Carta IEDI
Indústria: por ora, sem mudança de rumo
A indústria brasileira encerrou a primeira metade de 2023 sem mudança de rumo. Seguiu apresentando resultados muito próximos da mera estabilidade. Na passagem de mai/23 para jun/23, já descontados os efeitos sazonais, o resultado da produção da indústria geral foi de +0,1%.
Isso, contudo, graças a um avanço de +2,9% do ramo extrativo, pois a indústria de transformação, mais uma vez, perdeu produção. Esta parcela da indústria teve sua terceira queda consecutiva na série com ajuste sazonal, ao registrar -0,2%.
Como consequência da fraca evolução dos últimos meses, a produção do agregado da indústria encolheu -0,3% no acumulado jan-jun/23, devolvendo quase integralmente o pouco que havia progredido no 2º sem/22 (+0,4%).
É um desempenho que reflete os altos níveis de taxas de juros do país, bem como o expressivo endividamento das famílias. Estes são fatores que comprometem o dinamismo de ramos de bens duráveis, de consumo e de investimento, já que seus mercados normalmente exigem financiamento.
Outro freio vem sendo a desaceleração da economia global, que tem restringido as exportações de produtos industriais pelo Brasil, como analisou a Carta IEDI n. 1217. A indústria de transformação foi o único grande setor da economia a reduzir o quantum exportado na primeira metade de 2023 (-1,2% ante jan-jun/22).
No 1º sem/23, 64% dos ramos industriais ficaram no vermelho e, do ponto de vista regional, 44% dos seus parques perderam produção, inclusive São Paulo. A produção de bens de capital foi a que mais puxou para baixo o setor como um todo, mas não foi a única.
O desempenho de bens de capital piorou muito em comparação com o da segunda metade de 2022, passando de -2,1% para -9,7%. E, segundo o resultado do 2º trim/23 (-12,4%), não está contratada uma reversão de tendência, que dependerá muito da redução das taxas de juros e da expansão do financiamento de longo prazo.
Bens de capital para a própria indústria seguem no vermelho há ainda mais tempo. Já somam sete trimestres seguidos em que sua produção encolhe na comparação interanual, isto é, desde o final de 2021. É uma trajetória que indica ausência de investimentos no setor, provocando o envelhecimento de seu maquinário e comprometendo sua produtividade.
Recente sondagem da CNI aponta nesta direção. A idade média das máquinas e equipamentos industriais no Brasil é de 14 anos e quase 40% estão próximos ou já ultrapassaram a idade sinalizada pelo fabricante como ciclo de vida ideal. Sem se modernizar, será mais difícil uma retomada consistente da indústria nacional.
Bens intermediários também ficaram no negativo no 1º sem/23, com -0,5%, tão ruim quanto na segunda metade do ano passado. O 2º trim/23, entretanto, trouxe alguma melhora, devido a alimentos e combustíveis, mas, ainda que tenha retornado ao positivo, manteve este macrossetor próximo da estabilidade (+0,8%).
Bens de consumo, por sua vez, consistiram na parcela a indústria em expansão no 1º sem/23 ante o mesmo período do ano anterior, embora com sinais claros de desaceleração no período mais recente.
Com bases deprimidas de comparação, bens duráveis saíram na frente, registrando +5,7%, apoiados na produção de eletrodomésticos (+12,9%) e outros equipamentos de transporte (+17,5%). No 2º trim/23, o ritmo de expansão deste macrossetor caiu pela metade, para +2,7%.
Ramos de bens de consumo duráveis, como informática e eletrônicos (-9,9%), encontram-se entre os maiores declínios no acumulado dos primeiros seis meses do ano, juntamente com ramos de bens de capital, a exemplo de máquinas e equipamentos elétricos (-11,6%) e máquinas e equipamentos (-5,8%).
Bens de consumo semi e não duráveis, por sua vez, tiveram aumento de +1,8% em jan-jun/23, em grande medida devido à produção de álcool e gasolina (+9,8%) e de produtos farmacêuticos (+11,1%). A sinalização do 2º trim/23 é de um quadro de virtual estabilidade, com variação de apenas +0,3%.
Em resumo, as indicações mais recentes não apontam para uma expansão robusta nos próximos meses. O resultado do 2º trim/23, como vimos, foi mais fraco para três dos quatro macrossetores industriais. Além disso, 76% dos ramos da indústria de transformação apresentaram, em jun/23, estoques maiores do que o planejado, não estimulando a produção. E, segundo indicadores da FGV e da CNI, as avaliações das condições atuais de negócios encontravam-se em região de pessimismo no final do último semestre.
Resultados da Indústria
Em jun/23, a produção física da indústria geral brasileira ficou praticamente estagnada, variando apenas +0,1% na comparação com mês anterior, já descontados os efeitos sazonais, após uma variação positiva, mas também pouco significativa, de +0,3% em mai/23.
Frente ao mesmo mês do ano anterior, o desempenho industrial de jun/23 também foi baixo: +0,3%. Vale citar que jun/23 (21 dias) teve o mesmo número de dias úteis do que igual mês do ano anterior não havendo, assim, nenhum efeito calendário que pudesse ter influenciado a performance do setor.
Na comparação trimestral os dados também são desanimadores: no 2º trim/23 frente ao mesmo período de 2022, a indústria brasileira recuou -0,1%. Cabe notar que no trimestre jan-mar/23, na mesma base de comparação, a queda havia sido de -0,4%.
No acumulado do primeiro semestre de 2023, a produção industrial acumulou queda de -0,3% em relação ao mesmo período de 2022, anulando quase integralmente a expansão que havia ensaiado na segunda metade de 2022 (+0,4%).
No acumulado dos doze meses findos em jun/23 frente ao período imediatamente anterior, a produção industrial apresentou virtual estagnação, isto é, registrou alta de apenas +0,1%. Este, que é um indicador de tendência mais de longo prazo, não aponta crescimento desde mai/22.
Em relação às grandes categorias industriais, na comparação entre mai/23 e jun/23, na série com ajuste sazonal, houve variação positiva em apenas um macrossetor: +0,9% em bens de consumo semi e não duráveis, eliminando somente parte do recuo de -1,1% registrado no mês anterior.
Por outro lado, o setor produtor de bens de consumo duráveis (-4,6%) assinalou a queda mais intensa nesse mês, após avançar +9,4% em mai/23. Os segmentos de bens de capital (-1,2%) e de bens intermediários (-0,3%) também mostraram resultados negativos, com o primeiro voltando a recuar após crescer +4,1% em mai/23, e o segundo marcando o primeiro resultado negativo desde jan/23 (-0,8%).
Na comparação com igual mês do ano anterior, quando o setor industrial assinalou acréscimo de +0,3% em jun/23, ocorreram resultados positivos em duas dos seus quatro macrossetores. O de bens intermediários (+1,8%) assinalou a expansão mais acentuada, mas ainda assim menos intensa do que a verificada no mês anterior (+3,1%). Contribuições importantes para este resultado vieram das indústrias extrativas (+11,0%), intermediários alimentícios (+7,6%), de coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (+2,7%) e de borracha e de material plástico (+1,2%).
O segmento de bens de consumo semi e não duráveis (+0,1%) também evitou o terreno negativo na comparação jun/23 e jun/22, mas mal saiu do lugar. Ficou abaixo do resultado da média da indústria (+0,3%). A variação positiva nesse mês foi explicada, principalmente, pelas expansões observadas nos grupamentos de carburantes (+6,7%) e de alimentos e bebidas elaborados para consumo doméstico (+2,5%).
Por outro lado, o setor produtor de bens de consumo duráveis recuou -3,9% interrompendo cinco meses consecutivos de crescimento nesse tipo de comparação. Nesse mês o setor foi pressionado em grande medida pela redução na fabricação de automóveis (-9,8%), eletrodomésticos da “linha branca” (-5,5%), móveis (-6,5%) e motocicletas (-4,0%).
Por fim, o macrossetor de bens de capital mostrou queda de -10,6% frente a igual mês de 2022, décima taxa negativa consecutiva nesse tipo de comparação. Na formação desse resultado, contribuíram os recuos observados nos grupamentos de bens de capital para fins industriais (-11,5%) e para energia elétrica (-30,9%), pressionados, em grande parte, pela menor produção de bens de capital seriados (-10,8%) e não-seriados (-17,5%), no primeiro; e de geradores de corrente contínua, no segundo.
Em bases trimestrais, o setor industrial assinalou variação negativa de -0,1% no 2º trim/23 frente a igual período do ano anterior, após queda de -0,4% no 1º trim/23. Entre as grandes categorias econômicas, acompanhando o movimento verificado no total da indústria, somente bens intermediários apontou ganho de ritmo na passagem dos três primeiros meses de 2023 (-1,9%) para o segundo trimestre do ano (+0,8%).
Os demais segmentos mostraram perda de dinamismo entre o primeiro e o segundo trimestre do presente ano: bens de consumo duráveis (de +9,0% para +2,7%), bens de capital (de -6,8% para -12,4%) e bens de consumo semi e não duráveis (de +3,5% para +0,3%).
No acumulado do primeiro semestre de 2023 bens de capital (-9,7%) apresentaram o menor dinamismo, pressionados pelas reduções observadas na fabricação de bens de capital para energia elétrica (-27,6%), para fins industriais (-9,0%) e para equipamentos de transporte (-5,2%). O setor produtor de bens intermediários (-0,5%) também assinalou resultado negativo e com perda mais intensa do que a verificada na média da indústria (-0,3%).
Por outro lado, o macrossetor de bens de consumo duráveis (+5,7%) apontou o avanço mais acentuado nos seis primeiros meses de 2023, impulsionado, em grande medida, pela maior produção de automóveis (+4,9%), eletrodomésticos (+12,9%) e motocicletas (+15,1%). O macrossetor produtor de bens de consumo semi e não duráveis (+1,8%) também mostrou crescimento no indicador acumulado no ano.
Por dentro da Indústria de Transformação
A variação quase nula (+0,1%) da produção da indústria geral em jun/23 frente a mai/23, na série livre dos efeitos sazonais, foi acompanhada de variação de -0,2% na indústria de transformação, a terceira queda consecutiva desta parcela do setor, e de +2,9% no ramo extrativo.
Na comparação com jun/22, enquanto a indústria geral avançou +0,3%, a indústria de transformação apresentou retração de -1,5%, dando sequência a uma trajetória de alternância de resultados positivos e negativos, onde estes últimos geralmente são mais intensos. A indústria extrativa não só manteve um desempenho positivo como este foi bastante significativo: +11,0%, sendo seu sexto avanço mensal consecutivo neste tipo de comparação.
A variação de +0,1% da atividade da indústria geral na passagem de mai/23 para jun/23 foi acompanhada de alta em apenas 7 dos 25 ramos acompanhados pelo IBGE. Entre as influências positivas mais importantes na indústria de transformação estão: confecção de artigos do vestuário e acessórios (+4,9%), produtos de borracha e de material plástico (+1,2%) e produtos de metal (+1,2%).
Por outro lado, entre as atividades que registraram redução na produção, os principais impactos vieram de: coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (-3,6%), veículos automotores, reboques e carrocerias (-4,0%) e máquinas e equipamentos (-4,5%).
Já na comparação com jun/22, o setor industrial assinalou aumento de produção de +0,3% em jun/23, com resultados positivos em 8 dos 25 ramos, 34 dos 80 grupos e 41,7% dos 789 produtos pesquisados. Vale lembrar que não houve efeito calendário neste mês em questão.
Na indústria de transformação, os avanços mais significativos na comparação interanual vieram de: produtos alimentícios (+4,9%), coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (+4,3%), impressão e reprodução de gravações (+23,7%) e outros equipamentos de transporte (+10,1%).
Em direção oposta, entre os ramos que contribuíram negativamente para a indústria de transformação, destacam-se: produtos químicos (-9,4%), veículos automotores, reboques e carrocerias (-6,2%), máquinas, aparelhos e materiais elétricos (-13,0%), máquinas e equipamentos (-7,3%) e equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos (-12,6%).
No índice acumulado para jan-jun/23, frente a igual período do ano anterior, o setor industrial assinalou redução de -0,3%, com resultados negativos em 16 dos 25 ramos, 48 dos 80 grupos e 54,6% dos 789 produtos pesquisados. Entre as atividades, as principais influências negativas foram registradas por produtos químicos (-8,1%), máquinas, aparelhos e materiais elétricos (-11,6%), produtos de minerais não metálicos (-8,5%), máquinas e equipamentos (-5,8%), equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos (-9,9%) e produtos de madeira (-17,6%).
Por outro lado, ainda na comparação com jan-jun/22, entre as atividades da indústria de transformação que apontaram expansão na produção, estão: coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (+4,3%), produtos alimentícios (+2,5%) e produtos farmoquímicos e farmacêuticos (+11,1%) exerceram as maiores influências na formação da média da indústria de transformação.
Utilização de Capacidade
A utilização da capacidade instalada da indústria de transformação, de acordo com a série da FGV com ajustes sazonais, depois de declinar de 80,7% em abr/23 para 80,1% em mai/23, recuperou-se parcialmente em jun/23, registrando 80,4%. Cabe destacar que o dado de jun/23 ficou 4,2 pontos percentuais acima do indicador pré-pandemia (fev/20: 76,2%) e 0,8 p.p. acima da média histórica (79,6%). Em jul/23, esse indicador teve nova alta, atingindo a 81,0% da capacidade instalada.
De acordo com os dados da CNI, entretanto, a utilização da capacidade instalada da indústria de transformação, ao alcançar 78,7% em jun/23, recuou 0,3 ponto percentual em relação ao resultado de mai/23, na série com ajuste sazonal. Com isso, a capacidade utilizada na indústria ficou 2,0 pontos percentuais acima do indicador pré-pandemia (fev/20: 76,7%), porém, 1,8 p.p. abaixo da média histórica (80,5%).
Estoques
De acordo com os dados da Sondagem Industrial da CNI, o indicador da evolução dos estoques de produtos finais da indústria total ficou em 51,3 pontos em jun/23, apresentando estabilidade frente ao mês anterior. Como se encontra acima da marca de 50 pontos, sinalizou novo aumento dos estoques.
No segmento da indústria de transformação, o indicador da CNI apresentou os mesmos valores do que a indústria geral em jun/23 (51,3 pontos, com estabilidade frente a mai/23). No caso da indústria extrativa, por sua vez, houve recuo entre mai/23 e jun/23, de 52,4 pontos para 47,5 pontos, sugerindo diminuição dos estoques.
Para a indústria geral, o indicador de satisfação dos estoques ficou em 52,6 pontos em jun/23, ou seja, sinalizando estoques superiores ao planejado. Vale lembrar que a marca de equilíbrio é dada pelo valor de 50 pontos, acima do qual há excesso de estoques e abaixo dele, estoques menores do que o desejado. No caso do setor extrativo e no caso da indústria de transformação, o indicador de satisfação registrou 54,7 pontos e 52,5 pontos, respectivamente.
Em jun/23, 76% dos ramos da indústria de transformação apresentaram estoques maiores do que o planejado (acima de 50 pontos) ante 64% em mai/23. Os destaques ficaram a cargo de: móveis (58,9 pontos), têxteis (56,0 pontos) e couros (55,7 pontos), entre outros. Ficaram abaixo e mais distantes do equilíbrio os seguintes ramos: impressão e reprodução (38,5 pontos), farmacêuticos (46,7 pontos), e informática, eletrônicos e ópticos (47,2 pontos).
Confiança e Expectativas
O Índice de Confiança do Empresário da Indústria Geral da CNI, que havia assinalado uma pequena alta entre os meses de mai/23 (49,2 pontos) e jun/23 (50,4 pontos), progrediu mais uma vez em jul/23, atingindo 51,1 pontos, ficando na zona de otimismo.
No caso da Indústria de transformação, o indicador que havia ficado em 50,7 pontos em jun/23, avançou para 51,4 pontos em jul/23, demonstrando melhora das expectativas do empresariado. Cabe lembrar que valores abaixo da marca dos 50 pontos indicam pessimismo e acima dela, otimismo do empresariado industrial.
Na passagem de jun/23 para jul/23, o componente referente às expectativas em relação ao futuro na indústria de transformação subiu de 53,9 pontos para 54,4 pontos. O componente que capta a percepção dos empresários quanto à evolução presente dos negócios também progrediu, mas manteve-se na região de pessimismo: 44,3 pontos em jun/23 e 45,4 pontos em jun/23.
Já o Índice de Confiança da Indústria de Transformação (ICI) da FGV, reverteu a alta da passagem de mai/23 (92,9 pontos) para jun/23 (94,0 pontos), ao cair para 91,9 pontos em jul/23. O componente deste indicador referente à situação atual caiu de 92,4 para 89,5 pontos no período e aquele referente às expectativas futuras, de 95,6 para 94,4 pontos. Dessa forma, os indicadores mantiveram-se abaixo de 100 pontos, indicando pessimismo dos empresários.
Outro indicador frequentemente utilizado para se avaliar a perspectiva do dinamismo da indústria é o Purchasing Managers’ Index – PMI Manufacturing, calculado pela consultoria Markit Financial Information Services. Entre jun/23 e jul/23, este indicador caminhou na direção oposta ao indicador da FGV e obteve alta, passando de 46,6 pontos para 47,8 pontos. Entretanto, como permaneceu abaixo da marca de 50 pontos, ainda indica um quadro pouco favorável aos negócios do setor industrial.
Anexo Estatístico
Mais Informações
Tabela: Produção Física - Subsetores Industriais
Variação % em Relação ao Mesmo Mês do Ano Anterior (clique aqui)