Carta IEDI
O Atual Modelo Econômico Está Chegando Ao Fim
O sistema industrial brasileiro é um dos mais completos do mundo, mas está atrasado em áreas de alta tecnologia porque o Brasil não construiu uma política industrial voltada para o setor, afirma Ivoncy Ioschpe, Conselheiro e ex-presidente do IEDI. A debilidade agravou-se sob a atual política econômica, que está esgotada. A indústria deve se colocar como um agente importante na formulação do modelo que deverá substituirá a atual política econômica. A indústria deve participar tanto no processo de negociação política como no de elaboração de uma visão futura de país.
A carga fiscal, os custos do Estado e a taxa de juros atingiram extremos. A dívida pública continua crescendo e o país não consegue fazer investimentos indispensáveis. Os próprios agentes econômicos percebem o esgotamento da política econômica.
Para Ivoncy, “o próximo governo, qualquer que seja ele, não poderá continuar com essa política, porque na campanha eleitoral terá que criticar fortemente a condução dada até agora à economia. Esse é talvez o principal alvo das críticas ao governo, portanto não será possível perpetuá-lo. A atual política econômica é um processo que já está no final, se Esgotou. (...) A continuidade dessa política não é lógica porque não existe mais o processo inflacionário, apenas o mito de que ele tem que ser destruído. Argumenta-se que o Brasil não pode crescer além de certo limite, determinado provavelmente por uma fórmula econométrica feita pelo Banco Central. Mas é uma bobagem. Eu nunca vi previsões do tipo “não pode”. A cada dia que passa muitas coisas passam a ser possíveis e outras deixam de sê-lo. Estou certo de que, seja nesse governo, seja no próximo, haverá uma mudança forte no que se refere à elaboração de políticas”.
A transição para um novo modelo de política econômica não será por meio crises ou de corridas cambiais, mas decorrerá do próprio esgarçamento de um modelo que, a cada dia, mostra-se inviável política e economicamente. O liberalismo governamental, afirma, está chegando ao fim, qualquer que seja o próximo governo. O Estado passará a ser um agente de formulação contínua de políticas.
Não haverá uma volta ao passado nem estatização, mas a adoção de políticas de incentivo e de desincentivo, usadas por todos os países industrializados nos períodos de formação da sua infra-estrutura.
Outros temas abordados por Ivoncy Ioschpe:
Carga fiscal: “Vivemos sob um pico de carga fiscal e de todos os custos do Estado. Com o agravante de que não houve desenvolvimento econômico para ampliar o PIB de modo a permitir uma melhor distribuição desses custos na sociedade brasileira. Se o PIB tivesse crescido significativamente, evidentemente o ônus da participação do setor público seria muito menor do que é hoje.”
China: “Eu acho que há muita precipitação quando se analisa a China ou a Índia. Em primeiro lugar, o Brasil vive um momento extremamente complexo, com distorções internas tanto por falta de políticas como no que se refere ao câmbio e aos juros, que resultam em um desequilíbrio muito sério. Em segundo lugar, do ponto de vista industrial só é admissível fazer comparações quando há uma mesma situação no que diz respeito à economia de mercado, ou seja, sem preços administrados (como é o caso desses países), apenas com preços de mercado. A China e a Índia têm um custo de mão de obra relativamente menor que o nosso e também uma carga fiscal muito mais baixa.”
Estado: “No momento que se eliminar o liberalismo das variáveis econômicas básicas como juros, câmbio etc., ressurgirá a pergunta clássica: para que serve o Estado? E o Estado serve de fato para dois objetivos: primeiro, assegurar o bem-estar e os direitos do cidadão e segundo, criar políticas que permitam o crescimento da renda das pessoas e da sociedade. Esse crescimento de renda só é possível com o desenvolvimento econômico sustentado. Quando se passa a discutir o desenvolvimento sem as amarras de uma política de não-intervenção na economia, torna-se evidente a necessidade de criar instrumentos de intervenção na vida econômica de determinados setores para resolver de fato os grandes gargalos da sociedade.”
Política Industrial e Tecnologia: “Não se exigiu que as indústrias estrangeiras presentes no Brasil tivessem centros de desenvolvimento tecnológico locais. O mesmo aconteceu com a indústria automotiva, que já teve o seu centro de desenvolvimento tecnológico no país. O governo permitiu que as montadoras fechassem os seus centros de desenvolvimento e pesquisa brasileiros e com isso nós perdemos um ativo da maior importância. Ao longo da minha atividade empresarial, eu vi erros desse tipo, sem qualquer sentido, cometidos por falta de uma visão de política industrial.”
Terceiro Setor: “No Brasil, a participação empresarial naquilo que se passou a chamar de terceiro setor ou solidariedade social talvez não tenha paralelo no mundo. Uma explicação possível para esse fenômeno é que temos problemas de grandes proporções, gerados nos últimos 10 ou 15 anos, provocados por um processo de desenvolvimento e de industrialização muito rápido, com o deslocamento acelerado de grandes quantidades de pessoas do campo para as cidades. Foi quando se formaram os cinturões de miséria em torno das cidades. Não se criou nenhuma política no campo para fixar essas pessoas. Não houve nenhuma política pública que beneficiasse as cidades do interior de modo a permitir que elas tivessem um apelo maior para essas pessoas que estavam deixando o campo. Mas é esta a realidade que temos diante de nós.”
Leia a seguir outros trechos da entrevista.

O Brasil teve e tem sucesso no seu processo de industrialização. O sistema industrial brasileiro é talvez um dos mais completos do mundo. Poucos países têm a sua densidade industrial. Isso foi possível em decorrência, basicamente, das crises cambiais que, de certa maneira, impediam a entrada de produção externa no país. Foi necessário recorrer à criatividade e a alguns instrumentos para suprir as necessidades do processo de intervenção e de complementação desencadeado. Assim o país capacitou-se para desenvolver desde a produção automotiva, em um nível que hoje não perde para nenhum país do mundo, até o segmento de bens de consumo duráveis e o setor aeronáutico. A teia industrial brasileira é extremamente complexa. Ainda estamos atrasados naquelas áreas de alta tecnologia em que o Brasil desprezou iniciativas em andamento, em troca de absolutamente nada. O país abandonou segmentos fundamentais no processo de desenvolvimento tecnológico contínuo.
Por que a alta tecnologia não se desenvolveu no país?
O Brasil não construiu uma política industrial voltada para o setor de alta tecnologia, nem a nível governamental nem na economia privada. Abandonou os esforços na área de venture capital e de private equity que, junto com o apoio do Estado, são vetores importantes do processo de desenvolvimento tecnológico no mundo inteiro.
É possível sermos competitivos mantendo a situação atual?
Eu não acredito, honestamente, que a situação atual seja permanente. Essas condições foram construídas nos últimos 12 anos, mas trata-se de um modelo que está chegando ao seu final, está se esgotando. Dará lugar a um outro modelo, no qual a indústria terá que se colocar como um agente importante, tanto no processo de negociação política, como no de elaboração de uma visão futura de país. E no momento em que nós tivermos o mesmo nível de competição, isto é, os mesmos custos financeiros, de taxas de juros e de até de custos da máquina pública, não me parece, absolutamente, que o Brasil perderá para países como a China ou para a Índia, como se esse desfecho fosse uma manifestação da vontade divina. Isso não existe. O que ocorrerá é que, em alguns segmentos, a China terá sempre uma capacidade de competição maior do que a nossa, mas em outros perderá para o Brasil.
Como o senhor vê a situação da indústria brasileira diante da chinesa?
A ameaça que a China de fato representa, mas ainda não foi bem avaliada é que, com o deslocamento da produção de indústrias dos Estados Unidos e de países europeus para esse país, está sendo transferida também uma capacitação tecnológica importante. Esse fato, aliado aos baixos custos operacionais, cria realmente uma concorrência mais séria. Entretanto, nós não podemos perder de vista que a China não é um país com política e normas estáveis. Ainda vive um processo ditatorial e tem grande parte da sociedade em uma situação de pobreza. O próprio processo democrático e de desenvolvimento industrial em curso fará com que a sociedade chinesa exija os mesmos bens consumidos no resto do mundo pelas classes menos privilegiadas. Quando esse fenômeno assumir proporções importantes, haverá de fato um reequilíbrio de forças.
Quais são as perspectivas da economia brasileira?
Eu acho que estamos em um momento crítico, desfavorável para a indústria. Se analisarmos apenas o presente, há risco de perder a esperança. Este é um mau momento para se fazer essa análise sobre o futuro. Nós devemos conversar sobre o presente e o que vai acontecer, mas sem partir da premissa de que esses fatores serão permanentes.
Por que o senhor considera que o ciclo de juros altos, câmbio valorizado e carga fiscal estratosférica está chegando ao fim?
Digo que está chegando ao final porque em 2005, apesar de um baixo nível inflacionário e de bons superávits na balança comercial e nas contas externas, a dívida pública aumentou de uma maneira extraordinária. Há quem diga que houve também uma mudança no perfil dessa dívida. Mas o fato é que aumentou, e nós sabemos que foi por causa dos juros desproporcionais e desnecessários que o país paga. Ora, isso vai contra o bom senso. Se o país todo está fazendo um grande esforço e o resultado não é percebido, ou seja, a dívida continua crescente, impedindo a realização dos investimentos que a sociedade necessita em estradas, saúde, educação e outras áreas, evidentemente isso não é sustentável política e economicamente. Os próprios agentes econômicos passam a se dar conta da inviabilidade de manutenção de taxas de crescimento, de desenvolvimento e de investimento no quadro atual. Por isso é que eu digo: nós estamos chegando ao fim desse jogo.
Como será essa transição do modelo econômico atual para o novo?
Nos últimos meses de 2005 havia uma disputa interna sobre o tamanho do superávit, se deveria ser 1% ou 2% menor ou maior. Quando o governo for examinar agora as contas vai se dar conta de que toda essa briga resultou em um superávit primário maior, ou seja, no fim economizou-se muito mais do que precisava ser economizado. Além disso, aumentou-se a dívida mais do que se deveria e foram feitas muito menos obras do que era necessário. Ora, aí tem algo que está desarticulado. Acredito que o atual governo provavelmente vai começar a forçar uma redução da taxa de juros o mais rápido possível. Estamos em um ano eleitoral e isso faz sentido até para uma eventual eleição do próprio presidente. O próximo governo, qualquer que seja ele, não poderá continuar com essa política, porque na campanha eleitoral terá que criticar fortemente a condução dada até agora à economia. Esse é talvez o principal alvo das críticas ao governo, portanto não será possível perpetuá-lo. A atual política econômica é um processo que já está no final, se esgarçou.
Esgotou-se.
Esgotou-se. O que deu origem a essa política foi a luta contra a inflação. Luta entre aspas: o que houve foi uma política errada, porque golpearam a inflação, mas atingiram sócio-economicamente o Brasil, a inflação não tinha nada a ver com a história. A continuidade dessa política não é lógica porque não existe mais o processo inflacionário, apenas o mito de que ele tem que ser destruído. Argumenta-se que o Brasil não pode crescer além de certo limite, determinado provavelmente por uma fórmula econométrica feita pelo Banco Central. Mas é uma bobagem. Eu nunca vi previsões do tipo “não pode”. A cada dia que passa muitas coisas passam a ser possíveis e outras deixam de sê-lo. Estou certo de que, seja nesse governo, seja no próximo, haverá uma mudança forte no que se refere à elaboração de políticas. O Estado passará a ser um agente de formulação política contínua. Não no sentido de uma intervenção na economia, mas no da criação constante de incentivos e de desincentivos para alguns setores da economia ou outros segmentos e de algumas políticas que o governo deseja ver implementadas.
Será um governo mais ativo?
Muito mais ativo, qualquer que seja ele. Eu diria que o liberalismo governamental está chegando ao fim.
Certamente não será uma volta ao passado, de estatização.
Não, porque há uma diferença fundamental. Nos países desenvolvidos sempre houve, nos períodos de formação da sua infra-estrutura, políticas de incentivo e de desincentivo, através de ações fiscais e de crédito e de compras do Estado. No caso brasileiro, como o Estado não tem recursos para fazer isso, não é possível utilizar os mesmos instrumentos aplicados no exterior. Será necessário criar outros instrumentos, caso a caso, na medida em que forem implementadas as novas políticas. Isso não é uma intervenção radical na economia no sentido de estatizar, privatizar ou qualquer outra coisa desse tipo. Trata-se, na verdade, de uma ação muito mais voltada para aspectos da condução diária do processo de desenvolvimento econômico, que exige esse tipo de definição.
Seriam ações microeconômicas, em setores específicos?
Seriam, muito mais, aplicações de políticas econômicas. Por exemplo, se o Brasil quiser desenvolver a indústria de alta tecnologia terá que criar mecanismos de sustentação de mercado ou de crédito, ou incentivos outros que gerem na própria sociedade instrumentos para dar suporte a essa orientação. Seria muito mais uma ação de voluntarismo de Estado em determinadas políticas necessárias e que precisam ser criadas.
Como o senhor vê o efeito, na sociedade, dessa política econômica que estaria atingindo o seu limite?
Essa política deixou algumas marcas positivas, sem dúvida alguma. Por exemplo, a eficiência empresarial aumentou muitíssimo. A elevação dos juros e o alto custo de capital obrigaram as empresas a serem muito mais eficientes no sentido de economizar capital, tanto para o dia-a-dia, como para os seus investimentos. No entanto, o gargalo do câmbio não permite manter as exportações e, por outro lado, é necessário vender fora do país para manter um volume mínimo de produção que proporcione escala. É por isso que as exportações continuam. Não é pelo lucro que proporcionam, mas porque é preciso manter a escala de produção. Quando o mercado interno não está absorvendo o que é produzido, recorre-se às vendas no mercado externo. Nesse momento é preciso ser o mais eficiente possível, para ter o menor custo possível. Avalio que essa política resultou em uma situação de eficiência maior na economia. Por outro lado, ela traz distorções terríveis.
Quais foram essas distorções?
A primeira e grande distorção é que os programas de investimentos são continuamente postergados. A cada momento o industrial se pergunta: haverá renda no país para um aumento do consumo? Se esse câmbio for mantido, como expandir o volume de exportações? Seria possível incrementá-lo muito mais, mas os juros e o câmbio impedem e os investimentos são protelados. A própria receita financeira passa a ser uma variável importante, enquanto que o investimento antecipado tem um custo financeiro extremamente elevado. Um outro problema, que considero dos mais sérios, é o sucateamento de boa parte de toda a infra-estrutura nacional devido a esses custos inviáveis, que não permitem ao tesouro qualquer compromisso. Toda e qualquer poupança é gasta para manter a rolagem da dívida. Entre os efeitos positivos do modelo, há, por exemplo, o desenvolvimento do mercado de capitais, influenciado pelo ingresso muito forte de capitais externos para operar no curto prazo.
Entre os aspectos positivos e os negativos do atual modelo econômico, qual é a sua conclusão?
Seria preferível o Brasil não ter passado por isso. As distorções a longo prazo custaram muito caro ao país. Além do problema muito sério que é o baixo nível de crescimento.
Como está o desempenho dos setores em que o seu grupo atua?
Na área rodoviária houve um aumento significativo das exportações de caminhões, ônibus e outros veículos. Como a Maxion é uma das principais indústrias brasileiras nessa área, registrou um crescimento razoável nos últimos três anos. No segmento ferroviário houve um boom a partir da privatização do sistema ferroviário. No momento em que obtiverem ganhos de eficiência e reduzirem custos, as ferrovias poderão ocupar espaço no transporte de produtos agrícolas, de insumos minerais, de veículos e de outros itens, feito hoje quase que inteiramente por rodovias.
Como foi a transição do setor madeireiro para o de transporte no grupo Iochpe?
Quando a família Ioschpe chegou ao Brasil, em 1912, começou a atuar na indústria madeireira. Durante anos, até a década de 1960, foi a maior exportadora de madeiras do país, com operações no Rio Grande do Sul, no Amazonas e no exterior. Com o surgimento das políticas de proteção ao meio-ambiente, de 1970 em diante, o grupo Iochpe resolveu sair do setor madeireiro. Criou as instituições financeiras Iochpe e, na área industrial, passou a participar das indústrias de celulose e papel, de tratores e máquinas agrícolas e dos segmentos automotivo e ferroviário. Foi uma transição muito difícil porque a família Ioschpe de fato era concentrada na madeira, não detinha as tecnologias desses outros setores. A primeira medida foi profissionalizar a gestão. Todo e qualquer novo negócio do Grupo Iochpe seria altamente profissionalizado. Com o passar do tempo, chegamos à conclusão de seria muito difícil competirmos e nos tornarmos líderes de mercado no setor financeiro. Vendemos as nossas participações nesse segmento e continuamos na área industrial até hoje. Saímos do setor de máquinas agrícolas quando, no governo Fernando Henrique, por um processo tarifário, inviabilizou-se a produção nacional. O resultado foi a internacionalização do segmento de máquinas agrícolas. A tarifa de importação dos componentes era maior que a do produto acabado. O mesmo aconteceu na indústria de motores, em que a tarifa de importação de conjuntos e de subconjuntos era maior do que a de importação do motor pronto e acabado, em detrimento da indústria nacional. O Brasil tinha chance, naquele momento, de se tornar um dos grandes players mundiais na área de equipamentos agrícolas. Se houvesse um governo com visão desenvolvimentista, haveria apoio para as indústrias brasileiras. Poderiam comprar as estrangeiras, em vez de serem adquiridas por elas. O processo repetiu-se na indústria de computação. Nós éramos controladores de uma companhia chamada Edisa que se associou posteriormente à Hewlett Packard, que hoje ocupa um espaço importante no país. É que é, basicamente, o espaço da Edisa. Não se exigiu que as indústrias estrangeiras presentes no Brasil tivessem centros de desenvolvimento tecnológico locais. Isso ocorreu no setor de máquinas agrícolas, na indústria automobilística, no segmento de informática e em muitos outros.
Faltou visão estratégica.
Houve falta de visão. O Brasil se dá ao luxo de financiar multinacionais que vem operar aqui com crédito subsidiado do BNDES, de uma forma que eu não vejo o menor sentido. No momento em que a indústria brasileira precisava ser internacionalizada nós não fizemos isso. Eu acho que a Espanha é um bom exemplo. As empresas espanholas chegaram à conclusão de que seria muito difícil competir nos mercados europeu, norte-americano e asiático. O que sobrava era a América Latina. Quando vieram para cá, companhias hoje muito grandes como a Telefônica, entre outras, absolutamente não tinham o tamanho que têm hoje. Cresceram comprando indústrias brasileiras. Os próprios bancos espanhóis fizeram isso. O que permitiu a esses bancos, a essas companhias, operar no Brasil? Foi o seguinte: o governo espanhol criou um instituto que avalizava a dívida das empresas espanholas para a realização de investimentos no exterior em países definidos por eles como estratégicos, como foi o caso do Brasil. Com o aval do governo espanhol, que tinha uma classificação favorável dentro do Mercado Comum Europeu, conseguiam captar recursos a um custo muito baixo. Todo o investimento feito no Brasil pela Espanha, que se tornou o segundo investidor externo, baseou-se nessa política de desenvolvimento e de crescimento. Assim foi possível uma Telefônica, que na Espanha é menor do que a companhia que ela comprou no Brasil, transformar-se em uma potência mundial. Porque as operações no nosso país são, de fato, de nível mundial e é isso que nós brasileiros talvez não percebamos. Uma indústria brasileira não produz o mesmo que uma similar da Inglaterra, da França ou da Alemanha. Produz muito mais. Nós temos volume. Eles trabalham em nichos de mercado. O Brasil é expressivo em qualquer setor. Eu acho que o próximo governo, se não tiver uma visão estratégica de crescimento, com uma estrutura que permita implementar uma política com esse objetivo, significará uma derrota muito séria para o Brasil, mais uma vez.
O senhor poderia definir pontos centrais de um modelo de desenvolvimento?
Qualquer modelo sustentável tem como prioridade a educação. No Brasil, só uma minoria é educada. Nós temos que educar também a maioria para que ela possa participar desse processo, que requer uma indústria e um setor de serviços cada vez mais avançados tecnologicamente. Também é necessário ter uma visão constante de qual é o objetivo do Estado e como é que esse objetivo pode ser alcançado de uma forma mais eficiente. Há necessidade de um Estado de ativismo político, de políticas industriais. Discutir por que a Camex existe ou se vamos fazer um novo ministério de relações exteriores, ou ainda detalhes a respeito do Banco Central ou de determinado ministério, é pouco relevante. O correto seria criar, como se faz nos Estados Unidos, um representante comercial do presidente, que atuaria na área de negociação externa. Utilizaria a máquina do Itamarati e de outros ministérios, mas concentrando esse poder nas mãos do presidente. Da mesma forma, acho absurdo não existir um conselho de economistas do presidente, que fica sempre sujeito ao Banco Central, não tem outra opção. O problema é semelhante nas áreas tecnológica, de desenvolvimento e de infra-estrutura. É preciso criar com urgência no Brasil fóruns de definição de prioridades, que não devem ser dadas apenas pelos ministérios. Estes têm que executar, mas para a definição do que se deve fazer é fundamental a existência desses organismos consultivos. Também não resolve o presidente tirar soluções da cartola, porque alguém é deputado e disse a ele que tal estrada tem que ser construída. O jogo de prioridades deve ser feito sempre de uma maneira muito claramente definida, com pessoas sérias, competentes, profissionais.
Quando o senhor começou a atuar no terceiro setor?
A minha participação nesse setor começou há muitos anos. Sempre me chamou a atenção, quando eu visitava as nossas fábricas, o fato de que, ao lado de cada indústria, havia, invariavelmente, uma vila popular muito pobre. O problema não era o padrão de vida modesto das pessoas, mas a total falta de esperança, principalmente entre os jovens, com freqüência filhos de famílias desagregadas. Nós começamos criando escolas profissionais dentro das fábricas. Essas escolas tinham uma característica distintiva: os seus professores eram recrutados entre os próprios profissionais da empresa. Com isso nós criamos um modelo. O jovem que, mantida a sua situação original, representaria um potencial de alto risco social, passava a participar da empresa, trabalhando e estudando. Passamos a pagar para que esse jovem pudesse trabalhar. As suas opções eram, com freqüência, vender droga para poder se sustentar ou então passar fome. Vários empresários que visitavam as nossas empresas se interessaram em adotar o nosso modelo e resolvemos contratar um grupo para montar uma franquia. Criamos um fórum de treinamento e hoje já temos mais de sessenta dessas escolas em empresas brasileiras, com apoio da Fundação Iochpe. Uma outra área que desenvolvemos é a da formação das professoras primárias, principalmente na área de arte. Há evidências de que a arte é um instrumento talvez indispensável para desenvolver a criatividade nas crianças e fazer com que elas tenham maior vontade de participar e de estudar. Hoje mantemos essa operação no Brasil inteiro. Milhões de crianças já passaram por esse processo de aprendizado com professores que nós treinamos.
Qual é a sua avaliação sobre essas iniciativas?
Trata-se de uma prática extremamente gratificante e, muito mais do que isso, essencial. Há hoje o mundo das ONGs e o mundo das profissões. É muito difícil alguém de ONG se dar conta da necessidade de racionalidade nas decisões. Os processos deliberativos são muito ligados a fatos emergenciais do dia-a-dia. A organização, o planejamento, a previsão e a administração não costumam ter consistência no longo prazo. A minha experiência mostra que, embora seja difícil implementar essas condutas nas ONGs que prestam assistência social, é fundamental existirem empresários dispostos a trabalhar para proporcionar-lhes essa racionalidade. Aqui em São Paulo, por exemplo, a atuação do empresário Antonio Ermírio de Moraes confere ao Hospital Beneficiência Portuguesa uma visão racional de crescimento, sem o abandono do lado social. O empresariado brasileiro tem muito a contribuir nessa direção.
