Carta IEDI
As contas externas do Brasil em 2022
Esta Carta IEDI analisa os resultados das contas externas brasileiras em 2022, um ano ainda sob efeitos adversos da pandemia, mas que também viu surgir novos desafios. Como discutido pelo IEDI em outras oportunidades, os organismos multilaterais têm classificado 2022 como um ano de “crise tripla” na economia mundial: Covid-19, guerra na Ucrânia e eventos climáticos extremos.
Tudo isso agravado pelo aumento das taxas de juros pelas autoridades monetárias de economias avançadas (EA) e economias de mercado emergente e em desenvolvimento (EMED), resultando numa desaceleração da economia global, como analisado na Carta IEDI n. 1181. De acordo com a estimativa mais recente do FMI, divulgada no final de jan/23, o crescimento do PIB global foi de +3,4% em 2022 contra +6,1% em 2021.
O déficit nas transações correntes do Brasil somou US$ 55.668 milhões em 2022, 20% superior ao registrado em 2021, mas ainda menor que o patamar registrado em 2019, antes da crise provocada pela pandemia de Covid-19. Em porcentagem do PIB, avançou de 1,74% em 2021 para 2,92% em 2022.
Apesar deste aumento, como o indicador Investimento Direto Externo (IDE) em % do PIB avançou de 2,89% para 4,76% no mesmo período, o déficit das transações correntes foi financiado com ainda mais folga que no ano anterior pelo IDE, modalidade mais estável de capital externo.
Cabe observar que este desempenho das transações correntes reflete a interação de fatores tanto externos como internos:
• Do lado externo, o ritmo de expansão do comércio global caiu pela metade (de +10,4% em 2021 para +5,4% em 2022), a guerra da Ucrânia impulsionou os preços de commodities energéticas e agrícolas no primeiro semestre e a política de Covid-19 zero da China continuou causando perturbações nas cadeias globais de valor.
• Do lado interno, a economia brasileira desacelerou, com um crescimento do PIB passando de +5% em 2021 para +2,9% em 2022, segundo o IBGE. Contribuiu para isso o aumento das taxas de juros pelo BCB, mas também o próprio ambiente internacional.
O efeito líquido desses fatores foi o aumento do déficit em transações correntes porque o crescimento de +22% do superávit comercial de bens, baseado no aumento dos preços de commodities, não foi suficiente para compensar o maior déficit na conta de serviços (+48,4%) e nas rendas primárias (+8,3%).
O superávit da balança comercial atingiu US$ 44,4 bilhões. As vendas e as compras externas avançaram num ritmo semelhante: +19,9% e +19,6%, respectivamente. Diante da perda de dinamismo do volume de comércio mundial e da atividade econômica doméstica, o quantum exportado aumentou +4,8% e o importado, apenas +2,6%. Assim, o efeito-preço é que prevaleceu nos nossos fluxos comerciais.
O déficit da balança de serviços, que somou cerca de US$ 40 bilhões em 2022, cresceu em decorrência dos serviços de transportes, cujo déficit recorde de US$ 19,4 bilhões foi ensejado pela alta das despesas com fretes, derivada das perturbações nas cadeias globais de valor e do aumento dos preços dos combustíveis.
Já em relação às rendas primárias, o déficit atingiu US$ 63,9 bilhões devido ao aumento das remessas de juros, lucros e investimento associadas ao IDE e ao investimento de carteira. A apreciação nominal do real em 2022 pode ter estimulado as empresas transnacionais e os investidores de portfolio a realizarem essas remessas para usufruir a taxa de cambio mais favorável.
Vale mencionar que o real foi uma das poucas moedas que “nadaram contracorrente” em 2022, registrando a maior apreciação (de +5,1%) entre as moedas das principais economias de mercado emergente (EME), como já havia apontado o Destaque IEDI em 11/10/22, devido ao elevado patamar da taxa de juros básica (Selic) no Brasil, bem acima dos demais emergentes.
Do lado financeiro das nossas contas externas, houve captação líquida de US$ 58.439 milhões em 2022, o que significou um aumento de +16,5% em relação à cifra registrada em 2021. Também neste caso, entretanto, ficou em patamar inferior ao de 2019, isto é, antes da pandemia.
Na conta financeira, o IDE, como mencionado anteriormente, mas também os “outros investimentos no país” resultaram em ingresso líquido de capitais, enquanto “investimentos de carteira no país” apresentaram saída líquida.
O IDE teve um excelente desempenho em 2022, atingindo US$ 90,6 bilhões, praticamente o dobro do resultado de 2021. A modalidade “participação no capital” aumentou +48,2% frente a 2021 e respondeu por 77% do total.
O setor de serviços foi o principal beneficiado por IDE no ano passado, com destaque para serviços financeiros e de “eletricidade, gás e outras utilidades”. A indústria veio em segundo lugar, sob a liderança do setor de automobilístico.
Outra modalidade de IDE, as operações intercompanhia também contribuíram para o avanço de 2022. O ingresso líquido de recursos nessa modalidade atingiu US$ 21,1 bilhões em 2022, o maior valor desde 2016. Isso pode ter sido estimulado pelo elevado diferencial entre os juros interno e externo, que leva a empresas estrangeiras de um mesmo grupo transferirem recursos para as unidades brasileiras a fim de serem aplicados a juros domesticamente.
Os “outros investimentos no país” registraram captação líquida de US$ 34,8 bilhões, ligeiramente inferior ao resultado de 2021. O principal determinante desse resultado foi crescimento dos “créditos comerciais e adiantamentos”. Em contrapartida, os empréstimos bancários somaram somente US$ 4,7 bilhões, uma queda de -60% frente a 2021 associada à deterioração das condições financeiras globais a partir de março, quando o Fed começou a elevar a taxa de juros básica dos Estados Unidos.
A deterioração das condições financeiras globais também explica a saída líquida de capitais de US$ 4,3 bilhões na modalidade “investimentos de carteira no país”. As aplicações em “títulos de renda fixa no exterior” tiveram saída líquida de US$ 10,1 bilhões num contexto de aumento do custo do endividamento externo para as EMED.
No caso dos “títulos de renda fixa no país”, a saída líquida de capitais foi menor (US$ 4,5 bilhões), mas a volatilidade ao longo do ano foi maior. Os investimentos em ações no país também apresentaram comportamento volátil, mas houve captação líquida de US$ 9,5 bilhões.
Para 2023, as perspectivas para as contas externas brasileiras, tomado o cenário desenhado pelo FMI, não são muito favoráveis. Vejamos a seguir o porquê.
A economia global perderá ritmo pelo segundo ano consecutivo, com o crescimento do PIB passando de +3,4% em 2022 para +2,9% em 2023, segundo o FMI. Na origem disso está o aumento das taxas de juros em países desenvolvidos e em países emergentes, bem como os desdobramentos da guerra na Ucrânia.
O volume do comércio mundial deve crescer somente +2,4% em 2023 contra +5,4% em 2022 e os preços das commodities energéticas e não-energéticas devem recuar -16,2% e -6,3%, respectivamente. É um quadro que não favorece nosso desempenho exportador.
Já do lado financeiro, as condições globais estão melhorando, segundo o FMI. O maior apetite por riscos dos investidores não-residentes resultou numa forte retomada dos investimentos de carteira para as economias emergentes no início de 2023.
Os determinantes dessa mudança foram a reabertura da economia chinesa com o abandono da política de Covid-19 zero e, principalmente, a desaceleração da inflação global, que levou os “mercados” a apostarem num ritmo mais suave e até mesmo no término mais rápido do aperto monetário nos Estados Unidos e demais economias avançadas.
Contudo, o Fundo ainda prevê mercados financeiros muito voláteis em 2023, contribuindo, ao lado da desaceleração da economia brasileira, para que os fluxos de IDE, que são pro-cíclicos, não repitam o bom desempenho em 2022.
Introdução
Esta Carta IEDI analisa, na primeira seção, os resultados das contas externas brasileiras em 2022 num contexto de desaceleração da economia global após a recuperação em 2021. As perspectivas para 2023 são apresentadas na segunda seção.
O desempenho das contas externas do Brasil
O déficit nas transações correntes (DTC) da economia brasileira somou US$ 55.668 milhões em 2022. Embora 20% superior ao registrado em 2021 (US$ 46.358 milhões), o resultado do ano passado foi menor que o patamar registrado em 2019, antes da crise provocada pela pandemia de Covid-19 (US$ 68.002 milhões).
A entrada de recursos externos na conta capital e financeira também não retornou ao valor pré-crise (US$66.978 milhões), mas atingiu US$ 58.194 milhões, 16,5% superior ao valor de 2021 (US$ 49.943 milhões). Essa entrada superou o DTC em US$ 2.526 milhões (cifra inferior aos US$ 3.585 milhões registrados em 2021), abrindo espaço para a retomada das compras de moeda estrangeira no mercado de câmbio pelo Banco Central do Brasil (BCB).
Entretanto, o BCB vendeu liquidamente cerca de US$ 12.071 milhões via linhas de recompra no mercado de câmbio à vista para conter a volatilidade cambial num contexto de deterioração das condições financeiras globais. Com essa modalidade de intervenção cambial, o BCB provê liquidez em moeda estrangeira para os bancos que atuam no mercado de câmbio, mas não incorre em perda definitiva de reservas já que há o compromisso de recomprar o mesmo valor de dólares numa data determinada no momento da venda. Em 2021, a venda líquida foi menor (US$ 7.028 milhões) e o BCB utilizou tanto essas linhas como intervenções no pronto (venda definitiva de moeda estrangeira).
Já o indicador DTC em % PIB aumentou de 1,74% em 2021 para 2,92%. Como o indicador Investimento Direto Externo (IDE) em % do PIB avançou de 2,89% para 4,76% no mesmo período, a Necessidade de Financiamento Externo (NFE) – isto é, a diferença entre os dois indicadores – subiu de 1,15% em 2021 para 1,83% em 2022. Isto quer dizer que em 2022 o DTC foi financiado com ainda mais folga que no ano anterior pelo IDE, modalidade mais estável de capital externo, que, em valores nominais, somou US$ 90.576 milhões – valor recorde desde 2012.A seguir, detalha-se o desempenho das transações correntes e da conta financeira em 2022.
Transações Correntes
O resultado das transações correntes em 2022 reflete a interação de fatores externos e internos.
Do lado externo, a crise “tripla” - com origem na pandemia, na guerra na Ucrânia e em eventos climáticos extremos (Carta IEDI n. 1181) – e o aperto monetário nas economias avançadas (EA) e nas economias de mercado emergente e em desenvolvimento (EMDE) impactaram negativamente o crescimento da economia global.
De acordo com o cenário atual do FMI divulgado no final de janeiro, o dinamismo do PIB mundial desacelerou de 6,1% em 2021 para 3,4% em 2022 e o ritmo de expansão do comércio global caiu pela metade (de 10,4% em 2021 para 5,4% em 2021).
Simultaneamente, ainda do lado de fatores externos, a guerra na Ucrânia impulsionou a trajetória de alta dos preços das commodities energéticas e agrícolas no primeiro semestre e a política de Covid-19 zero da China continuou causando perturbações nas cadeias globais de valor (Carta IEDI n. 1169).
Já do lado dos fatores internos, a economia brasileira também desacelerou, sob influência do aperto monetário doméstico (aumento da taxa de juros Selic pelo Banco Central) e do próprio ambiente internacional mais adverso. O FMI projeta um crescimento do PIB brasileiro de 3,1% em 2022 contra 5% em 2021.
O efeito líquido desses fatores foi o aumento de 20% do déficit em transações correntes (DTC) porque o crescimento de 22% do superávit comercial de bens não foi suficiente para compensar o maior déficit, sobretudo, na conta de serviços (+48,4%) e, em menor medida, nas rendas primárias (+8,3%).
O superávit da balança comercial cresceu 22%, atingindo US$ 44.389 milhões (contra US$ 36.363 milhões em 2021), maior cifra desde 2017. O aumento foi bem maior do que em 2021 (+12%), quando a retomada das importações (+38,9%) foi mais intensa do que das exportações (+34,7%). Em 2022, as vendas e as compras externas avançaram num ritmo semelhante: +19,9% e +19,6%, respectivamente.
Diante da perda de dinamismo do volume de comércio mundial e da atividade econômica doméstica, o quantum exportado aumentou somente 4,8% e o importado 2,6% em 2022. Neste contexto, a apreciação da taxa de cambio real efetiva em torno de 11% em 2022 (de acordo com o índice de taxa de cambio real efetiva (IPCA) do Banco Central do Brasil - BCB) não foi suficiente para impulsionar as importações.
Assim, o efeito-preço teve um papel relevante nos dois casos pois os preços de commodities com grande peso nas pautas de exportação e importação aumentaram em 2022. A partir de agosto, a trajetória tornou-se, de forma geral, descendente, mas não foi suficiente para anular a alta nos primeiros seis meses do ano. Por exemplo, do lado das exportações, o preço internacional do petróleo bruto aumentou quase 40% e, do lado das importações, o preço do trigo avançou 20%.
O déficit da balança de serviços, por sua vez, somou cerca de US$ 40 bilhões, maior cifra desde 2017. Esse avanço de 48,4% comparativamente ao déficit de 2021 (US$ 27 bilhões) decorreu, principalmente, do aumento do déficit em serviços de transportes que atingiu US$ 19,4 bilhões, valor recorde da série histórica do BCB.
O principal responsável por esse aumento foi a alta das despesas com fretes, que foram pressionadas pelas perturbações nas cadeias globais de valor e pela alta dos preços dos combustíveis. O segundo responsável foi o crescimento do déficit em “viagens internacionais”, que mais do que dobrou em 2022 devido à recuperação do turismo de brasileiros no exterior num contexto de redução das medidas de confinamento e distanciamento social.
O déficit nas rendas primárias também aumentou (8,3%), mas em menor intensidade, atingindo US$ 63,9 bilhões, valor recorde desde 2012. O principal determinante foi o aumento no mesmo ritmo do déficit nas rendas de investimento. Embora as remessas de juros associadas a “outros investimentos” tenham registrado a maior alta (20,2%), seu peso no total é de somente 11% contra 65% do investimento direto e 33% dos investimentos em carteira. As remessas de juros, lucros e investimento associadas a essas duas modalidades aumentaram 6,6% e 12%, respectivamente, em 2022.
A trajetória de apreciação nominal do real ao longo de 2022 pode ter estimulado as empresas transnacionais e os investidores de portfolio a realizarem essas remessas para usufruir a taxa de câmbio mais favorável num contexto de alta volatilidade dos mercados financeiros globais associada à alta da taxa de juros básica dos Estados Unidos.
Neste contexto, a tendência predominante foi de depreciacao cambial das moedas das EMED frente ao dólar. O real foi uma das poucas moedas que “nadaram contracorrente”, como apontado pelo Destaque IEDI de 11/10/2022, registrando a maior apreciação (de 5,11%) entre as moedas das principais economias de mercado emergente (EME) em 2022.
O principal determinante dessa apreciação foram operações especulativas estimuladas pelo elevado diferencial entre os juros internos e externos. Além de ter sido um dos primeiros bancos centrais das EME a iniciar o aperto monetário (em março de 2021), o BCB também adotou uma postura mais agressiva que seus congêneres: a taxa Selic foi elevada em 11,75 pontos percentuais (p.p) e atingiu o patamar recorde de 13,75% no grupo das EME no final de 2022.
Conta Financeira
A conta financeira registrou uma captação líquida de recursos externos de US$ 58.439 milhões em 2022, 16,5% superior à cifra registrada em 2021 (US$ 50.168 milhões), mas ainda inferior ao resultado de 2019, antes do choque da pandemia do Covid-19 (US$ 67.347 milhões em 2019).
Enquanto em 2021 as três modalidades de capitais estrangeiros contribuíram para essa captação, em 2022, somente o “investimento direto no país” (IDE) e os “outros investimentos no país” resultaram em ingresso líquido de capitais. Os “investimentos de carteira no país” resultaram em saída líquida de capitais.
O IDE teve um excelente desempenho em 2022, atingindo US$ 90.572 milhões, praticamente o dobro do resultado de 2021 (US$ 46.439 milhôes) e cifra recorde desde 2012. A modalidade “Participação no capital” aumentou 48,2% frente a 2021 e respondeu por 77% do total.
Considerando os ingressos brutos nessa modalidade, o setor de serviços foi o principal beneficiado, registrando um crescimento de 14%. As principais atividades de destino foram, em ordem decrescente, “Serviços financeiros e auxiliares”, “Serviços financeiros – Holdings financeiras” e “Eletricidade, gás e outras utilidades”. Os investimentos nesse último setor foram estimulados pela alta do preço da energia em função da guerra da Ucrânia.
Os ingressos brutos na indústria também aumentaram frente ao ano anterior, embora em menor intensidade (10%), sob a liderança do setor de automobilístico, seguido pelo químico. Já no caso do setor de “agricultura, pecuária e extrativa mineral”, esses ingressos foram 7% inferiores ao observado em 2021.
As operações intercompanhia também contribuíram para o desempenho do IDE, ao contrário de 2021, quando houve saída líquida de US$ 446 milhões. O ingresso líquido de recursos nessa modalidade atingiu US$ 21.075 milhões em 2022 (valor recorde desde 2016) e também pode ter sido estimulado pelo elevado diferencial entre os juros interno e externo
Os “outros investimentos no país” registraram captação líquida de US$ 34.808 milhões, ligeiramente inferior ao resultado de 2021. O principal determinante desse resultado foi crescimento dos “créditos comerciais e adiantamentos”, que atingiram US$ 29.028 milhões, mais de duas vezes superior ao valor observado em 2021.
Em contrapartida, os empréstimos bancários somaram somente US$4.691 milhões, uma queda de 60% frente a 2021 associada à deterioração das condições financeiras globais a partir de março, quando o Federal Reserve (Fed) começou a elevar a taxa de juros básica para conter a alta da inflação. Somente no último trimestre do ano, essas condições tornaram-se menos adversas. Isto porque a desaceleração da inflação ao consumidor nos Estados Unidos levou os investidores globais a apostarem numa redução da intensidade e da duração do aperto monetário nos Estados Unidos.
A deterioração das condições financeiras globais explica, igualmente, a saída líquida de capitais de US$ 4.342 milhões na modalidade “investimentos de carteira no país”. O principal responsável por esse resultado foi o desempenho dos “títulos de renda fixa no exterior” que registrou uma saída líquida de US$ 10.130 milhões, 73,2% superior à registrada em 2021 num contexto de aumento do custo do endividamento externo para as EMED. De acordo com cálculos do IEDI, o rendimento médio dos bônus soberanos das EMED aumentou de 5,6% para 7,3% entre dezembro de 2021 e outubro de 2022 e as emissões desses bônus recuaram de US$183 bilhões em 2021 para US$ 97 bilhões em 2022.
Os “títulos de renda fixa no país” também tiveram um comportamento desfavorável. Após a captação líquida de US$ 15.775 milhões em 2021, essa modalidade registrou uma saída líquida de US$4.498 milhões. A única modalidade de investimento de carteira que registrou captação líquida foi os investimentos em ações no país.
A evolução mensal das três modalidades de investimento de carteira lança luz sobre o impacto não somente da deterioração das condições financeiras globais, mas também da sua volatilidade ao longo do ano. No caso dos títulos de renda fixa no exterior predominaram saídas líquidas (somente em fevereiro e março houve um pequeno fluxo positivo). Já os investimentos em ações e em títulos de renda fixa no país foram muito voláteis.
No caso dos títulos de renda fixa no mercado domético, a saída recorde ocorreu em março, exatamente quando o Fed iniciou o aperto monetário, provocando uma forte alta de aversão aos riscos dos investidores globais e a liquidação de posições em moedas e ativos das EME. A partir de julho, os investidores não-residentes voltaram a assumir posições em títulos de renda fixa no país, atraídos pelo diferencial entre os juros interno e externo, movimento que ganhou impulso em novembro e dezembro com a relativa melhora das condições financeiras globais. Contudo, não foi suficiente para garantir um resultado positivo no ano.
Os investimentos em ações no país também tiveram um comportamento muito volátil, mas com predomínio de fluxos mensais positivos, que foram mais intensos no início e final do ano quando as condições financeiras globais estavam relativamente mais favoráveis. Além disso, a expectativa de alta dos preços das ações de alguns setores, como biocombustíveis, petróleo e varejo, atraíram esses investimentos.
Perspectivas para 2023
De acordo com o cenário atual do FMI, o crescimento da economia global desacelerá pelo segundo ano consecutivo, de 3,4% em 2022 para 2,9% em 2023 em função do aperto monetário nas EA e EMED para domar a inflação e da guerra na Ucrânia. Todavia, a projeção atual é 0,2 pontos percentuais (p.p) superior à de outubro, como discutido na Carta IEDI n. 1169, devido, sobretudo, à revisão para cima (+0,3 p.p.) do crescimento projetado das EMED, que deve atingir 4% contra 3,9% em 2023.
Essa revisão está associada, principalmente, ao abandono da política de Covid-19 zero da China no final de 2022, que deve crescer 5,2% em 2023 contra 3% em 2022. Já no caso das EA, a desaceleração do crescimento será significativa, de 2,7% em 2022 para 1,2% em 2023.
O balanço de riscos continua com viés negativo, mas os riscos adversos diminuíram em relação ao cenário de outubro. Do lado positivo, um aumento da demanda reprimida (ainda como consequência da pandemia de Covid-19) em várias economias e uma queda mais rápida da inflação são plausíveis. Do lado negativo, os principais riscos são novas ondas de Covid-19 na China, uma intensificação da guerra na Ucrânia e um aumento das crises de dívida externa nas EMED devido às condições financeiras globais restritivas.
Neste contexto, as perspectivas para nossas exportações são desfavoráveis: o FMI projeta que o crescimento do volume do comércio mundial deve diminuir de 5,4% em 2022 para somente 2,4% em 2023 e que os preços das commodities energéticas e não-energéticas recuarão 16,2% e 6,3%, respectivamente. Em contrapartida, as importações também devem crescer menos devido à deflação do preço de algumas commodities e à desaceleração da economia brasileira - de 3,1% em 2022 para 1,2% em 2023 no cenário atual do FMI.
Já as perspectivas para a conta financeira são bastante incertas. A condições financeiras globais, que começaram a melhorar no último trimestre de 2022, tornaram-se ainda mais favoráveis no início do corrente ano. O maior apetite por riscos dos investidores não-residentes resultou em uma forte retomada dos investimentos de portfólio para as EME.
Os determinantes dessa mudança foram a reabertura da economia chinesa, com o abandono da política de Covid-19 zero, e, principalmente, a desaceleração da inflação global, que levou os “mercados” a apostarem num ritmo mais suave e término mais rápido do aperto monetário nos Estados Unidos e demais EA em 2023.
Contudo, como ressalta o FMI, os mercados financeiros seguirão muito voláteis devido à tensão entre os riscos crescentes de uma recessão global e incertezas quanto ao ritmo e duração das políticas monetárias restritivas.
Diante deste contexto internacional incerto e volátil e da desaceleração da economia brasileira, os fluxos de IDE, que são pro-cíclicos, não devem repetir o ótimo desempenho em 2022.