Carta IEDI
O Brasil e os Acordos Preferenciais de Comércio - Parte 1: A Urgência de Mudança
Para o IEDI, uma indústria moderna e integrada à economia mundial tem papel relevante como um vetor adicional e determinante para o desenvolvimento do país. Nessa direção, o Instituto publica em duas edições de sua Carta um estudo sobre os acordos comerciais e a posição brasileira. Na presente edição é mostrada a evolução no mundo dos acordos preferenciais de comércio, um processo que se dá de forma rápida e intensa, contrastando com a política de comércio exterior brasileira, a qual somente em uma dimensão relativamente modesta caminha na mesma direção que o padrão mundial. Em uma próxima edição, serão tratados os efeitos da proliferação de APCs para o Brasil, avaliados os impactos dos acordos preferenciais de comércio (APCs) para o Brasil e são feitas recomendações para uma nova política para o país.
A regulação do comércio internacional encontra-se em uma fase de profundas mudanças em decorrência do impasse das negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC) e da proliferação de acordos preferenciais de comércio (APCs), que têm se tornado uma importante fonte da regulação internacional. Nesse cenário, cabe questionar qual é a posição em que se encontra o Brasil e quais os impactos que esta proliferação de APCs pode trazer para o comércio exterior do país.
O Brasil sempre privilegiou a esfera multilateral como principal foro de negociações. Em razão desse posicionamento, o Brasil pouco investiu na negociação de APCs durante as décadas de 1990 e 2000. Em contrapartida, ao privilegiar o sistema multilateral em detrimento dos APCs, o Brasil encontra-se, atualmente, distante de outras economias relevantes tanto pelo pequeno número de acordos do qual o Brasil é parte, quanto ao que tange a elaboração de um modelo de acordo com as regras de interesse brasileiro.
Apesar do pequeno número de APCs assinados pelo Brasil, podem-se identificar dois vetores de integração: um regional e um extra-regional.
No âmbito regional, destaca-se o Mercosul, principal projeto de integração comercial brasileira nas últimas décadas, mas que atualmente enfrenta uma série de dificuldades, em especial nas relações comerciais entre Brasil e Argentina. Ademais, tanto o Brasil quanto o Mercosul estão inseridos no âmbito da ALADI, que visa promover a integração econômica de toda a América Latina. Nesse contexto, foram celebrados acordos entre os membros do Mercosul e: (i) Chile; (ii) Bolívia; (iii) México (geral); (iv) México (setor automotivo); (v) Peru; (vi) Colômbia, Equador e Venezuela; e (vii) Cuba. O Brasil também assinou acordos com: (i) Guiana e (ii) Suriname (apenas arroz).
No âmbito extra-regional, o Brasil, em conjunto com o Mercosul, é signatário de APCs com: (i) Índia, (ii) Israel; (iii) União Aduaneira do Sul da África – SACU1; (iv) Egito; e (v) Palestina, dos quais apenas dois primeiros estão em vigor. Destaca-se, também, a atual negociação de um APC entre Mercosul e União Européia.
Os impactos dos APCs para o Brasil podem ser analisados a partir de 3 perspectivas: acesso a mercados, regulação do comércio e cadeias globais de valor.
Com relação ao acesso a mercados, em especial as tarifas, é importante notar que, apesar das preferências tarifárias já obtidas pelo Brasil, principalmente na América Latina, muitos países vêm negociando um volume expressivo de acordos. Essas negociações contrapõem-se às preferências concedidas ao Brasil, resultando na perda relativa da preferência brasileira nesses mercados.
Uma segunda dimensão do acesso a mercados se refere às barreiras não tarifárias. Há duas perspectivas sendo adotadas nos APCs. De um lado, há a tentativa de buscar a harmonização das regulamentações técnicas e fitossanitárias por meio de padrões e princípios comuns estabelecidos em acordos de comércio. De outro lado, há iniciativas que buscam o mútuo reconhecimento de padrões nacionais estabelecidos. Esses mecanismos permitem superar essas barreiras não tarifárias e trazem benefícios para os produtos produzidos no âmbito dos mercados parceiros em relação a terceiros mercados. A negociação, nos APCs do Brasil, de regras nesse sentido pode trazer benefícios.
Com relação ao aspecto regulatório, os países vêm buscando na esfera preferencial foros de negociação em que possam desenvolver novas regras de comércio. Assim, os APCs passaram a integrar regras que aprofundam a regulação já existente (OMC-plus) ou que tratam de temas não regulados no âmbito multilateral (OMC-extra), expandindo a fronteira regulatória do comércio internacional. Uma evolução dessa tendência pode ser encontrada nos mega-acordos. Envolvendo grande número de importantes economias, esses acordos buscam englobar todo o espectro da regulação do comércio internacional. Os mega-acordos são indispensáveis para compreender o terceiro aspecto dos potenciais efeitos da proliferação de APCs: a inserção nas cadeias globais de valor.
O comércio tradicional de bens produzidos integralmente ou quase integralmente em um país tem sido substituído por um comércio de tarefas (trade in tasks), no qual há uma cadeia de produção global. A proliferação de APCs em muito contribuiu para o aumento das cadeias globais valor uma vez que a celebração de um APC de integração profunda entre dois países reduz os custos de transação e elimina os antagonismos entre os quadros regulatórios nacionais que poderiam implicar em entraves à produção internacional. Assim, o limitado número de acordos dos quais o Brasil é parte pode prejudicar sua inserção nas cadeias globais de valor. O Mercosul e os demais países da América Latina são insuficientes para garantir o volume das exportações brasileiras e as novas cadeias de valor que se formam através dos blocos econômicos não contam com a presença do Brasil.
Desse modo, mostra-se patente a necessidade de o Brasil buscar novos parceiros preferenciais de comércio. A partir de simulações de acordos do Brasil com EUA, UE, China e América do Sul, percebe-se que o setor agrícola, de maneira geral, apresenta impactos positivos no PIB setorial. Já a indústria mostra-se sensível em diversos setores, em especial no APC com a União Européia.
Entretanto, ainda que uma redução horizontal de tarifas decorrente da assinatura de acordos preferenciais nem sempre traga resultados positivos para determinados setores produtivos do Brasil, a eliminação de barreiras não tarifárias, a negociação de mecanismos de proteção aos setores mais sensíveis, tais como salvaguardas especiais e manutenção de algumas tarifas, poderão mitigar os efeitos negativos e permitir ao Brasil uma maior inserção no comércio internacional.
Com a necessidade de atualização das regras da OMC e do impasse nas negociações da Rodada Doha, a regulação do comércio se dará, sobretudo, no âmbito dos APCs. Desse modo, o Brasil deverá intensificar o processo de integração tanto no vetor regional quanto no extra regional, além de definir as regras que julgue necessárias negociar para esse novo cenário comercial, tais como regras de origem, medidas não tarifárias, serviços e investimentos, dentre outros. Apenas assim o Brasil poderá de garantir sua posição como um rule maker e não um rule taker na governança do comércio internacional.
Introdução. Para o IEDI, uma indústria moderna e integrada à economia mundial tem papel relevante como um vetor adicional e determinante para o desenvolvimento do país. Nessa direção, o Instituto reproduz um estudo sobre os acordos comerciais e a posição brasileira realizado por Vera Thorstensen (Coordenadora do Centro do Comércio Global e do Investimento – CCGI/FGV), Lucas Ferraz (Coordenador do Centro de Modelagem Econômica Aplicada – CMAE/FGV), Daniel Ramos, Carolina Müller e Belisa Eleotério (Pesquisadores do CCGI), intitulado “A multiplicação dos Acordos Preferenciais de Comércio e o Isolamento do Brasil” (que será publicado na íntegra no site do Instituto).
A regulação do comércio internacional encontra-se em fase de profundas mudanças. A Rodada Doha na Organização Mundial de Comércio (OMC), iniciada em 2001, encontra-se em um impasse, com perspectivas de ser concluída apenas com poucos avanços em matérias relacionadas à facilitação de comércio, subsídios agrícolas e auxílio ao comércio (aid for trade), bem como isenção de quotas e tarifas para os países de menor desenvolvimento relativo (quota free duty free).
De outro lado, diante das dificuldades enfrentadas por novas negociações no cenário multilateral e da necessidade de se atualizar as regras de comércio internacional, os países vêm intensificando a negociação de novos acordos preferenciais de comércio (APCs)2, por meio dos quais são estabelecidas novas regras comerciais, que muitas vezes ultrapassam o escopo das matérias reguladas pela OMC, ou regulam questões não abordadas pelo sistema multilateral, tais como meio ambiente, cláusulas sociais, concorrência e investimentos.
Nesse contexto, questiona-se se dificuldades enfrentadas em Doha, combinadas à proliferação de APCs, não resultaria no enfraquecimento do sistema multilateral em prol do sistema preferencial, resultando em um esvaziamento da principal fonte reguladora do comércio internacional na esfera multilateral para o fortalecimento da esfera preferencial.
Nesse cenário, cabe questionar qual é a posição em que se encontra o Brasil e quais os impactos que esta proliferação de APCs pode trazer para o comércio exterior do país.
Primeiramente será elaborado um panorama acerca dessa proliferação dos APCs. Em seguida, será analisada a posição do Brasil, apresentando-se o perfil de comércio exterior do país, os vetores de integração regional que foram desenvolvidos nas últimas décadas, bem como as perspectivas do governo de negociação de novos APCs. A terceira seção abordará os impactos dessa proliferação de APCs para o Brasil, avaliando as questões de acesso a mercados, da criação de regras preferenciais de comércio e da formação de cadeias globais de valor. A quarta seção tratará da questão da competitividade dos setores produtivos brasileiros em face de uma potencial liberalização comercial decorrente da negociação de novos APCs. Finalmente, a última seção trará recomendações para o Brasil.
Proliferação dos Acordos Preferenciais de Comércio. Os APCs se tornaram um importante mecanismo de política comercial dos países e, hoje, podem até mesmo ser considerados uma característica irreversível da regulação do comércio internacional3.
Tradicionalmente, o estabelecimento de APCs ocorria entre os chamados “parceiros comerciais naturais”, ou seja, países geograficamente conectados que já apresentavam determinado padrão comercial e desejavam obter um grau mais acentuado de liberalização comercial entre si. No entanto, uma vez que um país tenha exaurido suas perspectivas comerciais em determinada região, é natural que haja a busca por novos parceiros comerciais. A partir da observação dos acordos preferenciais em vigor ou em negociação, pode-se afirmar que as iniciativas estão hoje concentradas tanto em consolidar e aprofundar os acordos preferenciais regionais já existentes quanto em constituir novos acordos de maneira bilateral, transregional e até mesmo entre APCs já estabelecidos.
O sistema multilateral, desde a sua criação, permitiu a formação de zonas preferenciais de comércio como uma exceção ao Artigo I do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT), sobre o tratamento de Nação Mais Favorecida, estabelecendo, em seu Artigo XXIV, regras para a formação desses acordos.
A liberalização do comércio, no âmbito da OMC, ocorre a partir de rodadas de negociação multilateral entre os membros. A natural complexidade política e técnica de negociações comerciais, que envolvam diversos países, somada à necessidade de obtenção de consenso entre os membros da OMC para que uma decisão seja acordada, torna o processo moroso, o que pode incentivar os membros a buscarem maior liberalização comercial por meio da negociação de acordos preferenciais.
Os primeiros acordos celebrados durante a era GATT tiveram como foco inicial de expansão a criação das Comunidades Europeias em 1957, e a tendência de crescimento foi reforçada nos anos seguintes com a negociação de múltiplos acordos preferenciais de comércio. No início dos anos 1990, havia 70 APCs em vigor. A proliferação de acordos se intensificou nos anos seguintes. Em 2013, 546 APCs haviam sido notificados ao GATT/OMC4, contra apenas 123 notificações durante toda a era GATT. Desses 546, 356 estão em vigor. Do total de acordos notificados ao GATT/OMC, 390 foram notificados sob o Artigo XXIV, 38 sob a Cláusula de Habilitação, ou seja, sob a Decisão sobre Tratamento Diferenciado e Mais Favorecido para os Países em Desenvolvimento de 1979, e 118 sob o Artigo V do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS).

A adoção de APCs tende a aumentar o comércio entre as partes signatárias do acordo devido à eliminação de tarifas em seus mercados, mas pode reduzir o comércio de tais países com terceiros, impactando negativamente a economia de países não membros de APCs (trade creation e trade diversion). A promoção do livre comércio de modo preferencial pode auxiliar economias em desenvolvimento a implementar reformas domésticas que permitam sua abertura a mercados competitivos, facilitando sua integração na economia mundial. Além disso, uma vez que os APCs geralmente contêm regimes regulatórios que vão além das regras estabelecidas multilateralmente, sua proliferação poderia beneficiar o sistema multilateral caso as regras estabelecidas fossem multilateralizadas.
No entanto, tais acordos podem também causar efeitos nocivos ao sistema multilateral de comércio. Em primeiro lugar, há a possibilidade de que dispositivos contidos em APCs possam conter aspectos discriminatórios, criando tensão em relação ao sistema multilateral. Em segundo lugar, e talvez mais importante, a proliferação de acordos preferenciais pode prejudicar o multilateralismo ao ameaçar a posição da OMC como fórum principal para a criação de novas regras de comércio.
De acordo com Baldwin5, há quatro motivos principais que causam preocupação ao se discutir a proliferação de APCs. Em primeiro lugar, o autor destaca que as regras criadas pela OMC são aceitas e respeitadas de maneira praticamente universal, e tal universalidade provém primordialmente da maneira como tais normas são promulgadas: em negociações multilaterais onde o princípio do consenso é respeitado. Uma vez que as novas disciplinas estão, em sua maioria, sendo promulgadas em um contexto de poder assimétrico (visto que, em grande parte dos APCs constituídos, tem-se geralmente grandes nações desenvolvidas e países de pequeno e médio porte em desenvolvimento), tais regras não possuem a mesma legitimidade proveniente do contexto multilateral de negociações, logo, não se pode esperar que sejam respeitadas universalmente como as regras acordadas em consenso.
Em segundo lugar, Baldwin afirma que, em um mundo no qual a OMC passaria a ter um papel coadjuvante, seria provável que a cooperação multilateral em outros temas também perca força. Ressalta ainda que o Sistema de Solução de Controvérsias da OMC, para que continue funcionando de maneira eficaz, deve acompanhar a evolução das regras comerciais. Se as regras aplicadas pelo Órgão de Apelação não forem atualizadas, é provável que as decisões se tornem também obsoletas. Por fim, uma vez que a OMC não seja mais o fórum de negociação de regras comerciais por excelência, os membros da OMC deverão encontrar uma nova maneira para negociar a atualização das regras aplicáveis à Organização que não as rodadas de liberalização comercial.
Principais Atores na Negociação de APCs. Nesse cenário de proliferação de APCs, alguns países se destacam como principais atores na negociação de acordos.
A Europa possui a maior concentração de APCs, sendo que a União Europeia (UE) e a Associação Européia de Livre Comércio – EFTA representam os principais hubs do continente. Ambos os acordos estão constantemente expandindo sua rede de acordos preferenciais. A UE, por exemplo, está negociando a conclusão de APCs com Associação de Nações do Sudeste Asiático – ASEAN, Canadá, EUA, Japão, Malásia, Vietnam, Geórgia, Armênia, Moldova, Conselho de Cooperação do Golfo - CCG, Índia, Mercosul e Grupo de Países da África, Caribe e Pacífico – ACP, enquanto o EFTA está conduzindo negociações com Argélia, Bósnia e Herzegovina, Indonésia, Malásia, Índia, Rússia, Bielorrússia, Cazaquistão, Tailândia, Vietnam, Costa Rica, Guatemala, Honduras e Panamá.
Os EUA atuaram de maneira ativa na negociação APCs durante a última década, tendo assinado acordos com países na América Latina, África, Oriente Médio e Ásia. Atualmente, estão negociando um compreensivo APC com diversos parceiros comerciais no Pacífico, a chamada “Parceria Transpacífica” (Trans-Pacific Partnership - TPP)6. Recentemente, EUA e UE anunciaram o lançamento de negociações comerciais para a conclusão de ambicioso acordo envolvendo questões comerciais, regulatórias e sobre investimentos, a chamada “Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento” (Transatlantic Trade and Investment Partnership - TTIP). Devido à sua complexidade e importância, esses e outros APCs conhecidos como Mega-acordos (Mega-regionals) serão analisados de maneira mais profunda na parte III deste estudo.
Os países da América Latina possuem uma tradição de integração regional que se diferencia da política orientada pelo mercado adotada pelos EUA. Pode-se dizer que há um esforço no sentido de consolidar e aprofundar a rede de APCs entre países da América Central e da América do Sul, o que não exclui a busca por parceiros comerciais também em outras regiões do globo. Tanto o Chile quanto o México representam uma política que se convencionou chamar de additive regionalism, na qual os países se engajam em negociar, de maneira bilateral, acordos preferenciais de comércio com todos os seus parceiros comerciais significativos. Atualmente, o Chile está negociando a conclusão de APCs com China e Tailândia, enquanto o México possui negociações abertas com a Coréia do Sul. Ambos os países estão negociando também o TPP.
No continente asiático, China, Coréia do Sul, Japão, e Cingapura, bem como o bloco ASEAN têm negociado um número relevante de APCs, que envolvem a conclusão de acordos preferenciais com países de todos os continentes, reafirmando a busca pela pluralidade de parceiros comerciais.
A Índia também merece destaque pela multiplicidade de APCs negociados nos últimos anos. Atualmente, está em negociação com países como Austrália, Nova Zelândia, Paquistão, Rússia, SACU, UE, Canadá, Indonésia, EFTA, Israel.
A Austrália e a Nova Zelândia também aparecem como importantes atores na região do Pacífico. Atualmente há a negociação de acordos entre Austrália e China, CCG, Índia, Japão, Coréia do Sul e Indonésia, enquanto a Nova Zelândia pretende concluir acordos preferenciais com Índia, Japão, Coreia do Sul, Rússia, Bielorrússia, Cazaquistão.

A Política de Comércio Externo do Brasil. Frente à proliferação de novos APCs identificada nas últimas décadas, cabe verificar qual a posição adotada pela Política de Comércio Externo do Brasil. Em primeiro lugar, o perfil de comércio exterior brasileiro será brevemente identificado, de modo a fornecer substrato para as análises subsequentes em relação a seus interesses e oportunidades potenciais. Em seguida, caberá analisar os vetores de integração regional que foram desenvolvidos nas últimas décadas, identificando o direcionamento dado pela Política Externa Brasileira em relação a mercados privilegiados e à obtenção de acessos preferenciais de mercado.
Finalmente, serão identificadas as perspectivas de negociação de novos APCs pelo Brasil e seu potencial impacto para a inserção internacional do comércio brasileiro.
Perfil do comércio exterior. O Brasil, apesar de constituir uma das maiores economias do mundo, com um PIB de US$ 2.477 trilhões, ainda é um país fechado comercialmente. As exportações de comércios e serviços representam 12% do PIB, enquanto as importações representam 13% do PIB7, colocando o país na 22ª posição dentre os maiores exportadores mundiais, com 1,4% de participação no total de exportações, e na 21ª posição dentre os importadores, com uma participação no total das importações mundiais de 1,3%8.
Os principais parceiros comerciais do Brasil são: União Europeia, China, Estados Unidos e Argentina, enquanto principais destinos das exportações brasileiras; e União Europeia, Estados Unidos, China, Argentina e Coreia do Sul enquanto origens das importações do Brasil9.
A pauta exportadora do Brasil é constituída por 33,8% de produtos agrícolas, 30,4% de combustíveis e minérios e 32,8% de manufaturas. A pauta de importações é constituída por 6% de produtos agrícolas, 22% de combustíveis e minérios e 72% de manufaturas10.
A tabela abaixo apresenta os volumes de exportação para os dez principais países parceiros comerciais do Brasil e os principais produtos exportados a cada um, em 2012:


Privilégio ao Multilateralismo. O Brasil sempre privilegiou a esfera multilateral como principal foro de negociações. Na visão brasileira, as negociações internacionais ofereciam melhores condições para os países em desenvolvimento coordenarem suas posições, fortalecendo seu posicionamento em face das pressões exercidas pelos países desenvolvidos.
Enquanto as negociações bilaterais do tipo norte-sul garantiriam aos países como o Brasil pouca força para impor seus interesses, o que resultaria em um acordo no qual haveria um desequilíbrio em prol do norte, nas negociações multilaterais, os países em desenvolvimento, em maior número, encontravam-se em uma melhor posição negociadora, que lhes permitiria atingir resultados mais substantivos nas áreas de seus interesses11.
Em razão desse posicionamento, o Brasil pouco investiu na negociação de APCs durante as décadas de 1990 e 2000. O governo brasileiro optou por privilegiar as negociações da Rodada Doha, o que foi feito por meio de uma importante coordenação do G-20 Agrícola, coordenado por Brasil e Índia, pela posição conciliadora adotada pelo país nas negociações e pela grande contribuição das propostas brasileiras ao Pacote Lamy, apresentado em 2008. Diante dessa estratégia, as negociações preferenciais foram relegadas a um segundo plano
Entretanto a estratégia brasileira foi prejudicada pelo impasse da Rodada Doha. Com o fracasso das negociações e a clara preferência de grandes economias, especialmente União Européia e Estados Unidos, pelos APCs como principal fonte regulatória do comércio internacional, os esforços brasileiros promovidos nas negociações da OMC dificilmente trarão avanços significativos.
Em contrapartida, ao privilegiar o sistema multilateral em detrimento dos APCs, o Brasil encontra-se, atualmente, distante de outras economias relevantes tanto pelo pequeno número de acordos do qual o Brasil é parte, quanto ao que tange a elaboração de um modelo de acordo com as regras de interesse brasileiro, o que pode implicar em impactos importantes para as exportações brasileiras nesse novo cenário de regulação do comércio internacional por meio dos APCs.
Apesar do pequeno número de APCs assinados pelo Brasil, pode-se identificar dois vetores de integração: um regional e um extra-regional.
A Integração Regional. A prioridade da Política de Comércio Internacional do Brasil tem sido a integração regional, que vem obtendo alguns avanços.
Mercosul. O principal projeto de integração comercial brasileira, nas últimas décadas, foi a criação e consolidação do Mercosul. O bloco, criado pelo Tratado de Assunção, em 1991, pretendia ser um projeto ambicioso de estabelecimento de um mercado comum.
Ademais, o Mercosul previa no artigo 20º do Tratado de Assunção que a adesão ao bloco estaria aberta a todos os países membros da Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), o que demonstra a intenção inicial do bloco em expandir o processo de integração para além da Bacia do Prata.
Em seus primeiros anos, o Mercosul obteve relevante sucesso: as exportações intrabloco aumentaram substancialmente, Bolívia, Chile e Venezuela tornaram-se membros associados com intenção de futuramente integrar o bloco e uma tarifa externa comum (TEC) foi instituída, transformando o Mercosul em uma união aduaneira.
Entretanto, já no final da década de 1990 o Mercosul passou a enfrentar uma série de crises: a desvalorização da moeda brasileira, em conjunto com a crise Argentina de 2001 resultaram em um ambiente pouco propício à negociações e concessões, dificultando o desenvolvimento do processo de integração.
Uma série de atrasos no cronograma de liberalização do comércio intrabloco, a manutenção de uma série de exceções à TEC, a imposição de barreiras ao comércio como licenças não automáticas de importação, a não internalização dos compromissos negociados, entre outros fatores, contribuíram para a crise na integração do cone sul.
Nesse cenário, e considerando a ascensão da China, a participação das exportações intrabloco perdeu importância relativa. No caso do Brasil, por exemplo, as exportações para os demais membros do bloco passaram de 17% do total de exportações brasileiras, obtidos em 1997 e 1998, para apenas 9,4% em 201212.

A situação atual do Mercosul é sensível: o projeto ambicioso de um mercado comum está longe de ser atingido. O livre comércio intrabloco não se dá de maneira completa, em razão das barreiras mantidas pelos membros, tais como exceções às preferências tarifárias outorgadas e licenças não automáticas de importação. Como exemplo, tem-se a recente disputa entre Brasil e Argentina, na qual a Argentina impôs barreiras à importação de têxteis, calçados, máquinas e alimentos brasileiros e o Brasil, em retaliação, retardou a emissão de licenças de importação para automóveis argentinos13.
Os efeitos das barreiras impostas foram refletidos nos resultados da balança comercial de 2012. Segundo dados da Secex, enquanto as exportações gerais brasileiras caíram 5,3% em 2012, as vendas ao país vizinho tiveram queda de 20,8%. Vale frisar que do total de produtos manufaturados vendidos pelo Brasil ao exterior 18,1% vão para os argentinos, intensificando o efeito negativo da queda nas exportações ao vizinho.
Esses fatores dificultam a liberalização comercial e o aumento dos fluxos de comércio na região. A entrada da Venezuela pode trazer avanços ao volume dos fluxos de comércio do bloco. Entretanto, as condições que precederam a acessão do país – após a suspensão do Paraguai – podem trazer dificuldades à sua plena integração ao Mercosul.
Apesar das dificuldades enfrentadas, o bloco ainda é de grande relevância para as exportações brasileiras, a Argentina figurando como um dos principais parceiros comerciais do Brasil, tanto nas importações quanto exportações. Desse modo, é essencial envidar esforços políticos e econômicos para superar as crises que acompanham o bloco ao longo da última década, permitindo a liberalização comercial e o aprofundamento da integração regional.
ACEs. Tanto o Brasil quanto o Mercosul estão inseridos no âmbito da ALADI, que visa promover a integração econômica de toda a América Latina. Nesse contexto, o Mercosul é apenas parte do processo de integração, que seria promovido paulatinamente, através da celebração de uma série de acordos de cooperação econômica (ACE) entre os países da região.
O próprio Mercosul foi subscrito na ALADI como o ACE n. 18 e outros acordos foram celebrados entre os membros do bloco e outros países da região, a fim de aprofundar a integração econômica regional. Cabe apontar que, em razão do status de união aduaneira do bloco, nos termos da Decisão do Conselho do Mercado Comum n. 32/2000, os Estados integrantes do Mercosul deverão negociar de forma conjunta acordos comerciais que impliquem na outorga de preferências tarifárias.
Nesse sentido, a negociação de novos APCs que incluam preferências tarifárias, objeto de análise nesse estudo, devem ter sob perspectiva o fator Mercosul e os interesses de seus membros. Atualmente estão em vigor os seguintes ACEs assinados pelo Brasil:

De maneira geral, os acordos prevêem uma ampla margem de preferências tarifárias a ser outorgada às partes a um número significativo de produtos, concedendo ao Brasil maior acesso a mercado para as suas exportações. A Tabela abaixo apresenta os dados referentes à média tarifária enfrentada pelas exportações brasileiras nos mercados sul-americanos, a margem de preferência obtida em relação à média das tarifas normalmente aplicadas e o número de setores abrangidos pela preferência.

É importante ressaltar que o quadro apresenta médias simples, que podem ocultar uma maior proteção conferida a determinados setores sensíveis em cada país, dificultando o acesso a mercado de certas indústrias brasileiras. Ainda assim, o quadro aponta que o Brasil dispõe de uma margem de preferência bastante ampla para os mercados sul-americanos, o que lhe permitiria uma vantagem competitiva em face de outros países para os quais é aplicada a tarifa NMF. Esse acesso é relevante especialmente em razão da importância dos mercados da América Latina para a pauta exportadora brasileira.

Em relação ao quadro regulatório presente nesses ACEs, não se percebe inovações frente às regras contidas nos acordos da OMC, com referência aos temas clássicos, nem a abordagem de novos temas. Ademais, apenas o acordo com o Chile prevê uma liberalização de serviços14.
Integração Extra-regional. O segundo vetor de integração ultrapassa as fronteiras da América do Sul, mas mantém-se focado, prioritariamente, nas relações sul-sul. Esse segundo movimento de integração intensificou-se apenas na década de 2000 e se dá de maneira bastante lenta.
Nesse sentido, o Brasil, em conjunto com o Mercosul, é signatário de cinco APCs, dos quais apenas dois estão em vigor:

A quantidade de linhas tarifárias abrangidas pelos acordos varia amplamente. Enquanto o acordo com a Índia prevê preferências tarifárias em cerca de 450 linhas tarifárias (SH – 8 dígitos) para cada parte, com reduções de 20% nas tarifas NMF, o acordo com Israel abrange eliminação das tarifas por Israel em cerca de oito mil linhas e em cerca de 9.400 linhas pelos membros do Mercosul.
A participação desses países na pauta exportadora brasileira é variável. Enquanto Índia e Egito têm uma participação relevante, Israel e Palestina representam um percentual ínfimo das exportações do Brasil.

Assim como os ACEs, as regras desses acordos sobre o comércio de bens também se mostram pouco elaboradas. Em grande parte dos casos, os acordos apresentam regras sobre medidas de defesa comercial, barreiras técnicas e barreiras sanitárias e fitossanitárias que apenas invocam e retomam o disposto nos acordos da OMC, sem propor nenhuma inovação15.
Em temas como propriedade intelectual, compras governamentais e os chamados novos temas, quais sejam: concorrência, meio ambiente, cláusulas sociais e investimentos; a regulação dos acordos do Mercosul é quase inexistente, havendo, quando muito, apenas cláusulas estabelecendo a cooperação entre as partes em algumas dessas áreas.
Além dos acordos assinados, alguns outros projetos de APCs foram lançados, alguns dentre os quais as negociações permanecem em andamento e outros que não apresentaram nenhum avanço recente:

Percebe-se pelo conjunto de acordos assinados e em negociação a preferência pela integração sul-sul, apenas Israel, UE e Canadá constando como exceções.
Novamente, a importância dos parceiros comerciais com os quais o Brasil negocia novos acordos varia bastante. Enquanto a União Europeia figura como uma das principais importadoras de produtos brasileiros, países como Jordânia e Paquistão têm pequena relevância para o comércio exterior do país.

A Inserção Comercial do Brasil. A partir desse cenário, a posição que o Brasil ocupa atualmente no comércio internacional é preocupante. A estratégia multilateral dá sinais de exaustão, a integração no âmbito do Mercosul se mostra cambaleante e o conjunto de países com os quais foram celebrados APCs ainda representa uma parcela pequena do total das exportações brasileiras. Especialmente no que tange à integração extra-regional, a inserção comercial brasileira por meio de APCs ainda é bastante restrita. Ademais, os acordos, à exceção do acordo com o Chile, abrangem unicamente a liberalização do comércio de bens, o comércio de serviços não sendo objeto de preferências.
Os acordos celebrados pelo Brasil também se mostram pouco ambiciosos no que concerne a elaboração de um quadro regulatório do comércio mais avançado que busque desenvolver as regras multilaterais já existentes. Estas, no cenário de impasse da Rodada Doha, correm o risco de tornarem-se insuficientes para atender às necessidades do comércio internacional no século XXI.
Em um discurso à Câmara de Deputados, o Ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, afirmou a necessidade de o Brasil firmar novos APCs a fim de garantir o acesso a mercados estrangeiros16. A mudança de posicionamento é bem vinda. É fundamental que o país modifique sua política de comércio exterior a fim de adaptar-se ao cenário que se desenhou a partir de meados dos anos 2000, com a estagnação da Rodada Doha e a proliferação de APCs, privilegiando essa última fonte de regras e garantindo seu acesso a mercados, tanto por meio de preferências tarifárias quanto pela negociação de regras de comércio internacionais favoráveis aos interesses brasileiros.
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Notas
1 - África do Sul, Botsuana, Lesoto, Namíbia e Suazilândia
2 - O termo inicialmente utilizado pela OMC para se referir a esse tipo de acordo era “Acordo Regional de Comércio”, que abrangia todo acordo bilateral, regional ou plurilateral de natureza preferencial. No entanto, com o crescente número de países interessados em aberturas comerciais recíprocas, observou-se que os acordos celebrados não mais refletiam características estritamente “regionais”, passando a representar escopo geográfico mais amplo para a negociação de preferências comerciais. Para que a nomenclatura representasse adequadamente a abrangência de tais acordos, a OMC passou a denominá-los “Acordos Preferenciais de Comércio” (APCs). World Trade Report 2011, p. 58.
3 - CRAWFORD, J.; FIORENTINO, R. The Changing Landscape of Regional Trade Agreements. WTO, Discussion Paper No. 8, 2005, p.1.
4 - No caso de APCs que incluam bens e serviços, são contabilizadas duas notificações, uma para bens e outra para serviços, ainda que se trate de apenas um acordo preferencial. WTO, Regional Trade Agreements. Disponível em http://www.wto.org/english/tratop_e/region_e/region_e.htm.
5 - BALDWIN, Richard. 21st century Regionalism: Filling the gap between 21st century trade and 20th century trade rules. WTO, Staff Working Paper ERSD-2011-08, May 2011.
6 - Atualmente participam das negociações do TPP, em conjunto com os EUA, Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Cingapura, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru e Vietnam. Japão e Coreia do Sul são outros países cuja participação nas negociações está sendo avaliada. Vide ICTSD, “Japão anuncia objetivo de ingressar na TPP”, Pontes Quinzenal, Vol. 8, n. 3, março, 2013, disponível em http://ictsd.org/i/news/pontesquinzenal/158616/
7 - World Bank Database, 2011
8 - Dados de 2011. Fonte: OMC, International Trade Statistics 2012
9 - OMC, Trade Profiles 2011
10 - OMC, Trade Profiles 2011
11 LAFER, Celso. “Brasil: dilemas e desafios da política externa”, Revista do Instituto de Estudos Avançados da USP, n. 39, 2000, p. 265
12 - Fonte: Secex. Cabe apontar que a Venezuela acedeu ao bloco em 2012, o que deve influenciar de forma positiva a participação das exportações brasileiras ao Mercosul.
13 - O Estado de São Paulo, “Brasil atrasa importação de carro argentino”, 25 de junho de 2012 (disponível em http://economia.estadao.com.br/noticias/economia,brasil-atrasa-importacao-de-carro-argentino,117211,0.htm)
14 - Os acordos com Bolívia; Colômbia, Equador e Venezuela, Israel e Egito (apresentados abaixo) prevêem apenas a negociação de uma liberalização do comércio de serviços a ser promovida no futuro.
15 - À exceção de cláusulas de salvaguardas especiais, que se diferenciam das salvaguardas gerais previstas pela OMC, mas são bastante comuns nos APCs e são encontradas nos acordos com Bolívia, Chile, Israel, Palestina, SACU, Índia, Peru, Cuba e Colômbia, Equador e Venezuela.
16 - O Estado de São Paulo, Em busca dos acordos perdidos, 20 de setembro de 2012 (disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,em-busca-dos-acordos-perdidos-,933084,0.htm)