Carta IEDI
Indústria brasileira: perda de posições mundiais em setores estratégicos
A UNIDO – Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial divulgou recentemente dados até o ano de 2017 sobre o panorama mundial da indústria de transformação, mostrando que houve um importante ganho de dinamismo do setor. Impulsionado por uma performace superior sobretudo da Europa e dos países em desenvolvimento, o valor adicionado da indústria de transformação (VTI) no mundo cresceu 3,5% em 2017, o melhor resultado dos últimos seis anos.
A evolução mundial poderia ter sido melhor não fosse a América Latina, que continua jogando contra uma aceleração da indústria mundial. Desde 2015, o VTI da região tem declinado e 2017 não foi diferente, à exceção do fato de que a queda se tornou menos intensa: -0,3% frente a 2016. Segundo a UNIDO, as causas por trás deste desempenho incluem redução dos preços das commodities, a recessão da economia brasileira e o declínio de sua indústria.
Nunca é demais frisar que a participação do valor adicionado da indústria de transformação brasileira chegou a meros 11,7% do PIB nacional em 2017 e que, em termos per capita, caiu 14,6% entre 2010 e 2017, a preços constantes, segundo dados da UNIDO. Diante de tantas adversidades que o setor tem encontrado e desta trajetória cadente, o resultado não poderia ser outro que não uma perda sistemática de sua participação no VTI mundial. Entre 2005 e 2017, o peso da indústria de transformação brasileira no mundo regrediu de 2,9% para 2,0%, a maior parte (-0,7 p.p.) disso só nos últimos sete anos.
Apesar desta involução, o Brasil tem se mantido entre as dez maiores potências industriais do globo. Depois de cairmos da 6ª para a 9ª posição entre 2014 e 2016, conseguimos manter nossa posição em 2017. Este, porém, não foi crédito do país, já que o ranking das principais nações industriais não se alterou entre 2016 e 2017. Nas cinco primeiras colocações continuam aparecendo China (24,8% do VTI mundial), EUA (15,3%), Japão (9,1%), Alemanha (6,3%) e Índia (3,3%).
Se a trajetória de perda de participação brasileira na indústria mundial já é muito preocupante, há outro aspecto dos dados da UNIDO que sinaliza para uma situação ainda mais grave. O Brasil vem desmontando sua posição nos setores industriais de maior intensidade tecnológica, justamente em um momento em que tais setores têm ganho dinamismo no mundo, em função da emersão da indústria 4.0.
Segundo a UNIDO, entre 2005 e 2015, a relação entre o valor adicionado das indústrias de média e alta intensidade tecnológica e o da indústria total cresceu na maioria das economias em desenvolvimento, apesar de diferenças significativas entre os países individualmente. O Brasil surge como uma das exceções mais dramáticas, pois essa relação caiu de mais de 50% em 1995, para cerca de 34% em 2000, mantendo-se praticamente estável desde então.
Um setor-chave para esse grupo de média e alta tecnologia e base para a indústria 4.0, de acordo com a UNIDO, é o de Computadores, eletrônicos e produtos óticos. Neste caso, enquanto a China alcançou a liderança nesse segmento, com 28% do VTI mundial, ultrapassando os Estados Unidos e o Japão, o Brasil foi perdendo espaço. Dentre os países emergentes exceto China, a posição brasileira neste setor regrediu da 2ª para a 4ª colocação, com perda de participação de 13,6% para 7,2%.
O descompasso brasileiro fez com que, entre 2010 e 2016, o país deixasse de constar na lista dos 15 maiores produtores do setor de Computadores, eletrônicos e produtos óticos. E este não foi o único caso. Na indústria Farmacêutica, que também é um setor de elevada intensidade tecnológica, o Brasil perdeu posição e não se encontra mais entre os 15 maiores. Outros setores em que o país recuou no ranking incluem Equipamentos elétricos, Máquinas e equipamentos e Veículos automotores (menos 3 posições cada).
Em direção oposta, o Brasil melhorou sua colocação no ranking de Produtos de madeira (de 11º para 9º maior produtor) e Impressão e publicação (de 11º para 8º) – cujo valor adicionado, neste último caso, vem francamente declinando no mundo, especiamente nos países industrializados. Vale mencionar ainda que o Brasil figurava entre os 5 maiores produtores nos setores de Couro (4ª posição), Coque e refino de petróleo (5ª posição) e Alimentos (5ª posição).
O perfil dos setores industriais em que estamos sendo rebaixados no ranking mundial vis-à-vis o perfil daqueles em que estamos ascendendo ou ainda daqueles em que ocupamos posições de liderança inconteste, como visto acima, é mais uma maneira de verificar a especialização do Brasil em ramos industriais de menor valor adicionado ou baseados em nossas riquezas naturais. Este é um processo preocupante que tem acompanhado a perda de participação do país na indústria mundial.
Panorama da indústria de transformação mundial
Relatório da UNIDO traz como destaque o crescimento da indústria mundial, que mostrou sinais claros de recuperação em 2017, revertendo a tendência de queda dos anos anteriores. A recuperação se mostrou clara especialmente no países desenvolvidos – com destaque para a Europa – mas também nos países emergentes. O valor adicionado da indústria de transformação cresceu 3,5% em 2017, meio ponto percentual acima da média dos últimos 3 anos (2,7% em 2016, 3,1% em 2015 e 3,3% em 2014) e o maior valor nos últimos 6 anos. A UNIDO destaca, ainda, o ambiente global favorável, especiamente no mercado financeiro, em conjunto com a estabilização dos preços das commodities como fatores positivos para a recuperação da demanda global e do crescimento da economia sobretudo no setor de manufaturados.
Avaliando a economia europeia em 2017, observa-se uma redução na taxa de desemprego, um crescimento sólido dos investimentos e elevação da confiança do consumidor, todos com impacto positivo sobre a demanda doméstica para produtos manufaturados, adicionados aos baixos preços de energia e inflação estabilizada. O valor adicionado da indústria europeia cresceu 2,7% em 2017, acima dos 2,1% de crescimento em 2016. As economias industrializadas do Leste Asiático também apresentaram recuperação substancial, de 2,6% em 2017, tendo sido 1,9% em 2016.
Quando observadas as economias emergentes, excluíndo China, a evolução da produção de manufaturas é ainda mais expressiva comparativamente às economias desenvolvidas, apresentando crescimento acima da média mundial. Entretanto, esse aumento não vem da América Latina, que tem apresentado queda consistente na taxa de crescimento do VTI a partir de 2013, com resultados negativos desde 2015. O relatório enfatiza justamente a queda dos preços das commodities e o declínio da economia brasileira – maior economia da região – como fatores-chave para o retrocesso da produção industrial neste grupo de países. Ainda assim, 2017 apresentou sinais de reação, interrompendo a tendência de queda na variação do valor adicionado industrial. O resultado em 2017 foi de -0,3%, versus -3,7% observados em 2016.
A edição 2018 do relatório da UNIDO também traz importante destaque para indústria de tecnologia. A relação entre inovação, mudança tecnológica e indústria tem sido cada vez mais reconhecida, de maneira que muitos países emergentes têm pautado objetivos para o upgrade tecnológico.
Comparando um período de dez anos (2015 versus 2005), a relação entre o valor adicionado das indústrias de média e alta intensidade tecnológica e o da indústria total cresceu na maioria dos países em desenvolvimento, apesar de diferenças significativas entre os países individualmente. Por exemplo, destaca-se o movimento do Vietnã, que saiu de 25% em 2005 para 40% em 2015 na relação das indústrias de média e alta tecnologia sobre a indústria total. Outros países como Índia e México tiveram pequeno declínio ou mantiveram essa relação basicamente inalterada. A indústria de transformação brasileira é uma das exceções mais dramáticas, pois essa relação caiu de mais de 50% em 1995, para cerca de 34% em 2000, mantendo-se praticamente estável em 2016.
Mas quando se toma o perfil das exportações, percebe-se que embora o percentual das manufaturas sobre o total tenha caído consideravelmente de 1995 para 2016 (de aproximadamente 76% em 1995 e 2000 para 61% em 2016), a participação das manufaturas de média e alta intensidade tecnológica nas exportações totais da indústria de transformação cresceu de 38% para 43% entre 1995 e 2016. Entretanto esta parcela chegou a atingir quase 50% em 2000, revelando a perda de intensidade tecnológica da indústria de transformação brasileira tanto na estrutura produtiva quanto comercial ao longo dos anos 2000 e 2010.
A indústria chave para esse grupo de média e alta tecnologia, afirma a UNIDO, é a produção de Computadores, eletrônicos e produtos óticos, sendo esta a base para a nova revolução industrial da indústria 4.0. Na última década a China alcançou a liderança nesse segmento, com 28% do valor adicionado total mundial, seguida de Estados Unidos e Japão.
A China também manteve seu destaque no ranking dos países líderes no valor adicionado da produção industrial, permanecendo na primeira colocação já observada desde 2010, inclusive apresentando aumento na sua participação da indústria de transformação no mundo. O ranking mundial dos maiores produtores de manufaturas se manteve estável versus 2016. Sendo assim, os 15 primeiros colocados mantiveram suas posições inalteradas versus 2016 (China 24,8%; EUA 15,3%, Japão 9,1%; Alemanha 6,3% e Índia 3,3%), sendo que os EUA perdeu participação (-0,3%). O Brasil permaneceu na 9ª posição, com ligeira queda de sua parcela no VTI mundial em relação a 2016. Ainda assim está abaixo da participação apresentada há uma década (quase 3% do VTI mundial em 2005 versus 2% em 2017).
Desempenho mundial dos setores industriais
Observando-se as divisões industriais, o desempenho mundial manteve-se em melhor patamar nos últimos 6 anos quando comparados ao quinquênio 2005-2010. O principal destaque está em Veículos automotores, que apresentou crescimento de 4,3% entre 2010-2016, versus recúo de -1,6% entre 2005-2010. Os demais setores com maior crescimento entre 2010-2016 foram Computadores, eletrônicos e equipamentos óticos (3,8%), Metais básicos (3,4%), Farmacêuticos (3,2%) e Produtos minerais não-metálicos (3,2%). Desses, somente Computadores teve performance aquém da apresentada no quinquênio 2005-2010, quando obteve crescimento de 4,4%. Em linhas gerais, o crescimento do VTI é observado em todas indústrias exceto impressão e publicação (-0,6%).
Entre os grupos de países, as variações positivas mais significativas para os setores acima citados ficaram entre os países menos desenvolvidos e outras economias em desenvolvimento. A indústria de Veículos automotores por exemplo cresceu 13,0% no período 2010-2016 nos países menos desenvolvidos versus 3,6% nas economias industrializadas e 2,8% nas economias industriais emergentes. Também se destacaram no grupo de países menos desenvolvidos Outros equipamentos de transporte (14,5%), Alimentos (11,9%), Outros manufaturados (11,7%) e Farmacêuticos (11,4%). Já no grupo das economias desenvolvidas, os destaques positivos foram para as divisões de Veículos automotores (3,6%), Computadores, eletrônicos e produtos óticos (1,8%),
Outros equipamentos de transporte (1,4%), Farmacêuticos (1,4%) e Bebidas (1,3%). Os piores desempenhos por indústrias também ficaram concentrados no grupo de países desenvolvidos, com destaque negativo para Vestuário (-3,3%), Produtos de tabaco (-3,1%) e Impressão e publicação (-1,9%). Inclusive, Vesturário registrou um dos piores desempenhos no quinquênio 2005-2010 neste grupo de países, ao lado de Têxteis, com variação de -7,5% e -8,3% respectivamente.
Nas economias industriais emergentes – grupo que inclui o Brasil – os destaques positivos no período 2010-2016 foram os setores Farmacêuticos (4,7%), Químicos e produtos químicos (3,2%), Veículos automotores (2,8%), Alimentos (2,8%) e Produtos minerais não-metálicos (2,7%). Ressalta-se que apenas os setores de Computadores e Têxteis tiveram retração no período, de -1,6% e -0,5% respectivamente.
Com relação à participação no valor adicional total mundial, apontam-se variações importantes nas indústrias que compõem os maiores pesos na produção mundial, tanto nos países desenvolvidos quando nos em desenvolvimento e menos desenvolvidos. Reforçando a tendência observada, o setor de Computadores, eletrônicos e produtos óticos saiu de 7,3% de participação em 2005 para 9,8% em 2016, sendo o segundo maior setor em participação nos países desenvolvidos – atrás apenas de Alimentos (10,7%) – ultrapassando Veículos automotores e Máquinas e equipamentos.
Mesmo para o grupo de países em desenvolvimento e menos desenvolvidos, onde aproximadamente 32% da produção está concentrada nos setores de Alimentos, Metais básicos e Produtos químicos, o setor de Computadores passou a figurar na 4ª colocação, com 7,1% da participação. Em 2005, sua parcela era de 5%, na 7º colocação. O destaque negativo, ainda no grupo de países em desenvolvimento e menos desenvolvidos, ficou com a indústria de Coque e refino de petróleo, que saiu da 4ª posição (7,4% de participação) para a 9ª colocação (4,8% de participação).
A China, mais uma vez, ocupou o posto de maior produtor industrial, mantendo-se entre os 3 primeiros em todos os 22 setores industriais e na 1ª colocação em 10 deles. Os Estados Unidos manteve a liderança nos demais 12 setores industriais. Observando os países emergentes exceto China, Indonésia destacou-se com a ascenção em indústrias importantes, ultrapassando inclusive o Brasil como maior produtor em Alimentos e Artigos de Couro. No setor de Computadores, eletrônicos e produtos óticos, Tailândia manteve a liderança na produção entre os países em desenvolvimento exceto China, com 26,6% de participação. Nesse setor, destaca-se a evolução das Filipinas (saindo de 13% em 2005 para 18,9% em 2016) além das Indonésia (de 8,5% para 9,8%). Ainda em Computadores, eletrônicos e produtos óticos, o Brasil saiu da 2ª para a 4ª colocação (de 13,6% para 7,2% da participação total dos países em desenvolvimento, exceto China). Vale destacar que o Brasil perdeu 10 posições de liderança no ranking por indústria quando comparado a 2010, mantendo a primeira colocação apenas no setor de Papel e de Impressão e publicação.
O desempenho da indústria de transformação do Brasil comparativamente ao mundo
A UNIDO classifica o Brasil como uma Economia Industrial Emergente de renda média-alta. Em 2018, ocupa a 35ª posição no ranking de competitividade industrial (Competitive Industrial Performance Index), o qual contempla 150 países. O valor adicionado das manufaturas em 2017 representou 11,7% do PIB brasileiro, sendo que o valor per capita reduziu de US$ 1.428 em 2010 para US$1.220 em 2017 (a preços constantes 2010), muito próximo à média dos países de renda média-alta (US$1.190) e quase 30% abaixo da média mundial (US$ 1.708). O VTI brasileiro per capita decresceu 1,8% ao ano entre 2010 e 2016, vis-à-vis uma expansão de 1,5% nas economias industriais emergentes e de 1,8% no mundo. O Brasil voltou a apresentar redução na sua proporção do VTI entre o grupo de países de renda média-alta, passando para 19,2% em 2017. Este valor era de aproximadamente 24% entre 2005 e 2010.
Mantiveram-se como as maiores participações na indústria de transformação os setores tradicionais da economia brasileira: Alimentos (22,6%), Produtos químicos (14,0%), Máquinas e equipamentos (7,8%) e Veículos automotores (6,2%). O setor de Coque, petróleo refinado e combustível nuclear, que em 2015 figurava na 2ª colocação com 10% de participação caiu para 6º lugar (6,2%) em 2016, sendo ultrapassado inclusive pelo setor de Metais básicos (6,2%). Os três primeiros colocados mantiveram tendência e tem aumentado sua participação no valor adicionado total versus 2005, enquanto os demais tiveram seu peso reduzido. O setor de Coque e petróleo refinado apresentou maior redução em proporção ao total (de 12,3% em 2005 para os 6,2% acima citado).
Contudo, os dados apresentados pela UNIDO mostram a forte retração em 2015 (última atualização) em todos os setores da indústria quando comparados a 2014. A exceção ficou com o setor de Papel, único a se manter estável em comparação ao ano anterior. O setor que apresentou maior retração foi o de Computadores, eletrônicos e equipamentos óticos (ISIC 26), caindo 28 pontos na série comparativa (2010 = base 100) versus 2014. Destaca-se também a forte retração dos setores de Veículos automotores (21 pontos em 2015 versus 2014) e Máquinas e equipamentos (14 pontos). Se comparados com o período em que a produção da indústria de transformação alcançou seus níveis mais elevados (2010, 2011 e 2013), o setor de Veículos acumula redução de 42 pontos na base. Efeito equivalente se observa nos setores de Computadores (redução de 39 pontos) e Máquinas e equipamentos (redução de 21 pontos). O setor de Têxteis, que já apresentava tendência de redução acentuada comparativamente aos seus melhores anos da série, perdeu 36 pontos de 2010 a 2015.
Esses dados também se refletem na perda de posições no ranking dos maiores produtores mundiais por setor. Mais uma vez, os setores do Brasil que mantiveram ou melhoraram suas posições no ranking foram Papel (mantido na 6ª colocação), Outros equipamentos de transporte (12ª colocação), Produtos de madeira (de 11º para 9º maior produtor) e Impressão e publicação (de 11º para 8º). Este último, conforme já mencionado, tem apresentado franco declínio no valor adicionado mundial especiamente nos países industrializados.
Em todos os demais setores, em 2016 o Brasil perdeu ao menos uma posição quando comparados ao ranking em 2010, sendo as maiores quedas apresentadas em Borracha (5 posições), Têxteis, Vestuário e Outras manufaturas (4 posições cada). Ainda assim o Brasil figurava entre os 5 maiores produtores nos setores de Couro (4ª posição), Coque e Refino de petróleo (5ª posição) e Alimentos (5ª posição), porém o país não constava entre os 15 maiores produtores somente nos setores de Computadores e Farmacêuticos.