Carta IEDI
Indústria brasileira e sua dependência de insumos importados
A indústria brasileira enfrenta, já há algumas décadas, uma situação de baixíssima competitividade, cujas causas, embora bastante conhecidas, têm se mostrado de difícil resolução. Quanto mais adiamos as soluções, maior o regresso industrial do país e, consequentemente, maiores os entraves ao desenvolvimento e ao crescimento econômico sustentado. Esta Carta – elaborada a partir de estudo de Paulo Morceiro (USP) para o IEDI – trata da penetração de insumos importados nas cadeias produtivas da indústria.
Como o documento do IEDI “Indústria e o Brasil do Futuro” destacou, os problemas de competitividade são das mais variadas naturezas, incluindo fatores de custos sistêmicos, como níveis de taxas de juros descolados da realidade internacional, escassas fontes de financiamento de longo prazo, sistema tributário complexo e oneroso, infraestrutura insuficiente e deficiente; e modestos ganhos de produtividade devido ao ambiente de baixo investimento em que se encontra o país. Tudo isso pontuado por longos episódios de sobreapreciação cambial.
As consequências são as mais adversas. A participação da indústria de transformação regride na estrutura produtiva desde os anos 1980, chegando ao mínimo de 11,3% do PIB em 2018. Pior, foi nos ramos de maior intensidade tecnológica que este retrocesso se mostrou mais grave (Carta IEDI n. 920). No comércio internacional de bens industriais nossa presença, que já era marginal, encolheu ainda mais, passando de 0,8% das exportações totais de manufaturas em 2006 para 0,6% em 2017 (Carta IEDI 892).
Mas não foi apenas a competitividade externa da indústria brasileira que foi prejudicada. Em nosso próprio mercado doméstico, a produção nacional foi comprimida pelos importados. É o que sugere o saldo de balança comercial da indústria de transformação no Brasil, que reverteu um superávit de US$ 31,4 bilhões em 2005 em um déficit de US$ 63,6 bilhões em 2014 e que poderia ter sido ainda pior não fosse a magnitude da crise econômica de 2015/2016 que arrefeceu o ímpeto importador do país.
O estudo de Paulo Morceiro preparado para o IEDI mostra outra consequência deletéria dessa perda de competitividade: o esgarçamento do sistema industrial decorrente da maior penetração de insumos e componentes importados sem contrapartida do aumento da produção. Dados da Pesquisa Industrial Anual - IBGE foram utilizados para abordar este tema na fase crescimento do PIB do país, de 2003/2004 a 2013/2014, e em 2016, último ano da crise recente.
A questão é da maior importância porque o avanço de insumos importados nas cadeias produtivas, embora possa contribuir para o aumento da produtividade e competitividade da economia, também pode ter efeito negativo sobre os fornecedores domésticos, reduzir os encadeamentos intersetoriais e limitar o desenvolvimento tecnológico, que passa, cada vez mais, a ser conduzido pelos fornecedores estrangeiros dos componentes principais. Ademais, ao reduzir a transformação industrial, aumenta as etapas de montagem com uso de mão de obra pouco qualificada e de baixos salários, provocando, desse modo, menor geração de valor adicionado.
A seguir, são apresentadas suscintamente os principais resultados do estudo.
A manufatura brasileira apresentou um aumento significativo no coeficiente importado de insumos e componentes comercializáveis (CIICC) na fase de crescimento econômico dos anos 2000. De 2003/2004 a 2013/2014, o CIICC da indústria de transformação aumentou de 16,5% para 24,4%.
Na origem disso está a categoria de alta e média-alta intensidade tecnológica, cujo CIICC registrou alta bastante superior à média geral da indústria de transformação: de 26,3% para 38,7%.
Na crise econômica recente, porém, devido ao caráter pro cíclico de nossas importações, o CIICC da indústria de transformação recuou, mas muito moderadamente para 22,3%. Entretanto, a penetração de insumos importados na alta e média-alta tecnologia avançou ainda mais, chegando a 41,4%.
Explica esta evolução da indústria mais intensiva em tecnologia o fato de o Brasil não produzir vários componentes tecnológicos chave, o que confere rigidez às importações destes insumos. Além disso, devido à gravidade da crise, é provável que plantas produtoras de intermediários tecnológicos, que já vinham sofrendo com o câmbio apreciado e o Custo Brasil na fase anterior de expansão, não tenham resistido e tiveram que interromper suas operações.
Assim, se o grau de adensamento produtivo da indústria brasileira permanece relativamente elevado, isto se deve aos ramos de menor intensidade tecnológica, que têm peso expressivo em nossa estrutura produtiva. Em outras palavras, a competitividade nos setores de baixa e média-baixa tecnologia intensivos em insumos agropecuários, minerais e energéticos evitam uma deterioração ainda maior do indicador CIICC do Brasil.
É principalmente por esta razão que o adensamento industrial do Brasil se mostra mais elevado do que a média dos quinze países com os maiores parques industriais do mundo. Ficamos na frente de países como China e Rússia, mas também dos Estados Unidos e do Japão. Na alta e média-alta tecnologia, porém, a penetração de insumos importados é maior do que nestes países, bem como na Coreia do Sul e Índia, e do que a média internacional.
Ao detalhar o panorama, levando em conta 258 classes industriais, o estudo inédito de Paulo Morceiro mostra que mais da metade das classes industriais de alta e média alta intensidade tecnológica possui conteúdo importado de insumos intermediários moderado a elevado. Os casos de maior esgarçamento envolvem setores como: Eletrônicos, informática e ópticos; Outros equipamentos de transportes; Química e Farmacêutica. Parte expressiva desses setores assemelham-se a uma maquiladora.
Isso ocorre na indústria de maior tecnologia porque, nas últimas décadas, o Brasil perdeu competitividade em preço devido aos períodos longos de apreciação cambial, Custo Brasil e aumento da competitividade dos concorrentes estrangeiros. Certamente, a perda de competitividade tecnológica também contribui para explicar as áreas em que o conteúdo importado é maior.
Ademais, o país também não teve uma vigorosa política de transformação produtiva focada na inovação e na exportação, tanto no período de industrialização quanto no período posterior como tiveram os países avançados, além de emergentes como Coreia do Sul e a China.
Assim, sempre que a fronteira tecnológica se expande, como está ocorrendo novamente com a emersão da Indústria 4.0, as importações brasileiras aumentam para suprir a nova demanda das empresas e dos consumidores por insumos intermediários avançados e produtos novos.
Por isso, a perspectiva para o futuro não é das melhores. O país precisa urgentemente de uma política industrial moderna para não perder, de novo, as janelas de oportunidade que se abrem no início de uma nova revolução industrial e para não ficar permanentemente para trás na corrida do desenvolvimento.
Introdução
A indústria de transformação vem crescendo abaixo do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil desde 1981 na maioria dos anos e, consequentemente, tem contribuído paulatinamente menos para a formação do PIB. Em 2018, representou apenas 11,3% do PIB brasileiro. Esta é uma consequência da perda de competitividade do setor tanto para concorrer nos mercados internacionais, como para concorrer no mercado interno com os produtos importados. Além da importação de bens industriais acabados, também cresceu nas últimas décadas nossas compras externas de insumos, partes e componentes que contribuíram para a perda de adensamento das cadeias produtivas da indústria brasileira.
Esta Carta IEDI, baseado no estudo de Paulo Morceiro (USP), cuja íntegra se encontra disponibilizada no site do IEDI, mapeia o grau de adensamento produtivo de 26 setores e 258 classes da indústria de transformação, mensurando-o pelo coeficiente importado de insumos e componentes comercializáveis (CIICC). Quanto mais alto este coeficiente, menor o adensamento doméstico. Com isso, busca-se identificar as classes industriais mais comprometidas pela importação de insumos intermediários, isto é, os segmentos produtivos com menor grau de transformação industrial. Foram empregados, principalmente, os dados da Pesquisa Industrial Anual - Empresa (PIA-E) do IBGE.
Significado de adensamento e esgarçamento produtivo
Um segmento industrial está conectado, direta e indiretamente, com diversos segmentos produtivos por meio das relações de compras e vendas de matérias-primas, partes, peças, acessórios, componentes, serviços e tecnologias. Daí a importância que a indústria tem para o crescimento das economias. Quanto mais longa a cadeia de fabricação de um produto, maior e mais densa será a teia de ligações intersetoriais. Essa rede produtiva é chamada pelos economistas de tecido industrial ou malha manufatureira.
Em um tecido industrial adensado, os produtores domésticos comercializam a maioria dos insumos e componentes entre eles, mantendo, dessa forma, ligações intersetoriais densas. Assim, ao crescer a demanda por um produto, desencadeia-se produção adicional de um amplo conjunto de segmentos a ele conectados na rede produtiva, multiplicando os efeitos dinamizadores sobre o PIB, o emprego e a massa salarial, mas também sobre a arrecadação tributária.
Além desses efeitos cíclicos, à medida em que os segmentos industriais se adensam outros efeitos positivos também ganham terreno, dentre os quais podem ser citados:
i) economias externas para outros segmentos, isto é, transbordamentos e sinergias em termos de desenvolvimento tecnológico, mão de obra qualificada, infraestrutura logística e fornecedores especializados;
ii) investimentos complementares;
iii) redução de custos de produção de produtos novos, facilitando a diversificação produtiva.
Logo, o “esgarçamento” ou “desadensamento” dos segmentos industriais provoca efeitos contrários a todos estes acima mencionados. Uma indústria maquiladora é um exemplo clássico de esgarçamento, na qual se importam praticamente todos os insumos e componentes comercializáveis, gerando emprego de montagem com salários baixos e pouca contribuição científica e tecnológica para o sistema nacional de inovação.
Há de se diferenciar, contudo, baixo adensamento produtivo em estágios iniciais de industrialização daquele de economias em estágios mais avançados de industrialização. De um lado, nos estágios iniciais, as importações são essenciais para movimentar as plantas industriais recém-instaladas, complementando a produção industrial, incorporando tecnologias de última geração e contribuindo para elevar a competitividade das exportações domésticas.
Por outro lado, em economias já industrializadas, quando a penetração de insumos e componentes importados aumenta sem contrapartida da produção industrial, pode-se gerar um efeito negativo sobre os fornecedores domésticos de insumos intermediários, reduzir os encadeamentos intersetoriais e limitar o desenvolvimento tecnológico, que passa, cada vez mais, a ser conduzido pelos fornecedores estrangeiros. Ademais, reduz as transformações industriais e aumenta as etapas de montagem com uso de mão de obra pouco qualificada e de baixos salários, provocando, desse modo, menor geração de valor adicionado.
Indicador de penetração dos insumos importados
O coeficiente importado de insumos e componentes comercializáveis (CIICC), conforme a equação abaixo, será utilizado para mensurar o grau de adensamento produtivo da indústria de transformação brasileira. Quanto maior o CIICC, menor o adensamento produtivo, e vice-versa.
Nota-se que IICC são as importações de insumos e componentes comercializáveis e TICC o total dos insumos e componentes comercializáveis. O subscrito s indica a classe ou setor industrial.
Os insumos e componentes comercializáveis são aqueles que efetivamente sofrem concorrência com o exterior, os quais são produzidos pela agropecuária, indústria extrativa e indústria de transformação. Este estudo utilizou como insumos e componentes comercializáveis as “matérias-primas, materiais auxiliares e componentes (incluindo material de embalagem, combustíveis usados como matéria-prima e lubrificantes)” da tabulação especial da PIA-E.
O CIICC é um indicador mais depurado porque exclui os insumos intermediários pouco ou não comercializáveis com o exterior, os quais são adensados por natureza técnica. Os insumos não/pouco comercializáveis são fornecidos pelos setores de serviços de utilidade pública, construção civil, comércio e serviços.
Esses insumos são ofertados majoritariamente por fornecedores domésticos, sofrem pouca pressão competitiva do exterior e, por isso, têm um peso baixo nos insumos e componentes importados. De acordo com a última matriz de insumo-produto brasileira (com dados de 2015), os insumos e componentes não/pouco comercializáveis representaram apenas 8,2% de todas as importações de insumos intermediários da indústria de transformação, portanto, 91,8% são de itens comercializáveis. Assim, necessariamente, a análise do grau de adensamento produtivo passa pelos insumos e componentes comercializáveis.
Vale frisar, por fim, que o CIICC capta apenas as importações diretas, ou seja, não capta a parcela das importações realizadas de modo indireto, embutida nos insumos e componentes fabricados no Brasil com matérias-primas, partes e peças previamente importados. Deste modo, ainda pode estar subestimado o percentual importado de insumos e componentes comercializáveis, sobretudo em cadeias produtivas mais longas.
O avanço dos insumos importados na expansão: de 2003/2004 a 2013/2014
Entre 2003/2004 e 2013/2014, o Brasil passou pelo período de maior crescimento industrial desde os anos 1970. Nem por isso, a indústria brasileira se beneficiou integralmente desta fase de maior dinamismo. Nesta década, o CIICC da manufatura brasileira aumentou nada menos do que quase cinquenta por cento, saltando de 16,5% para 24,4%. Esta foi a magnitude do crescimento econômico que escapou para além das fronteiras do país e gerou emprego e renda em outras partes do mundo.
Setorialmente, a diminuição da densidade produtiva (aumento do CIICC) foi generalizada, principalmente entre os setores de alta e média-alta intensidade tecnológica. Entre 2003/2004 e 2013/2014, a categoria de maior tecnologia apresentou aumento significativo do CIICC, de 26,3% para 38,7%, puxada, sobretudo, pelos setores de informática, eletrônicos e ópticos; máquinas e equipamentos; equipamentos e materiais elétricos; outros equipamentos de transportes; e indústria química – setores com aumento de no mínimo 10 pontos percentuais (p.p.) no CIICC.
No último biênio em questão, a categoria de alta e média-alta tecnologia apresentou CIICC quase três vezes superior ao da categoria de baixa e média-baixa tecnologia, como pode ser visto na tabela a seguir.
Entre os setores de alta e média-alta, o setor automobilístico é o mais adensado e o de informática, eletrônicos e ópticos o menos adensado. O primeiro importou um quarto dos insumos e componentes comercializáveis e, o último, importou três quartos em 2013/2014.
Neste biênio 2013/2014, os três setores menos adensados foram informática, eletrônicos e ópticos; farmacêutica; e outros equipamentos de transporte. Eles possuem elevado potencial de desenvolvimento tecnológico e grande parte dos gastos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) concentram-se nos componentes eletrônicos, nos princípios ativos para a fabricação de medicamentos e nos principais componentes da aviação. Dessa maneira, o país é muito dependente de tecnologia embarcada nos insumos e componentes adquiridos do exterior.
Embora a categoria de baixa e média-baixa tecnologia possua CIICC baixo, três setores apresentaram aumento superior a 10 p.p. e cinco superiores a 5 p.p.. O setor de refino de petróleo foi o menos adensado desta categoria, seguido pela indústria metalúrgica. Em ambos os casos, porém, importam insumos não competitivos, isto é, não ofertados por fornecedores domésticos por questões técnico-produtivas.
Em termos agregados, porém, o CIICC da indústria brasileira de transformação poderia ser ainda maior se as empresas em operação no Brasil mantivessem processos produtivos atualizados e práticas de importação mais frequentes. Vale ressaltar que apenas duas de cada dez empresas no país com mais de 30 pessoas ocupadas (19,9% do total) importaram insumos e componentes no biênio de 2013-4 e não houve modificação nesse cenário em relação ao início da década de 2000 (18,9%).
O contraste por intensidade tecnológica é claro. Na categoria de baixa e média-baixa tecnologia apenas 13,9% das empresas importaram insumos e componentes para consumo no processo produtivo. No caso da alta e média-alta, esta parcela foi de 44,0%. De qualquer forma, poucas empresas brasileiras com mais de 30 funcionários acessaram os insumos intermediários do exterior que, geralmente, tendem a se aproximar mais da fronteira tecnológica e/ou possuem preços mais competitivos.
O Brasil frente às maiores potências industriais do mundo
A tabela a seguir exibe informações do CIICC para os 15 países manufatureiros líderes (China, Estados Unidos, Japão, Alemanha, Coreia do Sul, Índia, Itália, Reino Unido, França, México, Brasil, Indonésia, Canadá, Espanha e Rússia), que, juntos, foram responsáveis por cerca de 80% do produto manufatureiro mundial em 2015. Os dados contemplam divisão de atividade e categorias tecnológicas.
No caso do Brasil há informações de duas fontes, uma da WIOD, mais adequada para a comparação internacional, e outra da PIA-E/IBGE, mais usualmente utilizada nas pesquisas sobre o tema no Brasil. Como os países não divulgam matrizes de insumo-produto anualmente, os dados da WIOD são estimados a partir de técnicas de fronteira na área de insumo-produto e os dados da PIA-E/IBGE não são estimados, mas sim gerados a partir de pesquisas com todas as empresas com 30 ou mais pessoas ocupadas, responsáveis por cerca de 95% da produção industrial brasileira e, por isso, é uma medida mais aderente à realidade da situação brasileira.
Nota-se, na tabela acima que o CIICC da manufatura brasileira é 19,9%, segundo os dados da WIOD, e 24,3%, de acordo com a PIA-E/IBGE. A divergência se dá menos em função dos da indústria de baixa e média-baixa intensidade tecnológica (16% e 13,4%, respectivamente) e mais devido à de alta e média-alta tecnologia (28,1% e 38,7%, respectivamente).
De todo modo, em termos agregados, seja qual for a medida utilizada, a indústria de transformação brasileira apresenta indicador inferior à média de 31,2% das 15 maiores potências industriais do mundo. O CIICC do Brasil segundo dados da WIOD é superior ao da China e ao da Rússia e não está muito distante dos valores apresentados por Japão e Estados Unidos. Já o indicador construído a partir das informações mais acuradas do IBGE coloca o Brasil na frente de todos estes quatro países.
Tomando a WIOD como fonte, o CIICC da manufatura brasileira como um todo está 36% abaixo da média dos líderes industriais. A categoria de baixa e média-baixa tecnologia, porém, está ainda mais aquém: 43% abaixo da média desta categoria nos líderes manufatureiros. Em contrapartida, a categoria de alta e média-alta tecnologia encontra-se 25% abaixo.
Já segundo os dados da PIA/IBGE, o CIICC da indústria de transformação do Brasil está 22% abaixo da média dos líderes industriais, em função apenas da categoria de baixa e média-baixa tecnologia, que está 53% aquém da média desta categoria nos líderes manufatureiros. A categoria de alta e média-alta tecnologia, por sua vez, encontra-se ligeiramente acima. Ou seja, em ambas as medidas, o que puxa o CIICC brasileiro para baixo são os ramos de menor intensidade tecnológica.
Setorialmente, entre os 15 países aqui comparados, o Brasil detém, segundo a PIA/IBGE, o terceiro maior CIICC na farmacêutica, na informática, eletrônicos e ópticos e nos outros equipamentos de transporte, está em sexto na química, em sétimo em máquinas e equipamentos mecânicos, em oitavo em equipamentos e materiais elétricos e em décimo na automobilística. Ou seja, o setor automotivo é o de menor penetração das importações de insumos e componentes comercializáveis.
Entre os setores de baixa e média-baixa intensidade tecnológica, o CIICC brasileiro fica no último terço dos 15 países. Todos os setores brasileiros de menor tecnologia estão abaixo da média. Vale ressaltar que nestes setores o Brasil tem competitividade na oferta de insumos agropecuários, minérios e energéticos.
Entre os líderes manufatureiros, três países – China, Alemanha e Coreia do Sul – são mencionados nos estudos internacionais com inserção positiva nas cadeias globais de valor, pois importam bastante insumos e componentes e também são grandes exportadores. No entanto, cada país está numa posição diferente da tabela acima.
A Alemanha, junto com França e Canadá, é o país que possui o maior CIICC, de 47,3%. A Coreia do Sul segue a média mundial, com CIICC de 31,4%. E a China, por sua vez, apresenta o menor de todos os CIICC, de apenas 9%. Dessa maneira, não parece ser uma pré-condição ter um CIICC elevado para ter sucesso na globalização atual.
A comparação internacional, segundo a tabela acima, também sugere que países populosos possuem maior adensamento produtivo que países menos populosos. Países pequenos apresentam possibilidades de especialização em um número menor de setores, pois são limitados pelo tamanho do seu mercado e, dessa maneira, precisam importar mais que países grandes. Confirma isso o fato de que os três maiores parques industriais do mundo, Estados Unidos, Japão e China, responsáveis por 51% do valor adicionado manufatureiro mundial, são países populosos e possuem CIICC bem abaixo da média dos países manufatureiros líderes.
O Brasil segue estes três líderes manufatureiros, ficando abaixo da média internacional, mas destoa por apresentar CIICC na indústria de alta e média-alta tecnologia muito acima da deles. Considerando os dados da PIA/IBGE, os setores de maior intensidade tecnológica também ficam acima da média dos 15 países líderes na categoria de alta e média-alta. Em contrapartida, o CIICC da categoria de baixa e média-baixa tecnologia está mas muito abaixo da média internacional.
Em síntese, o Brasil possui grau de adensamento produtivo superior à média dos quinze países manufatureiros líderes, principalmente porque a categoria de baixa e média-baixa tecnologia é muito adensada. Alguns fatores podem explicar isso, como o número baixo de empresas que compram insumos e componentes comercializáveis do exterior, o elevado peso dos setores de menor intensidade tecnológica na estrutura produtiva e porque o Brasil é um país populoso e grande territorialmente. No entanto, usando as informações do IBGE, a categoria de alta e média-alta possui adensamento produtivo inferior à média dos quinze países líderes, inclusive dos Estados Unidos, China, Japão e Coreia do Sul (casos de sucesso em diversas análises).
Evolução da penetração dos insumos importados na crise
O período recente de crise, que no caso da indústria somou três anos, de 2014 a 2016, teve consequências severas sobre o tecido industrial. Do biênio 2013/2014 até 2016, houve redução de 4.936 empresas e 846 mil pessoas ocupadas na produção industrial, o que corresponde a um declínio de 13,1% e de 16,8%, respectivamente. O nível de atividade do setor mergulhou em contração, o que também afetou negativamente as importações de insumos e bens manufaturados. Os setores mais impactados foram os de maior intensidade tecnológica.Como esperado, o CIICC no agregado da indústria de transformação diminuiu durante a crise, passando de 24,4% em 2013/2014 para 22,3% em 2016. Essa diminuição se verifica devido à característica pró-cíclica assumida pelas importações brasileiras, que é mais elástica comparativamente a produção nacional, nas fases tanto de expansão como de retração.
Entretanto, nem todos os ramos industriais seguiram a mesma trajetória geral de redução da penetração de importados. A categoria de alta e média-alta tecnologia andou em direção oposta e registrou ligeiro aumento no coeficiente importado de insumos e componentes comercializáveis de 39,7% em 2013/2014 para 41,4% em 2016. Com exceção de informática, eletrônicos e ópticos, todos os demais setores de alta e média-alta registraram aumento no CIICC.
Isso pode ter ocorrido devido ao fato da rigidez de parcela significativa das importações dos insumos e componentes tecnológicos feitas pelos setores de alta e média-alta tecnologia. Ou seja, como o Brasil não produz tais insumos e componentes, em que novas tecnologias são incorporadas frequentemente, o país depende substancialmente de importações. Ao lado deste aspecto estrutural, a crise recente pode ter levado ao fechamento de plantas produtoras de insumos intermediários, que já vinham sofrendo, no período anterior, com a valorização da moeda nacional. Nota-se também que o percentual de empresas que importaram insumos e componentes aumentou durante a crise, denotando substituição de produção doméstica por importações.
Detalhamento do quadro em 258 segmentos industriais em 2016
Esta seção busca mapear com maior detalhe o quadro de adensamento industrial em 2016, último ano com informações disponíveis. São analisadas 258 classes da indústria de transformação brasileira.
Na figura a seguir, as formas geométricas correspondem ao valor bruto da produção industrial (VBPI) das classes industriais agrupadas nos seus respectivos setores de origem e em duas categorias tecnológicas. As cores representam o coeficiente importado de insumos e componentes comercializáveis (CIICC). As cores branca, cinza e azul claro representam, nessa ordem, as classes industriais mais adensadas, que juntas compõem aproximadamente três quartos do número total de classes; as cores preta, vermelha, laranja e amarela representam as classes menos adensadas, que juntas somam 71 classes industriais que importaram percentual superior a 30% de insumos e componentes comercializáveis. Vale recordar que o CIICC médio dos 15 países que possuem os maiores parques industriais do mundo foi de 31,2%. Assim, essas 71 classes importaram percentual de insumos e componentes no mínimo similar ou acima da média destes 15 países.
Ao se observar os setores manufatureiros segmentados pelas suas classes industriais, tem-se a aproximação do adensamento da cadeia produtiva daquele setor, pois, geralmente, tanto os fabricantes da ponta final de cadeia (por exemplo, montadoras de automóveis) quanto os de componentes principais (por exemplo, autopeças) fazem parte do mesmo setor de atividade. Assim, a visualização da figura abaixo é bastante elucidativa.
Em 2016, a maioria das classes industriais de baixa e média-baixa tecnologia registrou elevado grau de adensamento produtivo. Como estes ramos de menor intensidade tecnológica representam dois terços da produção industrial brasileira, pode-se afirmar que parcela expressiva do tecido industrial é adensada.
A maioria das classes industriais de baixa e média-baixa tecnologia possui cor branca ou cinza, o que significa que elas importaram percentual inferior a 20% dos insumos e componentes comercializáveis. Isso ocorre porque o Brasil possui oferta competitiva das principais matérias-primas de origem agropecuária e recursos naturais utilizadas por essa parcela da indústria. Também cabe mencionar que as classes de bebidas e dos minerais não-metálicos seriam adensadas impreterivelmente porque consomem insumos intermediários pouco comercializáveis a distâncias longas.
Entre as 162 classes de baixa e média-baixa tecnologia, apenas 15 estão entre as 71 mais fragilizadas pelas importações de insumos e componentes comercializáveis. Essas 15 classes representaram apenas 6,2% da produção industrial de menor intensidade tecnológica, em 2016. O setor de metalurgia possui o maior número de classes industriais entre as mais fragilizadas com 5; manutenção de máquinas e equipamentos, têxtil e alimentos possuem 2 classes cada; borracha e plástico, minerais não-metálicos, produtos de metal e impressão possuem apenas 1 classe cada; observe-se que os demais setores de baixa e média-baixa tecnologia não possuem nenhuma classe com CIICC superior a 30%.
Já a alta e média-alta tecnologia, que respondem por um terço do tecido industrial brasileiro, encontram-se num cenário bastante diferente. Das 96 classes de maior intensidade tecnológica, 56 estão entre as 71 classes industriais (isto é, 79%) que tiveram CIICC superior a 30%.
Essas 56 classes representam 72,9% produção industrial de alta e média-alta tecnologia e respondem por praticamente todas as classes de informática, eletrônicos e ópticos, da farmacêutica e dos outros equipamentos de transporte. Todos estes possuem CIICC superior a 30%, sendo os setores mais esgarçados da indústria brasileira. Os demais ramos da alta e média-alta tecnologia possuem entre 40% e 60% das classes industriais com CIICC superior a 30%. Tais valores evidenciam a baixa competitividade nas matérias-primas dos setores mais tecnológicos e evidenciam, ainda, um problema de dependência tecnológica.
A tabela abaixo traz informações adicionais para caracterizar melhor a figura anterior. Nela, as faixas mais adensadas encontram-se nas primeiras linhas. As duas mais adensadas reúnem 154 classes industriais (60% do total) e são responsáveis por 56% da produção industrial, 73% do pessoal ocupado ligado à produção, 58% das exportações totais de bens e apenas 24% das importações totais de bens típicos dessas classes industriais, gerando um grande saldo comercial. Dessa maneira, as classes industriais que importaram menos de 20% dos insumos e componentes comercializáveis constituem mais da metade da produção industrial brasileira e apresentam indicadores ainda melhores de geração de empregos, exportações e saldo comercial.
As últimas quatro faixas menos adensadas abrangem 71 classes industriais que importaram mais de 30% dos insumos e componentes comercializáveis. Elas são responsáveis por 28,4% da produção industrial e 16,3% do pessoal ocupado ligado à produção, ou seja, é um quartil de elevada produtividade do trabalho (produção por trabalhador).
Além disso, essas quatro faixas menos adensadas apresentam intensidade elevada tanto nas importações de insumos e componentes comercializáveis quanto no total de bens importados. Considerando o montante de insumos e componentes comercializáveis pela indústria de transformação, essas quatro faixas têm um peso de 32,9% do total. Entretanto, esta participação dobra, isto é, salta para 70,6% se considerarmos apenas os insumos e componentes comercializáveis importados. No caso das importações de todos os produtos da indústria de transformação, que incluem bens acabados, essas 71 classes corresponderam a 56,8% do total das importações.
Já as exportações de bens acabados dessas mesmas classes foram inferiores às importações de insumos e componentes comercializáveis utilizados no processo produtivo, gerando um déficit de R$ 28,7 bilhões em 2016. Isso ilustra uma dependência estrutural da economia brasileira por importações de insumos intermediários e, também, por bens finais de produtos típicos das 71 classes que apresentaram tecido produtivo menos adensado.
As próximas três figuras são semelhantes à estrutura da figura anterior. A área das formas da primeira delas corresponde às importações, em Reais (R$), de insumos e componentes comercializáveis realizadas pelas classes industriais. Já na segunda figura a seguir a área das formas indica as importações totais (produtos intermediários e finais), em R$, de bens da indústria de transformação. E por fim, na terceira figura, representam o pessoal ocupado ligado à produção industrial.
É possível perceber que a estrutura da produção industrial difere da estrutura de importação, seja de insumos intermediários consumidos diretamente no processo produtivo ou das importações totais. Ou seja, o Brasil apresenta um descasamento típico de países que possuem padrão de comércio inter-industrial, isto é, que produzem e comercializam bens de setores distintos. Vale ressaltar que países bem-sucedidos nas cadeias globais de valor possuem padrão predominantemente intraindustrial, em que a estrutura de produção e de comércio internacional são semelhantes.
Em 2016, no Brasil, a categoria de alta e média-alta tecnologia foi responsável por 33,3% da produção industrial, por 71,0% dos insumos e componentes comercializáveis importados consumidos no processo produtivo e 70,8% das importações totais de bens. Esses percentuais ilustram a elevada dependência estrutural da economia brasileira por importações de produtos de maior intensidade tecnológica.
Ao importar tais produtos, intermediários ou finais, além de perder oportunidades de desenvolvimento tecnológico e inovação, o Brasil deixa de gerar empregos qualificados que pagam salários elevados em território nacional, contribuindo, assim, para a pequena a fatia da categoria de maior intensidade tecnológica no pessoal ocupado na produção.
Em síntese, as classes industriais de baixa e média-baixa tecnologia são majoritárias em nossa estrutura industrial e encontram-se com grau de adensamento produtivo elevado. Entretanto, classes industriais mais intensivas em tecnologia são minoritárias e pouco adensadas. As importações brasileiras tanto de insumos intermediários como de bens finais concentram-se neste último grupo, assim como o déficit comercial.
Os piores casos
O gráfico abaixo exibe 66 classes industriais mais fragilizadas pela penetração em suas cadeias produtivas de importações de insumos intermediários comercializáveis, isto é, as classes que possuíram CIICC acima de 31,2%, referente à média da indústria de transformação dos 15 países manufatureiros líderes. Entre elas, os piores casos cabem aos setores de informática e eletrônicos, outros equipamentos de transporte, química e farmacêutica, todos setores de elevada intensidade tecnológica.
Entre as 66 classes industriais, 32 são classificadas como bens intermediários, 17 bens de capital, 11 bens de consumo durável, 5 bens de consumo não-duráveis e 1 sem classificação (correspondem ao setor de manutenção, reparação e instalação de máquinas e equipamentos). Ou seja, bens intermediários compõem uma metade e bens finais a outra.
Geralmente, bens finais têm cadeias produtivas mais longas que bens intermediários e, por essa razão, quando as classes de bens finais importam elevado percentual de insumos e componentes, provavelmente são reduzidos (ou extintos) os fornecedores domésticos à montante da cadeia de produção. Então, do ponto de vista do adensamento produtivo, a situação é mais grave quando a classe industrial que possui CIICC elevado produz bens mais próximos da ponta final da cadeia produtiva.
No gráfico anterior, as cores das classes industriais correspondem aos setores manufatureiros. O setor de informática, eletrônicos e ópticos é o mais esgarçado. Das 11 classes do setor, dez estão presentes no gráfico, as quais representaram 99,9% da produção industrial do setor em 2016. Nove classes produzem bens finais (cinco de bens de consumo duráveis e quatro de bens de capital) e uma classe de bens intermediários, logo, o setor de informática, eletrônicos e ópticos possui cadeias produtivas longas, porém os encadeamentos são fracos devido ao CIICC elevado.
“Cronômetros e relógios” importaram 88,5% do total dos insumos e componentes comercializáveis, sendo a segunda classe mais esgarçada do tecido industrial brasileiro. Assim, a cadeia de suprimento doméstica é reduzidíssima. As classes “equipamentos e instrumento ópticos, fotográficos e cinematográficos”, “aparelhos telefônicos e de outros equipamentos de comunicação”, “aparelhos de recepção, reprodução, gravação e amplificação de áudio e vídeo” e “componentes eletrônicos” importaram mais de 75% dos insumos e componentes comercializáveis.
Do ponto de vista do grau da transformação industrial, dois terços do setor de informática, eletrônicos e ópticos operam praticamente como uma indústria maquiladora e o outro terço está bem próximo disso. O México, que possui uma indústria maquiladora relevante, importou 81,4% dos insumos e componentes comercializáveis neste setor.
O emprego do termo indústria maquiladora nesse contexto refere-se, contudo, apenas aos processos produtivos, em que predominam operações de montagem a partir de insumos e componentes importados e uso de mão de obra mais barata do que seria se houvesse maior transformação industrial. A diferença fundamental da indústria brasileira de informática, eletrônicos e ópticos em relação à maquila mexicana, por exemplo, é que exportamos pouco. Assim, as classes que apresentam as maiores lacunas estão mais para uma “maquila reversa” ou uma “maquila para dentro”.
A produção relevante de informática, eletrônicos e ópticos é regulada no âmbito da Lei de Informática e da Zona Franca de Manaus, as quais concedem vários benefícios fiscais e exigem como contrapartida o cumprimento de um processo produtivo básico (PPB) para cada produto fabricado e a aplicação de 5% do faturamento em P&D. Porém, nas condições vigentes, o PPB pode ser cumprido com operações fabris mínimas como soldagem, pintura, montagem, usinagem, colagem, grampeamento e integração de componentes. Essas tarefas agregam pouco valor em comparação com a fabricação dos componentes principais.
“Outros equipamentos de transporte” é o segundo setor mais desarticulado. Ele reúne a produção de aeronaves, embarcações navais, motocicletas e equipamentos ferroviários, os quais são essencialmente bens finais (bens de capital e bens de consumo duráveis). As oito classes presentes no gráfico anterior representaram 98,4% do VBPI do setor.
A classe “aeronaves” importou 95,7% de todos os insumos e componentes comercializáveis, sendo a classe mais oca da indústria brasileira. Neste caso específico, o Brasil possui uma empresa relevante, a Embraer, no segmento de aviação regional. Como são importados os componentes principais, praticamente toda a cadeia de fornecedores dos aviões encontra-se no exterior.
Neste caso, porém, a Embraer não pode ser considerada uma maquila porque lidera a sua cadeia produtiva ao desenhar os aviões, gerencia a cadeia de suprimento e comercializa suas aeronaves, tarefas que lhe possibilita capturar uma fatia do valor agregado maior do que seria no caso de uma maquila. Além disso, emprega mão de obra de elevada remuneração, já que a montagem de aeronaves envolve protocolos de segurança que exigem profissionais altíssima qualificação. Entretanto, ao importar os componentes principais, estimula nos fornecedores estrangeiros uma parte importante do desenvolvimento científico e tecnológico desta classe industrial.
A fabricação de motocicletas foi a segunda maior classe dos outros equipamentos de transporte em 2016. Esta classe importou 38,3% dos insumos e componentes comercializáveis. Por se tratar de um produto que o Brasil possui domínio tecnológico e grande mercado consumidor, essa situação é preocupante devido à perda de competitividade no preço dos insumos e componentes.
Com o renascimento da indústria naval no início dos anos 2000, a classe “construção de embarcações e estruturas flutuantes” é a terceira mais expressiva em valor bruto da produção industrial (VBPI). Ela importou 49,7% dos insumos e componentes comercializáveis, provavelmente aqueles mais tecnológicos das plataformas marítimas de petróleo e sondas de perfuração submarina. Esses produtos passaram a ser parcialmente fabricados no país devido ao requerimento de conteúdo local exigido nos investimentos por parte das operadoras petrolíferas. No entanto, a legislação petrolífera permite que se importe parcela relevante dos componentes principais das embarcações.
A farmacêutica é o terceiro setor mais desarticulado pelas importações o que afeta todas as suas quatro classes. A principal delas, “medicamentos para uso humano”, representa 89,3% da produção industrial do setor e importou 61,5% dos insumos intermediários comercializáveis. O país importa, principalmente, o princípio ativo farmoquímicos e adjuvantes farmacotécnicos para a fabricação dos medicamentos por estratégia de suprimento das empresas que priorizam insumos mais elaborados ou que são patenteados e produzidos apenas no exterior.
O princípio ativo é o composto responsável pela ação ou efeito farmacológico do medicamento, sendo o resultado principal da pesquisa científica e tecnológica das empesas farmacêuticas. A indústria farmacêutica é estratégica para a segurança nacional em termos de saúde pública e tende a ficar mais relevante à medida que a população envelhece. Assim, a manutenção do CIICC elevado incorrerá em aumento persistente das importações.
O setor de químico é o quarto mais fragilizado pelas importações e possui 10 das 25 classes industriais representadas no gráfico anterior, que corresponderam a 62,3% da produção industrial do setor. Ele produz majoritariamente insumos intermediários para serem consumidos pelos demais setores, especialmente a própria indústria de transformação, agricultura, construção civil e saneamento básico.
As classes “defensivos agrícolas”, “adubos e fertilizantes”, e “intermediários para fertilizantes” importaram, respectivamente, 70,6%, 69,3% e 54,4% do total dos insumos e componentes comercializáveis e juntas representam cerca de um terço da produção química. Apenas a cadeia produtiva de fertilizantes representa um quinto da produção química nacional. O país tem uma dependência externa elevada dos fertilizantes potássicos, nitrogenados e fosfatados. Como o uso de fertilizantes químicos foi vital à elevação da produtividade agrícola brasileira desde 1990 e a agricultura doméstica tem contribuído sobremaneira para fechar o balanço de pagamentos, melhorar a oferta doméstica de fertilizantes garantirá um futuro sustentável à produção agrícola e contribuirá para evitar restrições de divisas estrangeiras.
Os demais setores de alta e média-alta tecnologia – máquinas e equipamentos, indústria automobilística e equipamentos e materiais elétricos – apresentaram grau de adensamento moderado. Poucas classes estão muito fragilizadas pelas importações de insumos e componentes. No geral, esses setores possuem cadeias produtivas longas pois os produtos são bens finais compostos de muitas partes, peças e componentes. Nesse sentido, é importante lembrar que o CIICC capta apenas as importações diretas, ou seja, não captando importações com matérias-primas, partes e peças embutidas nos insumos e componentes fabricados no Brasil, conforme ilustrado pela figura a seguir. Por isso, o percentual importado de insumos e componentes comercializáveis é ainda subestimado.
Nota-se que os setores com menor grau de adensamento produtivo são extremamente relevantes para o desenvolvimento tecnológico mundial. As indústrias de alta e média-alta tecnologia fazem cerca de dois terços dos investimentos empresariais mundiais em pesquisa e desenvolvimento (P&D).
Os três setores que possuem o tecido industrial mais esgarçado no Brasil fizeram cerca de metade dos investimentos em P&D do planeta nos últimos anos segundo estudos internacionais. Apenas o setor de informática, eletrônicos e ópticos investiu 20% do P&D mundial. Este setor nucleou a 3ª Revolução Industrial e é base da 4ª Revolução em curso juntamente com serviços de informação. Porém, o Brasil aproveita pouco desse dinamismo tecnológico e potencial inovador ao importar praticamente todos os componentes tecnológicos.
Assim, da perspectiva tecnológica, o baixo grau do adensamento produtivo tem consequências ruins para o sistema nacional de inovação, sendo a principal delas o baixo investimento em P&D realizado pelas empresas brasileiras comparativamente aos países líderes. As empresas instaladas no Brasil investem pouco em tecnologia porque importam os principais insumos e componentes tecnológicos dos fornecedores estrangeiros. Atualmente, os maiores montantes de investimentos em tecnologia são conduzidos justamente pelos fornecedores de insumos e componentes principais.
Da mesma forma, também há consequências ruins para o emprego de mão de obra qualificada e bem remunerada, seja nos laboratórios empresariais de pesquisas científicas e tecnológicas, seja no próprio chão de fábrica ao exigir dos trabalhadores tarefas mais simples e de menor habilidade cognitiva.
Outra implicação negativa do menor grau de adensamento produtivo refere-se às ligações intersetoriais. Os setores de alta e média-alta tecnologia tendem a ter multiplicadores de produção acima da média da indústria devido às suas longas cadeias de produção, com exceção da farmacêutica. No entanto, no Brasil os multiplicadores de produção de todos os setores de alta e média-alta encontram-se abaixo da indústria de transformação – que obteve multiplicador de 2,15 conforme a última matriz de insumo-produto do IBGE para 2015 –; apenas o multiplicador da automobilística se aproxima deste valor.
Em resumo, as empresas brasileiras de várias classes industriais, sobretudo de elevada intensidade tecnológica, importaram um percentual de moderado a elevado de insumos intermediários comercializáveis. Dessa maneira, as cadeias produtivas que produzem produtos mais elaborados encontram-se rarefeitas e com encadeamentos intersetoriais fracos. Isso é preocupante tendo em vista que essas indústrias contribuem sobremaneira para o desenvolvimento tecnológico, empregam mão de obra qualificada, pagam salários elevados e tendem a crescer mais rápido devido à maior elasticidade-renda da demanda e maior dinamismo no comércio internacional.
O que explica as importações brasileiras?
Os países comercializam principalmente devido à elevada divisão internacional do trabalho, que torna vantajoso produzir alguns produtos e importar outros. É importante destacar que as importações são indispensáveis à produção de qualquer país, pois nenhum deles é plenamente autossuficiente. No caso específico brasileiro, as importações também podem ser explicadas por quatro motivos principais.
O primeiro refere-se as importações não-competitivas, isto é, são produtos que o país importa há várias décadas devido à escassez de recursos naturais, matérias-primas ou ao clima pouco favorável à produção no Brasil. Alguns exemplos são o trigo, alguns metais preciosos, petróleo leve, fertilizantes potássicos e enxofre.
O segundo refere-se as importações de produtos que o Brasil não tem escala, pois são muito específicos e há poucos produtores mundiais. Por exemplo, algumas especialidades químicas (aditivos), plástico de engenharia (como o ABS para peças técnicas automotivas), alguns aços especiais e o ácido polilático – este último é um polímero de origem renovável e biodegradável.
O terceiro deve-se a perda de competitividade em preço pela manufatura brasileira. Isso ocorre por três fatores principais: (i) longos períodos de apreciação da moeda brasileira desde o lançamento do Real, fato que reduz o preço dos produtos importados relativamente ao produto nacional; (ii) fatores que encarecem o custo de produção no Brasil como a taxa de juros elevada, sobretudo para capital de giro; elevada complexidade tributária; infraestrutura deficiente em termos de conexão intermodal, manutenção e cobertura; e alta burocracia em várias áreas do ambiente de negócio; e (iii) aumento da competitividade, num ritmo superior à brasileira, nos países mais relevantes no comércio internacional, sobretudo os asiáticos.
O quarto é a notável perda de competitividade tecnológica decorrente do baixo investimento em tecnologia e inovação. As empresas manufatureiras investem pouco em P&D e não há sinais de mudança: em 1980, a indústria de transformação investiu apenas 0,5% do faturamento em P&D e atualmente investe 0,7%. Para comparação, as empresas manufatureiras dos países avançados líderes investem cerca de 3% do faturamento.
Há que se frisar que o país nunca produziu – e nem há sinais de que vá produzir – alguns dos principais insumos intermediários tecnológicos de produtos ícones da alta tecnologia, tais como princípio ativo de diversos medicamentos, turbinas dos aviões e microchip de computadores e celulares inteligentes. Atualmente, há uma lista imensa – na escala de milhares – de produtos com ex-tarifários, isto é, produtos que possuem tarifa de importação zero porque não existe produção similar nacional. A maioria destes produtos são tecnológicos relacionados a bens de capital e bens de informática.
Contribui para este quarto e último ponto o fato de o Brasil não ter tido uma política industrial inteligente focada na inovação tecnológica no período da industrialização, e após a década de 1980, por não ter tido política industrial de transformação estrutural nos moldes dos países que lideraram a Terceira Revolução Industrial e estão à frente da Indústria 4.0.
Os dois últimos pontos são mais graves, sobretudo o último, pois a Quarta Revolução Industrial está em pleno curso. Assim, sempre que a fronteira tecnológica se expande – ou em outras palavras, se distancia mais ainda mais do Brasil – as importações brasileiras aumentam para suprir a nova demanda das empresas e dos consumidores por insumos intermediários mais avançados e produtos inovadores.