Carta IEDI
Não Temer O Crescimento Econômico
O crescimento de 2,3% do PIB brasileiro em 2005 foi modesto, considerando-se tanto o dinamismo da economia mundial, principalmente dos países emergentes, quanto os intentos de desenvolvimento nacional. Por trás desse desempenho pouco alentador está a política monetária balizada pelo sistema de metas inflacionárias. O principal instrumento para conter a inflação desse sistema no Brasil tem sido a taxa de juros, usada no sentido de arrefecer a demanda doméstica quando esta está aquecida. Na ótica do Banco Central, a alta taxa real de juro foi um mal necessário para reduzir o ritmo de expansão do PIB a um nível compatível com o aumento da capacidade produtiva do País. Mais especificamente, o argumento é que, diante da forte aceleração do crescimento do PIB em 2004, o Banco Central teria sido obrigado a elevar a taxa básica de juro para evitar que o superaquecimento da economia gerasse pressões inflacionárias de demanda e, portanto, inviabilizasse a convergência da inflação para as metas estipuladas pelo Conselho Monetário Nacional.
Isto posto há três pontos críticos em relação a esse argumento:
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Primeiramente temos a indagação: Como saber se a economia está aquecida? A resposta reside na diferença entre o seu produto potencial – aquele que um país atinge quando seus fatores de produção (trabalho, capital etc.) estão plenamente empregados – e o produto registrado de fato. Todavia, a partir dessa resposta, emerge outra questão: a de como estimar o produto potencial, pois só assim será possível ver o quão forte está a pressão sobre os preços exercida pela demanda interna. O fato é que, por maior que seja a sofisticação matemática do método adotado para estimar o produto potencial, todas as metodologias, inclusive a adotada pelo Banco Central, tendem a extrapolar o passado recente para o futuro. Assim, estimativas de produto potencial ou de hiato do produto devem ser utilizadas com cuidado e pragmatismo na condução da política monetária. No caso do Brasil, isto significa projeções muito conservadoras e possivelmente auto-realizáveis sobre a capacidade de crescimento da economia. Se o passado recente foi de lento crescimento, projeta-se um crescimento lento para o produto potencial e, à medida que a política monetária se guie por tal estimativa, ela pode acabar produzindo o baixo crescimento projetado inicialmente. Ou seja, o Banco Central pode acabar “produzindo” o hiato do produto que justifica sua política monetária.
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Outra questão relevante concerne à constatação de que a taxa de inflação não depende exclusivamente de fatores de demanda, depende também de fatores de oferta. Como choques de oferta podem alterar a inflação independentemente do nível de atividade da economia, estimativas de produto potencial não são um bom indicador para o comportamento da inflação.
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Por fim, cumpre asseverar que o crescimento de hoje determina o investimento e a produtividade de amanhã, fazendo com que as taxas de crescimento efetivo e potencial sejam interdependentes.
Saindo do mundo dos modelos, faz-se mister reconhecer que existem condições concretas e objetivas para o Brasil sustentar um rápido crescimento econômico nos próximos anos.
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Em primeiro lugar, a taxa de desemprego ainda é elevada no país, situação que permite um rápido crescimento do emprego sem gerar pressões inflacionárias excessivas via aumento do salário real médio da economia.
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Segundo, como grande parte da força de trabalho brasileira está empregada em setores de baixa produtividade do trabalho, a aceleração do crescimento levará a um aumento da taxa de crescimento da produtividade pela simples transferência de trabalhadores dos setores “atrasados” para os setores “modernos”.
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Terceiro, pelo lado do capital, a taxa de investimento do Brasil normalmente responde rapidamente a uma aceleração do crescimento. Logo, dada uma expansão rápida do PIB por dois anos consecutivos, é plausível esperar um grande aumento da taxa de investimento, o que por sua vez aumentará o estoque de capital e a capacidade produtiva da economia. Ademais, como o aumento do investimento em novas máquinas, equipamentos e estruturas também vem associado a novas tecnologias, a própria aceleração do crescimento e do investimento traz consigo um aumento estrutural da produtividade e da eficiência da economia.
As atuais condições internas e externas favorecem o rápido crescimento da economia brasileira por um longo período. Para que esta oportunidade seja aproveitada é preciso, antes de tudo, não temer o crescimento econômico. Durante o início de uma expansão econômica é natural algumas pressões localizadas de inflação, devido ao aumento da utilização da capacidade produtiva da economia. Mas, são justamente tais sinais de aquecimento econômico que levam ao aumento do investimento e, conseqüentemente, à sustentação do crescimento no médio prazo. Para entrar em um círculo virtuoso de expansão é necessário, portanto, deixar que a economia cresça por algum tempo.
Isto não significa relaxar o controle da inflação, mas simplesmente trabalhar com um horizonte de tempo maior. Matar prematuramente uma expansão por medo da inflação pode até inviabilizar a própria política de metas de inflação, pois se a política monetária não permite um aumento do investimento e da produtividade, o produto potencial não cresce e qualquer pequena expansão da economia sempre parecerá ser inflacionária. Eis o “stop and go” tão característico da economia brasileira nos últimos anos
Leia mais sobre o tema no texto abaixo e no site do IEDI.
O PIB em 2005 e Simulações para 2006. O produto interno bruto (PIB) da economia brasileira cresceu apenas 2,3% em 2005, número praticamente idêntico à taxa média de crescimento dos últimos 10 anos (2,2%). Devido à desaceleração da expansão em 2005, mesmo que a economia se recupere neste ano, a expansão do PIB dificilmente será maior do que 4% em 2006 em função do pequeno efeito de carregamento (“carry-over”) herdado do ano anterior.
A tabela abaixo apresenta qual será a taxa de crescimento do PIB em 2006 com base em diferentes hipóteses para a recuperação da economia ao longo deste ano. A principal conclusão de tal exercício é que, mesmo que a economia se recupere fortemente e cresça 1% por trimestre com ajuste sazonal, a taxa de crescimento final do PIB será de apenas 3,7% ao final do ano. Mesmo que a economia cresça a um ritmo de 4% ao ano ao longo de 2006, a expansão anual do PIB será de apenas 3,1% neste ano por causa do fraco desempenho de 2005.
Crescimento do PIB em 2006 com base em Diferentes Hipóteses para a Expansão Trimestral do PIB com Ajuste Sazonal

Dada a baixa taxa de crescimento do PIB em 2005, a conclusão inevitável é que o Brasil experimentou mais um ciclo curto de aceleração e desaceleração do crescimento econômico típico dos últimos anos. Para ilustrar este ponto, as duas próximas figuras mostram a evolução das taxas de crescimento do PIB, do consumo e do investimento desde 1992. É possível discernir quatro episódios de redução do nível de atividade econômica nos últimos dez anos: (i) em 1995, após a crise do México; (ii) em 1998-99, devido às crises da Ásia, da Rússia e do Brasil; (iii) em 2001; por conta do apagão e da crise argentina; e (iv) em 2002; por causa das eleições presidenciais no Brasil. A desaceleração atual é, portanto, a quinta em apenas uma década.


A principal diferença entre a desaceleração atual e as anteriores é que, desta vez, a queda no nível de atividade econômica não resultou de um fator exógeno, como um racionamento de energia, uma crise externa ou um ataque especulativo à moeda brasileira. Desta vez a retração do nível de atividade foi produzida pelo Governo, notadamente pelo Banco Central, para fazer a inflação convergir para um valor próximo da meta ajustada de 5,1% estabelecida para 2005.
A redução da inflação é obviamente uma meta válida e necessária para a estabilidade macroeconômica. Contudo, metas de inflação devem ser perseguidas de modo responsável para não inviabilizar o próprio crescimento sustentável da economia. De fato, a incapacidade de sustentar uma taxa de crescimento elevada por mais de dois anos consecutivos tem sido uma das principais causas da estagnação do investimento no Brasil nos últimos dez anos. Desde 1996, a formação bruta do capital fixo tem flutuado em torno do mesmo patamar.

A queda do PIB no terceiro trimestre deste ano foi resultado direto da política macroeconômica do Governo Federal. De um lado, a alta taxa de juro real praticada pelo Banco Central e a valorização cambial por ela induzida desestimulam o investimento privado e reduzem a rentabilidade das exportações brasileiras. De outro lado, o alto superávit primário praticado pelo Tesouro Nacional para compensar o alto custo da dívida interna tem, como contrapartida, uma elevada carga tributária e um baixo investimento público, prejudicando ainda mais o crescimento econômico e a competitividade das empresas brasileiras.
Por que sacrificar o crescimento econômico em um ambiente internacional tão propício para o Brasil? Segundo a perspectiva do Banco Central, a alta taxa real de juro verificada nos últimos meses foi um mal necessário para reduzir o ritmo de crescimento do PIB a um nível compatível com o aumento da capacidade produtiva da economia. Mais especificamente, o discurso oficial é que, diante da forte aceleração do crescimento do PIB em 2004, o Banco Central teria sido forçado a elevar a taxa básica de juro para evitar que o superaquecimento da economia gerasse pressões inflacionárias de demanda e, portanto, inviabilizasse a convergência da inflação para as metas estipuladas pelo Conselho Monetário Nacional.
A questão crucial é, obviamente, como saber se a economia está ou não superaquecida. Teoricamente, para responder a esta pergunta bastaria comparar diferença entre a produção efetiva e a produção potencial do país, sendo esta última definida tautologicamente como o nível do PIB para o qual a taxa de inflação tende a permanecer estável. Em outras palavras, quando a economia ultrapassa seu produto potencial, o excesso de demanda causa uma aceleração da inflação. Quando o oposto acontece, a insuficiência de demanda causa uma desaceleração da inflação. Ao Banco Central caberia, portanto, administrar a política monetária de modo a manter a economia próxima ao seu produto potencial. O problema com este raciocínio é que, como diz o ditado popular, na prática a teoria é outra.
A economia não é uma ciência exata e a política monetária não é uma questão simplesmente técnica. A utilização de estimativas de produto potencial como guia para a política monetária é um tema naturalmente controverso por três motivos. Primeiro, existem várias formas de medir o produto potencial e, dependendo da metodologia e hipóteses utilizadas, os resultados variam substancialmente. Segundo, a taxa de inflação depende não só de fatores de demanda, mas também de fatores de oferta. Como choques de oferta podem alterar a inflação independentemente do nível de atividade da economia, estimativas de produto potencial não são um bom indicador para o comportamento da inflação. Terceiro, o crescimento de hoje determina o investimento e a produtividade de amanhã, fazendo com que as taxas de crescimento efetivo e potencial sejam interdependentes. Políticas de administração de demanda para fins de estabilização macroeconômica de curto prazo têm efeitos permanentes sobre a estrutura produtiva e o crescimento da economia no longo prazo.
Funções de Produção e Produto Potencial. Qualquer esforço em discutir a pertinência e as implicações da utilização de estimativas de produto potencial como guia para a política monetária no Brasil deve começar esmiuçando a função de produção agregada. Modelos de função de produção normalmente reduzem a análise do crescimento econômico a três variáveis: o crescimento do emprego, a expansão do estoque de capital e o crescimento da chamada produtividade total dos fatores de produção (PTF), que representa o aumento da produtividade conjunta do capital e do trabalho.
A idéia básica de uma função de produção é que, pela ótica da oferta, um aumento da produção pode ser obtido: (i) pelo acréscimo no número de horas trabalhadas na produção; (ii) pelo aumento do estoque de bens de capital utilizados na produção; ou (iii) pelo incremento da produtividade dos trabalhadores e dos bens de capital. Como na prática estas três formas de crescimento ocorrem simultaneamente, o grande atrativo para se utilizar uma função de produção agregada em estudos aplicados é que tal conceito permite, ao economista, separar as três fontes de aumento da produção.
Para ilustrar o ponto acima, a figura abaixo apresenta a decomposição do crescimento da economia brasileira em 1991-2004 com base nos dados do IPEA e do IBGE. As contribuições do capital e do trabalho para o crescimento foram calculadas com base nas taxas de crescimento e na participação de cada um destes dois fatores no valor adicionado total da economia. Com base nestas contribuições e no crescimento observado do PIB, a taxa de crescimento da PTF foi calculada residualmente.
A figura revela que a taxa de crescimento da PTF tende a seguir o comportamento do PIB. Em anos de alto crescimento a PTF tende a subir e em anos de baixo crescimento a PTF tende a cair. A razão é que, por definição, a PTF é uma média ponderada da produtividade média do capital e do trabalho, sendo que cada um destes dois fatores entra no cálculo com um peso equivalente a sua participação no valor adicionado total da economia.
<<20060324-05.gif|Fonte: Elaboração própria, a partir de dados do IBGE – Contas Nacionais e IPEA.
Nota: Dados de contribuição em pontos percentuais e taxas de crescimento em percentagem.|>>
Em outras palavras, períodos de rápido crescimento são caracterizados por economias de escala e ganhos de eficiência na utilização de máquinas e equipamentos e, conseqüentemente, verifica-se um aumento da produtividade média do capital. No mesmo sentido, períodos de rápido crescimento também são caracterizados por um aumento na produtividade média por empregado devido ao aumento no número de horas trabalhadas por trabalhador. O resultado final é um comportamento pró-cíclico da taxa de crescimento da PTF.
Para efeito estimativo da taxa de crescimento potencial da economia é necessário eliminar flutuações cíclicas da análise. Assumindo que as taxas de desemprego e as de participação (razão entre a força de trabalho e a população em idade ativa) sejam estáveis no longo prazo, o crescimento potencial do emprego é dado pela expansão da população em idade ativa. No mesmo sentido, o aumento do estoque de capital depende fundamentalmente da taxa de investimento, da taxa de depreciação do capital e da relação capital-produto da economia. O ponto mais controverso na estimativa do produto potencial é, portanto, a projeção da taxa de crescimento de longo prazo da PTF.
Como exemplo do raciocínio acima, basta considerar um simples exercício baseado nos últimos números do Brasil. De acordo com as projeções populacionais do IBGE, o crescimento anual da população em idade ativa será de aproximadamente 1,5% nos próximos anos. Segundo os dados disponíveis no IPEADATA, a relação capital/produto do Brasil está atualmente em cerca de 3,1, a preços de 1999, e a taxa de depreciação do estoque de capital agregado é de aproximadamente 4% ao ano. Por fim, segundo os dados do IBGE, a taxa de investimento da economia brasileira está em torno de 20% do PIB neste ano. Com base nestes números, e assumindo que capital e trabalho respondam, cada um, por 50% do valor adicionado, a contribuição do trabalho para a taxa de crescimento potencial seria atualmente de aproximadamente 0,7% ao ano. Já a contribuição do capital para o crescimento seria de aproximadamente 1,3% ao ano. Tomados conjuntamente, o trabalho e o capital permitiriam, portanto, uma taxa de crescimento de cerca 2% ao ano. A esse número deve ser adicionado o crescimento projetado da PTF para se obter a taxa de crescimento potencial da economia no longo prazo.
Com base nos dados do gráfico acima, a expansão média anual da PTF foi de aproximadamente 2,8% de 1993 a 1997. Já de 1998 a 2002, o “crescimento” médio da PTF foi negativo em 0,5%. A conclusão óbvia: o crescimento da PTF depende fortemente da expansão efetiva da economia, introduzindo uma circularidade no cálculo da taxa de crescimento potencial: quanto mais a economia cresce... Mais ela pode crescer! Tal circularidade lógica é um resultado natural do caráter descritivo da contabilidade do crescimento e evidencia por que projeções de limites ao crescimento derivadas de funções de produção agregadas são problemáticas.
Problemas de Funções de Produção Agregadas. Existe um longo debate sobre a validade e aplicação de funções de produção agregadas na literatura econômica. No entanto, para entender por que tal abordagem é problemática para guiar a política monetária no Brasil, basta considerar quatro pontos:
- Funções de produção agregadas são sempre válidas ex-post.
- O crescimento da produtividade dos fatores depende do crescimento efetivo da economia.
- O crescimento do estoque de capital também depende do crescimento efetivo da economia.
- Medidas do hiato do produto nem sempre são um bom guia para inflação.
Para facilitar a exposição, vejamos cada ponto separadamente.
Crescimento e Identidades Contábeis. Em primeiro lugar, funções de produção agregadas são uma construção teórica sem ligação direta com a realidade. Somente em condições muito especiais e altamente irrealistas seria possível construir uma função de produção global para a economia a partir da agregação das funções de produção de cada unidade produtiva no país. O aparente sucesso de funções de produção em explicar o crescimento não se deve à adequação de suas hipóteses ao mundo real. O sucesso deve-se ao fato que é possível chegar à contabilidade do crescimento a partir das contas nacionais, sem nenhuma hipótese sobre a suposta “tecnologia agregada de produção”.
Por definição, o valor adicionado a custo de fatores é igual à soma da renda do trabalho com a renda do capital. Logo, o crescimento do valor adicionado pode ser decomposto em termos de apenas quatro variáveis: o crescimento do número de horas trabalhadas, o crescimento do capital utilizado na produção, expansão da remuneração real por hora trabalhada e o aumento da remuneração real por unidade de capital utilizada na produção. Esta decomposição vem das contas nacionais e independe da existência de uma função de produção agregada. Mais importante, por se tratar de uma identidade contábil, esta decomposição do crescimento econômico não estabelece uma relação de causalidade entre as variáveis envolvidas.
A contabilidade do crescimento baseada em funções de produção é uma forma de interpretação da realidade pelo lado da oferta, na qual as remunerações reais do capital e do trabalho são consolidadas em um índice de produtividade total dos fatores de produção. Desta forma, a análise do crescimento é reduzida de quatro para três variáveis. Apesar desta “sofisticação”, funções de produção agregadas nada mais são do que uma maneira que os economistas encontraram para ler as contas nacionais. O objetivo primordial de tal construção teórica é apenas organizar a análise do crescimento em apenas três variáveis (capital, trabalho e produtividade), de modo a obter uma descrição didática e parcimoniosa do processo de crescimento ex-post.
Usar estimativas de funções de produção agregadas para prever os limites ao crescimento é problemático, pois, qualquer que seja a evolução da economia, ela será por definição compatível com uma função de produção ex-post. Por serem baseadas em uma identidade contábil, funções de produção agregadas sempre se ajustam à realidade, não o contrário.
Endogeneidade da Produtividade. Em segundo lugar, como a taxa de crescimento da PTF é uma média ponderada das taxas de crescimento da produtividade do capital e da produtividade do trabalho, uma aceleração do crescimento efetivo da economia tende a gerar um aumento estrutural da PTF devido às economias de escala e aos ganhos permanentes de produtividade decorrentes do aumento do tamanho do mercado. O crescimento efetivo da economia aumenta a produtividade e eleva a taxa de crescimento potencial.
No caso específico do Brasil, existe ainda um outro fator muito importante que afeta a PTF: quando o crescimento se acelera, trabalhadores tendem a se deslocar de atividades de baixa produtividade (normalmente no setor informal de serviços) para atividades de alta produtividade (na indústria e no setor formal de serviços). Esta mudança na composição do emprego acaba por elevar a produtividade média na economia, ou seja, o crescimento acaba por gerar um aumento da PTF, que por sua vez eleva o crescimento potencial da economia. Naturalmente, o oposto acontece quando o crescimento se desacelera.
Para ilustrar este ponto, a próxima tabela apresenta as taxas de crescimento da produtividade do trabalho nos 42 setores da economia brasileira, de 1991 a 2003 (tais dados ainda não estão disponíveis para 2004 e 2005). Os dados indicam um rápido incremento da produtividade na agricultura, um aumento mediano da produtividade na indústria, e uma estagnação da produtividade nos serviços, especialmente nos setores de alta informalidade do trabalho.
Devido à diferença entre as taxas de crescimento da produtividade do trabalho entre a indústria e os serviços, a queda relativa do emprego industrial nos últimos anos tem atuado como um redutor da taxa de crescimento da produtividade do trabalho de toda a economia. Mais importante, caso o crescimento do PIB e da indústria se acelerem nos próximos anos o inverso deve ocorrer. Dito de outra forma, caso a indústria absorva mais trabalhadores, os índices de produtividade do trabalho da economia aumentarão por conta da mudança na composição do emprego em direção a setores de maior produtividade.

Crescimento e Investimento. Terceiro, o produto potencial depende da taxa de crescimento do capital, que por sua vez depende da taxa de investimento da economia, que a seu turno depende do crescimento efetivo e esperado do PIB. A conclusão óbvia: crescimento hoje gera mais crescimento amanhã devido ao impacto positivo do aumento da utilização da capacidade produtiva sobre as decisões de investimento. Ilustrando, o próximo gráfico mostra a evolução da taxa de investimento da economia brasileira desde 1991, a preços do terceiro trimestre de 2005. Não surpreendentemente, períodos de redução da taxa de investimento coincidem ou ocorrem ligeiramente após uma desaceleração do crescimento. No mesmo sentido, os períodos de elevação da taxa de investimento coincidem ou ocorrem ligeiramente após períodos de aceleração do crescimento econômico.
Com base nestes dados, pode-se esperar uma elevação da taxa de investimento caso a economia entre em um processo de crescimento rápido por mais de dois anos consecutivos. A seqüência é o fator crucial. Em um primeiro momento, a aceleração da expansão se traduz em um aumento do grau de utilização de capacidade produtiva na indústria. No momento seguinte, o maior uso da capacidade produtiva leva ao aumento do investimento, gerando o acréscimo de oferta necessário para atender a expansão continuada da demanda no futuro. Se o processo é abortado no seu início a economia não decola e o país fica preso em uma armadilha de baixo crescimento.

Hiato do Produto e Inflação. Finalmente, tão relevante quanto saber qual a taxa de crescimento potencial da economia é identificar o quanto a economia está abaixo ou acima de seu potencial. Em outras palavras, é preciso saber a diferença entre o produto efetivo e o produto potencial, o hiato do produto, para calcular o potencial de crescimento não inflacionário da economia.
Um exemplo ajuda a explicar este ponto. Suponha que o produto potencial cresça 4% ao ano e que a economia se encontre 2% abaixo de seu potencial. O hiato entre produto potencial e efetivo permite, portanto, que a economia cresça até cerca de 6% no próximo ano sem atingir seu produto potencial.
Se o conceito de função de produção já é complicado, medir o hiato do produto é um ponto ainda mais controverso. Tradicionalmente, os economistas definem o hiato do produto com base nos níveis “naturais” da taxa de desemprego e da taxa de utilização da capacidade produtiva. Mas o que são estes níveis naturais? São os níveis de taxa de desemprego e de utilização da capacidade para os quais a inflação fica constante.
Em outros termos, o raciocínio é circular. Qual é a taxa natural? Aquela que estabiliza a inflação. E quando a inflação se estabiliza? Quando a taxa está em seu nível natural! A saída desta armadilha lógica é recorrer à econometria, isto é, estimar as taxas de desemprego e de utilização para as quais a inflação fica estável.
O problema em recorrer à econometria para resolver o problema é que, como mencionado anteriormente, no mundo real não existe somente inflação de demanda. Por exemplo, suponha que a economia esteja operando em seu nível natural, isto é, com uma taxa de inflação constante. Dado um choque de oferta, digamos, uma desvalorização cambial, a inflação aumenta e, conseqüentemente, torna-se necessário aumentar o desemprego e reduzir a utilização da capacidade produtiva para compensar as pressões de custos através de uma redução da demanda agregada e, desta forma, manter a inflação constante. Logo, o que antes era um nível de atividade natural passa a ser um nível de atividade aquecido devido às pressões inflacionárias criadas pelo choque de oferta.
Em suma, ao empregarmos uma definição empírica, as taxas naturais de desemprego e de utilização da capacidade tendem a variar ao sabor dos choques de oferta de curto prazo ocorridos na economia e, portanto, deixam de ser um guia estável e confiável para a inflação. Diante desta dificuldade, a resposta padrão na literatura sobre o tema é substituir a hipótese da estabilidade da inflação como critério de referência para as taxas naturais de desemprego e de utilização da capacidade por uma hipótese simples e intuitiva: no longo prazo os níveis de produção efetiva e potencial tendem a convergir e, portanto, podem ser estimados os níveis naturais de qualquer indicador de demanda a partir das tendências de longo prazo observadas na economia.
Em outras palavras, ainda que não se saiba exatamente qual é o produto potencial hoje, sabe-se que o produto efetivo não pode se desviar indefinidamente do potencial e vice-versa. Logo a tendência do produto efetivo torna-se boa aproximação para o produto potencial.
O Filtro HP e a Tendência de Crescimento. Existem várias formas de estimar a tendência de uma série temporal, cada uma com suas vantagens e desvantagens. O chamado filtro HP foi proposto por Hodrick e Prescott em estudo de 1997 e é um dos métodos mais utilizados em macroeconomia aplicada devido a sua fácil aplicação e interpretação intuitiva. De um lado, o filtro HP consiste em uma simples operação linear sobre a série em análise. De outro lado, o filtro HP define a tendência de longo prazo como uma média ponderada da série em análise, cabendo ao analista definir quão “suave” deve ser a taxa de variação desta tendência.
Passando diretamente para o caso brasileiro, o gráfico logo abaixo apresenta a evolução do PIB do País e sua tendência de longo prazo com base no filtro HP (usando-se 1.600 como parâmetro de suavização). Com base nesse gráfico, a figura seguinte apresenta a relação entre o PIB efetivo e o PIB potencial do Brasil. Valores superiores a 100 indicam que o PIB efetivo está acima do potencial e vice-versa.


Por definição, os desvios entre o PIB efetivo e potencial obtidos pelo filtro HP se cancelam no longo prazo, haja visto que a tendência de longo prazo é simplesmente uma média móvel ponderada do PIB efetivo da economia.
Apesar da tendência de longo prazo apresentada acima ter um comportamento muito mais suave do que o PIB efetivo da economia, sua taxa de crescimento varia ao longo do tempo. Para ilustrar este ponto, o próximo gráfico apresenta a taxa de crescimento do produto potencial com base na tendência obtida pelo filtro HP baseado nos dados do terceiro trimestre de 2005 (linha azul). Como é de se esperar de uma média móvel, o crescimento potencial da economia segue a evolução do crescimento efetivo do PIB. Em outras palavras, a interpretação estatística é diferente da interpretação econômica: é o produto potencial que se adequa ao produto efetivo e não o contrário.
No início dos anos 1990, a taxa de crescimento econômico “de longo prazo” do Brasil se acelerou devido à expansão de 1992-1995. Após o pico atingido durante o Plano Real, a taxa de crescimento potencial se desacelerou até atingir um vale em 1998. Desde então há uma recuperação e, ao final da amostra, a taxa de crescimento potencial está em 2,55% ao ano. Novamente é importante ressaltar que esta medida não deve ser interpretada como um teto para o crescimento da economia, mas simplesmente como um indicador do passado recente.
Por se tratarem de uma média móvel, estimativas de crescimento potencial derivadas do filtro HP tem um problema grave que não pode ser ignorado na formulação da política macroeconômica: os valores obtidos pelo filtro HP ao final da amostra variam conforme novas observações são incorporadas.
Ou seja, como a tendência de longo prazo é uma média dos valores observados, o crescimento potencial da economia ao final da amostra é revisado na medida em que novas observações são incorporadas. Se o PIB cresce, a tendência é revisada para cima, se o PIB cai, a tendência é revisada para baixo.
O ponto acima pode ser ilustrado por uma simples comparação entre as tendências de crescimento da economia em uma mesma data, mas estimadas em diferentes pontos do tempo. Por exemplo, suponha que se esteja no final de 2003 e tenha que estimar a taxa de crescimento do produto potencial do Brasil pelo filtro HP. Como os anos imediatamente anteriores foram de crescimento lento, naturalmente se obterá uma estimativa baixa conforme apresentado na mesma figura, pela linha laranja.
<<20060324-10.gif|Fonte: Elaboração própria, a partir de dados do IBGE – Contas Nacionais e IPEA.
Nota: Estimativas calculadas com base no filtro HP univariado.|>>
Passando para o momento atual, devido ao excepcional desempenho da economia em 2004, quando se realiza o mesmo exercício, a estimativa de crescimento do produto potencial obtida no final de 2003 se revelará muito conservadora. O motivo é muito simples: na medida em que novas observações foram incorporadas, a tendência de crescimento da economia foi revisada para cima.
Note que a revisão da taxa de crescimento potencial apresentada na figura acima é substancial. Com base nos dados disponíveis ao final de 2003 o crescimento potencial da economia brasileira seria de 1,6% ao ano. Já com base nos dados atualmente disponíveis, a taxa de crescimento “potencial” segundo o filtro HP ao final de 2003 era de 2,4% ao ano. Ou seja, uma diferença de 0,8%!
O mesmo raciocínio vale para a estimativa do nível de atividade da economia, como apresentado no gráfico seguinte. Ao final de 2003, um analista que utilizasse o filtro HP estimaria que a economia brasileira estava 0,3% ACIMA de seu produto potencial. No entanto, com base nos dados atualmente disponíveis, a economia brasileira estaria 1,1% ABAIXO de seu produto potencial no final de 2003! Neste caso, a estimativa de hiato do produto foi revisada em 1,4% do PIB, uma revisão substancial que evidencia o caráter endógeno de estimativas de hiato do produto.

O ponto fundamental do exercício empreendido nos gráficos acima é que a taxa de crescimento do produto potencial depende fortemente da evolução esperada da economia no futuro próximo. Uma estimativa obtida hoje pode se revelar conservadora caso a economia apresente um rápido crescimento no próximo ano. Por analogia, uma estimativa obtida hoje pode se revelar otimista caso a economia apresente um lento crescimento no próximo ano.
E qual é implicação desta endogeneidade de estimativas do produto potencial para a formulação da política monetária? Simplesmente CRUCIAL! Caso o Banco Central não leve em consideração a sensibilidade de suas estimativas à evolução futura da economia, introduz-se um profecia auto-realizável na política monetária.
Para entender o ponto acima, imagine o caso de um banco central ultra-ortodoxo que pratica altas taxas de juros sob a justificativa de que suas estimativas de produto potencial indicam que a economia está superaquecida. Ao fazer isso, este banco central acaba por desacelerar o crescimento efetivo da economia, o que por sua vez resultará em uma revisão para baixo das estimativas do produto potencial, confirmando as expectativas iniciais do banco central! No final das contas o banco central parecerá estar certo não por que suas previsões estavam corretas, mas por que suas ações fizeram a economia se adequar as suas previsões.
O Filtro HP Com Função de Produção. Além de utilizar um método baseado em uma função de produção agregada e outro método baseado no filtro HP para estimar o produto potencial, o Banco Central do Brasil também utiliza um método misto que combina estas duas abordagens. Para ver como isto pode ser feito, cabe relembrar que a forma mais usual de estimar as taxas naturais de desemprego e de utilização da capacidade produtiva é simplesmente calcular tendência de longo prazo destas variáveis. O filtro HP pode, portanto, ser utilizado para estimar não só o PIB potencial, mas também as taxas naturais de desemprego e de utilização da capacidade produtiva.
Em princípio nada impede que o filtro HP seja aplicado a mais de uma série ao mesmo tempo. O método adotado pelo Banco Central consiste justamente em “filtrar” o produto, a taxa de desemprego e a taxa de utilização da capacidade simultaneamente. Além disso, para garantir que o resultado da aplicação de tal filtro seja compatível com uma função de produção, impõe-se, ainda, a condição de que as séries filtradas satisfaçam uma determinada relação matemática em cada período sob análise.
Com intuito de ilustrar o método acima, o primeiro dos dois gráficos abaixo apresenta os resultados da aplicação de um filtro HP multivariado com pesos idênticos para as três séries envolvidas. Não obstante a maior sofisticação matemática deste método, o sentido intuitivo dos resultados é o mesmo que foi analisado anteriormente: as tendências de longo prazo são uma média móvel ponderada dos valores efetivos das séries sob análise. Apenas os pesos das médias móveis foram calculados de uma forma mais sofisticada.
Em comparação com o PIB potencial estimado pelo filtro HP univariado, a principal diferença do método multivariado é que as variações da tendência de longo prazo do PIB obtidas pelo método multivariado são menos suaves do que quando apenas o PIB é filtrado. Apesar disso, os resultados qualitativos são basicamente os mesmos, isto é, o nível de atividade da economia varia na mesma direção de acordo com as duas metodologias.
Por fim, cabe ressaltar que a maior sofisticação matemática da combinação do filtro HP com uma função de produção não elimina o problema da endogeneidade da estimativa de produto potencial ao final da amostra mencionada anteriormente. O último dos dois gráficos a seguir expõe este ponto salientando a diferença entre as estimativas do nível de atividade da economia ao final de 2003 com base nos dados disponíveis naquela época e atualmente.
Assim como na figura logo abaixo, a estimativa obtida ao final de 2003 se revela conservadora face ao desempenho favorável da economia em 2004. Em números, ao final de 2003, a estimativa indicava que a economia estava 0,3% abaixo de seu potencial. Já com base nos dados atuais, a estimativa revisada indica que a economia estava 1,4% abaixo de seu potencial ao final de 2003. Em outras palavras, com base nos dados de hoje, verifica-se que, ao final de 2003, a economia estava muito mais desaquecida do que ela parecia estar. Caso o Banco Central siga esta metodologia cegamente, o risco da política monetária impor uma profecia auto-realizável à economia não é desprezível.

