Carta IEDI
Setor externo: menos comércio, mais IDE
De todos os problemas que o Brasil vem enfrentando nos últimos anos, ao menos de um fomos poupados: do estrangulamento das contas externas. Seja pelo lado comercial, seja pelo lado financeiro, nosso Balanço de Pagamentos não registrou sobressaltos recentes. A julgar pelos resultados de 2018, esta fase favorável não se esgotou e pode também adentrar o ano de 2019, a despeito de riscos crescentes na economia internacional.
Esta Carta IEDI analisa, em detalhes, o desempenho externo da economia brasileira em 2018 e traça algumas tendências para 2019. Ainda que o quadro permaneça sendo de tranquilidade, nem tudo segue na melhor direção. É possível identificar alguns movimentos pouco desejáveis, sobretudo diante da morosidade que a recuperação econômica vem mostrando.
Exemplo disso é que, em 2018, após três anos consecutivos de reforço, nosso superávit de balança comercial (US$ 53,6 bilhões), registrou declínio de -16,3% frente a 2017. Tal resultado se dá porque, como o IEDI vem alertando desde o começo do ano passado, o atual dinamismo econômico, embora muito baixo, já foi suficiente para que o ritmo de expansão das importações (+21%) ultrapassasse o das exportações (+10%). Esta aceleração das compras externas poderia ter sido maior ainda se a taxa de câmbio real efetiva não tivesse se desvalorizado (8% ante 2017).
No caso das exportações, a perda de dinamismo do comércio internacional em 2018 foi decisiva para sua expansão mais limitada. Vale lembrar que, em 2017, nossos embarques tinham crescido 18%, isto é, quase o dobro do que vimos no ano passado. Eis um desempenho que pouco contribui para uma recuperação econômica mais robusta.
Devido muito à balança comercial, o déficit nas transações correntes (DTC) da economia brasileira somou US$ 14,5 bilhões em 2018, mais do que o dobro da cifra registrada em 2017. Apesar disso, manteve-se inferior ao déficit de 2016. Em percentual do PIB, o DTC atingiu 0,77% no final de 2018 contra 0,35% em 2017.
Esta deterioração, contudo, foi mais do que compensada pela melhora no desempenho dos investimentos diretos externos (IDE), modalidade mais estável de capital estrangeiro, evitando uma fragilização relativa de nossas contas externas. Se considerarmos a evolução da Necessidade de Financiamento Externo – NFE (diferença entre o DTC e o IDE), a NFE/PIB recuou para seu menor patamar desde outubro de 2015 (-3,9%), pois o IDE/PIB avançou de 3,4% para 4,7% do PIB, um aumento de 1,28 p.p., bem superior ao registrado pelo DTC/PIB (0,27 p.p)
De fato, do lado financeiro do balanço de pagamentos, um dos aspectos de maior destaque em 2018 foi o avanço de 46% do investimento direto, que atingiu US$ 74,2 bilhões. Isso se deu principalmente em função do maior ingresso de investimento no país (que corresponde ao IDE) e, secundariamente, à menor saída de investimentos para o exterior. Mas que tipos de investimentos foram esses?
Foram os empréstimos intercompanhias quem puxou o IDE em 2018. Esta modalidade superou em mais de 5 vezes o valor registrado em 2017, após uma retração de 53% frente a 2016. Este, porém, é um desempenho indissociável do quadro nacional ainda vigente nas condições de financiamento corporativo.
Ou seja, as dificuldades de se obter crédito no Brasil podem ter levado muitas empresas com negócios estrangeiros a amenizar sua escassez de financiamento doméstico por meio de empréstimos externos intercompanhia. Além disso, apesar do menor patamar da nossa taxa de juros básica (Selic) e da alta da taxa de juros dos EUA, o atual diferencial de rentabilidade continua favorável a aplicações no Brasil, favorecendo estratégias de aplicações financeiras de arbitragem de juros via empréstimos intercompanhias.
Por isso, o perfil de melhora do IDE em 2018 é apenas parcialmente positivo. Outro aspecto desfavorável é que os ingressos na modalidade “participação de capital” recuaram 12,5%. Também registraram sinal negativo as demais modalidades de fluxos financeiros.
A deterioração das condições monetárias e financeiras ao longo de 2018 associada, sobretudo, ao maior ritmo do processo de normalização da política monetária nas economias avançadas e aos receios (que se confirmaram) de uma paralização das atividades do governo americano (shutdown), ensejou saída líquida de “Investimentos em carteira (passivo)” em um montante (US$ 8,4 bilhões) cinco vezes superior ao de 2017.
Na modalidade “Outros investimentos (OI)”, também houve saída líquida de recursos devido ao crescimento de 36,8% do ativo (OI de residentes no exterior), bem como à redução do passivo (OI de não-residentes no exterior).
Assim, devido aos investimentos diretos, a conta financeira registrou captação líquida de recursos externos de US$ 9,3 bilhões. Embora muito superior à cifra registrada em 2017, este resultado foi o segundo menor no período posterior à crise financeira global de 2008.
Finalmente, em relação às perspectivas para 2019, na atualização das projeções do FMI para o desempenho da global em janeiro, o balanço de riscos no curto prazo continuou com viés negativo. A estimativa de crescimento passou de 3,7% para 3,5%, uma má notícia para as exportações brasileiras no corrente ano.
A maior incerteza, contudo, reside no contexto financeiro internacional, devido a: desaceleração maior do que a esperada na China, complicada situação dos bancos italianos, e um Brexit sem acordo entre o Reino Unido e a União Europeia. O cenário atual do fundo não considera o risco de eclosão de uma nova crise financeira destacada por alguns analistas, associada ao forte acúmulo de dívidas de empresas e famílias.
Assim, a saída líquida de fluxos financeiros (investimentos em carteira e outros investimentos) da economia brasileira pode aumentar. Eventuais decepções do “mercado” em relação aos resultados da política econômica do governo Bolsonaro também podem reforçá-la. Ainda que não haja uma blindagem completa, com riscos de saldo comercial ainda mais magro e de saída adicional de capitais, a economia brasileira não deve enfrentar dificuldades de financiamento externo em 2019.
Panorama Geral
Esta Carta IEDI apresenta os principais resultados das contas externas brasileiras em 2018. Os dados foram extraídos da nova série histórica do Balanço de Pagamentos (BOP) divulgada pelo Banco Central do Brasil (BCB) a partir de abril de 2015. Esta série se baseia na 6ª edição do Manual de Balanço de Pagamentos (BOP) e Posição de Investimento Internacional (BPM6) do Fundo Monetário Internacional (FMI). Para maiores detalhes sobre a BPM6, consultar a Carta IEDI n. 718.
Em 2018, o déficit nas transações correntes (DTC) da economia brasileira somou US$ 14.511 milhões, mais do que o dobro da cifra registrada em 2017 (US$ 7.235 milhões), mas ainda 40% inferior ao resultado 2016 (US$ 24.009 milhões). Assim, a trajetória de redução desse déficit iniciada em 2015 foi interrompida. Em 2017, o ajuste externo teve continuidade mesmo com a saída da recessão após dois anos de retração do PIB (ver Carta IEDI n. 840). Como detalhado na próxima seção, o principal determinante do aumento do DTC em 2018 foi a redução do superávit comercial associada à melhora do nível de atividades e ao desempenho do comércio internacional.
Todavia, o indicador mais adequado para dimensionar o ajuste externo no triênio 2015-2017 e sua interrupção em 2018 é a razão entre o DTC e o Produto Interno Bruto (PIB). Nesse critério, após ter recuado de 3,3% do PIB em dez/ 2015 para 0,5% no mesmo mês de 2017, o DTC atingiu 0,77% no final de 2018; ou seja, o aumento frente à 2017 foi bem tímido, de 0,27 pontos percentuais (p.p). Com exceção de 2017, o resultado do ano passado foi a menor cifra registrada desde que essa subconta do Balanço de Pagamentos (BOP) voltou ao terreno negativo em 2008.
Outro indicador relevante para a avaliação da situação externa de uma economia é a razão entre a Necessidade de Financiamento Externo (NFE) e o PIB, obtida a partir da diferença entre o DTC/PIB e a razão entre o investimento direto externo (IDE) e o PIB. Sempre considerando as variáveis em percentagem do PIB, se a diferença é positiva, o IDE, modalidade mais estável de capital externo, não é suficiente para financiar o DTC, o que resulta num indicador NFE/PIB positivo. Em contrapartida, se o IDE/PIB for maior que o DTC/PIB, as NFE/PIB são negativas, como observado a partir de outubro de 2015. No final de 2018, a NFE/PIB recuou para seu menor patamar desde então (-3,92%) em função do aumento do IDE/PIB (de 3,42% do PIB em dez/2017 para 4,7% do PIB em dez/2018), que foi muito mais intenso do que o registrado pelo DTC/PIB. Este desempenho foi diferente do registrado em 2017, quando a redução da NFE/PIB, além de menos expressiva, resultou do forte recuo do DTC/PIB, já que o IDE/PIB diminuiu.
Para a análise da conta financeira, é importante lembrar nova convenção de sinais adotada na nova metodologia do BOP: as captações líquidas são registradas com sinais negativos e as concessões líquidas com sinais positivos. Em 2018, essa subconta do BOP registrou captação líquida de recursos externos de US$ 9.318 milhões. Embora muito superior à cifra registrada em 2017 (piso da nova série histórica do BCB no período posterior à crise financeira global de 2008), este resultado foi o segundo menor nesse período.
A seguir, detalha-se o desempenho das transações correntes e da conta financeira em 2018.
Transações Correntes
Na nova metodologia do BOP, as transações correntes são desagregadas em quatro subcontas: (i) balança comercial; (ii) serviços; (iii) renda primária, que corresponde às “rendas” da metodologia anterior; (iv) renda secundária, que equivale às “transferências unilaterais” da metodologia anterior.
O principal determinante do desempenho das transações correntes brasileiras é a balança comercial, que responde às variações das demandas doméstica e externa. Já os resultados das subcontas de serviços e, sobretudo, rendas, são relativamente rígidos. Neste último caso, seu déficit estrutural decorre das rendas primárias, que correspondem à remuneração do PEL do país.
No quadriênio 2015-2017, o comércio exterior brasileiro passou de um déficit de US$ 6.284 milhões em 2014 para a maior cifra positiva da nova série histórica do BCB (US$ 64.028 milhões) que se inicia em 1995 (ver Carta IEDI n. 840). Em 2018, por sua vez, o ligeiro aumento do DTC decorreu da redução em 16% desse superávit para US$ 53.588 milhões. Todavia, esse resultado continuou muito favorável, o segundo maior da história recente do país, inferior somente ao registrado em 2017. O determinante dessa redução foi o aumento mais expressivo das importações em relação às exportações (21% contra 10%), praticamente invertendo o desempenho de 2017 (10% contra 18%).
As compras externas, concentradas em bens intermediários e de consumo, são muito elásticas ao desempenho do nível de atividades. Ao que tudo indica, o principal determinante do avanço dessas compras foi a ligeira aceleração do crescimento em 2017 frente a 2018 (1% e 1,3%, segunda a última previsão do relatório Focus), já que a trajetória da taxa de câmbio real efetiva foi adversa (depreciação de 8%, que encareceu os bens importados).
No caso das exportações, essa trajetória benéfica não foi suficiente para contrabalançar os demais fatores condicionantes, que atuaram no sentido oposto. Por um lado, em economias de dimensão continental como a brasileira, as vendas externas são contra-cíclicas em relação à demanda doméstica, ou seja, diminuem quando há aumento dessa demanda. Por outro lado, elas são pró-cíclicas em relação ao desempenho do comércio internacional, que foi menos favorável que em 2017. Na atualização do cenário do FMI para a economia global em 2018, divulgado em janeiro (FMI, 2019), as estimativas do desempenho do volume desse comércio e do índice de preços das commodities não-energéticas (que, no caso do Brasil, predominam, em relação às energéticas) foram revistas para baixo diante do acirramento das tensões comerciais e da desaceleração das economias avançadas (sobretudo da área do euro) e da China no final de 2017: na comparação com os percentuais divulgadas em outubro, de 4,2% para 4,0% e de 2,7% para 1,9% (contra os percentuais de 5,3% e 6,4% em 2017).
É essa combinação de fatores externos e internos que explica o forte aumento do déficit comercial de bens manufaturados, que foi mais do que compensado pelo saldo positivo em produtos primários, como destacado na Carta IEDI n. 905. O desempenho das vendas externas de bens da indústria de transformação em 2018 (4,1%) foi bem pior do que das vendas totais (10%) e do registrado em 2017 (9,2%), enquanto das compras externas (20,1%) foi semelhante ao total importado (21,0%) e bastante superior ao resultado de 2017 (9,7%). São exatamente os produtos da indústria de transformação (relativamente às commodities) os mais afetados pelas variações das demandas doméstica e externa, bem como da taxa de câmbio. A depreciação cambial em termos efetivos mencionada acima foi modesta e insuficiente para aumentar a competitividade da indústria brasileira. Um fator pontual também contribuiu para o aumento do déficit de bens manufaturados em 2018, qual seja, as mudanças nas regras do Repetro que repercutiram na contabilidade dos fluxos comerciais das plataformas de petróleo, que afetam as vendas e compras externas da indústria de construção e reparação naval. Se esses fluxos são excluídos, esse déficit recua de US$ 25,2 bilhões para US$ 21 bilhões.
Já a subconta de serviços manteve-se praticamente estável, após ter avançado 11,2% em 2017 frente a 2016 no contexto de saída da recessão. Contudo, a análise dos seus componentes revela uma forte assimetria. Por um lado, a subconta de transportes avançou 23,7%, como reflexo, sobretudo, da maior corrente de comércio que impulsionou os gastos com fretes. Por outro lado, os gastos com viagens e aluguel de equipamentos recuaram 6,4% e 10,7%, respectivamente. No primeiro caso, a alta da taxa de câmbio nominal de 15% (considerando a taxa de câmbio média de 2017 e 2018), atuou no sentido de desestimular esses gastos. No segundo caso, esta é a quarta queda consecutiva, decorrente do desempenho da produção da Petrobrás.
No caso da subconta de renda primária, o resultado negativo recuou 8,4%, sendo que ele é o resultado líquido das receitas associadas ao ativo externo bruto e do passivo externo bruto. Contribuiu para esse resultado a queda em 7,9% das remessas decorrentes das rendas de “Investimento direto” (lucros e dividendos, e juros dos empréstimos intercompanhias), que responderam por 54% desse déficit. Em 2018 frente a 2017, a saída líquida a título de lucros e dividendos recuou em função tanto do aumento das receitas como da queda das despesas, que são contracíclicas em relação ao desempenho da economia brasileira. Quando esse desempenho melhora, as empresas transnacionais reduzem as remessas de lucros e dividendos e os reinvestem nas filiais brasileiras. As despesas com juros também diminuíram em decorrência do recuo nos pagamentos ao exterior. Em contrapartida, as demais modalidades de rendas primárias aumentaram. No caso do “Investimento em carteira” (juros, lucros e dividendos), o avanço foi de apenas 2,2% e decorreu das maiores remessas líquidas de lucros e dividendos; as despesas líquidas com juros no mercado doméstico e externo também recuaram. Nas rendas dos “Outros investimentos” (juros), o crescimento foi mais expressivo (8,3%).
Ainda em relação às rendas primárias, vale chamar atenção para sua composição atual, na qual predominam as rendas dos investimentos direto e em carteira no país vis-à-vis as rendas da modalidade “Outros investimentos”. Essa composição reflete, por sua vez, a mudança na composição do passivo externo líquido – PEL (ativo externo bruto menos passivo externo bruto) do Brasil ao longo dos anos 2000, associada, sobretudo, ao novo perfil desse passivo. Enquanto os investimentos de não-residentes no país, denominados em moeda doméstica, aumentaram, esses empréstimos, denominados em dólar, diminuíram. Uma consequência positiva dessa mudança foi a redução do chamado “descasamento de moedas”, que torna o resultado do balanço de pagamentos mais vulnerável a variações da taxa de câmbio (uma depreciação aumenta o valor em moeda doméstica das dívidas em moeda estrangeira). Em contrapartida, a dinâmica produtiva e financeira da economia brasileira se tornou mais dependente das decisões de alocação de portfólio das empresas e investidores não-residentes. Outra mudança relevante nesse período que também impactou o OEL foi o aumento do ativo externo bruto da economia brasileira em função, sobretudo, do acúmulo de reservas internacionais, mas também do crescimento dos ativos de investidores residentes no exterior. Esse ativo gera rendas primárias (lucros, dividendos e juros) para o país, mas seu valor é muito menor do que as rendas remetidas ao exterior em função, principalmente, da menor dimensão desse ativo em comparação ao passivo e, secundariamente, da sua remuneração mais baixa (já que as reservas são aplicadas em títulos do tesouro americano).
Conta Financeira
Como já mencionado, o déficit da conta financeira voltou a aumentar em 2018, após forte retração em 2017. Esse aumento decorreu, quase que exclusivamente, do crescimento de 11% dos passivos externos, já que os ativos externos se mantiveram praticamente no mesmo patamar do ano precedente (recuo de somente 1%).
Além do resultado dessa subconta do BOP, sua composição sempre foi fundamental na avaliação da situação externa das economias periféricas, como a brasileira. Contudo, no contexto atual, a análise detalhada do perfil da conta financeira se tornou ainda mais relevante em função do aprofundamento da integração financeira com o exterior nos anos 2000 que afetou a dimensão e o perfil do passivo e ativo externos brutos. Além dos fatores já mencionados, a extinção da cobertura cambial das exportações em 2008 (que permitiu aos exportadores manterem suas receitas em contas bancárias no exterior) também teve influência nessa composição, pois essas receitas representam ativos de residentes no exterior.
Na análise da composição da conta financeira em 2018, chama atenção o crescimento da saída líquida na modalidade “Investimentos em carteira (passivo)”, cifra 5 vezes superior ao registrado em 2017 (US$ 1.671 milhões). Houve um resgate líquido de US$ 8.404 milhões nas aplicações de não-residentes em ativos emitidos por residentes no país e no exterior. Essa diminuição teve um impacto positivo no resultado líquido da modalidade “Investimento em carteira (IC)”, que registrou queda frente a 2017 (de 16,6%) em função do desempenho das aplicações de residentes no exterior (que recuaram 73,3% frente a 2017).
O principal determinante desse resultado foi a deterioração as condições monetárias e financeiras internacionais, que se tornaram mais restritivas ao longo dos três primeiros trimestres de 2018 em função do maior ritmo do processo de normalização da política monetária dos Estados Unidos (ver Carta IEDI n. 885) Entre fevereiro e setembro, o Federal Reserve (Fed) elevou a meta da sua taxa de juros básica (a Fed Fund Rate) três vezes consecutivas, que passou da faixa de 1,25-1,50% em fevereiro para 2,0-2,5% em setembro. Contudo, no último trimestre, elas se tornaram ainda mais adversas. Em dezembro, além da quarta alta dessa taxa (para 2,25-2,50%), o Banco Central Europeu (BCE) finalizou sua política de compra líquida de ativos. Adicionalmente, as perspectivas de desaceleração da economia global se intensificaram e aumentaram os receios (que se confirmaram) de uma paralização das atividades do governo americano (shutdown) devido à não-liberação de recursos pelo congresso para a construção do muro na fronteira com o México, uma das principais promessas de campanha do presidente Trump. Neste contexto, a aversão aos riscos no mercado financeiro internacional aumentou, resultando numa saída líquida de fluxos de capitais das economias emergentes e na depreciação das suas moedas (IMF, 2019).
Todavia, no caso da economia brasileira, as incertezas em relação ao desfecho das eleições presidenciais e, assim, à política econômica do novo governo, também contaminaram as decisões de alocação de portfólio dos investidores não-residentes. Como mostram os dados desagregados (ver Tabela), considerando as três modalidades de aplicação no mercado financeiro doméstico (ações, fundos de investimento e títulos de renda fixa), a saída líquida foi de US$ 12.000 milhões, enquanto que no caso das ações e títulos de renda fixa negociados no exterior houve ingresso líquido US$ 3.627 milhões. Ou seja, houve uma redução da aplicação de não-residentes em ativos negociados no mercado financeiro doméstico, que estão sujeitos a risco cambial e cujos preços tornam-se mais voláteis nesses momentos de instabilidade política.
Já a modalidade “Outros investimentos (OI)” teve um melhor desempenho em 2018 frente a 2017 devido ao crescimento de 36,8% do ativo (OI de residentes no exterior), bem como à redução do passivo (OI de não-residentes no exterior). Assim como em 2017 (ver Carta IEDI n. 840), do lado do ativo o principal determinante foi o aumento (de 32,6%) da rubrica “Crédito comerciais e adiantamentos”, que inclui, além de operações de crédito comercial, os depósitos dos exportadores no exterior. Do lado do passivo, a queda de 59,1% decorreu, sobretudo, do resultado da rubrica “Crédito comerciais e adiantamentos” (-25,5%) e, em menor medida, dos empréstimos bancários no exterior (-3,9%).
Assim, o desempenho das duas modalidades de fluxos financeiros (investimento em carteira e outros investimentos) contribuiu para a redução do PEL da economia brasileira, já que nos dois casos o resultado líquido (ativo menos passivo) foi positivo. Isto quer dizer que o seu aumento, subjacente ao déficit na conta financeira em 2018, foi consequência, exclusiva, do desempenho da modalidade “Investimento direto (ID)”, que pode ser considerada a menos volátil e de mais longo prazo. O ID atingiu US$ 74.253 milhões, um avanço de 46% na comparação com 2017 associado, principalmente, ao maior ingresso de investimento no país (que corresponde ao IDE) e, secundariamente, à menor saída de investimentos para o exterior. Notar que, embora os percentuais de variação tenham sido semelhantes, a contribuição do IDE para esse resultado é maior, pois seu valor é bem superior àquele investido por residentes fora do Brasil.
O crescimento do IDE, por sua vez, decorreu do aumento expressivo dos empréstimos intercompanhias, que superaram em mais de 5 vezes o valor registrado em 2017 após uma retração de 53% em 2017 frente ao ano anterior. Já os ingressos na modalidade “participação de capital” recuaram 12,5%. Essa mudança na composição do IDE pode estar relacionada à decisão das matrizes de aumentar as disponibilidades de caixa no país diante do contexto de incertezas nos mercados externo e interno. Além disso, apesar do menor patamar atual da taxa de juros básica doméstica e da alta da taxa de juros dos EUA, o diferencial de rentabilidade continua favorável a aplicações no Brasil. As perspectivas de aceleração de crescimento no Brasil e perda de ritmo no exterior também podem ter estimulado esse movimento.
No caso da modalidade “participação de capital”, o setor de serviços manteve sua liderança, mas absorveu um menor percentual do total do que em 2017 (45% contra 59,1%). A distribuição setorial também mudou: “Serviços financeiros e atividades auxiliares” responderam por 16,8% do total, seguidos por “Comércio, exceto veículos” (15%) e “Eletricidade, gás e outras utilidades” (11,9) contra os percentuais de, respectivamente, 4,5%, 14,5% e 35,3% em 2017. O setor que ganhou maior espaço foi “Agricultura, pecuária e extrativa mineral”, cuja participação praticamente dobrou, avançando de 9,7% em 2017 para 18,4% em 2018, impulsionada pelo aumento dos investimentos em “Atividades de apoio à extração de minerais”, cuja participação passou de 4,9% em 2017 para 17,8% em 2018. A participação da indústria também cresceu, mas em menor intensidade (de 30,9% para 36,2%). Além dos maiores aportes no segmento de “Veiculos automotores, reboques e carrocerias (líder desde 2014), esse crescimento decorreu do aumento dos investimentos nos segmentos de “Celulose, papel e produtos de papel (3,2% para 11,9%) e “Produtos minerais não-metálicos
Perspectivas
Na atualização do panorama da economia global do FMI em janeiro, o balanço de riscos no curto prazo continuou com viés negativo. Essa mudança está associada ao acirramento das tensões comerciais, à perda de ritmo da atividade econômica e à piora nas condições nos mercados financeiros das economias avançadas, mencionados acima. Com isso, a estimativa de crescimento passou de 3,7% para 3,5%. A maior incerteza, contudo, reside no contexto financeiro internacional. O FMI destaca como fontes de riscos uma desaceleração maior do que a esperada na China, a situação dos bancos italianos, e um Brexit sem acordo entre o Reino Unido e a União Europeia.
O cenário atual do FMI não considera o risco de eclosão de uma nova crise financeira associada ao forte acúmulo de dívidas de empresas e famílias, estimulado pela bolha de preços dos ativos e pela proliferação de instrumentos financeiros opacos, processos induzidos, por sua vez, pelas políticas monetárias laxistas praticadas após a crise de 2008 (ver, por exemplo, BIS, 2018). Foi exatamente esse risco e seus desdobramentos negativos sobre a atividade econômica global que levou o Fed a anunciar no final de janeiro que não pretende promover mais duas altas na Fed Fund Rate esse ano, como havia sinalizado em 2018. A própria atitude atípica na sinalização da sua política monetária após as turbulências nos mercados financeiros globais no final de 2018 revela a dimensão desse risco. Com essa mudança de rumo, esse cenário relativamente otimista se torna mais provável.
De qualquer forma, não há dúvida de que a situação no âmbito das finanças internacionais será mais adversa em 2019, a incerteza reside na intensidade da sua deterioração. Assim, a saída líquida de fluxos financeiros (investimentos em carteira e outros investimentos) deve aumentar. Decepções do “mercado” em relação aos resultados da política econômica do governo Bolsonaro podem reforçá-la ainda mais. No entanto, a economia brasileira não deve enfrentar dificuldades de financiamento externo. De acordo com o último relatório Focus divulgado em 08/02/2019, o DTC deve atingir US$ 25 milhões em 2018, valor 70% superior ao registrado em 2017, coerente com a menor taxa de crescimento da economia global (que afeta negativamente nossas exportações e estimula as remessas de rendas ao exterior), bem como com a projeção de aceleração do crescimento brasileiro de 1,3% em 2018 para 2,7% (que impulsiona as importações de bens e serviços). Mas o ingresso de IDE deve chegar a US$ 80 bilhões, um pequeno recuo frente à 2017 (US$ 88 bilhões). Ou seja, as NFE seguirão negativas em 2018.
Contudo, a menor dependência de fluxos financeiros para fechar as contas externas e o “colchão de segurança” representado pelo estoque atual de reservas internacionais (no patamar de US$ 370 bilhões) não blindam a economia brasileira dos eventos externos adversos devido à maior integração produtiva e financeira que transparece na composição atual do nosso passivo externo bruto.