Carta IEDI
O efeito multiplicador da indústria na retomada econômica de 2021
A Carta IEDI de hoje retoma o tema do efeito multiplicador da indústria no total da produção da economia brasileira, agora no contexto de retomada da atividade em 2021, após o choque da pandemia de Covid-19 em 2020. O estudo, realizado pelo economista Thiago M. Moreira, a pedido do IEDI, atualiza a discussão realizada na Carta IEDI n. 1096 “Indústria: alavanca do crescimento”, de julho de 2021.
Como se sabe, no ano passado, o crescimento do PIB do país foi mais do que suficiente para compensar a retração de 2020 (+4,6% ante -3,9%, respectivamente), decorrente da ampliação do investimento e, em menor medida do consumo das famílias.
Neste período, a capacidade de a atividade industrial alavancar a expansão da economia como um todo não só se manteve acima dos demais setores econômicos, como foi uma das que mais se reforçou. Em outros termos, o multiplicador da indústria aumentou.
Estimativas de Moreira indicam que o multiplicador da indústria de transformação passou de 2,14 para 2,23 entre 2020 e 2021. Este aumento ficou atrás apenas de outro segmento da indústria, segundo a classificação das Contas Nacionais utilizada pelo IBGE para calcular o PIB, o da construção civil, cujo multiplicador passou de 1,84 para 2,04.
A despeito de alguma variação positiva, os multiplicadores dos setores agropecuários (1,7 em 2021) e de serviços (1,5) seguiram razoavelmente inferiores ao da indústria de transformação, bem como de outras atividades industriais.
Assim, notadamente na indústria, o estudo indica que a expansão de 2021 veio acompanhada de maior encadeamento produtivo, ou seja, do reforço de relações intersetoriais. Na origem deste movimento está a evolução da indústria de bens intermediários.
No caso da indústria de transformação, denota-se claramente que o avanço no multiplicador se explica, como observa Moreira, pelo maior efeito gerado sobre a própria indústria de transformação, ou seja, um maior valor destinado à aquisição dos insumos industriais nacionais, sobretudo, os classificados como insumos industriais elaborados, que incluem borracha, plástico, químicos, metalúrgicos e papel e celulose.
Talvez a principal causa deste adensamento das relações intersetoriais da indústria, responsável pelo aumento de seu efeito multiplicador sobre a economia brasileira, tenha sido os gargalos das cadeias globais de valor, ainda muito presentes em 2021.
Ondas sucessivas de contágio de Covid-19, acompanhadas de lockdowns mais ou menos restritivos em diferentes países, desorganização da logística internacional e alterações na demanda final das famílias levaram a rupturas de fornecimento, atrasos na importação e encarecimento de insumos, estimulando a busca por fornecedores domésticos. No caso do Brasil, a desvalorização cambial foi um incentivo a mais.
Segundo sondagem da CNI, de fev/21, do total de empresas da indústria geral pesquisadas que importavam insumos, 65% encontravam dificuldade em obtê-los, mesmo pagando mais por eles. Este percentual avançou para 72% na sondagem de out/21. No caso da construção civil, esta parcela era ainda maior, de 79% e 80%, respectivamente. Em mai/22, nova sondagem da CNI mostrou que 40% das empresas industriais e 54% na construção estavam buscando fornecedores nacionais em substituição aos parceiros estrangeiros.
Vale destacar, ainda, como faz o autor do estudo, que o segmento produtor dos bens de capital ou de investimento, isto é, de máquinas e equipamentos, também registrou uma expansão importante em 2021, o que sugere uma relação mais estreita entre os bens intermediários nacionais e os investimentos na economia brasileira. A produção de insumos para bens de capital foi um segmento da indústria de intermediários que mais cresceu no ano passado.
Outro aspecto mencionado no estudo foi o aumento de preços relativos dos insumos, provocado vis-à-vis os preços de produtos acabados, em grande medida, pela referida escassez de partes, componentes e matérias-primas. Quando este tipo de desequilíbrio de preços relativos acontece, há um fator adicional para o incremento no valor dos efeitos multiplicadores.
De todo modo, o adensamento nas cadeias produtivas parece ter sido temporário. Com a gradativa amenização dos problemas logísticos e a queda no custo dos fretes marítimos, os fluxos de comércio exterior voltaram a crescer de forma mais expressivo a partir do final de 2021. Os dados do primeiro semestre de 2022 mostram que as importações dos insumos estão em alta, enquanto a produção interna de bens intermediários acumulou declínio de -2,1%, tal como tratado na Carta IEDI n. 1155.
Registram maiores quedas os intermediários mais elaborados, justamente aqueles que haviam sido os mais beneficiados pelos gargalos logísticos existentes no comércio internacional em 2021.
Introdução
A Carta IEDI de hoje aborda o estudo realizado, a pedido do Instituto, pelo economista e professor da UFRJ e Ibmec-RJ, Thiago M. Moreira, a respeito dos efeitos multiplicadores da indústria, em comparação com os demais setores da economia, no contexto da pandemia de Covid-19.
O trabalho atualiza a discussão realizada na Carta IEDI n. 1096 “Indústria: alavanca do crescimento”, de julho de 2021, em que foram apresentados os elementos que fundamentam o conceito de multiplicador de produção, sua importância para a avaliação a respeito do grau de encadeamento e integração produtiva de uma economia, bem como os dados necessários para as suas estimativas.
Naquela oportunidade foram apresentados os valores dos multiplicadores de produção dos seguintes macrossetores: Agropecuária, Indústria de Transformação, Extrativa Mineral, Construção Civil, Serviços Industriais de Utilidade Pública (SIUP) e Serviços, para os anos de 2015, 2019 e 2020, que sugeriam um processo de “desintegração produtiva”, com enfraquecimentos nos elos e encadeamentos produtivos intersetoriais.
Na presente Carta IEDI, serão avaliados os dados setoriais mais recentes relativos ao PIB de 2021 divulgados pelo IBGE através da chamada Tabela de Recursos e Usos (TRU), que foi utilizada para a estimativa de uma Matriz de Insumo Produto (MIP) que, por sua vez, corresponde às informações fundamentais para os cálculos dos efeitos multiplicadores de 2021 na mesma estrutura do estudo feito no ano passado.
O exercício se justifica uma vez que o ano de 2021 foi marcado por um cenário externo de recuperação econômica “pós-pandemia”, mas em um ambiente bastante desafiador devido aos efeitos do que se convencionou denominar de “desarranjos nas cadeias produtivas globais”.
De forma geral, este fenômeno pode ser considerado como um dos principais legados da pandemia, pois ainda em 2022, tal como ilustram as Sondagens realizadas pela CNI, muitas empresas ainda enfrentam dificuldades no acesso a insumos.
Ainda no período de maior difusão do vírus e fortes restrições à mobilidade das pessoas ao redor do mundo houve uma grande concentração de gastos em bens industriais, já que a aquisição da grande maioria dos serviços ficou impossibilitada. Isso contribuiu para a escassez de bens finais e matérias-primas. Ademais, a desorganização logística, principalmente na região asiática, em particular na China, responsável por parte significativa da produção industrial global, privou outras regiões do mundo do acesso a insumos e produtos finais.
Mesmo com a retirada gradual das primeiras restrições à mobilidade, os desarranjos nas cadeias produtivas prosseguiram. Em parte, devido ao surgimento de novas variantes de Covid-19 e novas ondas de contágio e de lockdowns em países e regiões, nem sempre de forma sincronizada.
A recuperação da demanda agregada também não foi acompanhada pela retomada das condições de oferta na mesma velocidade. Muitos segmentos produtivos que haviam paralisado abruptamente, ao menos em parte, suas operações, não conseguiram reativar suas plantas industriais no mesmo ritmo em que foram interrompida, gerando gargalos.
Face às dificuldades na obtenção dos insumos, difundiu-se comportamento precaucional entre as empresas devido ao receio de não serem integralmente atendidas por seus fornecedores, levando-as a realizarem pedidos de insumos em volume maior do que o realmente necessário o necessário, pressionando ainda mais as cadeias.
Vale dizer que esta dinâmica, por sua vez, também está na raiz do processo inflacionário global em curso, devido ao repasse do aumento dos preços dos fretes, matérias-primas e insumos. Tendência esta que foi agravada pelos efeitos do conflito armado na Ucrânia no presente ano.
Para além dos desdobramentos conjunturais, a pandemia pode desencadear efeitos estruturais no comércio internacional. Depois de vivenciarem grandes dificuldades na obtenção de determinados produtos ao longo da pandemia, muitas empresas buscam diversificar seus fornecedores enquanto muitos governos ambicionam reduzir sua elevada dependência da produção industrial asiática, em particular da China.
Resiliência e segurança nacional entraram no radar, conforme discutido na Carta IEDI n. 1154 “Indústria e Disputas Geopolíticas”. Muitos grupos empresariais ocidentais (principalmente europeus e norte-americanos) devem passar a considerar, com peso cada vez maior na seleção de seus fornecedores, a proximidade geográfica (nearshoring) e o que se pode denominar de “alinhamento ideológico e/ou de valores” dos países em que estão instalados, diferenciando-os entre “confiáveis” e “não confiáveis” (friendshoring).
Os referidos gargalos logísticos no comercial internacional provocaram, além de atrasos, um aumento de mais de 400% no custo do frete marítimo, em particular daqueles provenientes do principal parceiro comercial do Brasil, a China. Esta dinâmica beneficiou a competitividade da produção brasileira em 2021, encarecendo sobremaneira as importações e, consequentemente, favorecendo a compra dos produtores nacionais.
Convém também ressaltar que, do ponto de vista macroeconômico, o ano de 2021 apresentou condições relativamente favoráveis à busca de fornecedores nacionais, pois foi marcado por uma taxa de câmbio em níveis desvalorizados, flutuando em torno de R$ 5,40 por dólar (com média mínima mensal de R$/US$ 5,03 e máxima mensal de R$/US$ 5,65), contribuindo para elevar a competitividade da produção doméstica.
Com relação à taxa básica de juros, a despeito das sucessivas elevações ao longo do ano, a mesma permaneceu abaixo de 6% a.a. até setembro do ano passado e teve uma média anual de 4,4% a.a., o que corresponde a patamares historicamente baixos para a experiência brasileira das últimas décadas.
Por fim, o autor do estudo chama atenção para a posição brasileira neste contexto, analisando o efeito deste quadro para o desempenho da economia brasileira, avaliando em que medida a dinâmica até então de “desintegração produtiva” (redução do multiplicador) da indústria sofreu algum tipo de alteração.
O desempenho heterogêneo da indústria em 2021
Com base nos valores agregados da produção industrial, coletados pela Pesquisa Mensal da Indústria (PIM/PF) divulgada pelo IBGE, denota-se que a queda sofrida pela indústria geral (transformação e extrativa mineral) em 2020 foi de maior magnitude que a recuperação no seguinte, tal como foi discutido na Carta IEDI n. 1127 “ A insuficiente reação em 2021”, de mar/22, entre outras divulgações do IEDI.
No ano em que a pandemia derrubou a atividade econômica de forma generalizada, a indústria geral registrou uma queda, em termos reais, de 4,5%. Já em 2021, a retomada se deu em um ritmo mais fraco, com expansão de 3,9%. No entanto, é possível perceber comportamentos bastante díspares entre os segmentos industriais.
Um primeiro aspecto que merece destaque diz respeito ao desempenho da construção civil, um segmento que não está contemplado no conceito de indústria geral, mas corresponde a uma importante atividade do complexo industrial brasileiro e é incluído pelo IBGE no PIB industrial, no Sistema de Contas Nacionais.
A retomada deste importante setor, caracterizado por ser intensivo em trabalho, ao contrário do verificado na indústria geral, ocorreu em ritmo muito mais acelerado em 2021 (+8,1%) quando comparado à ligeira queda registrada em 2020 (-0,2%). Vale destacar que a construção civil foi responsável pela criação líquida de pouco mais de 1 milhão de empregos somente em 2021 e gerou demanda para muitos ramos industriais.
Este bom desempenho da construção civil decorreu, em grande medida, da expansão do gasto privado neste segmento. Isso porque os dispêndios governamentais na construção civil estão diretamente associados aos investimentos públicos e estes sofreram queda de 11% em termos nominais em 2021, saindo de R$ 200,3 bilhões em 2020 para R$ 178,3 bilhões. Em termos percentuais do PIB, o investimento público vem flutuando nos últimos anos no intervalo entre 2% e 2,5%, patamares muito inferiores quando comparados aos anos anteriores, conforme indicado no gráfico abaixo.
Quanto aos gastos privados na construção, o que mais chamou atenção foi o forte crescimento nos lançamentos de imóveis de luxo, que variaram mais de 200% em 2021 quando comparado ao número registrado em 2019, segundo dados divulgados pela Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias).
Entre os principais fatores apontados para este crescimento estão a mudança nos hábitos de consumo das famílias de renda elevada após o período da pandemia, com maior procura por espaço e conforto nas residências, somada ao aumento ocorrido na concentração de renda em 2020/2021, com uma parcela ainda maior da renda agregada sendo apropriada pelas classes mais ricas.
A heterogeneidade na recuperação industrial também pode ser notada entre as diferentes categorias de uso da indústria geral.
Enquanto a indústria de bens de capital e de bens intermediários mostraram uma recuperação em 2021 mais do que compensando a retração de 2020, a indústria de bens de consumo (tanto duráveis como semi e não duráveis) registrou uma expansão da produção inferior à contração ocorrida em 2020. O gráfico abaixo traz a evolução mês a mês destas três principais categorias de uso em 2020 e 2021.
O grande choque negativo decorrente da pandemia da COVID-19 ocorreu em março/abril de 2020, quando todos os segmentos da indústria sofreram uma brusca e expressiva contração. Na medida em que os investimentos são os primeiros gastos a sofrerem cortes em um ambiente de tamanha incerteza como foi aquele vigente no início de 2020, as atividades produtoras dos bens de capital (principalmente máquinas e equipamentos) foram as que sofreram as perdas mais acentuadas (contração de 47% entre fevereiro e abril de 2020).
No entanto, bens de capital foram a parcela da indústria que apresentou a recuperação mais acelerada no período subsequente, chegando, ao fim de 2021, em um nível de produção acima das demais categorias, quando comparadas na mesma base. Enquanto a queda real em 2020 foi de 9,6%, a expansão em 2021, em termos reais, foi de 27,8%.
Vale dizer que a forte expansão da indústria de bens de capital, conjugada ao expressivo crescimento da construção civil estão diretamente associados ao surpreendente aumento da taxa de investimento da economia brasileira no período recente.
Calculada a partir da razão entre a Formação Bruta de Capital Fixo e o PIB, a taxa de investimento voltou, ao final de 2021, a valores compatíveis com o que se observava antes da crise econômica brasileira de 2015/16.
Depois do setor de bens de capital, a categoria de uso mais impactada pela pandemia foi a produtora dos bens de consumo, notadamente de duráveis, aquela que acabou sofrendo os maiores impactos decorrentes das restrições à mobilidade das pessoas vigentes ao longo da pandemia.
No entanto, com a introdução dos programas de transferências de renda (com destaque para o auxílio emergencial) e a própria redução nas taxas de juros, que estimulou o crescimento do crédito, houve também uma importante recuperação dos bens de consumo após o choque março/abril de 2020.
Contudo, é possível verificar com clareza no gráfico acima que em 2021 esta categoria perdeu ímpeto, com queda motivada principalmente pela redução nos estímulos monetários e, principalmente, fiscais e a manutenção do quadro pandêmico. Ainda que o governo tenha substituído o auxílio emergencial pelo chamado auxílio Brasil, além do valor básico do benefício ser menor, o número de beneficiários também foi significativamente reduzido em 2021.
Dessa forma, em termos anuais, a modesta variação de 0,1% na produção industrial de bens de consumo, em 2021, não foi nem de longe suficiente para compensar a retração de 9% ocorrida em 2020.
A indústria de bens intermediários, para o estudo dos multiplicadores, é a mais relevante, uma vez que é ela a responsável pela produção dos insumos e matérias-primeiras utilizados em outros processos produtivos.
Em outras palavras, bens intermediários formal o núcleo duro do sistema industrial, e suas atividades, em última instância, definem o grau de integração e de encadeamento produtivo em uma economia e, consequentemente, afetam diretamente o valor dos multiplicadores de produção.
Do ponto de vista agregado a produção dos bens intermediários, assim como ocorreu com os bens de capital, também conseguiu registrar uma recuperação em 2021 (+3,3%) em ritmo mais do que suficiente para compensar a queda sofrida em 2020 (-1,0%).
Dada a importância desta categoria de uso, o estudo de Thiago Moreira dedica uma seção específica para a análise mais detalhada sobre a trajetória dos bens intermediários em 2021.
O desempenho da indústria de bens intermediários
O autor do estudo lembra que, do total da produção industrial brasileira, praticamente metade corresponde a insumos e matérias-primas que são demandados por outras atividades da própria economia brasileira para transformação e beneficiamento, sendo o consumo intermediário, de longe, o destino mais importante da produção industrial.
O gráfico abaixo identifica os destinos da produção industrial brasileira em termos percentuais.
Considerando ainda que 35% da produção industrial total exportada dizem respeito às commodities minerais e metálicos (principalmente minério de ferro e petróleo), que também são bens intermediários, o percentual de bens intermediários passaria de 55% do total produzido pela indústria brasileira.
Na divulgação da PIM/PF, o IBGE traz uma desagregação dos bens intermediários nas chamadas “Grandes Categorias Econômicas”, as quais são compostas por 5 principais categorias, sendo 3 delas separadas entre “bens básicos” e “bens elaborados”, quais sejam: “insumos industriais”, “combustíveis e lubrificantes”, “alimentos e bebidas”, “peças e acessórios para bens de capital” e “peças e acessórios equipamentos de transporte”.
Dentre estas, o núcleo principal dos bens intermediários corresponde aos insumos industriais (60,3%), sendo a segmentação de “insumos industriais elaborados” a mais relevantes (47,7%). O gráfico a seguir traz as participações relativas de cada categoria mencionada anteriormente.
O desempenho dos segmentos que compõem a indústria de bens intermediários em 2021 também ficou marcado pela grande heterogeneidade.
O segmento produtor de insumos alimentícios e o de combustíveis, por exemplo, acabaram sendo alguns dos poucos setores impactados positivamente pelo choque da pandemia em 2020, seguida de uma contração em 2021. O volume de produção do primeiro cresceu 13,1% em 2020, com queda de 15,1% em 2021. Já os combustíveis registram crescimento agregado da produção de 6,9% em 2020, seguido de retração de 1% no ano passado.
Entre os principais fatores explicativos no caso dos insumos alimentícios, está a maior demanda pelos itens básicos decorrentes das transferências governamentais emergenciais de 2020, com a posterior redução em 2021, tanto do valor transferido pelo governo quanto do número de beneficiários.
Já no caso dos combustíveis, vale destacar os desdobramentos das restrições à mobilidade ocorridas em 2020, traduzidos em uma forte expansão dos serviços de entrega domiciliar, além de uma grande concentração da demanda por bens industriais de uso doméstico (eletrônicos, eletrodomésticos, móveis, material de construção etc.), o que levou a uma forte expansão do comércio eletrônico. Este, por sua vez, utiliza predominantemente o modal rodoviário, o quais impulsionaram a demanda pelos combustíveis, principalmente de diesel.
Já outros segmentos com desempenho mitigado registraram crescimento em 2021, mas em intensidade insuficiente para anular a retração verificada em 2020. São os casos dos segmentos produtores dos insumos industriais básicos e das peças e acessórios para os equipamentos de transporte.
No caso dos insumos industriais básicos, houve uma queda de 9% em 2020, seguida de uma recuperação de 4,7% em 2021. Neste setor, o grande destaque foram as commodities minerais e metálicas ligadas à indústria extrativa mineral, cujos principais bens produzidos são o minério de ferro e o petróleo.
Já os insumos para a produção dos equipamentos de transporte registraram forte queda em 2020, de -24,3%, puxada principalmente pela contração na produção de automóveis (-33,2%). Já a retomada em 2021 se deu em um ritmo significativamente mais fraco, com expansão de 13,4%. Cabe ainda destacar que tal recuperação se deveu principalmente ao crescimento da produção de caminhões e ônibus em 2021 (+60,8% após uma queda de -19,6% em 2020), já que os automóveis registraram expansão de apenas 5,3%.
No entanto, o que de fato chamou atenção foram as peças e acessórios para os bens de capital e, principalmente, os insumos industriais elaborados, que juntos representam metade de toda a indústria brasileira de bens intermediários. Ambos registraram quedas de menor magnitude em 2020, seguidas de um importante crescimento em 2021, o que colocou estes segmentos em situação bem mais favorável ao final do ano passado em comparação ao período pré-pandemia.
Como já discutido, houve uma forte aceleração dos investimentos em 2021, o que impulsionou a demanda por peças e acessórios para a confecção dos bens de capital, cuja expansão foi de 19,2%, após uma queda de 4,6% em 2020. Já a produção dos insumos industriais elaborados teve contração de apenas 1,6% em 2020, seguida uma expansão de 7,5% em 2021.
Os insumos industriais elaborados
Este corresponde ao núcleo do setor produtor dos insumos, sendo representado por atividades localizadas em etapas intermediárias das cadeias produtivas. Os bens produzidos são denominados “elaborados” na medida em que apresentam um grau mais elevado de beneficiamento e/ou de sofisticação tecnológica.
Dentre as principais atividades deste grupo de insumos estão a produção da indústria de borracha, plástico, química, metalurgia, produtos de metal, não metálicos, papel e celulose, têxteis, além de máquinas e equipamentos de menor porte, as quais não são classificadas como bens de capital.
A maioria destas atividades produzem bens de uso generalizado, ou seja, são fornecedores de insumos para diversas outras atividades econômicas. Isso significa que são fundamentais para potencializar os efeitos multiplicadores da produção industrial de uma economia. O gráfico abaixo mostra a taxa de crescimento no período acumulado em 12 meses das principais atividades pertencentes a subcategoria em questão.
O autor do estudo observa que a maioria dos segmentos segue uma trajetória bastante semelhante e destaca que a magnitude máxima de queda foi, em todos os casos, menor do que a intensidade das taxas de crescimento na fase de recuperação.
Ainda antes da pandemia este importante segmento da indústria apresentava fraco desempenho, segundo Thiago Moreira, com retração na produção ou, na melhor as hipóteses, um modesto crescimento. Com a eclosão da pandemia, houve um aprofundamento da queda das atividades, com uma dispersão um pouco maior no processo de recuperação. No entanto, houve retomada de todos os segmentos, que passam para o terreno no início de 2021.
Destaque para os segmentos de “máquinas e equipamentos” e da “metalurgia”, que após registrar os piores desempenhos em 2020, apresentaram os ritmos mais intensos de recuperação e terminaram o ano de 2021 com as maiores taxas de crescimento acumulado em 12 meses.
O autor também ressalta que o desempenho das atividades de “papel e celulose” e “químicos”, que embora tenham chegado ao fim do ano passado com as menores taxas de crescimento, foram as primeiras a iniciar a retomada ainda em 2020, apresentando uma trajetória de recuperação menos volátil que a dos demais.
A similaridade do formato da trajetória entre os segmentos indica a existência de “fatores sistêmicos”, ou seja, aspectos que impactam de forma horizontal a todas estas atividades econômicas. Como já mencionado anteriormente, as condições do comércio internacional, em particular decorrentes dos desarranjos nas cadeias produtivas globais e seus desdobramentos sobre o forte aumento nos custos logísticos, favoreceram a aquisição de bens intermediários produzidos internamente.
No entanto, é importante enfatizar que os dados acerca dos fluxos de importações dos bens intermediários não apontam necessariamente para um processo efetivo e consistente de substituição de importação. Isso porque, com um relativo arrefecimento dos problemas logísticos e redução dos fretes, principalmente a partir do segundo semestre de 2021, as importações também voltaram a crescer fortemente.
O volume importado de bens intermediários fechou o ano passado com crescimento de 26,6%, superando em larga medida o volume de importações pré-pandemia. O nível do volume de importações de bens intermediários em dezembro de 2021 superou em mais de 30% o verificado em dezembro de 2019.
Os dados indicam que os problemas nos fluxos de comércio internacional represaram a entrega de diversos pedidos feitos pelos produtores da economia brasileira, que acabou sendo postergada. Durante o período de escassez de insumos importados, abriu-se uma janela de oportunidade, mesmo que temporária, para a indústria brasileira, que aproveitou para alavancar seus volumes de produção, segundo argumenta Thiago Moreira.
Contudo, o desempenho destes insumos industriais elaborados no primeiro semestre de 2022 parece indicar que a recuperação verificada realmente não encontra bases sólidas de sustentação. Entre dezembro de 2021 e julho deste ano, a taxa de expansão da produção desta importante categoria de bens intermediários despencou, passando de uma alta acumulada em 12 meses de 7,5% para uma retração de -3,8%, conforme sinalizado no gráfico a seguir.
Por outro lado, entre janeiro e maio de 2022, as importações totais de bens intermediários expandiram em termos reais 13,2%, já descontados os efeitos sazonais. Neste mesmo período, o volume importado dos bens de capital, cuja indústria nacional também havia esboçado uma recuperação em 2021, também voltaram a crescer em ritmo elevado, de 11,1%. Tal movimento aponta para uma rápida reversão na dinâmica expansiva observada em segmentos importantes produtores de insumos, matérias-primas de uso industrial, além de máquinas e equipamentos.
Os efeitos multiplicadores de 2021
O bom desempenho da indústria de bens intermediários, em particular a de insumos elaborados de uso generalizado, elevou de forma significativa os multiplicadores de produção na comparação com 2020, conforme apontado no gráfico abaixo.
O primeiro resultado observado pelo autor é o de que houve um aumento dos multiplicadores de produção em todos as atividades, com exceção da indústria extrativa mineral. Vale lembrar que os valores indicam o quanto da produção total da economia é gerado a cada R$ 1 produzido por cada uma das 6 atividades representadas no gráfico, direta e indiretamente (por meio da demanda pelos bens intermediários).
O efeito da indústria de transformação seguiu sendo o mais importante de toda a economia brasileira, registrando inclusive elevação importante de seu multiplicador, que passou de R$ 2,14 em 2020 para R$ 2,23 em 2021 para cada R$ 1 de aumento de sua produção.
Contudo, o aumento mais importante ocorreu em outro importante segmento da indústria, tomada a definição das Contas Nacionais do IBGE (utilizadas para o PIB): o da construção civil, cuja produção de R$ 1 passou de um efeito multiplicador de R$ 1,87 em 2020 para R$ 2,08 em 2021,
Os valores obtidos tanto para a indústria de transformação como para a construção civil superaram em muito os demais setores. A indústria extrativa, que apresentava um multiplicador próximo ao da construção civil, em 2020, apresentou um valor aquém deste setor, de R$ 1,74. No caso da extrativa, a queda do efeito multiplicador total se deveu principalmente por uma menor demanda pelos serviços por unidade monetária produzida.
Ao analisar o aumento dos efeitos multiplicadores de forma desagregada, Thiago Moreira mostra que o principal responsável pelo aumento do multiplicador foi, de longe, a maior integração das atividades econômicas ao setor industrial, com destaque para as atividades fornecedoras dos bens intermediários.
No caso da indústria de transformação, por exemplo, denota-se claramente que o avanço no multiplicador se explica pelo maior efeito gerado sobre a própria indústria de transformação, ou seja, um maior valor destinado à aquisição dos insumos industriais nacionais.
Outro destaque importante é o da construção civil que, como já mencionado, teve um ano de forte crescimento em 2021 e foi importante para a expansão da demanda por uma série de insumos industriais elaborados, tais como bens metalúrgicos, não metálicos e material plástico.
A despeito de um efetivo crescimento real, não podemos deixar de mencionar a forte expansão no preço dos insumos industriais. A escassez de matérias-primas devido aos problemas logísticos provocou aumento nos preços de diversos bens intermediários, que em muitos casos não foi acompanhado na mesma magnitude pela subida nos preços dos bens finais.
Segundo a FGV, que calcula o Índice Geral de Preços (IGP), com abertura dos preços por estágio produtivo, em 2021 o preço dos bens finais registrou, em média, expansão de 22%, enquanto a expansão média no preço dos intermediários foi de 41,1%.
Os dados indicam que o efeito preço na expansão dos impactos monetários sobre a indústria de transformação não se deu apenas por conta do efeito volume decorrente do crescimento da produção física de insumos e matérias-primas, mas também pela mudança nos preços relativos, com encarecimento mais significativo dos insumos em relação aos bens finais.