Análise IEDI
Competição entre Brasil e China em mercados latino-americanos
Desde 2009, a China assumiu a posição de principal mercado de destino de exportações brasileiras, além de dividir com os EUA o posto de principal mercado de origem das nossas importações. Contudo, o impacto do crescimento econômico e da competitividade da indústria chinesa sobre a balança comercial brasileira também se dá por canais indiretos.
Um desses canais é o “efeito concorrência”, associado à consolidação da China como produtora e exportadora de produtos manufaturados, que afetou negativamente a indústria brasileira tanto pela invasão de importados chineses em nosso mercado interno, como pelo crescimento das exportações chinesas para as três principais regiões de destino dos embarques brasileiros de bens manufaturados – Mercosul (Argentina, Uruguai, Paraguai), Aladi (Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela) e Nafta (Estados Unidos, Canadá e México)
A Carta IEDI a ser divulgada hoje retoma o tema da concorrência chinesa sobre as exportações brasileiras em seus três principais mercados externos de bens manufaturados, já tratado em Cartas anteriores (n. 590 e n. 769). Agora, foram incluídas as informações para o ano de 2017 (último dado da base COMTRADE), contrastadas com aquelas de 2012 e de 2015.
O resultado geral é positivo, com ampliação do Brasil em mercados de produtos mais dinâmicos e menor ameaça chinesa. Isso certamente está associado ao encolhimento de nosso mercado interno, à permanência da taxa de câmbio em um patamar mais favorável à exportação, bem como à vigência parcial do Reintegra, que consiste em um instrumento de devolução ao exportador de impostos pagos e não ressarcidos no momento da exportação. O maior dinamismo da economia e do comércio mundial também foram fatores essenciais.
O estudo classificou em quatro grupos os produtos exportados por China e Brasil para as regiões em questão segundo seu dinamismo: (i) Oportunidade Aproveitada – produtos com demanda dinâmica no país importador e que também representam uma parcela cada vez maior das exportações de Brasil ou China; (ii) Oportunidade Perdida – produtos com demanda dinâmica no país importador, mas que perdem participação nas exportações de Brasil ou China; (iii) Produto em Declínio – com demanda cadente, mas que apresentam elevação de sua participação nas exportações de Brasil ou China; (iv) Produto em Retrocesso – diz respeito a produtos cuja demanda nos países importadores é cadente, assim como sua participação nas exportações de Brasil ou China.
Em segundo lugar, foi calculada a ameaça das exportações chinesas às exportações brasileiras em três categorias: (i) Ameaça Direta – quando, para um certo produto, há aumento de market-share da China para um determinado país, ao mesmo tempo em que o Brasil reduz seu market-share no mesmo país; (ii) Ameaça Indireta – quando o aumento do market-share da China for maior do que o aumento do market-share do Brasil em um mesmo produto para o mesmo país. (iii) Sem Ameaça – produtos que não estão sendo ameaçados pelas exportações chinesas.
Alguns dos resultados obtidos são sintetizados a seguir:
• O dinamismo das exportações brasileiras (+13,7%) para Mercosul, Aladi e Nafta foi maior que as da China (+4,5%) entre 2015 e 2017, invertendo o quadro anterior entre 2012 e 2015 (-17% e +14% respectivamente).
• Os produtos mais dinâmicos classificados como Oportunidade Aproveitada avançaram de 25% em 2012 para 40% das exportações brasileiras em 2017 (53% no caso da China). A grande maioria destes produtos, pertencentes a setores como automobilístico, metalurgia básica, outros equipamentos de transporte, máquinas e equipamentos etc., não enfrenta ameaça das exportações chinesas (ex: veículos de passageiros, hélices, semiacabados de ferro etc.). Outros estão sob Ameaça Indireta, como motocicletas, portas, aplicativos de transmissão de rádio.
• Os produtos classificados como Oportunidades Perdidas, que em sua quase totalidade sofrem Ameaça Direta de exportações chinesas, tiveram sua participação nos embarques brasileiros reduzida de 25% em 2012 para 21% em 2015 e 15% em 2017. Compreendem sobretudo produtos dos setores automobilístico, máquinas e equipamentos, químicos e borracha e plástico, tais como peças e acessórios de veículos de passageiros, partes para motores, compressores, equipamentos de refrigeração, ferro gusa, extratos e essências de café etc.
• Já os produdos classificados como em Declínio caíram de 33% da pauta exportadora brasileira para Mercosul, Aladi e Nafta, em 2012, para 18% em 2015 e para 15% em 2017. Neste grupo são frequentes produtos sob Ameaça Indireta da China, tais como pneus novos de borracha, conjunto de fiação e ignição e calçados com sola de borracha, por exemplo, mas também produtos Sem Ameaça, como óxido de alumínio, tratores rodoviários para semirreboques e petróleo.
• Produtos em Retrocesso, em contrapartida, vem aumentando sua participação na pauta exportadora do Brasil para as regiões em análise: 17% em 2012, 26% em 2015 e 29% em 2017. Aqui, concentram-se produtos dos setores de petróleo, outros equipamentos de transporte e produtos químicos, principalmente sob Ameaça Direta da China (petróleo betuminoso, aviões e polpa de madeira química) e Sem Ameaça (fertilizantes e papel cartão).
O redirecionamento da composição das exportações brasileiras em direção a uma maior participação de produtos Oportunidade Aproveitada, sob menor ameaça chinesa, e uma redução da participação de produtos Oportunidade Perdida, é um aspecto bastante favorável do período 2015-2017, em que houve ampliação das vendas externas para os países do Mercosul, Aladi e Nafta, pois mostra que nos posicionamos melhor nos mercados dinâmicos.
Em contrapartida, é preocupante o aumento do número de produtos classificados na categoria Produto em Retrocesso. Uma especialização nesse tipo de produto, que tem menor demanda relativa, pode comprometer futuramente o dinamismo das exportações brasileiras para as regiões analisadas.
Regionalmente, no Mercosul, além de a Ameaça Direta da China não ter sido observada em 2017, a Ameaça Indireta recuou frente a 2015 e a 2012. Em contrapartida, 69% das exportações que sofreram Ameaça Direta tiveram como destino o Nafta. No caso da Aladi, a Ameaça Indireta recuou, mas a Ameaça Direta aumentou no período analisado. Isso reafirma a importância do Mercosul para o comércio exterior do Brasil.
Os resultados contribuem para o desenho de uma política de comércio exterior voltada a: (i) consolidar a posição do Brasil nos produtos classificados como Oportunidades Aproveitadas; (ii) identificar os produtos atualmente no grupo de Oportunidades Perdidas com menor grau de ameaça das exportações chinesas e adotar ação para aumentar sua participação; (iii) não priorizar produtos classificados nas categorias Produtos em Declínio e em Retrocesso, sobretudo, aqueles sob ameaça chinesa.