Carta IEDI
A indústria em setembro: crescimento em meio a dificuldades
Não é de hoje que a indústria brasileira voltou a viver uma fase recessiva. Em setembro de 2019, o setor completou quatro trimestres consecutivos de queda na produção, ou seja, o retrocesso recente fez aniversário. É verdade que as trajetórias de recuperação não são lineares e podem ser pontuadas por momentos adversos, mas a duração desta sequência de resultados negativos sugere um acúmulo de obstáculos ao crescimento industrial.
Embora setembro tenha registrado variação de +0,3% frente a agosto com ajuste sazonal e +1,1% ante set/18, ajudado por um efeito calendário positivo (dois dias úteis a mais), o desempenho no 3º trimestre de 2019 foi de -1,2% em comparação com um ano atrás. No acumulado de janeiro a setembro a perda de produção chegou a -1,4%.
Para além do conjunto de distorções de nosso ambiente econômico, que tanto prejudicam a competitividade e a produtividade da indústria e que devem ser equacionados somente no médio e longo prazo pelas reformas estruturais, há outros fatores pontuais ou sistêmicos que têm bloqueado o crescimento da indústria em 2019.
Aspectos específicos bastante negativos têm sido os efeitos do desastre de Brumadinho e a profunda crise da economia argentina. Os principais afetados são o ramo extrativo e a indústria automobilística. No primeiro caso, há queda desde o início do ano, acumulando variação de -9,8% em jan-set/19. Agora em setembro, embora o pior já tenha passado, registrou -2,7% ante set/18.
A produção de veículos, graças a certo dinamismo do mercado doméstico, não chega a retroceder, acumulando variação de +2,7% em jan-set/19, com crescimento de +6,9% ante set/18 e +4,3% ante ago/19. Apesar disso, tem apresentado forte oscilação qualquer que seja a comparação utilizada, o que denota a fragilidade de seu dinamismo, que está longe dos patamares que apresentava em 2018 (+12,7% em jan-dez/18).
Entretanto, não é apenas nestes ramos que a recuperação perdeu força. Dos vinte e cinco segmentos da indústria de transformação, 63% ficaram no vermelho no 3º trim/19. São 56% nesta situação no acumulado jan-set/19, ou seja, mais da metade do setor.
Esta profusão de sinais negativos sugere problemas mais sistêmicos, como o elevado nível de desemprego e do perfil das novas ocupações que têm sido criadas, basicamente informais e de baixo rendimento, e a desaceleração do comércio internacional e do PIB mundial, em função dos conflitos entre EUA e China.
Além disso, há também o frequente surgimento de novas fontes de incerteza, com origem tanto no cenário internacional como na esfera política doméstica, dificultando uma reação mais consistente do investimento, já muito prejudicado pela elevada ociosidade do parque produtivo e por mudanças nos tradicionais mecanismos de financiamento de longo prazo do país.
Com isso, 2019 vai se firmando como um ano negativo para a indústria. As expectativas do mercado para a produção física do setor, segundo o Boletim Focus/BCB, vêm sendo recorrentemente reduzidas e chegaram a -0,73% para jan-dez.
Para que esta expectativa seja atingida, como o IEDI vem argumentando, meses com desempenho positivo devem marcar o último trimestre do ano. Há alguns indícios de que isso possa vir de fato acontecer, como, por exemplo, as avaliações dos empresários industriais sobre a situação atual de seus negócios em out/19 que apontaram melhora. A redução dos níveis de juros, a expansão do crédito e a liberação dos recursos do FGTS serão fatores positivos nesta virada de ano, assim como a reação do setor da construção urbana.
Resultados da Indústria
Em setembro de 2019, a produção industrial variou +0,3% na comparação com o mês anterior, já descontados os efeitos sazonais, bem abaixo do crescimento de +1,2% registrado em agosto nesta mesma comparação. Deste modo, atingiu-se no novo mês do ano o nível de produção voltou praticamente ao mesmo patamar em que se concentrava em dez/18. Em resumo, a indústria permanece com um desempenho restringido nesta segunda metade de 2019.
O resultado da indústria em comparação com o mesmo período do ano anterior, por sua vez, foi positivo em setembro de 2019: +1,1%, interrompendo uma sequência de três meses seguidos de retração. Este avanço, contudo, foi influenciado por um efeito calendário favorável, já que set/19 teve dois dias úteis a mais do que set/18. Em consequência, o saldo geral no acumulado de 2019 permaneceu negativo, mas houve uma atenuação ao passar de -1,7% em jan-ago para -1,4% em jan-set, frente ao mesmo período do ano anterior. Ou seja, 2019 vai se firmando como um ano de interrupção na trajetória de recuperação da indústria.
Em relação aos macrossetores, na comparação com agosto de 2019, descontados os efeitos sazonais, os resultados foram desfavoráveis apenas para bens de capital, cuja produção caiu -0,5%; todos os demais cresceram. Bens de consumo duráveis foi quem mais avançou ao registrar +2,3%. Bens de consumo semi e não duráveis e intermediários tiveram um dinamismo muito mais fraco: +0,5% e +0,2%, respectivamente.
Na comparação de setembro de 2019 com setembro de 2018, variações positivas pontuaram todos os macrossetores industriais. A alta mais intensa ficou igualmente por conta de bens de consumo duráveis, que registraram +8,7%, sendo seguidos muito distantemente por bens de consumo semi e não duráveis (+1,9%) e bens de capital (+0,7%). Bens intermediários ficaram praticamente estáveis em relação a um ano atrás: +0,1%.
Em setembro de 2019, o avanço interanual de +8,7% em bens de consumo duráveis foi particularmente impulsionado pela expansão na fabricação de automóveis (+4,9%) e de eletrodomésticos da “linha branca” (+15,9%) e da “linha marrom” (+10,9%). Vale citar também o crescimento da produção de motocicletas (+16,4%), móveis (+14,0%) e outros eletrodomésticos (+4,8%).
Bens de consumo semi e não-duráveis registrou alta de +1,9% ante set/18 devido, em grande parte, ao desempenho favorável no grupamento de alimentos e bebidas elaborados para consumo doméstico (+2,9%), mas também aos resultados positivos de semiduráveis (+5,1%) e de carburantes (+5,0%). Em sentido oposto, o subsetor de não-duráveis (-4,9%) apontou a única taxa negativa nessa categoria.
Bens de capital, por sua vez, variaram +0,7%, sob influência positiva de bens de capital para fins industriais (+10,3%), impulsionado, principalmente, pelos bens não-seriados (+51,9%), já que os bens seriados (+1,9%) apontaram crescimento mais moderado; bens de capital de uso misto (+1,5%) e para energia elétrica (+0,5%). Por outro lado, os impactos negativos vieram de bens de capital agrícolas (-15,2%), equipamentos de transporte (-0,3%) e construção (-2,8%).
Já a virtual estabilidade (+0,1%) do macrossetor de bens intermediários, depois de três taxas negativas consecutivas, se deu sob impacto favorável de produtos associados às atividades de coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (+6,1%), veículos automotores, reboques e carrocerias (+11,5%), produtos alimentícios (+5,8%), produtos de metal (+5,8%), máquinas e equipamentos (+3,5%) e produtos têxteis (+1,1%). As pressões negativas vieram metalurgia (-6,6%), indústrias extrativas (-2,7%), celulose, papel e produtos de papel (-8,5%), outros produtos químicos (-2,5%) e produtos de minerais não-metálicos (-0,9%), entre outros.
No acumulado de janeiro-setembro de 2019, em que a indústria geral caiu -1,4% em relação ao mesmo período do ano anterior, apenas o macrossetor de bens intermediários ficou no vermelho (-2,4). Bens de capital e bens de consumo duráveis cresceram +0,7% e +1,6%, respectivamente. Bens consumo semi e não duráveis também chegaram a crescer, mas muito pouco (+0,4%).
Por dentro da Indústria de Transformação
O crescimento de +0,3% da produção industrial geral em setembro de 2019 ante agosto, já realizado o ajuste sazonal, foi acompanhada de variação de +0,9% na indústria de transformação, compreendendo o segundo mês consecutivo de crescimento depois de uma série de quatro resultados adversos. O ramo extrativo, a seu turno, registrou variação de -1,2% nesta comparação, interrompendo uma sequência de bons resultados no período de maio a agosto.
Em relação a setembro de 2018, apenas o desempenho da indústria de transformação acompanhou a indústria geral (+1,1%) e cresceu +1,6%. O ramo extrativo apresentou sua oitava taxa negativa: -2,7%. Vale lembrar que setembro de 2019 contou com um efeito calendário favorável, já que teve dois dias úteis a mais do que set/18.
Frente a agosto de 2019, na série com ajuste sazonal, o acréscimo de +0,3% da indústria geral foi acompanhado por 11 dos 26 ramos pesquisados, todos pertencentes à indústria de transformação. Ou seja, menos da metade do setor ficou no azul. Entre as atividades, as principais influências positivas foram registradas por veículos automotores, reboques e carrocerias (+4,3%); confecção de artigos do vestuário e acessórios (+6,6%); bebidas (+3,5%); produtos de metal (+3,7%); móveis (+9,4%); equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos (+3,0%), entre outros. Entre os quatorze ramos que reduziram a produção, os desempenhos de maior impacto foram: impressão e reprodução de gravações (-28,6%); máquinas e equipamentos (-2,8%), produtos farmoquímicos e farmacêuticos (-4,6%), coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (-0,8%) e produtos do fumo (-7,7%), além do ramo extrativo (-1,2%), dentre outros.
Na comparação com igual mês do ano anterior, em que a indústria geral apresentou crescimento de +1,1% na produção, variações positivas marcaram o desempenho de 13 dos 26 ramos, 46 dos 79 grupos e 51,9% dos 805 produtos pesquisados. Cabe lembrar mais uma vez que setembro de 2019 (21 dias) teve dois dias úteis a mais do que igual mês do ano anterior (19). As maiores influências positivas vieram de: coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (+5,7%); veículos automotores, reboques e carrocerias (+6,9%); produtos alimentícios (+3,2%); bebidas (+10,4%); produtos de metal (8,1%), equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos (+9,0%), entre outros. Em sentido oposto, entre as atividades que apontaram redução na produção, as principais influências foram registradas por metalurgia (-6,6%); celulose, papel e produtos de papel (-7,0%); produtos farmoquímicos e farmacêuticos (-9,1%); e outros produtos químicos (-2,5%), além do ramo extrativo (-2,7%), entre outros.
Exportação
Segundo os dados da Funcex, divulgados pelo IBGE conjuntamente com os resultados da produção industrial, o quantum das exportações de manufaturados no mês de setembro de 2019 cresceu +19,5%, frente ao mesmo período do ano anterior. Apesar disso, o desempenho acumulado nos 9 meses do ano continua negativo: -4,8% ante o mesmo período do ano passado, isto é, uma realidade bastante diferente do acumulado jan-set/18, quando as exportações de manufaturados cresciam +2,5%. O revés exportador da indústria tem sido um componente da recente etapa recessiva pela qual o setor tem passado.
Por sua vez, as importações em quantum de matérias-primas para a indústria avançaram +13,4% na comparação com setembro de 2018. O resultado acumulado em janeiro-setembro de 2019 é positivo em +6,3%, passando a apresentar um patamar superior ao do acumulado jan-set/18 (+5,4%).
Utilização de Capacidade
O nível de utilização da capacidade instalada da indústria de transformação, de acordo com a série da FGV com ajustes sazonais, foi de 75,5% em setembro de 2019, registrando queda de -0,3 ponto percentual em relação a agosto. O indicador encontra-se abaixo do nível de set/18 (76,7%) e continua longe de sua média histórica, que é de 80%.
Já o indicador da CNI, ficou estável na passagem de agosto para setembro, mantendo o patamar de 78%. Tal como ocorre no caso do indicador da FGV, a utilização aferida pela CNI permanece razoavelmente abaixo da média histórica do indicador, iniciado em jan/03, e que é de 80,8%.
A permanência da utilização da capacidade em níveis historicamente baixos e sem uma trajetória inconteste de acentuada melhora não é um indício favorável para a evolução futura do investimento, isso porque máquinas e equipamentos atualmente ociosos deverão ser postos em funcionamento antes de os empresários pensarem em ampliar sua capacidade de produção. Em contrapartida, a existência de capacidade ociosa significa que existem plenas condições de oferta para garantir uma recuperação da atividade econômica sem pressões inflacionárias.
Estoques
De acordo com os dados da Sondagem Industrial da CNI, os estoques de produtos finais da indústria em setembro de 2019 assinalaram índice de 50,4 pontos, implicando uma elevação frente ao patamar de agosto (50,1 pontos). Valores inferiores a 50 pontos indicam redução de estoques e acima desta marca, aumento de estoques. No caso do segmento da indústria de transformação, o indicador registrou 50,5 pontos (+0,3 ponto frente a ago/19) e na indústria extrativa ficou em 51,2 pontos (+3,4 pontos frente a ago/19).
Na avaliação dos empresários, os estoques efetivos da indústria geral continuaram acima do nível planejado (isto é acima de 50 pontos), atingindo o patamar de 51,4 pontos em setembro de 2019. Este tem sido o padrão desde março de 2018, à exceção de dez/18, quando ficou em 48,9 pontos. No caso do setor extrativo e no caso da indústria de transformação, o indicador de satisfação dos estoques ficou em 50 pontos e em 51,5 pontos, respectivamente.
No grupo industrial da indústria de transformação, 12 dos 26 ramos acompanhados pela CNI tiveram estoques iguais ou menores do que o planejado (50 pontos) em setembro de 2019. Dentre estes, estão os ramos de outros equipamentos de transporte (38,6 pontos), alimentos (45,7 pontos), madeira (46,1 pontos), veículos automotores (47,9 pontos), entre outros. Em contraste, ficaram com estoques efetivos acima do planejado em setembro os setores de couros (59,8 pontos), informática e eletrônicos (57,5 pontos), têxteis (55,3 pontos) e calçados (55,1 pontos), entre outros.
Confiança e Expectativas
Diante da patente desaceleração do crescimento da produção industrial, que se transformou em nova retração no acumulado do ano em 2019, a confiança do empresariado industrial, segundo o Índice de Confiança do Empresário da Indústria de Transformação da CNI (ICEI), começou a ser corrigida para baixo no mês de março de 2019 registrando pouca melhora desde então. Em setembro registrou 59,5 pontos e em outubro, 59,4 pontos. Por se encontrar acima da marca de 50 pontos, este indicador continua registrando otimismo dos empresários, embora menor do que no final do ano passado (acima de 60 pontos de nov/18 a mar/19).
O desempenho da confiança em outubro do presente ano resultou de melhora de seu componente de avaliação das condições atuais dos negócios, apesar do retrocesso das expectativas em relação ao futuro. No primeiro caso, o indicador registrou a marca de 52,4 pontos, uma alta de +0,6 ponto frente a setembro. Este resultado traz boas perspectivas para o décimo mês do ano. O componente do ICEI-CNI de expectativas em relação ao futuro sofreu leve redução de 63,3 pontos em setembro para 62,9 pontos em outubro (-0,4 ponto). Neste caso, o quadro permanece sendo de otimismo, dados os níveis acima de 50 pontos.
O Índice de Confiança da Indústria de Transformação (ICI) da FGV, que vem desde junho do ano passado na região que indica pessimismo dos empresários (abaixo dos 100 pontos), regrediu em outubro para 94,6 pontos, isto é, -1,0 ponto percentual em relação ao nível de setembro.
Neste caso, o resultado do ICI-FGV em outubro foi condicionado mais por seu componente de expectativas em relação ao futuro, que evoluiu de 95,2 pontos em setembro para 93,9 em outubro, e menos devido a seu componente Índice da Situação Atual, que passou de 95,9 pontos em setembro para 95,4 pontos em outubro.
Outro indicador frequentemente utilizado para se avaliar a perspectiva do dinamismo da indústria é o Purchasing Managers’ Index – PMI Manufacturing, calculado pela consultoria Markit Financial Information Services. Depois de seu nível ter caído abaixo da linha de 50 pontos pela primeira em vez desde jun/18, em julho de 2019 (49,9 pontos), apresentou reação a partir de agosto. Em outubro, ficou em 52,2 pontos, o que representa um declínio de -1,2 ponto em relação a setembro. Vale lembrar que valores acima de 50 pontos sugerem melhora das condições de negócio e abaixo desta marca, piora.
Os indicadores de confiança acima mencionados, notadamente seu componente referente às avaliações dos negócios correntes, sugerem que o desempenho industrial em outubro fique próximo daquele de setembro. Com isso, a segunda metade do ano pode vir assegurar alguma reação, reduzindo um pouco a queda da produção acumulada no ano até setembro de 2019. Porém, 2019 deve continuar significando uma interrupção da recuperação industrial.
Anexo Estatístico
Mais Informações
Tabela: Produção Física - Subsetores Industriais
Variação % em Relação ao Mesmo Mês do Ano Anterior (clique aqui)