias mais tecnológicas. Setores como outros equipamentos de transporte, farmacêutica, e informática e eletrônicos tiveram aumentos superiores a 40 p.p.. Química, e material elétrico também apresentaram expansões significativas, acima de 20 p.p., enquanto veículos registraram um aumento superior a 10 p.p..
Em 2023, as importações superaram mais da metade da produção industrial em quatro dos sete setores de alta e média-alta tecnologia. Nos setores de baixa e média-baixa tecnologia, o aumento mais expressivo (de 24,0 p.p.) deve-se aos produtos diversos, setor que inclui o segmento de máquinas e equipamentos médico-hospitalar que o Brasil tem elevada dependência do exterior.
A tabela abaixo revela aumentos expressivos nos coeficientes de importação do Brasil com a China, especialmente nas indústrias de alta e média-alta tecnologia, como informática e eletrônicos, material elétrico e produtos químicos.
O gráfico a seguir, por sua vez, mostra a contribuição da China no aumento do coeficiente de importação do Brasil entre 2010 e 2023. Como mencionamos antes, a China contribuiu com 41,4% do aumento no coeficiente de importações da indústria de transformação do Brasil no período avaliado. Tal contribuição varia por setor industrial desde 1,9% em alimentos até 100% em têxteis, impressão e máquinas e equipamentos. Observa que a contribuição da China no coeficiente de importações do Brasil é elevada em vários setores de maior e menor intensidade tecnológica.
A seguir, é analisada a evolução do coeficiente de penetração das importações, que como dito anteriormente mede a presença dos importados no consumo doméstico.
Entre 2010 e 2023, o coeficiente de penetração das importações da indústria de transformação do Brasil aumentou 7,4 p.p., de 15,8% para 23,2%, indicando que os bens importados pelo Brasil de todos os países corresponderam a 23,2% do consumo aparente do país em 2023. No mesmo período, o coeficiente com a China dobrou, aumentando 3,1 p.p., de 2,5% para 5,6%. Isso significa que os bens importados da China corresponderam a 5,6% do consumo aparente brasileiro em 2023. Assim, a China foi responsável por 42,0% do aumento no coeficiente de penetração das importações do Brasil durante esse período (3,1 p.p. dividido por 7,4 p.p.).
O coeficiente de penetração das importações para a indústria de alta e média-alta tecnologia aumentou 13,6 p.p., de 25,6% para 39,2% (gráfico abaixo), ou seja, aumentou 1,5 vez no período. A maior inclinação das linhas da indústria de transformação e dos bens de alta e média-alta tecnologia no comércio brasileiro com a China indica um aumento relativo ainda maior no mesmo período, de 2,4 vezes entre 2010 e 2023.
As tabelas a seguir, por sua vez, exibem os coeficientes de penetração das importações do Brasil com a economia mundial e com a China, respectivamente, para todos os setores industriais entre 2010 e 2023.
O coeficiente de penetração das importações aumentou em todos os 24 setores industriais nesse período, embora o ramo de impressão e reprodução tenha ficado muito próximo de um quadro de estabilidade.
Seis das sete indústrias de alta e média-alta tecnologia registraram aumentos superiores a 10 p.p. Em 2023, do total consumido no Brasil pelas famílias, empresas e governo em outros equipamentos de transporte, 60,1% tinham origem estrangeira. Produtos de informática e eletrônicos alcançaram 54,6%, produtos farmacêuticos 49,1%, produtos químicos 39,6%, máquinas e equipamentos 37,4%, máquinas e materiais elétricos 35%, e veículos 25,5%.
Em metade das indústrias de baixa e média-baixa tecnologia, os importados ainda representam menos de 10% do consumo doméstico, mas já alcançam 39,2% em produtos diversos, 23,8% em produtos metalúrgicos e 19,4% dos têxteis em 2023. Portanto, os importados já possuem penetração elevada do consumo doméstico nas indústrias mais tecnológicas deste grupo.
Um aumento substantivo no coeficiente de penetração das importações é prejudicial para a indústria local por várias razões. Tal coeficiente capta a participação das importações no mercado doméstico. Quando ele aumenta significativamente, indica que uma parcela crescente do consumo interno está sendo suprida por produtos importados, em detrimento da produção nacional.
Em primeiro lugar, isso significa que a indústria local está perdendo espaço no mercado doméstico. Com uma maior presença de produtos importados, a demanda por produtos fabricados internamente diminui, levando a uma redução nas vendas e na produção das empresas nacionais. Isso pode resultar em cortes na produção, fechamento de fábricas e perda de empregos, impactando negativamente a economia como um todo. A redução da produção nacional também enfraquece as cadeias produtivas locais, diminuindo a capacidade de inovação e de desenvolvimento tecnológico da indústria doméstica.
Além disso, um alto coeficiente de penetração das importações pode levar à dependência excessiva de fornecedores estrangeiros, o que apresenta riscos à resiliência das cadeias, como a pandemia de Covid-19 evidenciou em diversas partes do mundo. Essa dependência se torna particularmente crítica diante do levante de barreias ao comércio internacional e ao aumento da frequência e intensidade de desastres climáticos que temos assistido. Quando uma nação depende fortemente de produtos importados – como o Brasil em alguns setores de maior intensidade tecnológica –, ela se expõe às flutuações nos preços internacionais e às políticas comerciais de outros países, que podem ser imprevisíveis e desfavoráveis.
A vulnerabilidade da indústria nacional pode se manifestar de várias maneiras. Por exemplo, se um país fornecedor decidir impor tarifas mais altas, restrições à exportação ou enfrentar problemas de produção, a economia brasileira dependente desses produtos sofrerá escassez, aumento de preços e possíveis paralisações na produção local. Tais situações não apenas perturbam o funcionamento regular das indústrias, mas também podem levar a aumentos significativos nos custos de produção, tornando os produtos nacionais menos competitivos tanto no mercado interno quanto no externo.
Além dos riscos econômicos imediatos, essa dependência dificulta a implementação de políticas industriais que visam fortalecer e diversificar a produção doméstica. A falta de uma base industrial robusta limita a capacidade de inovação e desenvolvimento tecnológico dentro do país, uma vez que as empresas locais não têm o mercado e o incentivo necessários para investir em novas tecnologias e processos. Isso cria um ciclo vicioso onde a falta de competitividade da indústria nacional leva a mais importações, que por sua vez enfraquecem ainda mais a produção interna. A longo prazo, essa situação compromete a soberania econômica do país, reduzindo sua capacidade de reagir e se adaptar a crises econômicas externas e de promover um crescimento sustentável e autônomo.
A próxima tabela mostra que o coeficiente de penetração das importações do Brasil com a China aumentou na maioria dos setores, especialmente nas indústrias de alta e média-alta tecnologia.
O Gráfico abaixo sintetiza as duas tabelas anteriores, mostrando que a China contribuiu com 42,0% do aumento no coeficiente de penetração das importações dos produtos da indústria de transformação brasileira entre 2010 e 2023.
A contribuição da China foi significativa na maioria dos setores industriais, superando 50% em mais de um terço dos setores industriais. Nos setores de alta e média-alta tecnologia, a contribuição só não foi superior a 30% na farmacêutica e em outros equipamentos de transporte, segmentos onde a Europa e os EUA ainda são mais competitivos que a China no comércio internacional.
Conclusão
Em síntese, entre 2010 e 2023, o coeficiente de penetração das importações no Brasil aumentou de modo substancial, sobretudo em alguns setores mais tecnológicos. A China desempenhou um papel crucial nesse aumento, consolidando-se como um dos principais fornecedores de bens manufaturados para o Brasil. Esse fenômeno merece atenção, especialmente no contexto de um baixo crescimento do PIB e do consumo doméstico durante o mesmo período.
O aumento da penetração das importações no mercado brasileiro, particularmente com a contribuição significativa da China, revela um cenário onde a competitividade da indústria brasileira tem sido desafiada de maneira intensa.
A China, com suas vantagens competitivas em mão de obra barata, forte política industrial e tecnológica, escala industrial gigantesca e políticas governamentais de promoção das exportações, conseguiu oferecer produtos a preços e condições que a indústria brasileira não conseguiu igualar. Isso levou a uma substituição de produtos nacionais por importados, afetando negativamente a produção interna.
O baixo crescimento do PIB e do consumo doméstico durante o período agrava ainda mais a situação. Em um cenário de crescimento econômico modesto, a demanda interna por bens não cresceu de forma robusta, limitando as oportunidades para expansão da produção doméstica. No entanto, mesmo com a demanda estagnada, a participação dos produtos importados, especialmente chineses, aumentou. Isso indica que a indústria brasileira perdeu terreno em termos de competitividade, incapaz de sustentar ou aumentar sua participação no mercado interno.
Esse deslocamento de market share para os produtos importados tem várias implicações negativas. Primeiramente, a perda de competitividade da indústria nacional pode resultar em fechamento de fábricas, redução de empregos e menor investimento em inovação e tecnologia.
Empresas locais, enfrentando concorrência de produtos importados mais baratos, podem ter que reduzir seus custos de produção, o que muitas vezes implica cortes na força de trabalho e menor investimento em P&D.
Além disso, a dependência crescente de importações pode tornar a economia brasileira mais vulnerável a choques externos, como mudanças nas políticas comerciais globais ou flutuações nas taxas de câmbio.
Para enfrentar esses desafios, é essencial que o Brasil adote políticas que promovam a competitividade da indústria nacional. Isso inclui investimentos em infraestrutura, incentivos à inovação, reforma tributária, crédito a juros competitivos e medidas de defesa comercial para combater práticas desleais de comércio. Sem uma estratégia robusta para fortalecer a indústria doméstica, o Brasil corre o risco de aprofundar sua desindustrialização, comprometendo seu crescimento econômico e sua capacidade de competir no cenário global.