Carta IEDI
Em direção a um Brasil mais inovador
É praticamente um consenso entre empresários, gestores públicos e especialistas que a capacidade de inovar é determinante para a competitividade das empresas e das nações. Entretanto, a inovação pode não só estimular o crescimento econômico, mas também ajudar a solucionar problemas econômicos e sociais complexos em áreas como saúde, educação, segurança, mobilidade urbana, gestão pública, equidade e sustentabilidade.
Nesta Carta IEDI são discutidas algumas iniciativas para fazer avançar a inovação no Brasil, tendo como substrato o estudo realizado por Paulo Tigre, PhD em Política Científica e Tecnológica pela Universidade de Sussex (Inglaterra) e Professor Titular (aposentado) do Instituto de Economia da UFRJ. Este estudo, cuja versão integral encontra-se em nosso site, faz parte de uma série de quinze trabalhos realizados para subsidiar a elaboração da estratégia industrial do IEDI, a ser divulgada em breve. Alguns deles já estão disponíveis: Cartas IEDI n. 855 de 26/6/18; n. 856, de 28/6/18; n. 857 de 29/618; n. 858 de 2/7/18; n. 859 de 3/7/18; n. 860 de 5/7/18 e n. 862 de 10/7/18.
Segundo o autor, são três as linhas de ação que poderiam melhorar o quadro da inovação no país, sintetizadas a seguir:
1. Priorizar atividades inovativas com maior potencial competitivo. Conhecer as necessidades tecnológicas das empresas deve constituir uma atividade permanente, assim como o monitoramento da difusão de inovações. Tais necessidades não são necessariamente de alta tecnologia, pois podem simplesmente envolver a adoção de melhores práticas produtivas que já se encontram disponíveis. Apoiar a interação entre usuários e fornecedores de tecnologia tem a vantagem de canalizar recursos e esforços tecnológicos para problemas concretos defrontados por agentes econômicos.
As cadeias produtivas dos setores agropecuário, mineral, industrial e de serviços abrem muitas oportunidades para atrair fornecedores de soluções inovadoras que precisam ser desenvolvidas e adaptadas ao contexto nacional. Isso inclui a infraestrutura tecnológica, desenvolvimento e operação de redes de comunicação, internet das coisas, máquinas e equipamentos especializados além de software e serviços tecnológicos utilizando inteligência artificial.
Muitas startups estão surgindo trazendo soluções para a produção, logística e distribuição, contribuindo assim para o aumento da qualidade e produtividade. Apoiar a interação entre usuários e fornecedores de tecnologia tem a vantagem de canalizar recursos e esforços tecnológicos para problemas concretos defrontados por agentes econômicos.
2. Fortalecer a educação básica e tecnológica e promover sua articulação com o setor produtivo. Políticas públicas para fortalecer a educação básica e técnica, aproximando-as do setor produtivo constitui um dos passos fundamentais para o avanço da inovação no país. Vários são os instrumentos disponíveis, incluindo a criação de cursos específicos em nível técnico, graduação e pós-graduação; fundos e linhas de financiamento à pesquisa universitária em áreas de interesse social e econômico; programas de qualificação de professores; introdução de novas tecnologias na educação; inserção de pesquisadores na indústria; etc.
3. Desenhar políticas orientadas a missões. As missões constituem uma maneira objetiva de pensar as interações dinâmicas entre políticas horizontais (por exemplo, educação, capacitação tecnológica, pesquisa e inovação) e verticais (saúde, meio ambiente, energia, etc.). Políticas orientadas para missões contribuem não só para dar maior foco e direcionamento aos esforços de P&D e inovação como também para motivar e mobilizar os agentes que efetivamente irão implementá-las. Ações públicas sistemáticas visando aproveitar oportunidades tecnológicas para buscar soluções aos grandes desafios da economia e da sociedade brasileira e para promover a equidade e a sustentabilidade podem representar um elemento catalizador para mobilizar a ciência e tecnologia brasileira.
O papel da inovação no desenvolvimento
A importância da tecnologia é reconhecida desde os tempos Alfred Marshall e Karl Marx que entenderam pioneiramente que a inovação constituía a base da dinâmica econômica e social. No início do século XX, Joseph Schumpeter em “Teoria do desenvolvimento econômico” aprimorou essa hipótese ao mostrar que o impulso fundamental que coloca e mantém o motor capitalista em movimento não advém de fenômenos naturais ou sociais como guerras e revoluções, mas sim dos novos bens de consumo, novos métodos de produção e transportes, novos mercados e novas formas de organização industrial que a empresa capitalista cria e destrói. Para ele, o processo de desenvolvimento econômico deve ser entendido como um fenômeno qualitativamente novo e não como mero crescimento derivado do aumento da população e da riqueza. Schumpeter se contrapunha às teorias econômicas que consideravam o desenvolvimento como um simples aumento da oferta nacional de poupança e meios produtivos. Produzir mais do mesmo seria para ele um simples crescimento, pois o desenvolvimento somente ocorreria com inovações transformadoras.
A partir da segunda metade do século passado, o advento da microeletrônica, a corrida aeroespacial e o poder nuclear evidenciaram a importância da tecnologia no quadro geopolítico internacional. No campo industrial, o Japão e depois a Coreia, Taiwan e China, passaram a liderar vários segmentos da indústria global com estratégias arrojadas de inovação em processos produtivos, na organização da produção e no lançamento de novos produtos. Em consequência, observou-se um crescimento sistemático dos investimentos públicos e privados de pesquisa e desenvolvimento (P&D).
Nos anos 1980, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) passou a elaborar diretrizes e a realizar pesquisas sistemáticas para quantificar e comparar atividades de inovação nos países membros. Tais referências conceituais e metodológicas vêm sendo continuamente aperfeiçoadas e o documento mais utilizado atualmente para medir inovações é o Manual de Oslo. No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realiza pesquisas de inovação desde 2000 utilizando os mesmos critérios da OCDE para permitir a comparabilidade internacional. Realizada a cada três anos, a Pesquisa de Inovação (Pintec), monitora inovações de produtos, processos e mudanças organizacionais. As informações coletadas abordam o comportamento inovador das empresas, os tipos de atividades empreendidas, os impactos percebidos e os incentivos e obstáculos à inovação. Seu corte setorial e regional permite diagnosticar oportunidades e desafios e informar políticas públicas e privadas de inovação como veremos adiante.
Cabe esclarecer desde pronto que o conceito de inovação não se refere necessariamente a coisas inéditas para o mundo ou para o país, mas apenas para a empresa ou organização que a adota. Um produto tecnologicamente novo é aquele cujas características fundamentais diferem significativamente de todos os produtos previamente produzidos pela empresa. Já as inovações de processos referem-se a formas de operação tecnologicamente novas ou substancialmente aprimoradas, obtidas pela introdução de novas tecnologias de produção, assim como de métodos novos ou substancialmente aprimorados de manuseio e entrega de produtos. As inovações organizacionais, por sua vez, referem-se a mudanças que ocorrem na estrutura gerencial da empresa, na forma de articulação entre suas diferentes áreas, na especialização dos trabalhadores, no relacionamento com fornecedores e clientes e nas formas de organização dos processos e modelos de negócios.
As políticas públicas exercem uma considerável influência na decisão de inovar. O Estado pode estimular a inovação no setor produtivo por meio de financiamentos e incentivos fiscais para inovação, pela criação de um clima favorável ao investimento, celebrando acordos internacionais de comércio e investimento e promovendo o desenvolvimento de capital humano e instituições de apoio.
Além de apoiar o investimento privado em inovação é preciso também inovar na gestão de serviços públicos. Problemas complexos relacionados à mobilidade urbana, segurança pública, infraestrutura logística, geração e distribuição de energia elétrica, entre outras, não conseguem ser resolvidos apenas com políticas tradicionais e exigem inovações tecnológicas e organizacionais que poupem recursos e aumentem a transparência, a qualidade e a produtividade do setor público. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e a Escola Nacional de Serviços Públicos publicaram recentemente um livro intitulado “Inovação no Setor Público: teoria, tendências e casos no Brasil” contendo novas abordagens e estratégias metodológicas para sistematizar o conhecimento acerca das teorias, tendências e casos de inovação de sucesso no governo federal brasileiro. O livro explora o desafio cada vez mais estratégico de construir uma cultura de inovação na administração pública brasileira.
A revolução tecnológica do século XXI
O desenvolvimento de uma economia cada vez mais intensiva em informações e conhecimentos se apoia no tripé digital formado pelo aumento da velocidade de processamento de dados, pela expansão da capacidade de armazenamento e pela crescente largura de banda. A combinação desses vetores vem possibilitando o desenvolvimento de inovações na qualidade, eficiência e escopo dos bens e serviços. A evolução tecnológica proporcionou uma queda contínua nos preços de equipamentos e softwares permitindo que profissionais independentes e micro e pequenas empresas ganhassem acesso a recursos que até pouco tempo eram exclusivos de grandes organizações. A geração de conteúdo se tornou mais descentralizada, abrindo oportunidades para novos empreendedores. Também aumentou a facilidade com que qualquer produtor independente acessa o mercado para seus produtos e serviços. No mundo físico, distribuir um produto pode exigir pesados investimentos em lojas e estoques, enquanto que por meio digital isso pode ser feito mais facilmente. Ferramentas de busca e filtragem de informações permitem que o consumidor encontre aquilo que deseja de forma mais rápida e precisa.
Atualmente o processo de transformação vem se acelerando em função da interligação de tecnologias que vinham se desenvolvendo há várias décadas de forma independente, mas que agora encontraram a sinergia necessária para promover inovações disruptivas em processos, produtos e modelos de negócios. Tais inovações estão abrindo espaço para aplicações ainda mais abrangentes das tecnologias da informação e da comunicação (TICs). Podemos destacar as tecnologias da Internet das Coisas (IoT), Inteligência Artificial (IA), blockchain, e plataformas tecnológicas na Internet pela magnitude de seus impactos existentes e potenciais para o Brasil.
A IoT permite que objetos como máquinas, veículos, equipamentos, dispositivos e outros objetos interajam e cooperem entre si utilizando sensores, atuadores e esquemas exclusivos de endereçamento. Tais tecnologias apresentam grande potencial para a otimização de rotinas, melhor gerenciamento de recursos, redução do consumo de energia e prestação de serviços remotos. Estima-se que quase tudo poderá ser conectado em redes. Objetos poderão se tornar autônomos e solicitar serviços. No Brasil a IoT encontra grande potencial de aplicação na agricultura, indústria manufatureira, logística e serviços de coleta de dados, transmissão e análise de múltiplas variáveis.
A IA é outro vetor de inovações que oferece aos computadores a capacidade de aprender com os seres humanos sem serem explicitamente programados. Ela simula o raciocínio, monitora indicadores, toma decisões e resolve problemas. Embora venha sendo pesquisada há décadas, essa área do conhecimento foi recentemente impulsionada por inovações disruptivas em computação quântica que proporcionam mais recursos para lidar com grandes volumes de dados. Aplicações da IA estão apenas no início, mas prometem transformar a forma como os serviços são prestados.
O blockchain é uma tecnologia disruptiva com potencial de provocar uma revolução na forma como bens e serviços são autenticados e transacionados. Idealizado como um código aberto para dar suporte à moeda virtual bitcoin, o blockchain vem ganhando aplicações muito mais amplas. As “cadeias de blocos” constituem um sistema de escrituração que permite esclarecer e validar um registro ou uma transação. O registro gerado pelo blockchain é distribuído (ou “publicado”) para milhares de computadores, não existindo um único banco, cartório ou entidade de fiscalização que seja dono de informações, garantindo mais transparência. A verificação da transação é feita com criptografia avançada, proporcionando segurança às aplicações. Tal tecnologia tem potencial para transformar a forma como as transações são feitas e monitoradas, reduzindo os custos e aumentando o controle de atividades públicas e privadas.
Cabe mencionar ainda o papel das redes sociais como plataformas habilitadoras de novos negócios e de inovações em serviços. Plataformas como Google, Facebook, Mercado Livre, Airbnb, Uber, entre outras, constituem a base tecnológica utilizada por milhares de empreendedores para oferecer produtos e serviços, testar inovações, encontrar parceiros de negócios e alcançar maior visibilidade no mercado. As TICs estão transformando a forma como os negócios são idealizados, formatados e operacionalizados, gerando oportunidades para empreendedores e, ao mesmo tempo, depreciando negócios estruturados de forma mais tradicional. Lojas físicas estão em declínio, pois é possível comprar bens e serviços online de forma mais prática e barata. Nos Estados Unidos, há mais de seis anos não se inicia a construção de um grande shopping center pois muitos negócios estão migrando para a Internet.
A difusão de tecnologias disruptivas na economia brasileira depende da capacidade de empresas especializadas em diferentes ramos da atividade econômica de oferecer soluções integradas que incorporem hardware, software e serviços de forma a dar suporte à inovação e reconfigurar modelos operacionais e de negócios. A capacidade de entender as necessidades locais é crucial, pois nem sempre soluções genéricas oferecidas por empresas multinacionais atendem necessidades de customização. Isso abre possibilidades para empresas e centros de pesquisas locais com maior flexibilidade para desenvolver soluções específicas para os setores mais dinâmicos da economia brasileira. A capacidade de configurar pacotes reunindo componentes nacionais e importados, de forma a atender setores que apresentam particularidades institucionais, geográficas e estratégicas constitui o principal ativo a ser desenvolvido. O conhecimento do negócio e parceria com cliente são críticos para uma indústria que oferece bens não rivais cuja oferta é praticamente ilimitada.
Inovação tecnológica nas empresas brasileiras
A inovação está muito associada aos investimentos produtivos realizados por empresas e organizações. Quando uma empresa decide ampliar a produção por meio da compra de novos equipamentos ou da construção de uma nova planta, ela terá a oportunidade de incorporar as melhores tecnologias disponíveis. Já empresas cuja demanda se encontra estagnada terão menos oportunidades para inovar, pois darão prioridade para a ocupação da capacidade instalada. Em consequência, os países que mais crescem e investem no aumento produção são também os mais inovadores. Na China, por exemplo, os investimentos respondem por 40% do produto interno bruto (PIB) enquanto que o consumo representa os demais 60%. No Brasil, em contraste, os investimentos representam apenas 17% do PIB o que indica que equipamentos e processos produtivos são mantidos defasados por mais tempo. A própria taxa de crescimento do PIB é fundamental para estimular a inovação. Um crescimento acelerado impulsiona novos investimentos produtivos, permite o aumento das escalas de produção e estimula a adoção de tecnologias mais avançadas.
Os investimentos em inovação dependem diretamente da situação financeira das empresas. Diante de problemas de caixa, os gastos com inovação são os primeiros a serem cortados, pois são atividades de retorno financeiro incerto e de longo prazo. Isso explica, em parte, o comportamento da taxa de inovação no Brasil. Segundo a última Pintec (2017) referente a dados coletados em 2014, o percentual de empresas que introduziram algum tipo de inovação nos três anos anteriores à pesquisa, cresceu de 33% em 2000 para 39% em 2008 (um período de forte crescimento econômico), mas caíram para 35,9% em 2014 como reflexo da recessão industrial.
As empresas estão cada vez mais conscientes da necessidade de lançar novos produtos, adquirir software e equipamentos, aperfeiçoar processos produtivos e organizacionais, abrir novos mercados e obter novas fontes de suprimentos. A Pintec mostra que o principal objetivo dos esforços tecnológicos das empresas brasileiras é acompanhar a dinâmica competitiva por meio do lançamento de novos produtos, assim como pela adaptação de produtos existentes às necessidades do mercado local. Empresas exportadoras inovam buscando maior aderência às normas técnicas e aos padrões de qualidade internacionais. Já a demanda por tecnologias de processos e mudanças organizacionais reflete a necessidade de reduzir custos de produção, de buscar soluções para problemas ambientais e de promover o aumento da produtividade do trabalho.
No Brasil, a fonte de inovação considerada mais importante pelas empresas entrevistadas na Pintec é a aquisição de máquinas e equipamentos, que responde por cerca de 50% dos gastos empresariais com inovação. Entretanto, essa pode ser considerada a parte mais fácil, pois o maior desafio é utilizar eficientemente a tecnologia embutida em equipamentos, de forma a aumentar a produtividade e gerar inovações em produtos e processos. Convergentemente, a segunda fonte mais importante de inovação assinalada pelas empresas é o treinamento de pessoal. Este ranking permanece o mesmo desde a primeira pesquisa. A principal diferença encontrada na última edição da Pintec em relação às pesquisas anteriores foi o terceiro lugar atribuído à aquisição de software. Ferramentas de produtividade e processos codificados em programas de computador se tornaram fundamentais para a inovação. A computação em nuvem ampliou o acesso ao conhecimento, pois permite a utilização de aplicativos e serviços especializados a custos mais baixos. A nuvem permite compartilhar softwares e equipamentos de processamento e armazenamento de dados.
Observa-se o crescimento das fontes abertas de conhecimento como o software livre e a engenharia reversa. Sendo um bem não rival, a informação e o conhecimento podem ser compartilhados por inúmeros usuários sem perda de conteúdo. Empresas de pequeno e médio porte geralmente recorrem a fontes gratuitas de conhecimentos para obter informações e tecnologias. A difusão da banda larga e das redes de conhecimentos vem tornando o acesso a informações tecnológicas mais fáceis e rápidas, permitindo a troca de informações entre fornecedores, clientes, colaboradores, universidades e centros de informação e pesquisa. O processo de democratização do acesso ao conhecimento, entretanto, esbarra na baixa capacitação técnica de muitas empresas para decodificar e colocar em prática as informações disponíveis. Sem uma sólida base de conhecimentos, as informações não têm valor prático para as empresas e organizações. Por isso, a educação e o aprendizado contínuo cumprem um papel fundamental para a inovação. Quanto mais livre o acesso a informações e mais capacitado o corpo funcional, maior será o potencial de disseminação do conhecimento.
Com relação às atividades internas de pesquisa e desenvolvimento (P&D) houve um aumento do investimento em P&D sobre a receita líquida de 0,6% em 2000 para 0,89% em 2014. Porém, os gastos com P&D interno estão cada vez mais concentrados em grandes empresas e instituições especializadas que respondem hoje por mais de 80% dos gastos totais em P&D no Brasil contra 75% em 2000. O país conta com algumas empresas de classe mundial como Embraer, Petrobras, WEG, Natura, TOTVS, entre outras, que se tornaram multinacionais e investem intensivamente em P&D. Por outro lado, a maioria das empresas não se encontra na fronteira tecnológica e prefere inovar utilizando tecnologias já disponíveis no mercado, mas que ainda não foram introduzidas no país. Os investimentos em P&D no Brasil representam 1,16% do PIB dos quais cerca de 60% são realizados em universidades e instituições públicas de pesquisa. Tal percentual é superior ao de outros países latino-americanos, mas inferior ao de países avançados que superam os 3%. Nesses países, os gastos privados em P&D superam os 70% do total, o que indica uma maior aplicação prática do P&D.
Outras fontes de inovação importantes para as empresas são a contratação de consultores externos, contratos com universidades e centros de P&D, participação em projetos conjuntos de pesquisa e contratos de transferência de tecnologia de produtos, processos, marcas e patentes, denominados genericamente de “tecnologias desincorporadas”. Observa-se, de um modo geral, que as empresas estão inovando de forma diferente, recorrendo cada vez mais a fontes externas de conhecimentos.
O acesso à tecnologia depende também da Tecnologia Industrial Básica (TIB) que inclui serviços de metrologia, qualidade, normas técnicas, sistemas de propriedade industrial e consultoria. As normas são voluntárias enquanto que os regulamentos são obrigatórios, atendendo a questões de segurança e interconectividade. A certificação por entidade independente comprova a adequação do produto e do processo aos parâmetros físicos e químicos convencionais. Laboratórios de metrologia buscam assegurar a confiabilidade e a credibilidade das medições efetuadas na produção, sendo essenciais para empresas exportadoras que atuam em mercados muito regulados e exigentes quanto a requisitos de qualidade, segurança e sustentabilidade.
Os setores industriais que apresentam as maiores taxas de inovação (nos quais mais de 60% das empresas introduziram algum tipo de inovação nos três anos anteriores à pesquisa do IBGE) são a fabricação de produtos intensivos em tecnologia como máquinas para escritório, componentes eletrônicos, aparelhos e equipamentos de informática e de comunicações, equipamentos de instrumentação médico-hospitalares, instrumentos de precisão e ópticos e equipamentos para automação industrial. Em um nível intermediário estão os produtos farmacêuticos, máquinas e equipamentos, aparelhos e materiais elétricos e equipamentos de transporte, que apresentaram uma taxa de inovação em torno de 45%. Os setores que menos inovaram foram os de produtos de madeira; impressão e reprodução de gravações e; manutenção, reparação e instalação de máquinas e equipamentos, nos quais menos de 30% das empresas introduziram algum tipo de inovação no período analisado. Cabe lembrar que as estatísticas se referem a uma média setorial e que existem empresas inovadoras mesmo nos setores considerados mais tradicionais.
Com relação ao porte, o segmento que mais vem aumentando sua taxa de inovação é o das pequenas empresas. Equipamentos e serviços de TIC que estavam disponíveis apenas em grandes organizações passaram a ser acessíveis para as pequenas, devido à sistemática redução nos custos de hardware e software. Pequenas empresas atuando em redes ou cadeias produtivas são geralmente mais inovadoras que as empresas isoladas, pois têm acesso a recursos compartilhados em redes formais e informais de conhecimentos.
Quanto aos problemas e obstáculos enfrentados pelas empresas brasileiras para inovar, sobressaem-se os custos e riscos econômicos, a falta de pessoal qualificado, o acesso à informação e a disponibilidade de infraestrutura tecnológica. Mais de 80% das empresas industriais pesquisadas pela Pintec consideram que os riscos da inovação são excessivos e que envolvem custos elevados. A falta de pessoal qualificado vem a seguir, mas perdeu posições entre os obstáculos na última edição da pesquisa em função da recessão.
Destacam-se ainda como barreiras à inovação a escassez de fontes de financiamento, a rigidez organizacional e a falta de informações sobre tecnologias. Em razão de sua natureza intangível, as atividades de inovação encontram dificuldades de obter recursos no mercado, pois inovações são ativos intangíveis que não são aceitas como garantia real de um financiamento. A grande maioria precisa recorrer a recursos próprios ou buscar apoio em agências governamentais que aceitem financiar atividades inovativas de maior incerteza e risco. A última edição da Pintec revelou que os recursos próprios representam 84% das fontes de financiamento utilizadas pelas empresas para realizar atividades de inovação.
Em síntese, as necessidades da indústria brasileira são muito heterogêneas. Um número relativamente pequeno de empresas inovadoras precisa intensificar investimentos em P&D e adquirir tecnologias no “estado da arte" internacional, ao passo que para a maioria inovar não requer necessariamente tecnologias avançadas. Diante do hiato tecnológico observado em relação à fronteira internacional, é possível inovar por meio da incorporação de tecnologias já disponíveis, seja por meio da compra de máquinas e equipamentos, do aprendizado contínuo ou da absorção de conhecimentos disponíveis na Internet. Para isso, entretanto, é necessário fomentar a capacitação dos trabalhadores, pois a informação só tem valor para alguém que possa compreendê-la e utilizá-la.
Políticas públicas para a inovação
No Brasil, as preocupações com o desenvolvimento científico e tecnológico deram origem, ainda nos anos 1950, às agências especializadas – ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e mais tarde à Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Elas tiveram como objetivo inicial o apoio à criação de uma infraestrutura científica e tecnológica e a formação de recursos humanos de alto nível. Nas décadas seguintes, os esforços começaram a se direcionar para o apoio à inovação na indústria, principalmente por meio da Lei de Informática e dos Fundos Setoriais. Mais recentemente as políticas públicas ganharam um corte mais horizontal por meio da “Lei do Bem” e de linhas de financiamento à inovação pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Em termos quantitativos, o principal incentivo à inovação atualmente em vigor é a Lei de Informática (Lei 8.248/1991) que permite a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) em equipamentos produzidos no país. Em contrapartida, a Lei exige a realização do Processo Produtivo Básico (PPB) no país e investimentos mínimos de 4% do faturamento em atividades de P&D. Tal política está, em larga medida, voltada para a substituição das importações, exigindo que processos produtivos específicos, nem sempre os mais relevantes em termos econômicos e tecnológicos, sejam realizados no país. Os incentivos permitem que equipamentos de TIC sejam montados no país, mas a inovação nesse setor deixou de depender apenas do hardware para se apoiar principalmente em software e serviços. Tais segmentos, entretanto, não são diretamente contemplados pela Lei de Informática.
Os Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia, criados a partir de 1999, são outro importante instrumento de financiamento de projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação no País. Existem 16 fundos cujas receitas são oriundas de contribuições incidentes sobre o resultado da exploração de recursos naturais pertencentes à União, da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) e renúncias fiscais de IPI. Os Fundos Setoriais são utilizados para realização e atividades de P&D e contratação de universidades e centros de pesquisas independentes.
A chamada “Lei do Bem” (Lei 11.196/2005) concede incentivos fiscais para a realização de atividades de P&D no país, incluindo pesquisa básica, pesquisa aplicada e desenvolvimento experimental. Ela é considerada um instrumento mais aderente às estratégias empresariais de P&D, pois procura não direcionar o tipo de inovação realizada, nem privilegiar setores específicos. Ela permite a dedução de 60% a 100% das despesas com inovação no Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e na Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL). Podem ser abatidas também a contratação de pesquisadores, a compra de máquinas e equipamentos nacionais destinados à P&D, as remessas ao exterior para pagamentos de registro e manutenção de marcas, patentes e cultivares. A política não procura alterar a percepção das empresas sobre os riscos e prioridades de inovação, pois constitui uma ação complementar sem potencial para alterar padrões e rotinas de inovação nas empresas.
Em 2014, o governo federal criou a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial - Embrapii, uma Organização Social, regida por um contrato de gestão com os Ministérios da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações – MCTIC e com o Ministério da Educação - MEC. Baseada no modelo da fundação alemã Fraunhofer, a Embrapii aporta recursos não reembolsáveis para estimular a interação entre empresas e instituições credenciadas de pesquisas (ICTs), apoiando a realização de projetos conjuntos de P&D. Os projetos apoiados devem prever, além dos recursos oriundos da Embrapii, contrapartidas das empresas beneficiadas e das próprias ICTs. A contrapartida das empresas é necessariamente financeira e empregada diretamente na execução dos projetos contratados. A exigência de que a empresa aporte diretamente recursos financeiros ao projeto assegura seu interesse no direcionamento e utilização dos resultados. A principal vantagem do modelo é apoiar tanto a demanda quanto a oferta de inovação por meio de projetos conjuntos de P&D. Ao invés de conceder incentivos fiscais, o governo aporta diretamente recursos financeiros até o limite de 1/3 do valor do projeto de P&D.
Novos bens e serviços desenvolvidos com base nas novas tecnologias precisam ser projetados ou adaptados para as necessidades específicas dos usuários. Trata-se de uma relação muito diferente da prática histórica na qual os equipamentos eram projetados e produzidos em massa para depois buscarem mercado.
A Pintec mostra que as fontes externas de tecnologia estão ganhando força, indicando o aumento da demanda por serviços intensivos em conhecimentos prestados por empresas conhecidas como knowledge intensive business services (KIBS). Para essas empresas, tão importante quanto obter capacitação tecnológica é ter acesso ao mercado, ou seja, contar com uma base mínima de clientes fidelizados para desenvolver um relacionamento de longo prazo. Ao avaliar startups, investidores de risco geralmente estão mais interessados em saber quais clientes a empresa conquistou do que na tecnologia que elas desenvolveram.
Além dos incentivos e aportes financeiros à inovação, o Estado precisa criar legislações para regular a difusão de novas tecnologias. Muitos dos desafios colocados por inovações disruptivas, como a segurança da informação e a proteção de dados pessoais, já estão sendo tratados por legislações específicas (Marco Civil da Internet e Código de Defesa do Consumidor) ou são motivos de discussão legislativa, como os projetos para a criação de uma Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Como a tecnologia e as suas diferentes possibilidades de uso evoluem rapidamente, a imposição de padrões e regulamentações específicas é necessária, mas deve evitar criar restrições prejudiciais à emergência de novas aplicações. A tarefa de conectar bilhões de pessoas e dispositivos é muito complexa, sendo necessário o estímulo à adoção de padrões abertos, tanto em termos de conectividade de dispositivos quanto de redes, por meio do qual se avança rumo à interoperabilidade global, que é a habilidade das “coisas” se comunicarem entre si de maneira concisa e eficiente.
Em resumo, os mecanismos de apoio à Ciência e Tecnologia (C&T) no Brasil são variados, mas aplicados de forma relativamente isolada, privilegiando setores, tecnologias ou etapas do processo inovativo consideradas mais importantes pelas agências governamentais. Falta uma maior articulação, por exemplo, com as políticas sociais, ambientais e de comércio exterior. Uma política baseada em missões poderia contribuir para uma visão mais sistêmica da inovação, reunindo diferentes atores em prol de objetivos comuns, como veremos na próxima seção. Cabe lembrar que a inovação não deve ser vista como um fim em si mesma, mas sim um meio para alcançar outros objetivos de natureza econômica, social e ambiental.
Iniciativas para avançar a inovação no Brasil
Ao longo das últimas cinco décadas, o Brasil desenvolveu políticas de inovação orientadas para diferentes setores e tecnologias como informática, telecomunicações, química fina, aeroespacial, energia nuclear, biomassa, petróleo e gás, agricultura, bens de capital etc. Porém, grande parte desses esforços não produziram resultados práticos em termos de aumento da competitividade internacional. De um modo geral, faltou foco nas políticas públicas para direcioná-las a objetivos que pudessem aglutinar atores econômicos e instituições de ensino e pesquisa em torno de missões e projetos consistentes com as necessidades nacionais. Levando em conta a experiência internacional e brasileira, acreditamos que para avançar a inovação deveriam ser priorizadas três modalidades de ação:
1) Estimular a inovação no setor produtivo dando prioridade a atividades inovativas com maior potencial competitivo.
Investimentos públicos devem contar com a coparticipação de empresas inovadoras, de forma a assegurar sua aplicação prática. Apenas apoiar o desenvolvimento de tecnologias promissoras é gerar soluções em busca de problemas. Melhor seria inverter a lógica para desenhar soluções para problemas reais defrontados por empresas e organizações. Conhecer as necessidades tecnológicas das empresas deve constituir uma atividade permanente, assim como o monitoramento da difusão de inovações. Tais necessidades não são necessariamente de alta tecnologia, pois podem simplesmente envolver a adoção de melhores práticas produtivas que já se encontram disponíveis.
O Brasil é reconhecidamente forte em indústrias cuja competitividade se assenta na disponibilidade de recursos naturais como, por exemplo, celulose e papel, siderurgia básica, alimentos processados (sobretudo carnes), petróleo, agricultura e mineração. Na maioria dos casos, tais setores são produtores de commodities relativamente indiferenciadas e, portanto, consideradas atividades de baixo valor adicionado. Entretanto, a cadeia produtiva industrial, agrícola e mineral vem se sofisticando com o uso de técnicas e processos intensivos em tecnologia e não se pode mais afirmar que tais setores prescindem de inovações avançadas. Por exemplo, a biotecnologia molecular passou a ser essencial para a produção de sementes e defensivos, enquanto que as tecnologias da informação e da comunicação são imprescindíveis para o aumento da competitividade em todos os setores.
As cadeias produtivas dos setores agropecuário, mineral, industrial e de serviços abrem muitas oportunidades para atrair fornecedores de soluções inovadoras que precisam ser desenvolvidas e adaptadas ao contexto nacional. Isso inclui a infraestrutura tecnológica, desenvolvimento e operação de redes de comunicação, Internet das Coisas, máquinas e equipamentos especializados, além de software e serviços tecnológicos utilizando inteligência artificial. Muitas startups estão surgindo trazendo soluções para a produção, logística e distribuição, contribuindo assim para o aumento da qualidade e produtividade. Apoiar a interação entre usuários e fornecedores de tecnologia tem a vantagem de canalizar recursos e esforços tecnológicos para problemas concretos defrontados por agentes econômicos.
2) Fortalecer a educação básica e tecnológica como também instituições de ensino e pesquisa além de promover sua articulação com o setor produtivo.
As limitações do Brasil na área da educação pública e privada são bem conhecidas, fato que inibe o aprendizado tecnológico e a inovação. O Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), considerado o mais importante exame educacional do mundo, elaborado a cada três anos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com o intuito de aferir a qualidade, equidade e eficiência dos sistemas escolares, tem colocado os alunos brasileiros nas últimas posições do ranking. Nas três áreas avaliadas, ciências, leitura e matemática, os estudantes brasileiros apresentaram um desempenho abaixo da média da OCDE. No ensino superior, além das críticas sobre a qualidade e a adequação dos currículos às necessidades do setor produtivo, existem muitas carências quantitativas na área de C&T. Estima-se que o déficit de engenheiros e especialistas em TIC no Brasil seja de 200 mil profissionais, mas isso varia de acordo com a conjuntura econômica.
Políticas públicas para fortalecer a educação básica e técnica, aproximando-as do setor produtivo constitui um dos passos fundamentais para o avanço da inovação no país. Vários são os instrumentos disponíveis para apoiar as instituições de ensino e pesquisa e promover uma maior articulação com o setor produtivo, incluindo a criação de cursos específicos em nível técnico, graduação e pós-graduação; fundos e linhas de financiamento à pesquisa universitária em áreas de interesse social e econômico; programas de qualificação de professores; introdução de novas tecnologias na educação; inserção de pesquisadores na indústria; intercâmbio científico e apoio à participação de estudantes em redes de pesquisas. Algumas dessas políticas já estão em curso, mas é preciso ampliá-las e direcioná-las para melhor atender às missões e desafios nacionais.
As TIC ampliaram muito o acesso a informações técnicas e científicas pelos estudantes, exigindo a reformulação de métodos pedagógicos. Ao invés de apresentar conteúdos considerados de interesse dos alunos, professores precisam ensiná-los a buscar e compreender informações na Internet. O aprendizado cognitivo é considerado um processo contínuo que não se limita ao período escolar e universitário, mas que prossegue ao longo de toda a vida profissional. “Ensinar a aprender” é hoje o grande desafio defrontado pelos educadores.
3) Políticas orientadas a missões
As missões constituem uma maneira objetiva de pensar as interações dinâmicas entre políticas horizontais (por exemplo, educação, capacitação tecnológica, pesquisa e inovação) e verticais (saúde, meio ambiente, energia etc.). Em vez de usar políticas verticais para selecionar setores ou tecnologias, as missões deverão escolher problemas.
Políticas orientadas para missões contribuem não só para dar maior foco e direcionamento aos esforços de P&D e inovação como também para motivar e mobilizar os agentes que efetivamente irão implementá-las. Ações públicas sistemáticas visando aproveitar oportunidades tecnológicas para buscar soluções aos grandes desafios da economia e da sociedade brasileira e para promover a equidade e a sustentabilidade podem representar um elemento catalizador para mobilizar a ciência e tecnologia brasileira.
As missões podem ter diferentes objetivos e sua definição precisa envolver diferentes atores. Elas não precisam ser exclusivamente nacionais, pois requerem parcerias e colaborações externas. Devem envolver também todos os níveis de governo e não apenas as instituições voltadas para C&T. Mazzucato, em seu trabalho “Mission-Oriented Research & Innovation in the European Union: A problem-solving approach to fuel innovation-led growth” de 2018, aponta cinco critérios para definição de missões:
i. Ter relevância social abrangente, visando inspirar atores e influenciar a vida das pessoas. As missões devem abordar os grandes problemas nacionais apontados em pesquisas recentes como segurança pública, saúde, educação, habitação e transportes.
ii. Apresentar direção clara, com metas quantificáveis e verificáveis e com etapas e prazos definidos. Os prazos devem ser longos o suficiente para permitir a evolução do processo, para dar tempo aos atores construírem relações e interagirem, e para incluir novos projetos na medida em que os resultados evoluem. Sem metas e prazos específicos não é possível avaliar e medir o progresso dos projetos.
iii. Ter metas ambiciosas, mas factíveis. Missões envolvem riscos e o estabelecimento de objetivos ambiciosos pode desafiar pesquisadores e empresários a entrarem em projetos que normalmente não seriam realizados de forma natural. O risco deve ser calculado de forma realista, tendo em vista os recursos e capacitações mobilizadas dentro do período de tempo determinado.
iv. Ser multidisciplinar, multissetorial e multiagente, de forma a ampliar a gama de opções técnicas e estimular o setor privado a investir. Missões devem ser estruturadas de forma a mobilizar múltiplas disciplinas (incluindo ciências humanas e sociais), abranger diferentes setores econômicos (incluindo indústria manufatureira, agricultura e serviços) e tipos de atores (público, privado, terceiro setor e organizações sociais)
v. Ser estabelecida de baixo para cima (botton-up). Missões não devem seguir um único caminho ou tecnologia, mas estar abertas para testar diferentes tipos de soluções. Para isso, precisa se apoiar em um portfólio de projetos e experiências trazidas por empresas, organizações e instituições de pesquisa.
Um exemplo de missão bem-sucedida foi o projeto Apolo para levar (e trazer de volta) astronautas para a Lua. A missão mobilizou numerosos agentes econômicos e instituições de ensino e pesquisa sob a coordenação da NASA e produziu não apenas spinoffs econômicos, mas também projetou a imagem dos Estados Unidos como superpotência tecnológica global. No Brasil, o caso da Embrapa para produção de soja no cerrado e o programa de exploração de petróleo em águas profundas são exemplos de missões bem-sucedidas.
A seguir, o Box 1 resume o programa de exploração de petróleo em águas profundas e o Box 2 exemplifica algumas políticas orientadas a missões que podem ser desenvolvidas no Brasil para potencializar seu desenvolvimento econômico.
Box 1: Desenvolvimento de tecnologias de exploração de petróleo offshore. Um exemplo de missão bem-sucedida no Brasil foi o desenvolvimento da tecnologia de exploração de petróleo em águas profundas. Nos anos 1970 a crise do petróleo levou o país a um colapso na balança de pagamentos, pois se importava quase 80% do combustível consumido internamente. A descoberta de novos poços de petróleo em terra no Brasil havia fracassado, mas estudos geológicos mostravam que havia grande potencial no mar. Entretanto, a tecnologia disponível internacionalmente não estava suficientemente desenvolvida para sua exploração, pois os campos petrolíferos offshore no Golfo do México e no Mar do Norte situavam-se em águas relativamente rasas. Nos anos 1980 iniciou-se uma missão apoiada não só nos esforços de P&D da Petrobrás que criou um centro de P&D (CENPES) mas também na constituição de uma ampla rede de empresas nacionais e estrangeiras, universidades e centros de pesquisas, alimentadas por incentivos fiscais e políticas públicas para a capacitação de recursos humanos. O PROCAP, em suas diferentes fases, foi o eixo organizador dos esforços para capacitar o país para produzir petróleo e gás natural em águas profundas e ultra profundas. O programa introduziu mudanças importantes na forma de organizar o processo de inovação no país permitindo a articulação de múltiplos projetos por meio de programas envolvendo diferentes tecnologias. A estratégia buscava absorver e dominar tecnologias de forma cooperativa e compartilha-las com fabricantes locais. Os sucessivos programas (PROCAP 1000, 2000 e 3000) executados nas décadas de 1980, 1990 e 2000 permitiram que o Brasil desenvolvesse uma tecnologia de inédita de exploração em águas profundas que resultou na autossuficiência nacional em petróleo.
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Box 2: Exemplos potenciais de políticas orientadas a missões no Brasil.
Muitas são as possibilidades de definição de políticas orientadas a missões, pois elas dependem dos grandes objetivos e metas governamentais. As missões precisam partir de questões que sejam consensuais, que estejam inseridas em programas de governo ou compromissos assumidos em campanhas presidenciais e ter relevância social abrangente, abordando os grandes problemas nacionais. Precisam apresentar uma direção clara, com metas quantificáveis e verificáveis e com etapas e prazos definidos. As metas devem ser ambiciosas, mas factíveis. Precisam ser multidisciplinares, multisetoriais e multiagentes, de forma a oferecer uma ampla gama de opções técnicas, organizacionais e estimular diferentes agentes econômicos a participar. Levantaremos a seguir três exemplos potenciais de políticas orientadas a missões, baseadas nas iniciativas para avançar as inovações sugeridas acima. Tais exemplos são na área econômica, mas poderiam ser também nas áreas de segurança pública, redução do desmatamento ilegal, habitação e transportes, etc. 1) Elevar a qualificação da força de trabalho, preparando-a para o uso de novas tecnologias. As oportunidades de acesso à informação pela Internet são pouco aproveitadas quando não há capacitação técnica suficiente em empresas e organizações para transformar informações em conhecimentos práticos. Por isso, a educação profissional e o aprendizado contínuo cumprem um papel fundamental para a inovação. Uma política orientada para a missão de melhor qualificar os jovens brasileiros para entrar no mercado de trabalho ou se tornar empreendedores envolveria, em primeiro lugar, a realização de um diagnóstico por especialistas apontando deficiências e oportunidades. Isso permitiria estabelecer metas e submetas quantitativas e qualitativas. Tais metas devem ser de longo prazo, mas precisam ser revistas periodicamente de forma a corrigir a trajetória. Outro passo fundamental seria mobilizar empresas e instituições de ensino e pesquisa no sentido de criar programas de cooperação, treinamento e estágios. É importante também desenvolver novas metodologias de ensino, aproveitando oportunidades tecnológicas como a Educação a Distância (EaD). Haveria a necessidade de qualificar professores, gestores do conhecimento nas empresas, e estabelecer projetos de P&D conjuntos direcionados as necessidades empresariais. Os programas e projetos podem ter corte setorial ou temático, como por exemplo, o uso de TICs para gestão de processos. Podem também ser orientados para o empreendedorismo ensinando, por exemplo, a atuar profissionalmente com base em plataformas tecnológicas. O financiamento a tais programas deveria necessariamente envolver governos (federal, estadual e municipal), empresas e organizações e instituições de ensino e pesquisa, inclusive aquelas geridas pelo setor privado como o Sistema S. Recursos internacionais poderiam eventualmente ser buscados, assim como assessoria técnica e maior integração em redes de conhecimentos globais. 2) Aumentar a produtividade da indústria brasileira A produtividade do trabalho é considerada um indicador central para a análise econômica, apontando a intensidade tecnológica dos setores e a qualidade do processo de desenvolvimento. Aumentar a produtividade industrial em alguns pontos percentuais a mais significa obter um maior crescimento do PIB por utilizar melhor o capital e o trabalho disponível e elevar a competitividade internacional. Um programa dessa natureza deveria focar em setores críticos (ou importantes) da economia brasileira, priorizando aqueles cuja representação patronal esteja mais propensa a participar. O aumento da produtividade requer investimentos em inovação em produtos e processos, mudanças organizacionais, treinamento de pessoal em novas tecnologias, fortalecimento de redes de conhecimentos e cadeias de valor, investimentos em infraestrutura de transportes e comunicações, entre outras. O estabelecimento de metas de crescimento da produtividade pode ser subdividido em metas setoriais, regionais e empresariais, refletindo o potencial e as condições atuais. É necessário identificar tecnologias chaves que tenham caráter transversal, de forma a atingir o maior número possível de agentes econômicos. Além de capacitar trabalhadores e empresas, é preciso promover o aumento dos fluxos informacionais entre empresas e instituições de ensino e pesquisa, estimular a troca de experiências em redes de aprendizado e promover a transferência de tecnologia do exterior. Portanto é necessário mobilizar diferentes tipos de agentes, tanto públicos quanto privados, articulando-os por meio de programas e projetos. A disponibilidade de recursos para financiar a compra de equipamentos e promover a inovação é essencial para o sucesso, assim como a qualidade e disponibilidade de serviços técnicos e tecnológicos. Isso inclui laboratórios de serviços de metrologia, qualidade, normas técnicas, sistemas de propriedade industrial, atividades de consultoria em tecnologia e gestão e centros de P&D. 3) Estabelecer novos padrões de sanidade na produção de proteína animal O Brasil é hoje um dos maiores exportadores de carne bovina, suína e de aves, mas tal posição é frequentemente abalada por embargos e restrições estabelecidas por países importadores com base em critérios sanitários. Embora boa parte dessas ações tenham caráter protecionista, a superação de tais restrições não pode se dar apenas no campo diplomático, pois problemas sanitários podem efetivamente ocorrer. O problema da carne brasileira não está necessariamente no produto em si, mas principalmente no deficiente sistema de controle sanitário. Controlar melhor a qualidade da produção, transporte e processamento é essencial para consolidar a posição do Brasil como maior exportador mundial e produtos de qualidade. Uma política orientada para a missão de aumentar a qualidade da carne brasileira envolveria realizar diagnósticos, estabelecer metas e submetas, introduzir novos padrões de monitoramento e sistemas integrados de vigilância sanitária, identificar tecnologias chaves, capacitar produtores e empresas industriais, promover a difusão de mecanismos de rastreabilidade, incentivar startups nas áreas de tecnologias de prevenção e monitoramento, realizar pesquisas conjuntas no exterior buscando identificar, desenvolver e transferir novas tecnologias, etc. Envolveria também ações comerciais no exterior visando estabelecer acordos, parcerias e criar uma imagem de alta qualidade e sustentabilidade da produção brasileira. No campo interno é preciso elevar o padrão técnico e a probidade dos órgãos responsáveis pela fiscalização equipando-os com quadros técnicos bem qualificados, remunerados e selecionados exclusivamente por concursos públicos. |