Carta IEDI
Indústria e Disputas Geopolíticas
O IEDI vem, já há alguns anos, acompanhando de perto as novas experiências de políticas industriais, que voltaram a se multiplicar mundo afora. O que se pode concluir deste processo é que, em diferentes países e em diferentes culturas, a indústria vem se firmando como destacado vetor de resposta aos desafios sociais contemporâneos (aquecimento global e sustentabilidade, envelhecimento populacional, mobilidade urbana etc.). Há chances deste vir a ser um importante consenso do século XXI.
Nos últimos anos, as iniciativas se multiplicaram e os objetivos se somaram. A princípio, com o apoio ao fortalecimento e à modernização da indústria, muitos países buscavam evitar novos episódios de fraca recuperação econômica, tal como havia ocorrido após a crise de 2008-2009, que o FMI chegou a classificar de “too slow, too long”.
A digitalização dos processos produtivos e a difusão de outras tecnologias habilitadoras da chamada indústria 4.0 passaram a ser o foco das estratégias, sobretudo de países desenvolvidos, em busca de saltos expressivos de produtividade que pudessem ampliar sua competitividade face à concorrência de países emergentes com menores custo de produção, estimulando a criação dos empregos de melhor qualidade que a indústria assegura. Os emergentes mais dinâmicos, como a China, já reagiram e também assumiram uma trajetória de digitalização.
Em seguida, a premência dos desafios climáticos, em que o aquecimento global em até 2°C exigirá atingir já em 2025 o pico de emissão global de gazes de efeito estufa e reduzi-la em ¼ até 2030, segundo a ONU, fez da sustentabilidade ambiental um norte para empresas e governos e, por conseguinte, um importante objetivo das estratégias industriais.
Mais recentemente, dois outros temas se associaram aos anteriores. Em primeiro lugar, a pandemia de Covid-19 explicitou a vulnerabilidade da organização da produção industrial em cadeias globais ao gerar rupturas no fornecimento de insumos e, por esta razão, a busca por resiliência tornou-se uma preocupação não só do setor privado, mas também dos Estados.
A amplitude e os efeitos disso, embora não estejam claros, podem reconfigurar o desenho dessas cadeias globais, abrindo novas oportunidades de acoplagem para países como o Brasil, conforme discutido na Cartas IEDI n. 1104 “Riscos e resiliência das cadeias globais de valor” e n. 1092 “O Brasil diante das empresas multinacionais e das Cadeias Globais”.
Em segundo lugar, constituir competências industriais vem sendo visto como uma questão de segurança nacional (econômica, sanitária, energética, alimentar etc.). Isso porque a concorrência tecnológica em torno da digitalização e da indústria 4.0, as alterações no uso de recursos naturais, derivadas da agenda ambiental, e a busca por resiliência ensejam, quase inevitavelmente, mudanças nas relações econômicas e geopolíticas entre os países, nem sempre harmônicas e pacíficas.
A Carta IEDI de hoje busca analisar os efeitos destes temas recentes, qual sejam, resiliência e segurança nacional, a partir de iniciativas lançadas desde a desorganização econômica provocada pela pandemia de Covid-19 e, posteriormente, pela guerra na Ucrânia. Para isso, foram resgatadas três ações recentes: nos EUA para o setor de semicondutores (embora haja ações em muitos outros setores), na Europa para a cadeia do hidrogênio e no Brasil para fertilizantes.
Todas as três são respostas ao atual contexto internacional, que trouxe riscos à dependência de fontes externas de suprimento de certos produtos e insumos estratégicos, e envolvem, em maior ou menor grau, o desenvolvimento e/ou difusão de novas tecnologias.
O primeiro exemplo analisado refere-se à estratégia dos EUA para a indústria de semicondutores, essencial para a digitalização da economia e insumo básico ao funcionamento de vários setores industriais, em particular, da indústria automotiva, de microeletrônicos, energia, comunicações, aeroespacial e de defesa.
Segundo o diagnóstico do governo Biden, enquanto o investimento na base industrial dos EUA diminuiu ao longo dos últimos anos, os governos de países aliados, parceiros e concorrentes adotaram programas estratégicos para modernizar e aumentar sua competitividade industrial em diversos setores.
O objetivo dos EUA é explicito: conter o avanço sobretudo da China, manter as empresas norte-americanas na liderança das tecnologias de ponta em semicondutores e trazer de volta ao país a produção desse insumo estratégico que as empresas com foco exclusivo em corte de custo e retorno de curto prazo transferiram para o exterior.
A tensão entre EUA e China, que durante o governo Trump se expressou primordialmente em termos comerciais, passou a ter sua natureza tecnológica cada vez mais enfatizada, tendo em semicondutores, sua expressão mais nítida, conforme discutido na Carta IEDI n. 1088 “Indústria 4.0 e a Guerra Tecnológica China-EUA”.
A gestão Biden vem desenhando e adotando um conjunto de iniciativas para alavancar o papel do governo como comprador e investidor de produtos estratégicos, como os semicondutores. Entre elas estão:
• investimento público na infraestrutura necessária para apoiar a fabricação de semicondutores;
• fomento à pesquisa, desenvolvimento e inovação (CHIPS for America) para chips da próxima geração;
• ações de cooperação internacional para o fortalecimento das cadeias de suprimento em países aliados;
• controles de exportação de equipamentos e tecnologias críticos para semicondutores;
• fortalecer os requisitos federais do Buy American (E.O. 14005 de 25/1/21).
O segundo exemplo é a estratégia da União Europeia para o desenvolvimento tecnológico e constituição de uma cadeia produtiva para o hidrogênio verde, fundamental para alcançar um duplo objetivo: cumprir as metas de zero emissão líquida de carbono até 2050 e eliminar a dependência de fontes energéticas russas.
Este último objetivo ganhou caráter de urgência após a invasão da Ucrânia e a imposição pelos países da OTAN de sanções econômicas à Rússia, que ameaçou retalhar, cortando a oferta de gás natural. Por isso, o hidrogênio verde, que já estava incluído no Pacto Ecológico Europeu (EU Green Deal), de 2019, tornou-se eixo de destaque da estratégia de soberania energética da UE lançada em mai/22 (REPowerEU).
Elaborada pela Comissão Europeia, a estratégia para o hidrogênio verde estabeleceu como metas:
• A instalação de pelo menos 40 GW de capacidade de eletrolisador de hidrogênio renovável na UE, produzindo cerca de 5 Mt de hidrogênio renovável até 2030.
• A importação de 5 Mt de hidrogênio verde mediante a instalação de eletrolisadores com capacidade de 40 GW em terceiros-países, que dispõem de abundantes fontes de energia renovável, a exemplo do Brasil.
• A criação da rede europeia de hidrogênio da Espanha para a Suécia, em uma extensão total de quase 23 mil km até 2040.
Um dos principais instrumentos desta estratégia é a Aliança Europeia de Hidrogênio Limpo, anunciada em 2020, como parte da nova política industrial para a Europa. Os projetos de implementação de tecnologias de hidrogênio realizados no âmbito da Aliança poderão receber auxílios financeiros diretos dos governos, bem como contar com recursos do plano europeu de recuperação econômica Next Generation EU.
Vale mencionar ainda que, na Europa, diversos países adotaram suas próprias estratégias nacionais de hidrogênio limpo ou de baixo carbono, motivados tanto pelo desejo de aproveitar uma importante oportunidade de descarbonização como de dar às empresas domésticas uma vantagem competitiva potencial na futura economia do hidrogênio verde. Esses são os casos da Alemanha, França, Holanda e Reino Unido.
O terceiro exemplo de reação ao novo contexto geopolítico internacional é o Plano Nacional de Fertilizante 2050 (PNF2050), a estratégia brasileira recém lançada para promover a expansão da produção doméstica de fertilizantes, que é um insumo fundamental para o agronegócio brasileiro.
De acordo com o governo federal, PNF 2050 é um plano estrutural para reduzir a dependência atual do país de fertilizantes importados, que hoje respondem por 85% da demanda interna, e não para enfrentar a crise de acesso a estes produtos devido à guerra na Ucrânia e às sanções à Rússia.
Embora o Brasil possua reservas das matérias primas necessárias à produção de fertilizantes, o país não só não figura entre os líderes em inovação tecnológica do setor como, segundo a Secretaria de Assuntos Estratégicos – SAE, há um desperdício de cerca de 40% no uso de fertilizantes no Brasil, decorrente da falta de novas tecnologias de produção de fertilizantes adequados ao clima tropical e de utilização dos produtos
A estratégia lançada pretende ampliar a produção local competitiva de fertilizantes para cerca de 50% do consumo doméstico até 2050 e diminuir a dependência externa tecnológica e de fornecimento, mitigando os impactos de possíveis crises futuras e ampliando a competitividade do agronegócio brasileiro no mercado internacional.
Os investimentos previstos para a expansão da produção doméstica são da ordem de R$ 120 bilhões até 2050, mas apesar de sua ambição, o PNF 2050 não prevê aportes efetivos de recursos nem investimentos públicos, sem os quais o Plano pode não sair do papel.
Introdução
A interrupção das cadeias globais de valor em consequência da pandemia da Covid-19 funcionou como alerta para os riscos da forte dependência de fontes externas de suprimento para produtos, matérias-primas e insumos estratégicos tanto para a segurança econômica dos países, como para sua segurança sanitária, energética e alimentar.
Diversos países, desenvolvidos e em desenvolvimento, vêm lançando estratégias nacionais para o fortalecimento da base industrial doméstica, com ênfase em setores considerados estratégicos. Há ações com este propósito no Plano de Recuperação da União Europeia, no Plano Biden e no 14º Plano Quinquenal da China, que já foram objetos de Cartas IEDI nos últimos meses.
A escalada das tensões geopolíticas entre os Estados Unidos e a China, acirrada pela ambição chinesa de se tornar uma superpotência industrial de alta tecnologia, e, mais recentemente, a Guerra na Ucrânia reforçaram ainda mais as preocupações com a segurança nacional, segurança energética, sanitária e alimentar em razão da dependência de fornecedores estrangeiros. A Carta IEDI de hoje traz três exemplos de estratégias nacionais voltadas para setores industriais estratégicos para atender preocupações com segurança nacional, em suas várias dimensões.
O primeiro exemplo é a estratégia dos Estados Unidos para a indústria de semicondutores, insumo essencial à digitalização da economia e ao funcionamento de vários setores, em particular, a indústria automotiva, de microeletrônicos, comunicações, energia, aeroespacial e de defesa.
O segundo exemplo é a estratégia europeia para o hidrogênio verde, avaliada de fundamental importância para alcançar o duplo objetivo de cumprir as metas de zero emissão líquida de carbono até 2050 e, com a eclosão da guerra na Ucrânia, eliminar a dependência de fontes energéticas russas.
O terceiro exemplo refere-se à estratégia brasileira, apresentada no Plano Nacional de Fertilizante 2050, com a intenção de promover a expansão da produção doméstica de fertilizante e, assim, reduzir a dependência da agricultura brasileira das importações deste insumo, que se revelou com clareza também pelo contexto dos conflitos entre Rússia e Ucrânia.
Para elaboração desta Carta IEDI foram consultados diversos documentos oficiais dos Estados Unidos, União Europeia, Alemanha e Brasil, assim como estudo publicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e informações divulgadas na imprensa.
Estados Unidos em Busca de Resiliência para a Indústria de Semicondutores
Em tempos de progressiva digitalização, a indústria de semicondutores é um importante viabilizador o crescimento econômico e criação de empregos. Os semicondutores alimentam praticamente todos os setores da economia, incluindo energia, saúde, agricultura, eletrônicos de consumo, indústria de transformação, defesa e transporte. Os semicondutores são usados em praticamente todos os produtos de tecnologia e sustentam sistemas militares de última geração.
Desde o anúncio, em 2015, da estratégia tecnológica chinesa Made in China 2025, que revelou ao mundo as ambições da China em conquistar a liderança mundial em tecnologias emergentes estratégicas, inteligência artificial e 5G, a cadeia de semicondutores passou a ser visto como uma questão de segurança nacional nos Estados Unidos.
Durante o governo Trump, diversas medidas protecionistas foram adotadas sob alegação de segurança nacional para coibir os avanços tecnológicos chineses. Desde então, os Estados Unidos e alguns dos seus aliados têm procurado restringir o acesso de empresas chinesas, como a Huawei e a Semiconductor Manufacturing International Corporation (SMIC), às tecnologias avançadas de semicondutores (ver Carta IEDI n. 1088).
As preocupações dos Estados Unidos com a cadeia de semicondutores aumentaram ainda mais com a pandemia da Covid-19, que acarretou uma prolongada ruptura do fornecimento. De um lado, ocorreu interrupção da produção em vários países. De outro lado, deu-se uma vertiginosa ampliação das atividades on-line, de trabalho e educação, que elevou substancialmente a demanda por dispositivos eletrônicos, incluindo sistemas de videogame, computadores, laptops e outros eletrônicos, e para a infraestrutura digital.
No início de 2021, a escassez de semicondutores foi agravada pela ocorrência de incêndio na empresa japonesa Renesas Electronics Corporation, a qual responde por 30% do mercado de microcontroladores utilizados nos carros, de eventos climáticos adversos em Taiwan e no Texas, que afetaram a produção de chips.
A ruptura de fornecimento de semicondutores, mas também de outros produtos críticos, como produtos e insumos farmacêuticos e baterias de grande capacidade, ensejou o governo Biden a editar, em 24 de fevereiro de 2021, a Ordem Executiva (EO) 14017 – “Cadeias de Suprimentos da América”, determinando a realização de uma revisão abrangente das cadeias de suprimentos estratégicos do país, com vistas a identificar riscos, vulnerabilidades e desenvolver uma estratégia para promover a resiliência.
Foram consultados diversos Departamentos e agências federais e centenas de partes interessadas de instituições trabalhistas, empresariais, acadêmicas, Congresso e países aliados e parceiros dos Estados Unidos para identificar vulnerabilidades e, assim, buscar soluções que minimizassem riscos de ruptura.
No relatório “Building resilient supply chains, revitalizing American manufacturing, and fostering broad-based growth: 100-Day Reviews under Executive Order 14017”, apresentado em junho de 2021 ao presidente Biden, marcando os 100 primeiros dias da OE 14017, já foram identificados os seguintes fatores de vulnerabilidade da produção doméstica de produtos estratégicos:
• Perda de capacidade de produção industrial ao longo de várias décadas, que acarretou perda de capacidade de inovação, não obstante a existência de um ecossistema de inovação incomparável com universidades de classe mundial, centros de pesquisa, startups e incubadoras, atraindo os melhores talentos de todo o mundo.
• Incentivos desalinhados e visão de curto prazo em mercados privados, que não recompensam as empresas por investir em qualidade, sustentabilidade ou produtividade de longo prazo. O foco na maximização dos retornos de capital a curto prazo levou ao subinvestimento do setor privado norte-americano na resiliência de longo prazo e à redução de gastos com pesquisa e desenvolvimento (P&D).
• Enquanto o investimento dos Estados Unidos na base industrial doméstica diminuiu, os aliados, parceiros e concorrentes adotaram políticas industriais para aumentar sua própria competitividade industrial doméstica. Várias estratégias, incluindo investimentos públicos em P&D, incentivos à demanda doméstica e parcerias internacionais estratégicas têm sido usadas para apoiar a resiliência e a competitividade dos principais setores econômicos.
• No caso da cadeia mundial de suprimento de semicondutores, a análise realizada pelo Departamento do Comércio destaca que Taiwan – líder global na produção dos chips semicondutores mais avançados – fornece subsídios para instalações de fabricação, incluindo 50% para custos de terrenos, 45% para construção e instalações e 25% para a produção de semicondutores, além de investimentos em P&D e outros incentivos. Também na Coreia do Sul e Singapura, foram identificados subsídios que reduzem o custo das instalações fabris de semicondutores em 25%-30%.
• Concentração geográfica em aprovisionamento global. A busca por produção de baixo custo, combinada com a efetiva política industrial de muitas nações, levou a concentrações geográficas das principais cadeias de suprimentos de insumos críticos em poucos países específicos, aumentando as vulnerabilidades dos Estados Unidos. Segundo o relatório, essa concentração deixa as empresas norte-americanas vulneráveis ao risco de rupturas, sejam causadas por um desastre natural, um evento geopolítico ou mesmo uma pandemia global.
• As empresas norte-americanas, incluindo as principais empresas de semicondutores sem fábrica, dependem de fontes estrangeiras de semicondutores, especialmente na Ásia, criando um risco na cadeia de suprimentos. No caso de semicondutores avançados, por exemplo, 92% da oferta global dos chips de ponta provém de empresas taiwanesas.
• Coordenação internacional limitada para a segurança da cadeia de suprimentos. À parte alguns projetos-pilotos e iniciativas isoladas, os Estados Unidos não se concentraram sistematicamente na construção de mecanismos de cooperação internacional para apoiar a resiliência da cadeia de suprimentos junto a seus aliados e parceiros.
Uma das principais recomendações da equipe do governo dos Estados Unidos responsável pela avaliação das cadeias de suprimento de produtos estratégicos para superar as vulnerabilidades identificadas reside em alavancar o papel do governo como comprador e investidor de bens críticos para fortalecer a resiliência das cadeias produtivas e apoiar as prioridades nacionais.
Segundo a administração Biden, as compras federais têm o potencial de apoiar a produção de produtos críticos nos Estados Unidos, criando uma fonte estável de demanda por produtos fabricados domesticamente, proporcionando assim um incentivo para o setor privado investir na produção local.
Essa recomendação está em consonância com a orientação do presidente Biden de fortalecer os requisitos federais do Buy American, que exigem que os dólares dos contribuintes norte-americanos sejam gastos em produtos fabricados nos Estados Unidos.
Igualmente, é recomendado que os requisitos de fabricação nacional em subvenções, acordos de cooperação e contratos de pesquisa e desenvolvimento sejam atualizados para garantir que a P&D financiada pelos contribuintes conduza a produtos fabricados nos Estados Unidos.
Em fevereiro de 2022, quando completou o aniversário de um ano da OE 14017 sobre as Cadeias de Suprimento dos Estados Unidos, a Administração Biden divulgou um novo relatório, intitulado “On America’s Supply Chains: A year of action and progress”, em que detalha as ações já adotadas para implementar as recomendações anteriores.
Junto com o relatório-síntese, foram igualmente divulgados relatórios específicos com avaliação e estratégias para cadeias de suprimentos de seis setores industriais, entre os quais a base industrial de energia, a base industrial de tecnologia da informação e comunicação (TIC) e a base industrial de defesa, que incluem semicondutores.
Responsável pelo exame inicial da cadeia de suprimento de semicondutores, o Departamento do Comércio (DOC) destaca que a participação norte-americana na produção mundial de semicondutores caiu de 37% em 1990 para 12% em 2020, a qual deve diminuir ainda mais sem a adoção de uma estratégia nacional abrangente para apoiar a indústria.
Além do papel central que desempenham na economia, os semicondutores são essenciais para a defesa dos Estados Unidos, segundo o DOC. Os semicondutores permitem o desenvolvimento e colocação em campo de sistemas avançados de armas e controlam a operação da infraestrutura crítica do país. São fundamentais para a operação de praticamente todos os sistemas militares, incluindo sistemas de comunicações e navegação e sistemas de armas complexos, bem como para o desenvolvimento de sistemas autônomos avançados, segurança cibernética, espaço e hipersônicos e energia direcionada.
Ademais, os semicondutores são insumos-chave no setor de energia para os esforços de descarbonização da economia e para as tecnologias do futuro, incluindo inteligência artificial e 5G, indispensáveis para alcançar a meta de uma “economia nacional dinâmica, inclusiva e inovadora”.
A cadeia de suprimentos de semicondutores – do design à embalagem até a eventual incorporação nos produtos finais adquiridos pelos clientes – é extremamente complexa, competitiva e geograficamente dispersa. Isso implica que a interrupção das rotas de transporte pode causar sérios problemas de abastecimento.
O Departamento de Comércio examinou a cadeia de suprimentos de semicondutores por meio de cinco segmentos essenciais relacionados: design; fabricação; montagem, teste e embalagem (ATP) e embalagem avançada; materiais; e equipamentos de fabricação. A análise constatou que:
1. Os Estados Unidos são líderes mundiais em design de semicondutores, com muitas empresas aproveitando os menores gastos de capital possibilitados pela terceirização de sua fabricação ou pela localização de suas instalações no exterior. Porém, as empresas norte-americanas de design sem fábrica são altamente dependentes de fundições contratadas para fabricar seus produtos, localizadas sobretudo no leste da Ásia e das vendas na China para o crescimento contínuo do lucro e do investimento doméstico P&D.
2. O processo de fabricação de semicondutores é um dos mais avançados do mundo, envolvendo técnicas e equipamentos de ponta, operando com precisão subatômica. Este estágio da cadeia de suprimentos de semicondutores é responsável por cerca de 24% do valor agregado ao chip. Avanços contínuos na tecnologia de fabricação de chips exige equipamentos de fabricação inteiramente novos e cada vez mais caros. Os Estados Unidos não têm capacidade instalada suficiente para produzir semicondutores, em particular nos níveis de tecnologia mais avançados.
3. À medida que os chips se tornam cada vez mais complexos, os métodos avançados de embalagem representam uma área potencial para avanços tecnológicos significativos. No entanto, os Estados Unidos carecem do ecossistema de materiais necessários e também não são um local econômico para desenvolver um setor de embalagens avançadas robusto.
4. Muitos dos materiais usados na fabricação de semicondutores têm produção limitada nos Estados Unidos e fornecedores estrangeiros dominam os mercados destes materiais, como Japão, Taiwan, Coreia do Sul e China. A forte concentração geográfica desses fornecedores no Leste da Ásia representam risco para a indústria norte-americana, uma vez que interrupção no fornecimento de qualquer um desses diversos materiais pode ter impactos de longo alcance na produção de semicondutores.
5. Os Estados Unidos têm uma parcela significativa da produção global da maioria dos tipos de equipamentos de fabricação de semicondutores de ponta, mas com a produção doméstica de semicondutores decrescente, os fabricantes norte-americanos destes equipamentos dependerão muito mais das vendas realizadas no exterior e correm o risco de serem significativamente impactados por restrições comerciais entre os Estados Unidos e a China ou mudanças inesperadas de demanda na Ásia.
Na avaliação do DOC, as cadeias de suprimentos de semicondutores estão sujeitas às seguintes ameaças e riscos transversais: i) cadeias de suprimentos frágeis; ii) interrupções propositais da cadeia de suprimentos; (iii) uso de semicondutores obsoletos e desafios relacionados à lucratividade contínua das empresas na cadeia de suprimentos; (iv) concentração de clientes e fatores geopolíticos; (v) efeitos de rede de produção de eletrônicos; (vi) lacunas em termos de capital humano; (vii) roubo de propriedade intelectual; e (viii) desafios para capturar os benefícios da inovação e alinhar interesses públicos e privados.
Acontecimentos recentes que afetam as cadeias globais de suprimentos, como a pandemia de Covid-19, eventos climáticos adversos e o bloqueio do Canal de Suez (em mar/21), demonstraram, segundo o governo Biden, a importância da preparação e da resiliência da cadeia de suprimentos.
Os Estados Unidos face às Ações Chinesas em Semicondutores
A aspiração da China para liderar a indústria de semicondutores é destacada pelo DOC como um importante risco a esta cadeia. Embora a participação chinesa na indústria global de semicondutores seja relativamente pequena e suas empresas produzem principalmente chips de baixo custo, com a fundição chinesa mais avançada, a SMIC, produzindo no nó de 14 nm, com capacidade limitada, a China está no meio de um grande esforço liderado pelo Estado para desenvolver uma indústria nativa e verticalmente integrada que lidere em todos os segmentos até 2030.
O desenvolvimento do setor de semicondutores é uma das políticas industriais mais bem financiadas da China, segundo o relatório do governo norte-americano, destacando a seriedade com que o país está desafiando os players globais estabelecidos.
Atualmente, o governo central chinês está destinando US$ 100 bilhões em subvenções à sua indústria de semicondutores, incluindo o desenvolvimento de 60 novas instalações de produção. Combinado com o suporte financeiro fornecidos pelos governos municipais e provinciais, o apoio governamental chinês à sua indústria doméstica de semicondutores pode superar US$ 200 bilhões até 2025.
Uma grande proporção dos subsídios chineses no setor de semicondutores está indo para a construção de fábricas modernas, que são caras para construir e equipar (US$ 12 a US$ 20 bilhões) e extremamente complexas para operar. O aumento da capacidade de fabricação doméstica é uma marca registrada da política industrial da China para atingir sua meta de autossuficiência no setor de semicondutores.
Nos estágios iniciais de implementação da estratégia de desenvolvimento da indústria de semicondutores, definida no Made in China 202 em 2015, a China concentrou-se em fusões e aquisições.
Ainda em 2015, a China começou financiando a consolidação de inúmeras empresas nacionais em empresas maiores, dando aos potenciais “campeões nacionais” escala para competir com empresas estrangeiras. O exemplo mais proeminente foi a aquisição da RDA Microelectronics (China) e Spreadtrum (China) pela Tsinghua Unigroup. Essas aquisições colocam a Tsinghua Unigroup em posição de liderança para o desenvolvimento da indústria de semicondutores da China.
Em seguida, o governo chinês passou a financiar compras de empresas estrangeiras de semicondutores e patrocinar a criação de empresas domésticas em segmentos tecnologicamente avançados.
Com a criação da Yangtze Memory Technologies (YMTC), em 2016, por exemplo, a China buscou desenvolver um fabricante de chips de memória local para romper sua dependência das três principais empresas de chip de memória do mundo: Samsung (Coreia do Sul), SK hynix (Coreia do Sul) e Micron (Estados Unidos).
Focada em rápida expansão, a YMTC, que recebeu cerca de US$ 24 bilhões em subvenções governamentais, pretende produzir até 200 mil pastilhas (wafers) por mês até o final de 2022, o dobro da atual capacidade de produção de chip de memória flash da Intel, representando uma ameaça potencial direta para empresas sediadas nos Estados Unidos.
Na avaliação do Departamento do Comércio, a empresa norte-americana de chip de memória Micron, que é uma concorrente direta da YMTC, será provavelmente a primeira empresa dos EUA a ver sua competitividade futura e capacidade de inovar ameaçadas como resultado das subvenções que beneficiam sua concorrente.
O desenvolvimento de embalagens avançadas é igualmente uma prioridade tecnológica para a indústria chinesa de semicondutores, que tem recebido investimentos significativos do governo. O Conselho de Estado estabeleceu como meta que as embalagens avançadas representem cerca de 30% de todas as receitas de embalagens obtidas pelos fornecedores chineses de chip até 2025. Os investimentos chineses em embalagens avançadas ameaçam derrubar o mercado no futuro, afetando a competitividade das empresas norte-americanas.
Segundo o DOC, a China planeja realizar investimentos expressivos no desenvolvimento doméstico de equipamentos de fabricação de semicondutores de ponta. A Fase II do Fundo Nacional de Investimento da Indústria de Circuitos Integrados da China, lançada em outubro de 2019, prevê financiamento de US$ 28,9 a US$ 47 bilhões em máquinas de gravação, deposição, teste e equipamentos de limpeza de pastilhas.
Com esses investimentos, a China pretende superar as debilidades da indústria doméstica em design de chips avançados e dominar as indústrias emergentes, incluindo veículos autônomos, redes inteligentes, internet das coisas (IoT), tecnologia 5G e inteligência artificial (IA), o que poderia eliminar sua lacuna tecnológica estratégica em relação aos Estados Unidos.
Além dos subsídios, as políticas chinesas reduziram as alíquotas de imposto de renda para empresas de semicondutores que usam nós de tecnologia específicos e há concessões específicas no imposto sobre valor agregado. Vários campeões domésticos potenciais, incluindo Tsinghua Unigroup (Pequim) e SMIC (Xangai), receberam empréstimos a taxas abaixo do benchmark do China Development Bank e dos “quatro grandes” bancos estatais.
Dentro dos planos do governo chinês para promover sua indústria de semicondutores, existem políticas que incentivam e/ou exigem a transferência de propriedade intelectual para empresas baseadas na China, inclusive por meio de requisitos de joint venture com empresas chinesas.
O aumento da atividade das empresas norte-americanas de semicondutores na China, bem como das empresas sediadas em Taiwan e na Coréia do Sul das quais as empresas de design de semicondutores dos EUA dependem para produção, pode resultar em uma aceleração da transferência de propriedade intelectual de empresas sediadas nos Estados Unidos para empresas sediadas na China.
A busca e a defesa agressivas da propriedade intelectual (PI) refletem o nível geral de competição na indústria de semicondutores e a importância de manter as vantagens competitivas. A indústria de semicondutores perde apenas para os biofarmacêuticos como a indústria mais intensiva em P&D do mundo. A capacidade de colher os benefícios dos gastos com P&D permite inovações futuras contínuas.
A mesma dinâmica prevalece para os gastos de capital, pois os custos de construção de fábricas de semicondutores de ponta estão aumentando rapidamente: praticamente dobram a cada quatro anos. Para as empresas que visam produzir na vanguarda tecnológica, a incapacidade de capitalizar a tecnologia atual pode resultar na incapacidade de investir em tecnologia futura.
Segundo o relatório do governo norte-americano, muitas empresas individuais, particularmente aquelas que não recebem subsídios estatais maciços, não têm a tolerância ao risco necessária para realizar os projetos de pesquisa básica de longo prazo e com alta taxa de insucesso que serão necessários para avançar radicalmente em projetos de chips e processos de fabricação radicalmente novos para dar suporte a métodos de computação emergentes.
O suporte financeiro governamental proporciona às empresas chinesas acesso a fundos para investir em P&D para a fabricação de semicondutores de próxima geração, assegurando vantagens significativas a essas empresas em relação às empresas não chinesas que não recebem tais subsídios.
Assim, enquanto as empresas norte-americanas normalmente devem reduzir contratações, gastos de capital e P&D quando confrontadas com uma demanda futura incerta, as empresas na China, com e sem propriedade direta do governo, podem continuar a investir com base no conhecimento de que o governo da China contribuirá com bilhões de dólares para o desenvolvimento dessa indústria.
A produção de eletrônicos, em geral, e de semicondutores em particular, se beneficia dos chamados efeitos de clusters. Ao se estabelecer como o principal cliente imediato de semicondutores, a China estabeleceu uma posição de mercado que, se não for controlada, permitirá aumentar o poder sobre a indústria global de semicondutores. Com muitos de seus maiores clientes já na China, as empresas de semicondutores têm um incentivo para estabelecer uma presença próxima, o que, por sua vez, serve para aumentar a atratividade de estabelecer no país um negócio relacionado a semicondutores.
Segundo o Departamento de Comércio, a forte dependência das vendas de empresas norte-americanas para a China fornece ao governo chinês alavancagem econômica e potencial de retaliação contra os Estados Unidos. Frente a essa dependência de curto prazo e vulnerabilidade de longo prazo, seria importante que o país adotasse uma abordagem holística para lidar com a crescente concentração de atividades de produção de semicondutores na China.
À medida que os Estados Unidos buscam a liderança em tecnologias de próxima geração e investem em projetos-chave de infraestrutura, como infraestrutura de banda larga de alta velocidade, veículos elétricos, resiliência da rede elétrica e modernização da geração de energia, a demanda por semicondutores que são essenciais para essas tecnologias aumentará, e parte dessa demanda poderá ser atendida com a produção doméstica.
Cultivar o desenvolvimento, a produção e a demanda doméstica para essas indústrias emergentes de ponta fornecerá uma “âncora” para a tecnologia e produção de semicondutores avançados.
Além dos planos específicos da China para se tornar líder mundial em semicondutores, ressalte-se que a maior parte das fábricas de semicondutores de última geração em todo o mundo está localizada em territórios sujeitos a risco geopolítico e a risco geológico.
O fato de muitas instalações de fabricação estarem na China e em Taiwan e pertencerem a entidades dessas duas economias coloca a comunidade mundial de semicondutores em grande risco de ações geopolíticas.
Mesmo um pequeno conflito ou embargo pode acarretar grandes interrupções imediatas para os Estados Unidos e implicações de longo prazo para a resiliência da cadeia norte-americana de suprimentos.
Dado esse cenário, ampliar a capacidade doméstica de produção, embalagem e teste de semicondutores ajudaria a mitigar as ameaças à segurança nacional dos Estados Unidos, segundo o relatório doo DOC. Porém, essa tarefa será desafiadora e cara. Como mencionado, o custo de instalação de uma nova fábrica pode chegar a dezenas de bilhões de dólares.
Recomendações de Políticas para Semicondutores nos EUA
Com vistas a expandir e proteger a cadeia de suprimentos de semicondutores dos Estados Unidos, foram apresentadas ao governo Biden sete conjuntos principais de recomendações:
1. Promover investimento, transparência e colaboração, em parceria com a indústria, para suprir no curto prazo a atual escassez de semicondutores. Embora o setor privado deva assumir a liderança, o governo dos Estados Unidos pode ajudar, facilitando o investimento, a transparência e a colaboração com a indústria e com parceiros e aliados.
2. Financiar totalmente as disposições do programa Criação de Incentivos Úteis para a Produção de Semicondutores (CHIPS for America) para promover a liderança dos EUA a longo prazo, que prevê US$ 50 bilhões em incentivos para a indústria de semicondutores. Recursos do programa CHIPS também serão direcionados ao financiamento de investimentos essenciais em P&D para que as empresas norte-americanas possam avançar na próxima fase de inovação, empacotamento e integração avançados, pesquisa de novos materiais, arquiteturas, processos, dispositivos e aplicativos.
3. Fortalecer o ecossistema doméstico de fabricação de semicondutores. Para alcançar esse objetivo, o governo norte-americano deve investir na infraestrutura necessária para apoiar a fabricação de semicondutores, bem como apoiar os investimentos do setor privado nas principais indústrias a montante — incluindo equipamentos de fabricação de semicondutores, materiais e gases — e indústrias a jusante em toda a cadeia de suprimentos de semicondutores, e sobretudo, apoiar a produção doméstica de chips relacionados às necessidades da defesa nacional.
4. Apoiar as pequenas e médias empresas (PMEs) e empresas de áreas desfavorecidas ao longo da cadeia de suprimentos para aumentar a inovação. Fornecedores de pequeno e médio porte representam a maioria das empresas dos EUA envolvidas na fabricação de semicondutores e dispositivos relacionados e se beneficiariam de suporte especializado para aumentar sua participação de mercado e resiliência. Além de suporte à pesquisa e inovação, pequenas empresas promissoras devem ser apoiadas por agências federais para escalar seus negócios, conectando essas empresas à cadeia de valor comercial por meio de uma “cadeia de crescimento” claramente mapeada.
5. Criar uma pipeline de talentos. O governo federal e o Congresso devem fazer investimentos significativos para aumentar e diversificar o pipeline de talentos nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM), essenciais para a produção de semicondutores e muitas outras indústrias nos Estados Unidos. Reter e apoiar trabalhadores estrangeiros preenchendo lacunas essenciais na força de trabalho de semicondutores é igualmente importante para a competitividade dos Estados Unidos.
6. Aprofundar o envolvimento com países aliados e parceiros em apoio a uma cadeia de suprimentos global de semicondutores mais resiliente e benefícios compartilhados de pesquisa e desenvolvimento adicionais.
7. Proteger a vantagem tecnológica dos Estados Unidos. O governo federal deve direcionar e implementar controles de exportação em equipamentos e tecnologias semicondutores críticos para lidar com certas vulnerabilidades da cadeia de suprimentos. Também deve fazer esforços para colaborar e coordenar com os principais países aliados e parceiros fornecedores em controles multilaterais eficazes.
Na revisão de um ano do primeiro relatório, sobre as cadeias de suprimento da base industrial de energia, o Departamento de Energia (DOE) identificou uma vulnerabilidade adicional significativa nos semicondutores: a desaceleração dos ganhos de eficiência energética em cada geração1. Sem um forte foco em eficiência energética para hardware e software, a demanda agregada de energia de semicondutores e as emissões de carbono associadas aumentarão drasticamente.
Para enfrentar essas tendências insustentáveis de uso de energia, o DOE sugere o desenvolvimento de um roteiro de P&D com o objetivo de dobrar a eficiência energética de semicondutores a cada dois anos ou menos até que a eficiência energética de semicondutores seja mil vezes maior do que é hoje. Uma abordagem abrangente pode contribuir para alcançar essa melhoria na eficiência energética até 2040.
De acordo com o já mencionado relatório divulgado pela Casa Branca em fevereiro de 2022, nos nove meses desde o lançamento das revisões de 100 dias, o governo Biden agiu em três dimensões para fortalecer as cadeias de suprimentos críticas e colocar os Estados Unidos no caminho da resiliência e da sustentabilidade:
• Articulação de soluções imediatas aos desafios da cadeia de suprimentos em evolução;
• Realização de investimentos históricos para estabelecer as bases para a resiliência da cadeia de suprimentos de longo prazo; e
• Institucionalização da capacidade do governo federal para identificar, mitigar e responder a interrupções na cadeia de suprimentos a longo prazo.
Para além de ações de curto prazo para gerir a escassez recente de semicondutores, como no longo prazo o objetivo mais importante deve ser aumentar as capacidades de produção doméstica de semicondutores, em 2021, a Administração Biden:
• Mobilizou o setor privado para garantir quase US$ 80 bilhões em investimentos em semicondutores para novas fábricas ou expansão de fábricas nos Estados Unidos até 2025. Isso não significa apenas a redução da dependência em relação a países terceiros, como também significa mais empregos industriais de alta qualidade e bem remunerados para os trabalhadores norte-americanos.
• Conseguiu a aprovação do Congresso para financiar integralmente a Lei de Criação de Incentivos Úteis para a Produção de Semicondutores (CHIPS). No entanto, os fundos ainda não estão disponíveis, uma vez que o Senado (USICA) e a Câmara (COMPETES) aprovaram diferentes projetos de lei contendo financiamento do CHIPS. Quando adotados, esses incentivos federais apoiarão: a criação de milhares de empregos; a expansão da capacidade de produção nos Estados Unidos; a diversificação para longe de fontes únicas de suprimento, que criam cadeias de suprimentos frágeis; e o reinvestimento em pesquisa e desenvolvimento nos Estados Unidos.
O Congresso aprovou igualmente a destinação de recursos para a constituição de um Fundo Multilateral de Segurança de Semicondutores, operado pelo Departamento de Estado, para apoiar os esforços diplomáticos com parceiros estrangeiros para alinhar políticas sobre controles de exportação, triagem de investimentos estrangeiros diretos, segurança da cadeia de suprimentos, proteção de propriedade intelectual e requisitos de transparência sobre subsídios, incluindo programas conjuntos de P&D com aliados.
Em 2021, o governo Biden também intensificou ações de cooperação internacional para o fortalecimento das cadeias de suprimento de produtos críticos, incluindo semicondutores, com vistas a garantir a competitividade tecnológica das empresas norte-americana, e, sobretudo, barrar os avanços da China e de outros rivais.
Em junho de 2021, por exemplo, foi anunciada a formação do Conselho de Comércio e Tecnologia (TTC) pelos Estados Unidos e União Europeia. O objetivo do TTC é promover a competitividade e a prosperidade dos Estados Unidos e da União Europeia e a disseminação da democracia, aumentando o comércio transatlântico e o investimento em produtos e serviços de tecnologia emergente, fortalecendo a liderança tecnológica e industrial, impulsionando a inovação e protegendo e promovendo tecnologias e infraestruturas críticas e emergentes.
No segundo semestre de 2021, o presidente Biden reuniu mais de uma dúzia de líderes mundiais para promover uma maior cooperação internacional em interrupções da cadeia de suprimentos de curto prazo e traçar um curso para fortalecer e diversificar todo o ecossistema da cadeia de suprimentos a longo prazo. Além disso, os Estados Unidos e os demais países-membros do grupo Quad __ Austrália, Índia, Japão __ iniciaram uma iniciativa conjunta de mapeamento da cadeia de suprimentos de semicondutores.
O governo Biden também orientou a Corporação Financeira de Desenvolvimento Internacional (DFC), a instituição financeira de desenvolvimento dos Estados Unidos criada em 2018, a buscar ativamente junto ao setor privado investimentos nos países em desenvolvimento que possam fortalecer as principais cadeias de suprimentos dos Estados Unidos.
Para o ano de 2022, a Administração Biden pretende intensificar as ações de cooperação com países aliados e parceiros para garantir fontes de suprimento abundantes e resilientes, tanto garantindo suprimentos no exterior quanto trabalhando com empresas aliadas para expandir a mineração sustentável nos Estados Unidos.
No caso dos semicondutores, o governo norte-americano almeja coordenar com os aliados e parceiros os respectivos investimentos domésticos para garantir o fornecimento global adequado e manter vantagem tecnológica sobre os seus concorrentes (leia-se China).
O duplo objetivo da Europa com o Hidrogênio Verde
Os compromissos assumidos por inúmeros países com a neutralidade de carbono até 2050 destacaram o papel crítico que o hidrogênio verde pode desempenhar para o alcance das metas de zero emissões líquidas de CO2 (net zero). O hidrogênio pode ser usado como matéria-prima, combustível ou como vetor e armazenamento de energia, e tem muitas aplicações possíveis nos setores da indústria, transporte, energia e construção.
Mais importante ainda, o hidrogênio não emite CO2 e quase não polui o ar quando usado. Assim, oferece uma solução para descarbonizar processos industriais e setores econômicos nos quais a redução de emissão de carbono é urgente e difícil de alcançar.
Atualmente, contudo, o desenvolvimento da cadeia de hidrogênio assumiu, a partir da eclosão da guerra na Ucrânia, um inegável componente geopolítico para a União Europeia. A forte dependência de muitos países europeus de commodities energéticas russas, como será discutido mais à frente, tornou estratégica a ampliação de fontes alternativas de energia convergentes com os objetivos de sustentabilidade ambiental.
Segundo a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, “nós devemos nos tornar independentes do petróleo, do carvão e do gás russo. (...) Quanto mais rápido nos voltarmos para o hidrogênio e fontes renováveis, combinados com maior eficiência energética, mais rápido seremos verdadeiramente independentes e mestres de nosso sistema energético"2. Com este objetivo foi lançado, em maio de 2022, o REPowerEU, que além de ações de curto prazo, com a intensão de diversificar a origem das importações europeias sobretudo de gás natural, também busca acelerar o desenvolvimento da cadeia de hidrogênio e de energias renováveis3.
De acordo com um estudo recente de pesquisadores da OCDE, intitulado “Innovation and Industrial Policies for Green Hydrogen”, a produção de hidrogênio verde por eletrólise a partir de eletricidade de fonte renovável pode contribuir para a redução das emissões de carbono por meio de quatro aplicações:
1º. O hidrogênio já é uma matéria-prima para vários produtos químicos, como amônia, e o hidrogênio verde pode tornar essa produção neutra em carbono;
2º. O hidrogênio verde é uma alternativa promissora aos combustíveis fósseis para processos industriais que exigem altas temperaturas, como a produção de aço;
3º. Necessário para o desenvolvimento de veículos movidos a células de combustível, como automóveis, caminhões, aeronaves e navios, o hidrogênio verde pode também substituir o gás natural, reduzindo as emissões nas edificações.
4º. O hidrogênio pode ser usado para armazenar energia produzida a partir de fontes intermitentes, apoiando assim o fornecimento de eletricidade renovável de baixo custo.
Porém, não obstante as previsões de que o hidrogênio verde desempenhará um papel fundamental na descarbonização no horizonte de 2050, a produção de hidrogênio verde ainda era, em 2021, cerca de 3 vezes mais cara que o hidrogênio cinza, elaborado a partir de gás natural.
Reduções significativas de custo de produção do hidrogênio verde dependerão crucialmente de melhorias dos eletrolisadores, por meio de projetos de pesquisa, desenvolvimento e demonstração em larga escala (P&D&D) e da disponibilidade de grandes volumes de eletricidade renovável barata. Serão necessários investimentos expressivos, que, por sua vez, dependem de políticas públicas ambiciosas, aponta a OCDE.
Além da atividade de P&D&D, novos projetos de grande escala são importantes para obter reduções de custos por meio do aprendizado na prática e economias de escala. A partir das informações do Banco de Dados de Políticas de Hidrogênio da Agência Internacional de Energia, criado para a presidência japonesa do G20 em 2020 e atualizado em outubro de 2021, copilados pela OCDE, havia 15 grandes projetos de produção de hidrogênio em implementação com inicialização prevista até 2040, dos quais onze de hidrogênio verde e quatro de hidrogênio azul, produzido com combustível fóssil com captura de carbono. Sete grandes projetos estão sendo implementados na Europa, com destaque para a parceria franco-espanhola de hidrogênio verde, HyDeal Ambition, com capacidade estimada de 14.888.889 nm³ H2/hora, previsto para entrar em funcionamento em 2030.
A tecnologia do hidrogênio verde é atraente, segundo os pesquisadores da OCDE, porque pode contribuir a uma ampla gama de objetivos políticos, como segurança energética, que se tornou crucial para a Europa depois do início da guerra na Ucrânia4, redução da poluição do ar e da emissão de gases de efeito estufa e desenvolvimento econômico.
Na Europa especificamente, o hidrogênio verde, que já estava incluído no Pacto Ecológico Europeu (EU Green Deal), que é o plano de transição climática da União Europeia adotado em 2019, deverá receber novo reforço por razões de segurança geopolítica, como sugere o lançamento do REPowerEU.
Sustentabilidade e Hidrogênio Verde na Europa
O hidrogênio ainda representa uma fração modesta do mix de energia da União Europeia (UE), e ainda é amplamente produzido a partir de combustíveis fósseis, principalmente gás natural ou carvão, resultando na liberação de 70 a 100 milhões de toneladas de CO2 anualmente. Para que o hidrogênio contribua para a neutralidade climática, sua produção precisa atingir uma escala muito maior e deve ser totalmente descarbonizada.
Em 2019, os custos estimados para o hidrogênio de origem fóssil era de cerca de 1,5 €/kg na UE. Esses custos dependem diretamente dos preços do gás natural e desconsideram o custo do CO2. Já os custos estimados para o hidrogênio de base fóssil com captura e armazenamento de carbono era de cerca de 2 €/kg, enquanto o hidrogênio limpo de fonte renovável era de 2,5 €/kg a 5,5 €/kg.
No plano de transição climática da UE prevalece a visão é que a produção do hidrogênio de baixo carbono (hidrogênio azul), produzido a partir de gás natural e carvão com captura de carbono, será relevante apenas no curto e médio prazo. O objetivo principal é de longo prazo e consiste no pelo desenvolvimento do hidrogênio verde, isto é, produzido a partir de fontes de energia renovável.
Há ainda o que progredir na produção de hidrogênio azul. Com tecnologias avançadas, a produção de hidrogênio a partir de gás natural pode atingir taxas de captura de CO₂ de 90%. Ainda assim, mesmo não chegando a 100% permite um processo de transição para o hidrogênio verde no longo prazo.
A Comissão Europeia divulgou nova estratégia europeia específica para o hidrogênio verde em julho de 20205. A estratégia descreve, entre outros elementos, como aumentar em larga escala a produção e o uso de hidrogênio limpo em ritmo acelerado, fundamental para ajudar a descarbonizar a UE, reduzindo as emissões de gases de efeito estufa em no mínimo 50% e em 55% até 2030, de maneira rentável, de acordo com o Pacto Ecológico Europeu.
A nova estratégia estabeleceu como meta a instalação de pelo menos 40 GW de capacidade de eletrolisador de hidrogênio renovável na UE, produzindo cerca de 10 Mt de hidrogênio renovável até 2030, com base em uma demanda regional estimada de até 20 Mt por ano de hidrogênio renovável.
Como meta intermediária para 2024, a estratégia europeia estabelece alcançar a capacidade de pelo menos 6 GW de eletrolisadores de hidrogênio renovável, com produção de 1 Mt por ano de hidrogênio limpo. Para atender a demanda interna estimada para 2030, a estratégia europeia prevê a importação de 10 Mt de hidrogênio verde mediante a instalação de eletrolisadores com capacidade de 40 GW em terceiros-países.
Para a produção de 10 Mt por ano de hidrogênio verde até 2030, será necessária uma quantidade substancial de eletricidade renovável adicional, além das grandes quantidades de eletricidade renovável que serão necessárias para eletrificar os usos finais atualmente atendidos por outras fontes de energia.
As características da geração de eletricidade renovável, como sua variabilidade e o tempo necessário para construir parques solares e eólicos adicionais, a necessidade de minimizar os custos da transição energética e as considerações de segurança do fornecimento colocam desafios adicionais para estratégia europeia de descarbonização da economia.
No que se refere à infraestrutura necessária para o hidrogênio limpo, a estratégia europeia estabeleceu como meta a criação até 2040 da rede europeia de hidrogênio da Espanha para a Suécia, em uma extensão total de quase 23 mil km. O objetivo inicial é criar uma rede de dutos de 6.800 km até 2030, conectando “vales de hidrogênio”. Segundo a OCDE, essa infraestrutura deverá consistir basicamente em gasodutos de gás natural reaproveitados. Apenas alguns novos gasodutos serão criados.
De acordo com a Comissão Europeia, até 2050, quando se prevê alcançar a meta de zero emissões líquidas de CO2, serão necessários investimentos públicos e privados na capacidade de produção de hidrogênio verde da ordem de € 180 bilhões a € 470 bilhões em toda União Europeia. Esses investimentos incluem tanto os recursos destinadas aos eletrolisadores como os investimentos para ampliação da capacidade de produção de energia renovável e transporte, distribuição e armazenamento de hidrogênio e estações de reabastecimento de hidrogênio.
Um dos principais instrumentos da estratégia europeia de hidrogênio é a Aliança Europeia de Hidrogênio Limpo anunciada igualmente em 2020 como parte da nova estratégia industrial para a Europa.
A Aliança reúne indústria, autoridades nacionais e locais, sociedade civil e outras partes interessadas. Seu objetivo é uma implantação ambiciosa de tecnologias de hidrogênio até 2030, reunindo a produção de hidrogênio renovável e de baixo carbono, a demanda na indústria, transporte e outros setores e transmissão e distribuição de hidrogênio.
Os projetos de ampliação da produção e uso de hidrogênio verde realizados no âmbito da Aliança poderão receber auxílios financeiros diretos estatais se classificado forem como Projeto Importante de Interesse Comum Europeu (IPCEI). Para isso, os projetos selecionados precisam cumprir as seguintes condições:
• contribuir para os objetivos estratégicos da UE;
• envolver vários países da UE;
• incluir financiamento privado por parte dos beneficiários,
• gerar efeitos positivos de repercussão em toda a UE; e v) apresentam elevadas ambições de pesquisa e inovação.
Os instrumentos de funding do fundo Next Generation EU, que é o eixo principal do plano de recuperação pós-pandemia da União Europeia (ver Carta IEDI n. 1039), incluindo a Janela Estratégica de Investimento Europeu do programa InvestEU e o Fundo de Inovação (ETS Innovation Fund), que possui dotação de €10 bilhões para o período 2020-2030, reforçam o apoio financeiro aos projetos de hidrogênio verde e demais tecnologias de baixo carbono.
Não obstante a estratégia europeia, diversos países europeus adotaram, nos últimos dois anos, suas próprias estratégias nacionais de hidrogênio limpo, as quais estabelecem metas e instrumentos adicionais de política para alcançá-los. Esses são os casos da Alemanha, França, Holanda e Reino Unido (ver quadro a seguir). Essas estratégias são motivadas tanto pelo desejo de aproveitar uma importante oportunidade de descarbonização quanto de dar às empresas domésticas uma vantagem competitiva potencial na futura economia do hidrogênio verde.
Na avaliação do estudo da OCDE, embora as metas das estratégias nacionais para 2030 sejam ambiciosas em comparação com a situação atual, estão muito distantes da implantação de capacidade de hidrogênio necessária, com horizonte em 2050, para cumprir o objetivo de emissão líquida zero de carbono estabelecido no Acordo de Paris. O que indica que esforços adicionais deverão ser adotados nos próximos anos.
A Dimensão Geopolítica da Estratégia Europeia para o Hidrogênio
O desenvolvimento da cadeia de hidrogênio e a descarbonização apresenta um componente potencial de caráter geopolítico. Em primeiro lugar, porque significa uma redução progressiva do uso de combustíveis fósseis, impactando negativamente todos os países ricos nesta fonte energética. Em segundo lugar, porque países com custos baixos de produção de energias renováveis e com dotação de recursos minerais utilizáveis na indústria passam a ter uma importante vantagem competitiva, podendo viabilizar a sua especialização na produção e exportação de hidrogênio.
Em consequência, esse movimento tende a determinar mudanças expressivas nas cadeias globais de produção. A substituição progressiva dos combustíveis fósseis pelas energias renováveis vai conduzir à criação de novos clusters industriais nos países com vantagens competitivas na produção hidrogênio verde.
Na Europa, países como Dinamarca, Noruega, Portugal, entre outros, têm perfil para serem exportadores competitivo de hidrogênio. Além disso, esses países podem criar um cluster industrial associado à produção do hidrogênio verde. Já países como Alemanha e França, que não possuem recursos energéticos renováveis, são líderes do desenvolvimento tecnológico da cadeia de hidrogênio.
Recentemente, contudo, a guerra na Ucrânia reforçou de modo inequívoco o caráter geopolítico da cadeia de hidrogênio, apontada como um dos principais eixos para a independência energética de longo prazo da União Europeia em relação aos combustíveis fósseis importados da Rússia.
A conquista de maior segurança energética pela Europa e, consequentemente, a promoção de níveis superiores de resiliência de seu sistema produtivo a choques advindos dos produtores de combustíveis fósseis, está associada, por meio da cadeia de hidrogênio, ao cumprimento de suas metas de sustentabilidade, mas também à intenção de acelerar o desenvolvimento tecnológico e a inovação, abrindo novas possibilidades de expansão e modernização de sua indústria.
Por meio do REPowerEU, a União Europeia busca tornar-se independente do gás natural russo até o final da presente década, isto é, nos próximos oito anos. Para isso, conta com ações de curto prazo, na direção da diversificação da origem de suas importações de combustíveis fósseis, mas também em ações de mais longo prazo, com a ampliação da eficiência energética europeia, de modo a reduzir a demanda por energia, e o desenvolvimento de fontes energéticas renováveis, em que se destaca a cadeia de hidrogênio.
O REPower reafirmou a meta de produção de 10 Mt por ano de hidrogênio verde até 2030, com a instalação de capacidade de pelo menos 40GW de eletrolisadores, para substituir o gás natural, carvão e petróleo em indústrias de difícil descarbonização e setores de transporte. Porém, estabeleceu como objetivo acelerar os projetos de hidrogênio renovável, de modo a alcançar capacidade de 17,5 GW em 2025.
Com esse propósito, além de recursos adicionais da ordem de € 200 milhões para o financiamento de P&D, a Comunidade Europeia se comprometeu a concluir a avaliação dos primeiros projetos importantes de hidrogênio renovável de interesse europeu comum até ao verão de 2022. Além disso, será promovida a constituição de um mercado europeu para hidrogênio e a criação de infraestrutura integrada de gás natural e hidrogênio, infraestrutura portuária e de estocagem de hidrogênio.
Na Europa, também merece destaque o caso da Alemanha pela ênfase que sua estratégia nacional atribui às parcerias globais e à liderança da cadeia global de valor do hidrogênio verde6. Na visão do governo alemão, as tecnologias de hidrogênio oferecem um potencial industrial considerável e, ao mesmo tempo, desempenham um papel fundamental na consecução das metas alemãs e europeias de descarbonização da indústria e da sociedade.
Para garantir que o hidrogênio verde de energia renovável possa se tornar um componente central da estratégia nacional de descarbonização, a pesquisa de hidrogênio verde com aplicações escaláveis desempenha um papel fundamental. Será preciso inovações sustentáveis ao longo de toda a cadeia de valor do hidrogênio, desde a geração e armazenamento até a logística e o transporte para uso, por exemplo, na indústria e no transporte de mercadorias pesadas.
Cabe ressaltar que essa visão holística da Alemanha não está confinada à produção e à distribuição do hidrogênio verde, mas também é aplicada às cadeias de valor dos setores utilizadores, como química e petroquímica, ferro e aço, transportes rodoviários pesados, aviação e transportes marítimos, e do próprio setor elétrico. O objetivo é tornar o hidrogênio verde um base material sustentável para o setor industrial.
Como a Alemanha prevê uma capacidade instalada de eletrolisadores 5 GW até 2030, a produção doméstica de hidrogênio verde será de apenas 14 TWh, o que corresponde a 15% da demanda interna estimada. Portanto, em 2030, precisará importar entre 76 e 96 TWh correspondendo a cerca de 85% do total da procura.
Por isso, a estratégia alemã para o hidrogênio verde inclui uma diretriz específica para acordos internacionais de parceria, que incluem cofinanciamento do investimento, cooperação em pesquisa e desenvolvimento, com uma dotação de € 450 milhões. Essa medida, que visa facilitar e promover vínculos eficazes de longo prazo entre a comunidade alemã de pesquisa de hidrogênio e potenciais parceiros dentro e fora da Europa, é elemento estratégico importante na implementação da Estratégia Nacional de Hidrogênio e na garantia de um papel de liderança para os fornecedores de tecnologia alemães neste campo vital e de ponta.
Segundo o governo alemão, a cooperação internacional no campo do hidrogênio oferece muitas oportunidades nas áreas de política econômica, mitigação das mudanças climáticas, política externa e política de desenvolvimento. Projetos-piloto em países parceiros, inclusive como parte da cooperação alemã para o desenvolvimento envolvendo empresas alemãs, devem mostrar se e como o hidrogênio verde e seus produtos a jusante podem ser produzidos e comercializados de forma sustentável e competitiva.
O Brasil também poderá se beneficiar da estratégia alemã para o hidrogênio. Em 2020, foi criada a Aliança Brasil-Alemanha para o Hidrogênio Verde, pelas Câmaras de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha de São Paulo e do Rio, projeto que conta com apoio do Acordo de Cooperação Brasil-Alemanha, estabelecido entre o Ministério de Minas e Energia, representando o governo brasileiro, e pela Sociedade Alemã para Cooperação Internacional (Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit), a principal agência do governo alemão para cooperação internacional.
Em 18 de abril de 2022, segundo o jornal Valor Econômico7, essa Aliança anunciou um programa de inovação para startups, instituições sem fins lucrativos e empreendedores que buscam alavancar o desenvolvimento do hidrogênio verde em território brasileiro. Nas iniciativas destinadas a instituições sem fins lucrativos, o programa vai apoiar financeiramente projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação. Na categoria de startups, o programa pretende selecionar 24 empresas com o objetivo de desenvolver projetos-piloto relacionados ao hidrogênio verde.
Guerra na Ucrânia e o Novo Plano Nacional de Fertilizantes 2050 do Brasil
No Brasil, a pandemia da Covid-19 e, posteriormente, a guerra na Ucrânia revelaram, entre outras vulnerabilidades, os riscos que a forte de dependência de fornecedores estrangeiros de insumos essenciais representam para a resiliência produtiva nacional. Foi o caso dos fertilizantes, insumo fundamental para a produção de alimentos e de biocombustíveis, da qual depende o setor de agronegócio.
Os fertilizantes são compostos minerais usados para melhorar a nutrição das plantas. No Brasil, sobretudo no Cerrado, o solo é pobre em nutrientes. Os principais fertilizantes empregados na agricultura são nitrogenados (N), fosfatados (P), e os potássicos (K). O gás natural, as rochas fosfáticas e as rochas potássicas são as principais matérias-primas para a produção dos fertilizantes N, P e K, respectivamente. As maiores reservas mundiais de rochas fosfáticas estão situadas no Marrocos e Arábia Saudita, enquanto as maiores reservas potássicas estão localizadas no Canadá, Bielorrússia, Rússia e China.
A cadeia produtiva da indústria de fertilizantes é complexa, como pode ser observado na figura abaixo. Interage tanto com o setor de produção de alimentos e de energia, como com as indústrias química, de mineração, de óleo e gás, com o comércio exterior e outros.
O consumo de fertilizantes no Brasil representa 8% do consumo mundial de fertilizantes, com o país ocupando a quarta posição, atrás apenas de China, Índia e Estados Unidos. Porém, diferentemente desses países, o Brasil não é um grande produtor, importando atualmente cerca de 85% dos fertilizantes consumidos no país (ante cerca de 60% em 2000 e 30% em 1992). No caso dos fertilizantes nitrogenados e potássicos, a importação representa 95% do consumo doméstico. Já a dependência brasileira da importação dos fosfatados é menor, mas ainda assim expressiva: 75%.
Ao lado da tributação, questões logísticas, ambientais e a indisponibilidade doméstica de matérias-primas básicas atuam como gargalos para novos investimentos no setor de fertilizantes. Essencial para a produção de fertilizantes nitrogenados, o custo do gás natural desestimula a ampliação da produção doméstica de fertilizantes, sobretudo nitrogenados. Até a descoberta e exploração dos recursos do pré-sal era mais barato importar amônia diretamente do que importar gás natural líquido para, depois de regasificar, convertê-lo em amônia e em ureia. A ampliação da produção doméstica esbarra igualmente nas dificuldades da exploração mineral em territórios protegidos por legislação específica, como as terras indígenas.
Em um contexto de acelerada expansão da produção de grãos e ocupação de novas fronteiras agrícolas, o consumo de fertilizantes aumentou nas últimas décadas e o país tornou-se um grande importador. Enquanto as importações saltaram 66% nos últimos 20 anos, a produção doméstica da indústria de fertilizantes caiu 30%.
O gráfico abaixo mostra como ao longo do período 1996-2021 o Brasil ampliou significativamente sua dependência das importações de fertilizantes.
Já em 2010, o Governo Federal elaborou um novo Plano Nacional de Fertilizantes, com vistas a reduzir esta dependência da importação de fertilizantes. O plano abrangia ações para incentivar investimentos no setor, com instalação de novas plantas, visando, entre outras metas:
• ampliar a produção nacional de fertilizantes organominerais, elaborado a partir da combinação de fertilizantes minerais e orgânicos, como rejeitos da agropecuária, de 3,5 para 8 milhões de toneladas/ano até 2015 e para 15 milhões de toneladas/ano até 2020 no Brasil;
• diminuir a demanda externa por fertilizantes do grupo NPK em, pelo menos 10% até 2015, e em 25% até 2020;
• diminuir os riscos de poluição ambiental das atividades de suinocultura, avicultura, bovinocultura de corte e sucroalcooleira em 30% até 2015 e em 70% até 2020;
• aumentar a eficiência agronômica de fertilizantes em pelo menos 20% nas lavouras que utilizarão fertilizantes organominerais;
• diversificar e desconcentrar econômica e regionalmente a produção de fertilizantes no País8.
Entretanto, esse Plano não chegou a ser implementado.
A situação de dependência externa de fertilizantes do Brasil aumentou ainda mais desde então. Sobretudo, quando a Petrobras decidiu, em 2016, sair do segmento de fertilizantes, para focar em petróleo e gás, em razão de persistentes prejuízos. Nesse mesmo ano, a Petrobras cancelou os projetos de construção de três novas unidades produtoras de nitrogenados em Minas Gerais, Espirito Santo e Sergipe9.
As fábricas de fertilizantes nitrogenados (Fafen) da Petrobras na Bahia e em Sergipe, que produziam amônia e ureia com utilização de gás natural, tiveram as atividades paralisadas em 2018, e, em novembro de 2019, foram arrendadas à Proquigel, subsidiária da Unigel Agro, que só reativou a produção em 2021. A Araucária Fertilizante no Paraná, que produzia fertilizantes a partir de resíduo asfáltico (RASF), foi fechada em março de 2020 e até o momento a Petrobrás não conseguiu vender nem arrendar.
Já a Unidade de Fertilizante Nitrogenados (UFN-3) de Três Lagoas no Mato Grosso do Sul, cuja construção, concluída em cerca de 80%, foi paralisada em 2014, foi vendida para o grupo russo Acron em fevereiro de 2022.
Desse modo, o Brasil se tornou quase totalmente dependente da importação de fertilizantes nitrogenados, cujo maior produtor mundial e principal fornecedor é a Rússia. Em 2020, por exemplo, foram produzidas internamente 224 mil toneladas de fertilizantes básicos nitrogenados, quantidade capaz de suprir somente 4,3% da demanda doméstica do ano (ante 38,7 % em 2000 e 20,7% em 2010).
O Brasil importa igualmente da Rússia fertilizantes potássicos e fosfatados. Os outros principais fornecedores do Brasil nesses dois tipos de fertilizantes são, respectivamente, China e Marrocos, Canadá e Bielorrússia.
Dada a dependência de fontes externas para o suprimento dos diferentes tipos de fertilizantes, bem como de matérias-primas, como sulfato de amônio e nitrato de amônio, utilizadas na produção desses insumos, o Brasil tornou-se vulnerável a ocorrências adversas no cenário internacional, tal como a pandemia de Covid-19 e notadamente a guerra na Ucrânia e as sucessivas sanções econômicas à Russia e seus aliados.
A pandemia da Covid-19 além de ter provocado interrupção nas cadeias produtivas globais de suprimento, afetou igualmente os setores de transporte e logísticas. Os custos de frete internacional dispararam nas principais rotas que o Brasil utiliza para importar fertilizante entre junho 2020 e junho 2021, ocasionado forte aumento de preço.
Com a retomada das atividades econômicas em diversos países, além do gargalo logístico ter se acirrado, a produção de fertilizantes foi bastante afetada pela elevação dos preços de gás natural, matéria-prima importante para a indústria de fertilizantes.
Também em 2021, a China e, posteriormente, a Rússia, limitaram as exportações de fertilizantes e matérias-primas, com o objetivo de garantirem o abastecimento doméstico desses insumos e a manutenção de preços aos produtores rurais locais. Desse modo, esses países buscaram garantir a segurança alimentar e evitar a elevação dos preços dos alimentos e seus reflexos na inflação e no custo de vida.
Desde então, o cenário global de alta de preços e escassez de fertilizantes foi agravado pela escalada dos conflitos geopolíticos no Leste da Europa, antes mesmo da guerra na Ucrânia. Em meados de 2021, os governos europeus e norte-americano impuseram, como represália à forte repressão ordenado pelo presidente Alexander Lukashenko aos membros da oposição política, sanções econômicas à Bielorrússia, um dos principais produtores mundiais de fertilizantes potássicos. Em consequência dessas sanções, segundo noticiado pelo Valor Econômico, o preço dos fertilizantes potássicos subiu 231% entre janeiro e novembro de 2021, alcançando US$ 810 a tonelada (preço no porto, no Brasil)10.
Em dezembro de 2021, os Estados Unidos anunciaram novas sanções, que atingiram em cheio a Belarus Potash Company (BPC), braço comercial da maior produtora de fertilizante, a Belaruskali, que já havia sido punida pelas autoridades norte-americanas no mês de agosto. As sanções impostas às empresas da Bielorrússia dificultaram os pagamentos das importações de fertilizantes, que são realizados em dólar, bem como criaram obstáculos logísticos para as exportações, já que o país escoa sua produção para o mundo pelo porto da Lituânia, país-membro da UE.
As tensões geopolíticas no Leste Europeu se exacerbaram com a invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022. Com as rápidas e duras sanções econômicas impostas pelos governos das economias desenvolvidas, as exportações de fertilizantes desse país, que, como já mencionado, é um dos principais fornecedores para o Brasil, foram praticamente suspensas.
Como provavelmente as sanções não serão automaticamente canceladas, mesmo com a retirada das tropas russas, não são desprezíveis os riscos de desabastecimento e as pressões sobre os preços dos fertilizantes no mercado brasileiro, com impacto no custo e na produtividade da produção agrícola nacional.
Aumentos nos preços desses insumos impactam negativamente nas exportações do agronegócio brasileiro, tornando o produto nacional menos competitivo, uma vez que a maior parte do custo de produção deriva do preço do fertilizante importado.
Preocupações com risco de escassez de fertilizantes para o setor de agronegócio em consequência da crise sanitária da Covid-19, que acarretou interrupções das cadeias globais e problemas nos setores de transporte e logística, levaram o Ministério da Agricultura (MAPA) a alertar, já em março de 2020, a Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República da necessidade de elaboração de um novo Plano Nacional de Fertilizante.
Na visão do MAPA, o novo plano teria o objetivo de coordenar ações públicas e incentivar ações privadas, a fim de melhorar a eficiência da produção e da comercialização de fertilizantes no Brasil. Em reação à essa demanda, a SAE publicou, no início de julho de 2020, um estudo sobre a produção nacional de fertilizantes11.
Além de traçar um panorama do agronegócio brasileiro, da indústria de transformação mineral de fertilizantes e do mercado mundial de fertilizantes, o estudo da SAE mapeou as principais dificuldades enfrentadas na produção nacional de fertilizantes, tais como custo de produção e comercialização, deficiências de infraestrutura logística, restrições ambientais, tributação, carência de investimento em novas tecnologias de produção e de utilização dos produtos.
De acordo com a SAE, há um desperdício de cerca de 40% no uso de fertilizantes no Brasil, decorrente da falta de novas tecnologias de produção de fertilizantes adequados ao clima tropical brasileiro e de utilização dos produtos. Seria necessário portanto, investimentos para o desenvolvimento e o emprego de novas tecnologias pode aumentar a eficiência e otimizar o aproveitamento dos fertilizantes.
Criada em 2008, a Rede FertBrasil, liderada pela EMBRAPA, tem potencial para ser o meio para a implementação de um programa nacional de P&D&I para o setor, desde a mineração até o uso agrícola dos fertilizantes. Tal medida teria potencial, não só para baixar os custos de produção dos fertilizantes no Brasil, como também para protegeria o meio ambiente, reduzindo o lançamento de resíduos em rios, lençóis freáticos e no oceano,
Em razão do comprovado caráter estratégico da produção nacional de fertilizantes para o desenvolvimento do setor agropecuário no Brasil, bem como dos gargalos e empecilhos para a redução da dependência da importação de produtos e insumos no setor, o estudo da SAE concluiu que é imprescindível o estabelecimento de uma estratégia de redução da dependência brasileira de importações de fertilizantes.
Embora não figure como líder em inovação tecnológica no setor de fertilizantes, Brasil possui reservas das matérias primas necessárias à produção de fertilizantes, tais como gás natural, rochas fosfáticas, potássios e micronutrientes de padrão mundial.
O estudo também concluiu que há inequívocos aspectos para uma ação coordenada de Estado diretamente relacionada à segurança nacional, tendo em vista os riscos à segurança alimentar decorrentes da expressiva dependência do agronegócio brasileiro em relação ao produto importado.
Ademais, a revitalização e a reestruturação da cadeia de produção nacional de fertilizantes, desde a extração da matéria-prima mineral até a transformação e a comercialização ao produtor rural, impulsionariam a geração de empregos, renda, arrecadação e o desenvolvimento regional.
Dentre as recomendações apresentadas no estudo, destaca-se a prioridade conferida à elaboração de um novo Plano Nacional de Fertilizantes (PNF), sob coordenação da SAE em parceria com o MAPA e diversos outros Ministérios, como o de Minas e Energia (MME), o da Economia (ME), o Meio Ambiente (MMA), o da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e o da Infraestrutura (MINFRA), bem como representantes dos produtores rurais e dos fornecedores de fertilizantes, além da Academia e de outros atores relevantes do setor, tal como a EMBRAPA.
Porém, a criação do Grupo de Trabalho Interministerial com a finalidade de desenvolver o Plano Nacional de Fertilizantes (GTI-PNF) só foi ocorrer em janeiro de 2021, com a promulgação do Decreto nº 10.605.
Em novembro de 2021, a SAE divulgou o Plano Nacional de Fertilizantes 205012, visando fortalecer políticas de incremento da competitividade da produção e da distribuição de fertilizantes no Brasil de forma sustentável. Contudo, o Plano só foi oficialmente lançado pelo governo no dia 11 de março de 2022, em resposta aos efeitos da guerra na Ucrânia13.
No curto prazo, as ações têm como objetivo orientar os produtores sobre como diminuir a adubação das lavouras sem perder eficiência e ampliar as importações de países como o Canadá. Essas medidas já vinham sendo adotadas nos últimos meses em função do aumento dos preços dos fertilizantes e da interrupção no fornecimento desses produtos.
O PNF 2050 define quatorze diretrizes, cinco objetivos estratégicos e oitenta e oito metas para o setor de fertilizante, como mostra o quadro a seguir, com vistas “a ampliar a produção competitiva de fertilizantes (abrangendo adubos, corretivos e condicionadores) no Brasil, diminuir a dependência externa tecnológica e de fornecimento, mitigando os impactos de possíveis crises e ampliar a competitividade do agronegócio brasileiro no mercado internacional, respeitando as regulamentações ambientais”.
O Plano detalha, igualmente, um conjunto de 129 ações a serem executas pelas diferentes áreas do governo para alcançar as metas, intermediárias e finais, estabelecidas. Para implementar, executar e monitorar o PNF 2050 foi instituído o Conselho Nacional de Fertilizantes e Nutrição de Plantas (CONFERT), composto por representantes de Governo Federal (ministérios), Governos Estaduais e Organizações Civis (Decreto nº 10991, de 11 de março de 2022).
Embora as diretrizes e objetivos estratégicos do PNF 2050 apontem para ações futuras que exigirão investimentos expressivos, tanto para atividades de P&D e inovação como para pesquisa geológica e exploração das reservas de fósforo e potássio, ampliação, modernização de plantas existentes e instalação de novas plantas, a estratégia brasileira de fertilizantes não prevê aportes financeiros do governo federal.
Já os investimentos previstos para a expansão da produção domésticas da ordem de R$ 120 bilhões até 2050, de modo a tornar o parque industrial de fertilizante capaz de suprir, parcialmente, o mercado interno e atender a demanda crescente por produtos agrícolas, seriam essencialmente privados.
Para atrair capitais privados para investir no setor, o Plano prevê a concessão de incentivos fiscais e tributários bem como a melhoria do ambiente de negócios no país, incluindo simplificação do processo de concessão das autorizações ambientais para a implantação de projetos de produção de minerais estratégicos para o desenvolvimento do País.
O PNF 2050 não estabeleceu como meta promover a autossuficiência na produção de fertilizantes e adubos, mas sim alcançar a segurança no suprimento desses insumos, com produção doméstica de 50% até 2050. Atingir essa meta será um grande desafio, já que a necessidade de fertilizantes deverá dobrar de 40 milhões de toneladas para 80 milhões de toneladas dentro de 28 anos, segundo as projeções do governo federal, em linha com o aumento estimado da produção agrícola nacional, da ordem de 40%, para atender satisfatoriamente a crescente demanda mundial de alimentos.
Inovações tecnológicas serão essenciais para dar novo impulso ao segmento industrial de fertilizantes, sobretudo em um contexto de maiores pressões por regulação ambiental, devido as preocupações com a mudança climática. Amônia verde, fertilizantes com incorporação de matriz orgânica, reciclagem de nutrientes, novos materiais, insumos de origem biológica, agrominerais, ciência de dados e agricultura de precisão são exemplos de tecnologias que podem impactar substancialmente esta cadeia no horizonte de médio e longo prazo, diminuindo a demanda pelos fertilizantes compostos de NPK.
O PNF 2050 também pretende promover o desenvolvimento do segmento de fertilizantes orgânicos (FO) e organominerais (FOM), bem como para os remineralizadores (REM), que são vistos como alternativa para a correção de deficiências estruturais do solo brasileiro, melhoria da eficiência de uso de nutrientes e diminuição da dependência internacional.
Notas:
1. U.S. Department of Energy. America’s Strategy to Secure the Supply Chain for a Robust Clean Energy Transition. February 24, 2022.
2. Comissão Europeia (2022) “REPowerEU: Joint European action for more affordable, secure and sustainable energy”. Press Release, 08/03/22. Disponível em: https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_22_1511.
3. European Commission -REPowerEU: A plan to rapidly reduce dependence on Russian fossil fuels and fast forward the green transition, Press release, Brussels, 18 May 2022. Disponível em https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_22_3131.
4. Mauricio Tolmasquim. Guerra e energia. Valor Econômico, Opinião, 17/03/2022.
5. European Comission. A hydrogen strategy for a climate-neutral Europe, Brussels, 8.7.2020. Disponível em https://ec.europa.eu/energy/sites/ener/files/hydrogen_strategy.pdf.
6. Ministério de Economia e Ação Climática (BMWK). The National Hydrogen Strategy, June 2020. Disponível em https://www.bmwk.de/Redaktion/EN/Publikationen/Energie/the-national-hydrogen-strategy.html.
7. Italo Bertão Filho. Aliança Brasil-Alemanha para o Hidrogênio Verde lança programa de inovação para startups e instituições. Valor Econômico, 18/04/2022.
8. José Carlos Polidoro. Mercado e Tecnologias em Fertilizantes Organominerais, Apresentação da Embrapa Solos no Workshop “Utilização de Resíduos Agroindustriais na Agricultura”, SINOP-MT, 19-20 de maio de 2015.
9. Pedro Canário. Como o Brasil conseguiu destruir sua própria indústria de fertilizantes. Bloomberg Línea, 17 de março de 2022. Disponível em https://www.bloomberglinea.com.br/2022/03/17/como-o-brasil-conseguiu-destruir-sua-propria-industria-de-fertilizantes/.
10. Érica Polo. Novas sanções contra Belarus devem encarecer potássio, diz StoneX. Valor Econômico, 2/12/2021.
11. Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos. Produção nacional de fertilizante: estudo Estratégico, Brasília: Diretoria de Projetos Estratégicos, 2 de julho de 2020.
12. Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos. Plano Nacional de Fertilizantes 2050: uma estratégia para os fertilizantes no Brasil, Brasília, DF: SAE, novembro de 2021.
13. Rafael Walendorff e Érica Polo. Principais medidas do Plano de Fertilizantes já estavam em andamento. Valor Econômico, 11/03/2022.