Carta IEDI
Expectativas frustradas
Novembro de 2019 foi um mês frustrante para a maioria dos grandes setores econômicos. A indústria interrompeu uma sequência de três meses de crescimento e registrou sua segunda maior queda do ano passado. Os serviços ficaram estagnados e mesmo o comércio varejista, que vinha apresentando uma recuperação mais consistente, não escapou de apresentar declínio em seu conceito ampliado.
Perdeu-se, assim, uma oportunidade de reforçar o nível de atividade econômica na passagem de 2019 para 2020. Para a indústria, isso implica um nível maior de perdas no acumulado do ano passado, para os demais, contribui para manter o quadro de baixo dinamismo. Deste modo, tudo indica que a recuperação do PIB não ganhou qualidade, permanecendo fraco e irregular.
Frente a outubro, já descontados os efeitos sazonais, a produção industrial foi quem mais retrocedeu: -1,2%, seguida pelas vendas reais do varejo ampliado, que inclui os segmentos de veículos, autopeças e material de construção, com -0,5%. Vale notar que em seu conceito restrito, o comércio aumentou suas vendas em +0,6% nesta comparação, mas metade de seus ramos não cresceram. O faturamento real de serviços, a seu turno, variou -0,1%.
Apesar de todas essas quedas, o indicador IBC-Br do Banco Central surpreendeu ao registrar uma variação positiva, de +0,18%, na passagem de outubro para novembro, já descontados os efeitos sazonais.
Na indústria, o desempenho adverso em nov/19 veio acompanhado de uma grande disseminação de sinais negativos, atingindo 61% de seus ramos e 71% de seus parques regionais. Todos os macrossetores reduziram produção em relação ao mês anterior, inclusive aqueles que mais distantes se encontram dos patamares anteriores à crise de 2014-2016, como bens de consumo duráveis (-2,4%, com ajuste) e bens de capital (-1,3%).
Do ponto de vista regional, o declínio da produção industrial concentrou-se nos principais parques do país. São Paulo, por exemplo, recuou -2,6% ante out/19, ou seja, a um ritmo duas vezes mais intenso que o total Brasil, consistindo no seu pior resultado na série com ajuste sazonal desde set/18. Polos industriais importantes, como Rio Grande do Sul e Minas Gerais, além do Nordeste, ficaram igualmente no vermelho.
No comércio, não se confirmaram as expectativas de um reforço das vendas devido às promoções da Black Friday e à liberação dos recursos do FGTS. O que era para ser um mês forte, acabou em queda, embora permaneça o setor que mais taxas positivas apresentou ao longo de 2019. Segmentos mais dependentes do emprego e da renda corrente, como alimentos, vestuário e calçados, não saíram do lugar.
Mesmo os ramos do comércio com vendas alavancadas pelo crédito não foram muito bem e parecem estar passando, recentemente, por uma acomodação depois de terem apresentado taxas mais robustas de crescimento. São os casos de veículos e autopeças (-1%), material de construção (+0,1%) e móveis e eletrodomésticos (+0,5%)
A estabilidade dos serviços, por sua vez, representou um mês desperdiçado, já que voltou a crescer só em 2019, embora em um ritmo muito fraco. E isto porque sua recuperação segue incompleta. O segmento de transportes, que representa algo como 1/3 do setor como um todo, registrou -0,7% em nov/19 frente a out/19, com ajuste, é o único que ainda acumula retração no acumulado de jan-nov/19 (-2,6% ante jan-nov/18).
Este entrave à recuperação dos serviços não existiria, ou ao menos seria menos importante, se a indústria, que é grande demandante de serviços de transporte, não tivesse incorrido em um período recessivo na maior parte do ano passado.
Indústria
Para a indústria, o resultado negativo de novembro apurado pelo IBGE indica que o setor ainda não conseguiu melhorar seu atual padrão de desempenho. Quando consegue engatar uma sequência de meses de crescimento, o que tem ocorrido muito raramente, isso dura pouco tempo. Não foi diferente neste final de 2019.
Na passagem de outubro para novembro, já descontados os efeitos sazonais, a produção da indústria geral recuou -1,2%, sendo acompanhada por 16 dos 26 dos seus ramos (61% do total) e por 11 das 15 localidades acompanhadas pelo IBGE, o que representa 71% das indústrias regionais. Ou seja, além de bastante intensa, a parada brusca foi geral e não explicável por resultados pontuais.
Os macrossetores que mais distantes estão de suas melhores marcas, isto é, bens de capital e bens de consumo duráveis sofrerem quedas das mais agudas em nov/19: -2,4% e -1,3% ante out/19, respectivamente.
Bens intermediários, que representam o núcleo do sistema industrial, registraram o segundo maior declínio em nov/19, o que contribuiu para que ficassem 17,5% abaixo de seu pico de mai/11. Bens de consumo semi e não duráveis foram os que menos caíram, mas ainda assim estão a 9,3% aquém do auge de seu nível de produção obtido em jun/13.
Regionalmente, as quedas foram particularmente fortes em alguns casos, notadamente no Paraná (-8,0%), e geralmente mais intensas do que no agregado nacional (9 dos 11 parques no vermelho), mas o dado a ser destacado é que praticamente nenhum dos principais núcleos industriais do país conseguiu escapar das perdas.
São Paulo, que tem grande diversidade de atividades industriais, registrou -2,6% em novembro frente a outubro, isto é, uma queda duas vezes mais intensa que o total Brasil. Este foi o pior resultado paulista na série com ajuste sazonal desde set/18 (-3,1%) e deu continuidade a uma trajetória marcada por acentuada oscilação de resultados.
Se comparado ao mesmo período do ano anterior, o declínio da produção industrial de São Paulo (-2,0%) também foi mais agudo que o total Brasil (-1,7%), com o agravante de ter interrompido três meses de alta consecutiva. Como resultado, o desempenho acumulado entre jan/19 e nov/19 é de mero 0,3%, metade do já baixíssimo resultado de 2018 como um todo (+0,7%). A principal engrenagem industrial do país está parada, com metade de seus ramos no vermelho.
Em outros estados de importante expressão industrial no país, como no Rio Grande do Sul (-1,5% ante out/19) e em Minas Gerais (-3,4%), a queda de novembro foi um agravamento de perdas anteriores. A indústria mineira já havia interrompido uma breve sequência de resultado positivos em out/19 e a indústria gaúcha só conseguiu obter aumento de produção em apenas um dos últimos cinco meses.
Já o Nordeste, que vinha registrando alguma reação na série com ajuste sazonal, resvalou novamente para o negativo em novembro (-1,0%), interrompendo um importante movimento que apontava para a redução das perdas acumuladas em 2019. Desde a crise, o melhor que Região conseguiu foi uma variação de +0,3% em 2018 como um todo. Em 2019, foram exceções raras os meses que conseguiram um resultado positivo em comparação com o ano anterior, de modo que em jan-nov/19 acumula retração de -3,7%.
Dos poucos casos que fugiram à regra em novembro e aumentaram sua produção industrial, o destaque cabe ao Rio de Janeiro, que depois de dois meses fracos, passou por uma aceleração importante, obtendo +3,7% frente a outubro, já com ajuste sazonal. Em relação a nov/18, por sua vez, atingiu a marca de +13,3%, mas isso derivado quase que exclusivamente da atividade extrativa, que cresceu +32,6%, já que 77% do restante da indústria fluminense ficou no negativo.
Comércio
A recuperação das vendas do comércio varejista, embora permaneça muito gradual, é a que tem apresentado maior consistência em comparação com outros grandes setores da economia, como a indústria e os serviços, com crescimento em quase todos os meses de 2019. Nem por isso deixou de frustrar expectativas em novembro, um mês que tem se tornado importante para o setor devido ao período de promoções.
Na passagem de outubro para novembro, as vendas reais do varejo aumentaram +0,6%, isto é, em linha com o padrão de desempenho em 2019 na série com ajuste sazonal. Além disso, metade de seus ramos não cresceu. Já em seu conceito ampliado, que inclui veículos, autopeças e material de construção, as vendas retrocederam -0,5% nesta mesma comparação. Um mês que era para ser forte para o setor, foi, no melhor dos casos, apenas regular.
Ainda que o resultado de novembro não empolgue, o varejo apresentou no ano passado uma sequência de variações positivas que lhe conferiram uma reação mais consistente. Na série com ajuste sazonal, dos onze meses de 2019 com dados disponibilizados pelo IBGE, houve queda em apenas um (abril) no conceito restrito e em somente dois (fevereiro e novembro) no conceito ampliado. Inflação baixa e expansão do crédito às famílias foram fatores importantes para esta trajetória.
O quadro do emprego, porém, a despeito de alguma melhora, ainda traz limitações importantes. A taxa de desocupação ainda muito alta e o fraco dinamismo do rendimento da população restringem o desempenho de segmentos tais como supermercados, alimentos, bebidas e fumo e de tecidos, vestuário e calçados. Em ambos os casos as vendas ficaram estagnadas nos últimos meses e pouco crescem no acumulado jan-nov/19: +0,7% e +0,2%, respectivamente.
Outros segmentos acumulam crescimento razoável em 2019, mas os dados mais recentes podem estar sugerindo uma acomodação. São os casos de veículos e autopeças (+10,1% em jan-nov/19 ante jan-nov/18) e material de construção (+4,2%), mas que agora na passagem de outubro para novembro apresentaram queda nas vendas no primeiro caso e estagnação no segundo. Em menor intensidade, movimento semelhante também ocorre com móveis e eletrodomésticos.
Por sua vez, o segmento de equipamentos e materiais para escritório, informática e comunicação, também compreendendo bens de consumo duráveis como os anteriormente citados, com vendas mais dependentes do crédito, ainda não dá sinais de esmorecimento. Mesmo crescendo pouco no acumulado de 2019 (+0,7%), tem acelerado o ritmo de vendas nos últimos meses do ano. O mesmo ocorria com combustíveis e lubrificantes até nov/19 trazer queda de -0,3% frente a out/19.
São poucos aqueles que têm se saído bem, com uma sequência de vários meses de alta e vigor da recuperação em 2019. É o caso de apenas 2 dos 10 segmentos do varejo acompanhados pelo IBGE: artigos farmacêuticos, médicos e de perfumaria, que registraram a maior taxa de crescimento na passagem de outubro para novembro (+4,1%, com ajuste), e outros artigos de uso pessoal e doméstico, que incluem as lojas de departamento, registrando +2,8% em nov/19. No acumulado jan-nov/19 tiveram aumento de vendas de +6,8% e +5,1%, respectivamente.
Serviços
Em novembro de 2019, o setor de serviços não se saiu tão mal quanto a indústria, mas também não obteve nenhum progresso. Seu faturamento real ficou praticamente estável em relação a outubro, variando -0,1%, já descontados os efeitos sazonais.
Embora novembro tenha sido um mês desperdiçado, já que o setor ainda se encontra 10% abaixo do nível de faturamento de nov/14, isto é, da melhor marca antes da crise recente, 2019 deve ser seu primeiro ano de recuperação. Depois de não ter crescido entre 2015 e 2018, de jan/19 a nov/19 acumula variação de +0,9%.
Ou seja, o ano passado trouxe expansão para o setor de serviços, mas em um ritmo muito fraco. Ainda que existam outras causas, muito disso se deve ao segmento de transportes, que representa algo como 1/3 do setor como um todo, e que chegou a recuar -2,6% em jan-nov/19. Trata-se, então, de uma reação fraca porque é incompleta.
Este entrave à recuperação dos serviços não existiria, ou ao menos seria menos importante, se a indústria, que é grande demandante de serviços de transporte, não tivesse incorrido em um período recessivo no ano passado.
Ademais, a contar pelo desempenho do mês de novembro, o faturamento real de transporte continua apresentando dificuldades: caiu -1,9% frente a nov/18 e -0,7% ante out/19. Este segmento apresentou o segundo pior resultado no penúltimo mês de 2019.
A queda mais intensa, por sua vez, foi registrada pelos serviços prestados às famílias, que interrompeu dois meses de alta: -1,5% frente a out/19, com ajuste, o que eliminou integralmente o avanço do mês anterior. O principal responsável por este resultado foi seu componente de alimentação e alojamento (-1,8%). Também em queda, mas em um ritmo menos acentuado, ficaram os serviços de informação e comunicação, que tem apresentando alternância de resultados positivos e negativos nos últimos meses.
A despeito da adversidade recente, tanto serviços prestados às famílias, como os de informação e comunicação foram propulsores da recuperação do setor como um todo em 2019. No acumulado de jan-nov/19, ambos registraram +3,3% frente ao mesmo período do ano anterior. O segmento de outros serviços, que reúne um conjunto diversificado de atividades, também acumulou expansão, de +5,2% no mesmo período.
Se o segmento de transporte é o principal obstáculo, também não tem ajudado muito o desempenho do total do setor aqueles serviços profissionais, administrativos e complementares, em geral demandados pelas empresas. Só recentemente em crescimento, este ramo conseguiu registrar altas significativas em ago-set/19, mas desde então não tem saído do lugar: +0,1% em out/19 e +0,1% em nov/19, na série com ajuste sazonal.
Deste modo, sua contribuição para fazer o setor de serviços voltar ao azul em 2019 tem sido pequena. De janeiro a novembro, estes serviços corporativos acumulam variação de apenas +0,5%, devido ao declínio de serviços administrativos e complementares (-0,2%). Este componente, que reúne muitas funções terceirizadas de baixa qualificação, está em queda desde 2015 e pode estar refletindo outros fatores além da fraca recuperação econômica e da redução da produção de muitas empresas industriais em 2019, como a avanço da informatização e a elevação da informalidade do mercado de trabalho.