Carta IEDI
Rentabilidade e endividamento empresarial na pandemia
Esta Carta atualiza o acompanhamento realizado pelo IEDI sobre o desempenho econômico-financeiro das empresas não financeiras de capital aberto que operam no país. Foram compilados os balanços patrimoniais e as demonstrações de resultados de 245 grandes empresas com informações para os anos de 2016 a 2020, sendo que no ano da pandemia os dados também foram agregados trimestre a trimestre.
O ano de 2020 prometia crescimento do PIB superior ao dos anos anteriores com inflação controlada, mas a eclosão da pandemia mudou radicalmente o quadro. Com o surto de Covid-19 atingindo o Brasil, em mar/20, a incerteza chegou a patamares elevadíssimos e medidas de contenção da crise sanitária bloquearam a atividade econômica, impactando negativamente os resultados das grandes empresas não financeiras.
A intensa desvalorização cambial nos primeiros meses do ano, combinada com o descasamento entre o fluxo de receitas operacionais em queda e o volume de despesas financeiras crescente devido à alta do endividamento, produziu grandes prejuízos no 1º trim/20. Entretanto, na segunda metade de 2020, de modo geral a lucratividade das empresas apresentou recuperação e os níveis de endividamento e custo financeiro se reduziram.
Os balanços das empresas registraram inquestionável progresso devido a uma conjunção de fatores tais como: programas emergenciais de combate aos efeitos econômicos da pandemia, como o auxílio pago às famílias e os esquemas especiais de crédito corporativo, manutenção de ambiente de baixas taxas de juros, progressivo afrouxamento do isolamento social, estratégias de geração de caixa, como a redução dos níveis de estoques, a valorização da taxa de câmbio nos últimos meses do ano e a elevação dos preços internacionais das commodities.
As margens líquidas de lucro para o conjunto das empresas não-financeiras pertencentes à amostra encerraram o ano passado positivas em 4,8%. Ou seja, em patamar abaixo do registrado em 2019 (6,0%), mas superior aos de 2016 e 2017.
No caso da indústria, se excluídas Petrobras, Vale, Braskem e Suzano, que tendem a distorcer os resultados da amostra, a margem líquida de lucros em 2020 foi de 3,8%, abaixo, portanto, do total de empresas. Aqui também o desempenho foi inferior ao registrado em 2019 (4,5%), mas conseguiu superar as margens de 2017 (2,1%) e 2018 (3,3%), isto é, pós crise 2015-2016.
Importante notar que esta evolução foi assimétrica entre os diferente setores industriais, tendo sido puxada por atividades positivamente influenciadas pela alta dos preços de commodities no final do ano, como mineração, siderurgia e madeira, que, assim como construção civil e minerais não metálicos, também podem ter sido favorecidas pela reativação do setor imobiliário. As margens líquidas de máquinas e equipamentos e, em menor medida, de eletroeletrônicos também reagiram bem.
Muito da melhora das margens líquidas veio da lucratividade operacional, que recebeu importante suporte do auxílio emergencial pago às famílias, que representou dez vezes o bolsa família de um ano, o equivalente a cerca de 4% do PIB em 2020. Na amostra total das empresas, a margem operacional ficou em 13,6% no ano passado ante 12,7% em 2019.
Na indústria (exceto Petrobras, Vale, Braskem e Suzano), o retorno operacional subiu no terceiro e no quarto trimestres, o que elevou a margem do setor para 9,7% em 2020 ante 8,4% em 2019. Isso preservou a trajetória de aumento verificada nos últimos anos. Vale lembrar que em 2016, último ano de crise antes da pandemia, a margem operacional da indústria havia sido de 5,7%.
Alguns segmentos industriais se destacaram neste movimento de reforço da lucratividade operacional, em geral associados a bens intermediários, a exemplo de papel e celulose, siderurgia, petróleo e gás e química, mas também mineração, metalurgia, construção civil e eletroeletrônicos. Outros como alimentos e bebidas preservaram suas margens a despeito da pandemia.
Quanto ao endividamento, houve expressiva elevação em 2020, em decorrência da necessidade de liquidez das empresas em um contexto de redução do ritmo dos negócios. A dívida bancária total das empresas da amostra saltou 21,3% frente a 2019, interrompendo o processo de redução dos anos anteriores (-10% entre 2016 e 2019). Um dado positivo é que o peso da dívida de curto prazo, no agregado da amostra (exceto Petrobras, Vale, Braskem e Suzano) não se elevou, ficando em 25,7% em 2019 e 25,9% em 2020, ou seja, abaixo do nível de 2016 (30,1%).
Outro aspecto positivo é que, como parte dos recursos alavancados por meio de dívidas foi para reforçar o caixa das empresas, acabou não comprometendo o endividamento líquido das empresas. Para a amostra total, a relação entre endividamento líquido e capital próprio recuou de 57,4% em 2019 para 53,7% em 2020.
Para a indústria (exceto Petrobras, Vale, Braskem e Suzano), a trajetória foi a mesma: expansão de +26% de sua dívida bancária total, com redução do peso da dívida de curto prazo de 21,5% em 2019 para 20,4% em 2020 (era de 27,4% em 2016), e declínio da dívida líquida sobre capital próprio de 64,3% para 57,7% no mesmo período.
O segundo semestre do ano passado foi importante para este comportamento da dívida das empresas. Contribuíram neste período não apenas estratégias empresariais para evitar superendividamento, mas também a apreciação da taxa de câmbio nos meses finais do ano, favorecendo a redução dos compromissos denominados em moeda estrangeira. No caso da indústria, o estoque de dívida caiu -10% do final do 1º sem/20 para o final do 2º sem/20.
O ambiente de baixas taxas de juros e os programas emergenciais de crédito a um custo ainda menor foram outro fator a permitir melhor gerenciamento da despesa financeira das empresas. O índice de cobertura EBTIDA/despesa financeira ficou em 1,2 em 2020, pouco abaixo do nível de 1,5 em 2019 para a amostra como um todo.
No caso da indústria (exceto Petrobras, Vale, Braskem e Suzano) estes valores de EBTIDA/despesa financeira foram de 1,3, em 2020, e 1,4 em 2019. As empresas de insumos básicos, indústria extrativa e agroindustriais chegaram a acumular receitas financeiras expressivas.
Introdução
Esta Carta IEDI traz os resultados econômicos e financeiros de uma amostra de grandes empresas não financeiras de capital aberto para os anos de 2016 a 2020, sendo que no ano da pandemia as informações foram abertas por trimestres. O objetivo é medir quais foram os impactos econômicos e financeiros da pandemia na trajetória das grandes empresas não financeiras.
Neste estudo 245 empresas com dados contábeis foram pesquisadas para o período em foco foram agrupadas em três macrossetores: indústria, comércio e serviços. Dois subconjuntos foram criados para isolar o peso das gigantes dos setores de petróleo, mineração e energia elétrica nos totais. Foram separadas também duas empresas, Braskem e Suzano, que registraram resultados que influenciam muito o total da indústria: (i) indústria, excluídas as empresas Petrobras, Vale Braskem e Suzano; (ii) serviços sem energia elétrica. A empresa OI não foi incluída na amostra por estar em processo de recuperação judicial e os seus dados distorcem os resultados.
Os anexos estatísticos trazem tabelas com abertura setorial para os indicadores de margens de lucro (líquido e operacional) e de endividamento líquido, as listas dos setores e os números de empresas, a lista de empresas e o quadro com as definições dos indicadores econômico-financeiros utilizados da elaboração desta Carta IEDI.
Desempenho da rentabilidade
A evolução das margens de lucro das empresas não-financeiras acompanhou as políticas de enfrentamento à pandemia, sendo altamente afetada pelo início da fase de quarentena e reagindo prontamente às políticas de manutenção da atividade econômica – em especial à injeção de recursos decorrente do auxílio emergencial pago às famílias – e ao afrouxamento das medidas de isolamento social.
De modo geral, a lucratividade das empresas da nossa amostra apresentou retração nos dois primeiros trimestres, seguido de um movimento de elevação das margens de lucro nos trimestres finais do ano.
Após os prejuízos acumulados no primeiro trimestre de 2020 pela grande empresa não financeiras de capital aberto, que foram mais intensos na indústria, com margens líquidas negativas (-23,1%), especialmente naquelas companhias com elevadas dívidas em dólar, a trajetória da rentabilidade foi de recuperação a cada trimestre no ano passado.
O ano de 2020, apesar da pandemia, resultou na melhoria dos indicadores de desempenho e do equilíbrio econômico-financeiro da maioria das empresas. As margens líquidas de lucro para o conjunto das empresas não-financeiras encerraram o ano passado positivas em 4,8%, mas abaixo ao registrado em 2019 (6,0%).
No caso da indústria (excluídas Petrobras, Vale, Braskem e Suzano), a margem líquida de lucros em 2020 foi de 3,8%, também inferior ao resultado de 2019 (4,5%), mas superior ao dos anos de 2017 (2,1%) e 2018 (3,3%), isto é, nos anos seguintes à crise de 2015-2016.
O comportamento da margem líquida do agregado da indústria quando excluídas algumas empresas de commodities e de insumos básicos, como a Petrobras, Vale, Braskem e Suzano, demonstrou como a pandemia, apesar da oscilação ao longo de 2020, não reverteu a tendência de recuperação da lucratividade em comparação com 2015-2016, que vinha se observando nos anos anteriores.
Concomitantemente, o endividamento líquido apresentou significativa melhora, se aproximando de patamares próximos daqueles registrados antes da retração do PIB em 2015/2016. Este indicador no agregado da indústria (excluídas Petrobras, Vale, Braskem e Suzano), que no último ano de recessão, em 2016, foi de 83,4%, caiu em todos os anos se situando na faixa de 57,7%, em 2020. O resultado da evolução desses indicadores foi a redução do peso da despesa financeira sobre a receita operacional das grandes empresas.
A recuperação da rentabilidade também ajudou na evolução do indicador (EBITA/Despesas Financeiras) - que mensura o grau de cobertura das despesas financeiras pela geração de lucro operacional. Em 2016, esta relação na indústria (excluídas a Petrobras, Vale, Braskem e Suzano) foi inferior a 1, ou seja, o volume de lucro operacional não cobriu o fluxo de despesa financeira das empresas. A partir de 2017, a retomada da rentabilidade e a reestruturação dos passivos produziu melhora neste indicador, chegando a 1,4 em 2019. Em 2020, o impacto da pandemia não foi intenso, levando o indicador ao patamar de 1,3.
Portanto, ainda que pesem diferenças significativas entre o desempenho dos diversos setores, em geral as empresas industriais reagiram bem ao conjunto de medidas acionadas no segundo semestre de 2020, terminando o ano com redução de estoques, acúmulo de recursos em caixa e margens de lucro positivas e em ascensão.
No último trimestre de 2020, houve uma melhora significativa das margens líquidas de lucro, sendo que alguns setores registraram receitas financeiras superiores às despesas financeiras. O aumento da lucratividade registrado no quarto trimestre teve como resultado o aumento dos recursos em caixa e a redução do grau de endividamento. A redução das despesas com juros, o aumento de ativos financeiros, e os ganhos cambiais em conjunto, possibilitaram que algumas empresas melhorassem sensivelmente seus indicadores financeiros.
Além disso, o comportamento dos preços internacionais das commodities, da taxa de câmbio e os efeitos dos recursos do auxílio emergencial sobre certas atividades, se destacaram com os principais determinantes do desempenho distinto entre os setores. Praticamente todos os segmentos foram impactados pelo início da pandemia e, ao longo dos trimestres, a recuperação foi definida pela combinação destes fatores.
Em relação aos resultados por categoria de uso, o impacto da pandemia na rentabilidade líquida foi diferenciado. O pior momento foi o primeiro trimestre com prejuízos elevados nos setores de insumos básicos (-23,8%), seguido das categorias de bens de capital (-8,1%), consumo não durável (-5,2%) e construção civil (-1.0%). O segmento de bens duráveis registrou margem líquida pequena, mas positiva (1,2%).
Na recuperação nos demais trimestres, os destaques foram a forte alta nos insumos básicos no quatro trimestre (28,5% de margem líquida), e na construção civil, que apesar da desaceleração, apresentou um índice elevado de 16,0% neste período. Os setores de insumos básicos, em especial aqueles ligados à construção civil, foram os que apresentaram os melhores resultados financeiros.
Em seu conjunto, os efeitos das medidas econômicas relativas ao combate da crise sanitária possibilitaram acelerar o ajuste que as empresas não financeiras destes setores vinham realizando desde 2016, isto é, a redução do grau de endividamento líquido, que no caso da construção civil caiu de 76,4%, em 2016, para 37,1% em 2020, com menor custo médio nas dívidas, acompanhada pela elevação da lucratividade. Nos insumos básicos, o setor de siderurgia, por exemplo, registrou redução do endividamento líquido, de 105,1 para 64,7 neste período, e reversão de uma margem líquida negativa (-7,0), em 2016, para uma lucratividade de 7,7%, em 2020.
A lucratividade dos setores de insumos básicos, portanto, contribuiu também para a significativa elevação das margens de lucro médias das empresas analisadas, nesse caso, a redução da oferta internacional de alguns insumos provocaram a elevação do preço interno, também contribuindo para a recuperação da lucratividade das empresas do setor.
As demais categorias de uso também registraram alta da rentabilidade líquida nos últimos três meses do ano, sendo que a categoria de consumo de bens duráveis o indicador atingiu 15,9%, nos bens não duráveis a margem líquida foi de 9,4%. No caso de bens de capital, o índice alcançou 7,1%.
O redirecionamento de recursos tradicionalmente gastos pelas famílias em serviços para a compra de bens e o auxílio emergencial foram fatores importantes para a recuperação da lucratividade das empresas de bens de consumo, tanto duráveis como não duráveis. Cabe destacar que os setores de vestuários e têxtil foram bastante afetados com a pandemia, pois dependem sobre maneira de vendas presenciais, com prejuízos acumulados e queda na lucratividade, em relação aos anos anteriores.
Entre os setores industriais, as empresas da indústria extrativa e ligadas ao agronegócio mantiveram boa lucratividade ao longo do ano, ainda que o preço de muitas commodities tenha caído com o início da pandemia, sua recuperação manteve o crescimento dos lucros destas atividades. Os setores da agropecuária, alimentos, mineração e petróleo e gás apresentaram recuperação das margens líquidas e redução no endividamento líquido.
As empresas de serviços foram as que apresentaram maior heterogeneidade no desempenho. Em geral, as empresas de utilidades públicas e serviços de saúde mantiveram o desempenho mais estável, enquanto os serviços ligados à educação, entretenimento, concessões rodoviárias e hotelaria demonstraram os piores resultados.
Os serviços de transporte, serviços a empresas e outros serviços – como processamento de dados e serviços administrativos – acompanharam o comportamento geral do setor industrial, apresentando forte retração nos dois primeiros trimestres seguidos de recuperação nos trimestres finais.
Do ponto de vista da rentabilidade operacional, a pandemia impôs restrições à produção e às vendas das indústrias no primeiro semestre de 2020. Neste contexto, as margens operacionais, que vinham demonstrando relativa recuperação após a queda generalizada nos anos de 2015 e 2016, voltaram a se reduzir, especialmente no 1º trimestre de 2020. Na indústria como um todo, chegou a ser negativa em -6,7% e no agregado (excluídas Petrobras, Vale, Braskem e Suzano), neste período, a margem operacional foi de 5,8%, praticamente a mesma rentabilidade do ano de 2016.
Após o período crítico da pandemia, a ativação das linhas de produção da indústria e o aumento do consumo, viabilizado pelo tamanho extraordinário do auxílio emergencial (dez vezes o bolsa família de um ano, cerca de 4% do PIB), proporcionaram elevação das margens operacionais. Na indústria como um todo, este indicador subiu no terceiro e quarto trimestres para, respectivamente, 18,2% e 25,2%, o que elevou a margem operacional da indústria para 13,3% em 2020. Se excluirmos Petrobras, Vale, Braskem e Suzano, a rentabilidade operacional na indústria é menor, mas também subiu para 10,8% (3º trimestre) e para 13,0% (quarto trimestre) e fechou 2020 em 9,8%.
Em conjunto, as margens operacionais se mantiveram mais estáveis e o comportamento também foi mais homogêneo entre os setores quando comparadas à evolução das margens líquidas de lucro durante 2020. As diferenças relativas ao desempenho operacional de cada setor também significaram um comprometimento maior ou menor das receitas com as despesas financeiras ou até o acúmulo de recursos líquidos em alguns casos.
A liderança da retomada da rentabilidade operacional se deu nos setores ligados às commodities minerais e agrícolas, aos setores ligados à construção civil e pelos setores de insumos básicos. Os setores ligados aos bens não-duráveis, sofreram menos com a retração inicial, também apresentando alta na lucratividade a partir do terceiro trimestre, porém com maior estabilidade ao longo do ano.
Os indicadores de desempenho das empresas não financeiras, portanto, responderam bem às medidas de enfrentamento à crise sanitária. As medidas de combate à crise, que se iniciam no final do segundo trimestre, promoveram a recuperação das margens de lucro, ganhando força no terceiro trimestre, com a retomada das atividades econômicas. Ao fim, a ampliação das linhas de crédito e os recursos líquidos injetados na economia contribuíram para acelerar o ajuste do grau de endividamento líquido que já vinha se encaminhando desde 2016. De modo geral, entraram em 2021 com os indicadores de equilíbrio econômico-financeiro em situação melhor que a do começo do ano de 2020.
Endividamento
A Carta IEDI nº 1038 que tratou os impactos iniciais da pandemia nos resultados nas grandes empresas de capital aberto identificou aumento no grau de endividamento no primeiro semestre de 2020. No indicador geral, que mede a relação entre os capitais de terceiros e o patrimônio líquido, notou-se alta no agregado da amostra, de 1,9 para 2,3, na comparação com os primeiros seis meses de 2019. Em relação ao endividamento líquido, que desconta os valores em caixa das empresas do total das dívidas, a expansão neste período foi de 58,7% para 73,5%.
A diminuição da produção e das vendas das indústrias com a eclosão da pandemia em março de 2020 proporcionou o descasamento entre os recursos necessários para honrar as despesas financeiras e a receita gerada pela produção, o que elevou o grau de endividamento das grandes empresas no 1º semestre de 2020. Os estoques de dívidas denominadas em dólar, também sofreram expressivo impacto da desvalorização do real, que atingiu 35,4% neste período.
Os programas de apoio ao crédito do governo federal, especialmente o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) e o Programa Emergencial de Acesso a Crédito (Peac), atingiram as pequenas e médias empresas, já as companhias maiores e de capital aberto tiveram que ir a “mercado” captar novas dívidas. Em termos de volume de dívidas acumuladas, o endividamento bancário para o total das empresas somou no primeiro semestre de 2020 o montante de R$ 1,4 trilhão. Nas empresas industriais (excluídas Petrobras, Vale, Suzano e Braskem), esse montante atingiu R$ 382 bilhões.
A progressiva flexibilização das atividades econômicas no segundo semestre de 2020, combinada com os programas de auxílios emergencial para garantir renda e emprego, no quadro de continuidade de redução das taxas de juros e de valorização do real, alteraram as condições financeiras das grandes empresas de capital aberto e produziram redução do endividamento bancário.
Pelo menos quatro fatores atuaram para reduzir as dívidas no segundo semestre e, assim, determinaram a queda do grau de endividamento no ano fechado de 2020: (i) as renegociações dos empréstimos ocorreram em um quadro de elevação de oferta de crédito e continuidade da redução das taxas de juros; (ii) o acúmulo de caixa e equivalente de caixa na estrutura de ativos das grandes empresas reduziu a necessidade de novos financiamentos e impactou positivamente o endividamento líquido; (iii) a forte desvalorização do real do primeiro semestre do ano passado sinalizou às grandes empresas a necessidade de antecipar a quitação de dívidas; e (iv) a valorização do real no final de 2020 reduziu contabilmente os estoques das dívidas externas das grandes empresas não financeiras, especialmente no 4º trimestre, quando ocorreu queda de 7,9% do dólar em relação ao real.
O efeito combinado destes fatores atuou no sentido de reduzir o grau de endividamento das grandes empresas não financeiras. O indicador que relaciona os capitais de terceiros e o capital próprio, que havia subido 0,4 ponto percentual no agregado da amostra no 1º semestre do ano passado, cresceu apenas 0,1 p.p. no fechamento de 2020 e se situou na faixa de 2,1, abaixo do nível observado nos primeiros seis meses do ano passado. No endividamento líquido das grandes empresas do total da amostra, nota-se redução da sua relação com o capital próprio, de 57,4% em 2019 para 53,7%, em 2020.
No caso das empresas industriais, os indicadores de endividamento registraram melhora no 2º semestre de 2020. Se excluirmos a Petrobras, a Vale, a Suzano e a Braskem do agregado da indústria, o percentual de capital de terceiros em relação ao capital próprio atingiu 1,7 no final do ano passado, enquanto que nos primeiros seis meses daquele período este indicador havia sido de 2,2.
O grau de endividamento líquido deste conjunto de empresas industriais, que havia subido 14,8 p.p. no primeiro semestre, acabou recuando para o patamar de 57,7% no final de 2020, o que significou uma queda de 6,6 p.p., em relação a 2019, e de 26,0 p.p. na comparação com o patamar de 2016 (83,7%). O perfil da dívida deste conjunto de empresas também melhorou em com a redução do endividamento bancário de curto-prazo, de 21,5% para 20,4%, entre 2019 e 2020.
Estes resultados significaram redução do estoque de dívidas entre o 1º e 2º semestres de 2020. Nos primeiros seis meses do ano passado, o montante de dívidas bancárias acumuladas no total da amostra de empresas havia atingido R$ 1,4 trilhão, valores que recuaram para o patamar de R$ 1,2 trilhão no final de 2020.
No caso da indústria (exceto a Petrobras, a Vale, a Suzano e a Braskem), cujo estoque de dívidas tinha atingido o patamar de R$ 382 bilhões no primeiro período, o que havia significado um acréscimo de R$ 83 bilhões, em relação ao 1º semestre de 2019, no fechamento dos balanços patrimoniais em 2020 este estoque havia recuado para R$ 343 bilhões com um acréscimo menor, na faixa de R$ 70 bilhões, na comparação com o ano de 2019.
Portanto dois cenários se desvendaram ao longo de 2020. No primeiro, o crescimento do endividamento bancário no 1º semestre, que a despeito de ter se realizado a custo menor devido as reduções na Selic e nos juros cobrados dos empréstimos na modalidade de pessoas jurídicas, sofreu os impactos negativos da desvalorização do real e da expansão das despesas financeiras, fatores que reduziram sobremaneira as margens líquidas de rentabilidade nos primeiros seis meses do ano passado.
No segundo período, de julho a dezembro de 2020, o movimento foi o inverso. A retomada da produção e das vendas industriais, as medidas de alívios ao caixa das grandes empresas, que passaram o segundo semestre com baixos níveis nos estoques, e a continuidade da queda nas taxas de juros, configuraram um quadro de redução do grau de endividamento. Este movimento foi amplificado pela valorização do real no último trimestre de 2020, que produziu variações monetárias positivas nos balanços e reduziu as despesas financeiras. A resultante desta trajetória no segundo semestre foi a recuperação da rentabilidade das grandes empresas não financeiras no fechamento dos balanços em 2020.
Do ponto de vista setorial, as companhias relacionadas ao fornecimento de matérias primas foram as mais afetadas em 2020. A despeito da melhora no segundo semestre, os setores de papel e celulose, química e metalurgia apresentaram acréscimos significativos no grau de endividamento líquido. De modo geral, o dado reflete os problemas financeiros destes setores mais intensivos em escala frente a volatilidade da taxa de câmbio e frente a redução da demanda, carregando também, em alguns casos, altas de empréstimos vinculados a investimento em ativos fixos realizados pelas grandes empresas de alguns destes setores em outros períodos.
A melhoria do grau de endividamento das empresas analisadas no período pós pandemia é um alento para as perspectivas de futuras imobilizações de capital na produção, caso as condições macroeconômicas, especialmente a evolução dos preços, permitam manter a taxa de juros em um patamar que não obstrua as decisões de investimento das empresas.
Todavia, o acréscimo do volume de dívidas ainda foi expressivo em 2020, com acréscimo de 21,0% (+ 205 bilhões, em termos monetários), em relação ao estoque registrado em 2019, o que pode restringir a tomada de crédito com a pretensão de ampliar a capacidade produtiva no futuro próximo.
Custos financeiros
A evolução dos custos financeiros durante 2020 acompanhou, de modo geral, o comportamento dos demais indicadores. O incremento das dívidas com o início da quarentena e a queda das receitas de vendas impuseram um ônus maior das despesas financeiras sobre o resultado final. A expansão do crédito direcionado, os efeitos do auxílio emergencial sobre a demanda e a abertura das atividades econômicas resultaram no aumento das receitas e na redução simultânea do custo médio das dívidas, reduzindo de forma significativa as despesas financeiras.
No último trimestre, a valorização cambial resultou em ganhos financeiros para algumas grandes empresas e na redução do custo financeiro em dólar para um conjunto mais ampliado de empresas. A valorização cambial nos últimos meses de 2020 e a expansão do crédito direcionado resultaram na redução dos custos financeiros no final do ano, que somado ao aumento da demanda, possibilitou que as empresas conseguissem acomodar o aumento da dívida.
Para as empresas industriais, o impacto imediato da pandemia no final do primeiro trimestre foi a elevação da relação entre despesa financeira líquida sobre receita operacional de 6,1% (no fim de 2019) para 25,2% (no primeiro trimestre de 2020). Quando excluídas Petrobras, Vale, Braskem e Suzano, a relação apresenta alguma melhora (12,7%, no primeiro trimestre de 2020), mas segue basicamente a mesma tendência.
Ao longo de 2020, a relação cai nos trimestres seguintes de forma generalizada entre os setores industriais, observando no último trimestre muitas empresas com receitas financeiras superiores às despesas financeiras. Para o total das empresas industriais, após a despesa financeira líquida sobre a receita atingir 25,2% no primeiro trimestre, estabiliza em cerca de 10% nos dois trimestres seguintes e registra um ganho financeiro sobre a receita operacional de 2,5%. O acúmulo de recursos líquidos em caixa provavelmente contribuiu para possibilitar receitas financeiras expressivas em alguns casos.
As empresas de insumos básicos, indústria extrativa e agroindustriais foram as que acumularam as maiores receitas financeiras e, em geral, também foram as mais beneficiadas com os efeitos do auxílio emergencial sobre a demanda interna e com o comportamento dos preços durante 2020. Quando comparadas às empresas dos demais setores industriais, a relação despesas financeiras líquidas sobre receitas operacionais das empresas de insumos básicos atingiu 32,7% no primeiro trimestre, caindo nos trimestres subsequentes e registrando um ganho financeiro sobre as receitas operacionais de 0,8% no último trimestre. Novamente, o comportamento dos custos financeiros das empresas do setor de insumos básicos apresentou as maiores oscilações quando comparadas aos demais setores, assim como no caso das margens de lucro.
O comportamento dos custos financeiros das empresas de bens de capital seguiu a mesma tendência, apresentando menores oscilações quando comparados aos demais setores, porém acompanhando a mesma tendência verificada ao longo do ano, isto é, crescimento no primeiro trimestre (10,7%) seguido de quedas durante os trimestres seguintes, até atingir 6% no último trimestre. Entre as empresas de bens de consumo o cenário foi bastante semelhante, com os custos financeiros em relação às receitas operacionais ao fim de 2020 praticamente no mesmo patamar que no último trimestre de 2019.
Outro fator importante na definição do resultado financeiro foi a evolução da taxa de câmbio ao longo do ano. A volatilidade da taxa de câmbio em 2020 significou perdas e ganhos significativos, se tornando também um fator importante na definição da evolução da margem líquida de lucro. No primeiro trimestre, a desvalorização cambial de 29,0% (final de período) significou uma perda de 17,5% em relação às receitas líquidas de venda para o conjunto das empresas industriais analisadas.
As perdas no segundo e terceiro trimestre ainda são elevadas (15,1% e 8,4% respectivamente), porém a valorização cambial registrada no último trimestre resultou um ganho de quase 3% sobre as receitas líquidas de venda. No caso das industriais (exceto a Petrobras, a Vale, a Suzano e a Braskem), esse ganho foi de 4,4%. Para as empresas dos setores de serviços e comércio as perdas não se reverteram com a valorização cambial no último trimestre, ainda que tenham reduzido consideravelmente suas perdas.
A evolução dos dados referentes aos ganhos e perdas cambiais das empresas não financeiras em 2020 demonstra como a volatilidade cambial afeta os indicadores de desempenho no curto prazo e como, dependendo da magnitude das variações, podem afetar o equilíbrio econômico-financeiro das grandes empresas. A combinação da valorização cambial com a redução do custo de contratação de crédito possibilitou que o aumento do volume das dívidas fosse feito a um custo decrescente, contribuindo para a melhora dos indicadores de desempenho no quarto trimestre.
A conjunção da redução da taxa de juros ao longo do ano, reversão da tendência de desvalorização cambial, crédito direcionado e auxílio emergencial fez com que, ao fim de 2020, a maior parte das empresas tenha conseguido avançar na redução do grau de endividamento e ampliar sua lucratividade. Ainda que o cenário de 2021 seja ainda incerto, as grandes empresas começaram o ano com indicadores bem melhores que os do início de 2020.
Anexo estatístico – Tabelas e Quadros
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