Carta IEDI
Revés industrial e enfraquecimento do PIB
Os sinais de enfraquecimento da atividade econômica vêm se acumulando à medida que caminhamos para o final do ano. O 3º trim/21 terminou com perdas generalizadas em todos os grandes setores da economia, levando a mais um rodada de redução das projeções para o desempenho do PIB tanto no presente ano como em 2022. Como alguns já previam, superar a crise da Covid-19 não tem se mostrado tarefa fácil.
Em set/21, o declínio foi liderado pelo comércio varejista, que, em seu conceito ampliado, registrou -1,1% ante ago/21, seguido pelo setor de serviços, com -0,6%, e pela indústria, cuja queda de -0,4% foi sua sétima taxa negativa na série com ajuste sazonal dos nove meses de 2021 cobertos por estatísticas do IBGE.
Como resultado, o indicador IBC-Br do Banco Central, que funciona como uma proxy do PIB, acusou recuo de -0,27% na passagem de ago/21 para set/21. Desde o final de outubro as expectativas do mercado coletadas pelo Boletim Focus apontam para uma taxa de crescimento do PIB brasileiro abaixo de +5% em 2021 e na última semana também sinalizaram, pela primeira vez, um PIB abaixo de +1% no ano que vem: +4,88% em 2021 e +0,93 em 2022. Cabe lembrar que no início do atual semestre as variações previstas eram de +6% e +2,3%, respectivamente.
Embora o varejo tenha regredido mais fortemente em set/21, sob o efeito negativo da aceleração da inflação e do desemprego bastante elevado, é na indústria que a evolução ao longo de 2021 mais tem deixado a desejar. As perdas industriais se repetem mês após mês na esteira da desorganização das cadeias produtivas, queda do poder de compra da população e elevação das taxas de juros e das incertezas da política econômica. A trajetória do PIB total seria diferente se esta importante alavanca do crescimento que é a indústria estivesse em atuação.
O revés industrial é claro: no final do ano passado encontrava-se em um nível 3,3% acima do pré-pandemia e agora, em set/21, sua produção está 3,2% abaixo deste patamar, referente a fev/20. Em 2021 perdeu-se o que havia ganhado na saída do choque da Covid-19, tanto é que set/21 frente a dez/20 resulta em queda de -6,3%.
O comércio varejista, que bem ou mal conseguiu obter alguns meses de crescimento em 2021, não regrediu tanto quanto a indústria nos últimos meses, mas em set/21, em seu conceito ampliado, encontrava-se com um faturamento real 2,6% menor do que o de dez/20 e 1,7% abaixo do pré-pandemia. Ou seja, também perdeu aquilo que o auxílio emergencial e as demais políticas emergenciais ajudaram a conquistar na segunda metade do ano passado.
Nem mesmo as variações com relação ao ano passado, que por algum tempo foram favorecidas pelas bases baixas de comparação, conseguem esconder os sinais de desaquecimento. No 3º trim/21 ante o 3º trim/20 a indústria registrou -1,1% e o comércio restrito -1,3%. Se forem incluídas as vendas de veículos, autopeças e material de construção, o desempenho do varejo neste trimestre deixa de ser negativo, mas chega apenas a +0,9%.
Este retrocesso tem perfil disseminado entre os ramos tanto do varejo (50%) como da indústria (54%), mas atingiu mais gravemente os bens de consumo duráveis. Sua produção industrial caiu -16,9% no 3º trim/21 e móveis e eletrodomésticos (-18,2%) lideraram as perdas do varejo neste período, seguidos por equipamentos de escritório, informática e comunicação (-9,6%).
Por sua vez, o setor de serviços, cuja recuperação se mostrou mais lenta que a dos demais setores, já que a segunda onda de contágio pelo coronavírus interrompeu a normalização de muitas de suas atividades, por enquanto apresenta menos indícios de inflexão, preservando sua rota ascendente.
Em set/21, a despeito da variação negativa frente ao mês anterior, seu faturamento real ficou 7,1% acima do patamar de dez/20 e 3,7% superior ao nível pré-pandemia. Isso significa que diferentemente do comércio e da indústria, 2021 tem sido um ano favorável aos serviços, em grande medida, graças ao avanço da vacinação contra a Covid-19.
No 3º trim/21 frente ao mesmo período do ano passado, os serviços cresceram +15,2%, dadas as bases de comparação ainda deprimidas. Embora todos os seus ramos tenham ficado no positivo nesta comparação, ainda há um caminho longo a ser percorrido por alguns deles para que retomem níveis de faturamento pré-pandemia, a exemplo transporte aéreo (-17,6%), dos serviços prestados às famílias (-16,2% ante fev/20) e dos serviços administrativos e complementares (-4,4%), que geralmente compreendem atividades menos qualificadas terceirizadas pelas empresas.
Indústria
Em set/21, embora o retrocesso da produção industrial não tenha sido dos mais agudos, foi reincidente e manteve-se bastante espalhado entre os diferentes ramos e parques regionais do setor. Frente a ago/21, o resultado foi de -0,4%, já descontados os efeitos sazonais, e em relação a set/20, de -3,9%.
Dos 4 macrossetores industriais, 3 ficaram no vermelho na passagem de ago/21 para set/21, assim como 10 dos 26 ramos acompanhados pelo IBGE (ou 38,5% do total). Por sua vez, dos 15 parques regionais da indústria, 9 tiveram recuo na série com ajuste sazonal, o que corresponde a uma parcela majoritária de 60% do total.
Resultado dessa difusão de variações negativas, que inclusive não vem de agora, a grande maioria das indústrias regionais voltou a níveis de produção inferiores ao pré-pandemia: 65% dos ramos industriais e 73% dos parques regionais do setor. Trata-se, portanto, de uma clara involução do setor industrial brasileiro em comparação com o final de 2020, quando 34% dos ramos e 46% das localidades estavam nesta situação.
Em relação ao ano passado, com a recomposição das bases de comparação, o setor passou igualmente a apresentar variações negativas. Em relação ao mesmo período do ano passado, set/21 trouxe declínio para 3 dos 4 macrossetores, 18 dos 26 ramos industriais (ou 69% do total) e para 11 das 15 localidades pesquisadas pelo IBGE (isto é, 73% do total).
No 3º trim/21 a indústria como um todo caiu -1,1% e 3 dos seus 4 macrossetores perderam produção. O recuo mais acentuado coube a bens de consumo duráveis (-16,9% ante 3º trim/20), com grande contribuição de automóveis (-22,4%) e eletrodomésticos (-17,7%). Bens intermediários (-2,0%) e bens de consumo semi e não duráveis (-2,8%) regrediram sob influência de atividades do setor alimentício e de bebidas, entre outras.
A única variação positiva no 3º trim/21 ante mesmo período do ano anterior veio de bens de capital (+27,3%), puxados por bens de capital para a construção (+60,7%), transporte (+39,3%) e agricultura (+26,8%). A produção de bens de capital para a indústria, embora siga no azul, sofreu forte desaceleração ao passar de +51,1% no 2º trim/21 para +6,8% no 3º trim/21.
Regionalmente, 10 dos seus 15 parques (67%) da indústria tiveram perdas no 3º trim/21, sendo que quase todos ficaram aquém do resultado geral. O pior caso coube ao Nordeste cuja produção industrial teve queda de dois dígitos. Além de sua intensidade, há outro fator a ser considerado: a indústria nordestina tem ficado atrás do total Brasil desde o 4º trim/20. Por isso, é onde a crise da Covid-19 e seus desdobramentos apresentam maior persistência.
Também ficaram no vermelho no 3º trim/21 os parques industriais do Norte do país e do Centro-Oeste; todos entre as perdas mais agudas. Mas os resultados negativos não se restringiram a estas regiões e a atingiram igualmente os principais parques industriais do Sul e Sudeste.
A indústria de São Paulo (-1,2%) caiu tanto quanto o agregado Brasil na comparação com o 3º trim/20 devido a perdas em metade dos seus ramos. Os recuos mais intensos ficaram por conta de alimentos, bebidas, farmacêuticos e farmoquímicos, outros equipamentos de transporte e máquinas, aparelhos e materiais elétricos. Em direção oposta, atenuando as perdas, destacaram-se confecção, metalurgia e máquinas e equipamentos. A indústria paulista foi marcada por disparidades muito acentuada entre seus ramos.
Rio Grande do Sul, por sua vez, teve declínio de -0,8%. Além de menos intenso do que São Paulo, o recuo da indústria gaúcha no 3º trim/21 atingiu menos setores: 38% de seus ramos. Entre os que pior se saíram estão veículos e fumo e entre os melhores resultados estão couros e calçados e máquinas e equipamentos.
Apesar destes resultados negativos em seus principais parques, variações positivas marcaram a maioria dos estados do Sul e Sudeste. Ainda em relação ao 3º trim/20, Paraná e Santa Catarina registraram avanços de +5,8% e +5,2%, respectivamente, perdendo apenas para Minas Gerais, cuja indústria cresceu +6,7%, com impulsos vindos da metalurgia, do ramo extrativo e de veículos. Rio de Janeiro e Espírito Santo registraram +2,7% e +3,7%, respectivamente.
Comércio
Não foi apenas a indústria que terminou o 3º trim/21 no vermelho. O comércio varejista registrou -1,3% na passagem de agosto para setembro, já descontados os efeitos sazonais e a inflação. Em seu conceito ampliado, que inclui veículos, autopeças e material de construção, o declínio de suas vendas reais foi de -1,1% na mesma comparação.
E assim como o setor industrial, variações negativas também se tornaram mais frequentes para o varejo. Em set/21, pela primeira vez neste ano, o setor apresentou duas quedas consecutivas na série com ajuste sazonal e também na comparação com o ano passado. Ao que tudo indica o agravamento do quadro inflacionário pesa sobre o setor.
Deste modo, suas vendas voltaram a um nível inferior ao pré-pandemia: -0,4% no conceito restrito e -1,7% no conceito ampliado ante fev/20. Cabe lembrar que alguns ramos do comércio não chegaram a ser muito prejudicados pela pandemia, dadas as transformações na demanda das famílias ao longo dos períodos de isolamento, como supermercados e alimentos, artigos farmacêuticos e até mesmo material de construção e móveis e eletrodomésticos.
Em dez/20, metade dos dez ramos acompanhados pelo IBGE tinham vendas em patamares acima do pré-pandemia. Em set/21, apenas 30% estavam nesta situação. Retrocessos importantes foram registrados em supermercados, alimentos, bebidas e fumo e combustíveis e lubrificantes, cujos preços têm liderado a aceleração da inflação, bem como em móveis e eletrodomésticos e equipamentos de informática e comunicação, prejudicados pelo encarecimento do crédito e recomposição do peso dos serviços no orçamento das famílias com o avançar da vacinação.
Com o arrefecimento recente, o 3ª trim/21 foi negativo para o varejo restrito quando comparado com igual período do ano anterior e se aproximou da estabilidade ao considerarmos o setor em seu conceito ampliado. Em relação a 2020, metade dos dez ramos pesquisados ficou no vermelho.
Entre aqueles que perderam vendas em comparação com o 3º trim/20 estão segmentos com bases de comparação mais elevadas, que incluem bens de consumo duráveis, como móveis e eletrodomésticos(-18,2%), informática e comunicação (-9,6%) e material de construção (-7,3%), mas também supermercados, alimentos, bebida e fumo (-3,4%).
No extremo oposto, entre as maiores altas encontram-se aqueles segmentos mais duramente afetados pela alteração no perfil do consumo da população na pandemia: veículos e autopeças (+12,2%) e tecidos, vestuário e calçados (+12,5%). Ambos segmentos registram taxas de dois dígitos no 3ª trim/21.
Com crescimento em ritmo razoável, embora inferior a trimestres anteriores, estão produtos farmacêuticos, médicos e de perfumaria (+5,2%) e outros artigos de uso pessoal e doméstico (+8,4%), que acumulam cinco trimestres seguidos de aumento das vendas. São segmentos que tiveram perdas muito pontuais apenas no início da pandemia no Brasil.
Por fim, combustíveis e lubrificantes diante da elevação dos seus preços dão claros sinais de enfraquecimento. Suas vendas cresceram apenas +1% no 3º trim/21, mas tomado o mês de set/21 isoladamente registra queda de -4%. Na série com ajuste sazonal já são quatro meses seguidos no vermelho.
Serviços
Além do comércio e dos serviços, os serviços também presentaram em set/21. A variação de seu faturamento real foi de -0,6% ante ago/21, já descontados os efeitos sazonais. Foi o primeiro recuo desde mar/21 nesta comparação e se mostrou bastante difundido entre os segmentos do setor.
Quatro dos cinco ramos pesquisados pelo IBGE ficaram no vermelho. A queda foi mais intensa em outros serviços (-4,7% ante ago/21), o qual reúne um conjunto diversificado de atividades, como serviços financeiros, imobiliários, rurais etc., mas é nos serviços profissionais, administrativos e complementares (-1,1%) que o desempenho recente é mais preocupante, pois não crescem há três meses.
Apesar de ter acompanhado o movimento descendente da indústria e do varejo em set/21, o quadro dos serviços permaneceu mais favorável. Parte disso porque só mais recentemente, com o avanço da vacinação contra a Covid-19, sua recuperação tornou-se mais consistente. O nível de faturamento real do setor continua acima do pré-pandemia (+3,7% ante fev/20) e em comparação com o ano passado está em alta nos últimos sete meses.
Na comparação trimestral, o setor de serviços como um todo acumulou alta de +15,2% no 3º trim/21 frente ao 3º trim/20 e o sinal positivo marcou o desempenho de todos os seus segmentos.
O avanço mais intenso ficou por conta dos serviços prestados às famílias (+48,2% ante 3º trim/20), que ainda têm um longo caminho para superar as perdas provocadas pela pandemia. Em set/21 seu faturamento real ainda se encontrava 16,2% abaixo do pré-pandemia. A imunização da população e o relaxamento de medidas restritivas têm sido fundamental para a retomada do setor, que poderia ser mais rápida se a inflação não estivesse corroendo poder de compra das famílias.
Serviços profissionais, administrativos e complementares também estão aquém do pré-pandemia (-1,6% ante fev/20) e, dado o baixo dinamismo dos últimos meses na série com ajuste sazonal, a manutenção da alta de dois dígitos no 3º trim/21 (+12,2%) contou muito com a ajuda de bases baixas de comparação. Seu componente se serviços complementares e administrativos, que incluem atividades secundárias geralmente terceirizadas pelas empresas, ainda são um obstáculo para uma retomada mais robusta deste ramo como um todo.
Os demais ramos, sobretudo, outros serviços (+6,9% ante 3º trim/30) e transportes (+17,9%), registraram desaceleração importante no 3º trim/21, mas vinham crescendo há mais tempo e já superaram o choque da Covid-19. O segmento de outros serviços está 3,3% acima de fev/20 e transportes, 5,5% acima deste patamar.
Serviços de informação e comunicação, por sua vez, quase não perderam dinamismo do 2º trim/21 (+13,6%) para o 3º trim/21 (+11,6%), mantendo crescimento a taxas de dois dígitos, e é quem melhor se encontra em relação ao pré-pandemia: 9,9% acima de fev/20. Cabe lembrar que muitas de suas atividades passaram a ser mais demandadas em função dos períodos de isolamento social e com a expansão do teletrabalho e dos negócios digitais.