Carta IEDI
Critérios de uma política industrial de sucesso
Enquanto no Brasil certos analistas se apressam para decretar a falência de toda e qualquer política industrial, valendo-se de alguns erros e equívocos do passado, o debate em torno deste tema no restante do mundo não só não está encerrado, como vem ganhando projeção.
Isso devido ao contexto em que novas estratégias industriais estão sendo adotadas pelas principais potências econômicas, como inúmeros trabalhos do IEDI já enfatizaram, a exemplo da Carta IEDI n. 916 , de 29/3/19; n. 914 de 22/3/19; n. 898 de 28/12/18; n. 890 de 23/11/18; n. 891 de 30/11/18 e n. 881 de 28/9/18, apenas para citar as mais recentes.
A presente Carta IEDI, a seu turno, trata do estudo divulgado pelo FMI sob o título “The return of the policy that shall not be named: principles of industrial policy”, de autoria dos pesquisadores Reda Cherif e Fuad Hasanov. Nele, volta-se à discussão do papel da política industrial na promoção do crescimento e do desenvolvimento econômico e social dos países. Por um tempo repudiada por alguns acadêmicos e formuladores de política econômica, a política industrial está de novo na ordem do dia.
Os autores do estudo analisam o sucesso dos chamados Tigres Asiáticos – Coreia do Sul, Taiwan, Cingapura e Hong Kong – em alcançar níveis de renda per capita semelhantes aos do seleto grupo de economias desenvolvidas e concluem que são três as principais razões pelas quais tais países foram bem-sucedidos nesse verdadeiro “milagre”:
• Apoio do Estado aos produtores domésticos nas indústrias de bens e serviços sofisticados, para além de suas vantagens comparativas iniciais;
• Orientação exportadora;
• Busca por forte concorrência no mercado doméstico e externo, com rígidos controles sobre o cumprimento de metas preestabelecidas.
Uma trajetória de crescimento elevado e sustentado ao longo do tempo requer, na visão dos pesquisadores do FMI, políticas industriais ativas orientadas a um processo contínuo de inovação.
Políticas tradicionalmente defendidas, como maior abertura comercial, melhores instituições e infraestrutura, estabilidade macroeconômica, capital humano e acumulação de capital físico, cumprem um papel importante, mas são insuficientes para a transformação de países relativamente pobres em nações desenvolvidas, segundo Cherif e Hasanov.
A história dos Tigres Asiáticos, mas também de outros países, como a do Japão, Alemanha e Estados Unidos, seriam, assim, casos emblemáticos do poder transformador das políticas industriais.
Argumenta-se no estudo do FMI que o salto tecnológico para indústrias sofisticadas e a criação de tecnologia por empresas nacionais é que determinam os resultados bem-sucedidos de crescimento no longo prazo. Isso, por sua vez, depende da implementação de acertadas políticas de tecnologia e inovação, consideradas pelos autores como a “verdadeira política industrial”, em cada etapa do processo de desenvolvimento econômico. Os países que conseguem manejar esse processo possuem maiores chances de se tornarem países de renda elevada em um período relativamente curto de tempo.
Nesse sentido, as intervenções do Estado destacam-se por reorientar fatores de produção, como capital e trabalho, para atividades que, de outra forma, não seriam realizadas pelo mercado. Em outras palavras, o Estado ajuda a criar mercados ou mesmo expandir as fronteiras dos mercados já existentes.
Segundo o estudo do FMI, há três abordagens possíveis acerca desse caráter condutor exercido pelo Estado e pelo conjunto de políticas por ele adotado. São elas:
• “Abordagem rastejante” (snail crawl approach): envolve a receita convencional para o crescimento, assentada no conjunto de políticas para melhorar o ambiente de negócios, a infraestrutura, a educação e as instituições, buscando corrigir mais “falhas de governo” do que “falhas de mercado”, o que não fomenta o desenvolvimento de setores sofisticados e resulta em trajetórias de menor crescimento;
• “Abordagem do salto à frente” (leapfrog approach): corresponde a uma estratégia intermediária, que provê crescimento estável e conduz economias ao padrão de renda média, combinando a atração de investimentos estrangeiros com intervenção governamental para desenvolver indústrias ao redor de setores em que o país apresenta vantagens comparativas;
• “Abordagem do voo à Lua” (moonshot approach): compreende um conjunto ambicioso e mais arriscado de políticas pelas quais as intervenções governamentais buscam corrigir “falhas de mercado” e desenvolver tanto setores sofisticados como tecnologias domésticas, criando condições para o crescimento sustentado no longo prazo, a exemplo dos “milagres econômicos” observados nos Tigres Asiáticos supramencionados.
Em outras palavras, é o grau de ambição, de fiscalização e de adaptabilidade das ações do Estado ao implementar políticas industriais, face às rápidas mudanças nas condições em que operam, que leva, de acordo os autores, a resultados econômicos distintos de país para país.
O debate sobre política industrial
O uso de política industrial, particularmente sua eficácia para promover desenvolvimento, é tema de fortes controvérsias na literatura econômica. No recente estudo do FMI, intitulado “The return of the policy that shall not be named: principles of industrial policy”, os pesquisadores Cherif e Hasanov confrontam diferentes visões acerca do papel exercido pela política industrial no processo de desenvolvimento dos países do Leste Asiático.
Por um lado, retomam-se os trabalhos clássicos do Banco Mundial sobre o tema no início dos anos 1990, que enfatizam estratégias de desenvolvimento orientadas para exportação junto com maior liberalização e integração ao mercado internacional e mudanças macroeconômicas e institucionais. A visão convencional desconsidera, no entanto, o papel crucial da política industrial nos referidos “milagres”.
Por outro lado, apresentam-se autores com visão alternativa do processo de desenvolvimento, especialmente no que se refere aos múltiplos instrumentos de política industrial utilizados pelas economias asiáticas em seu processo de transformação estrutural. Algumas das prioridades estabelecidas pelos respectivos governos incluíam, em distintos graus, elevadas taxas de investimento, promoção de determinados setores estratégicos por meio da criação de empresas estatais ou direcionando empresas privadas a entrar em setores que, de outra forma, não seriam de interesse privado, e forte orientação à exportação.
Ainda que no debate acadêmico permaneçam as controvérsias acerca da política industrial, a maioria dos países – intencionalmente ou não – tem promovido algum tipo de política industrial, o que se torna ainda mais claro nos últimos anos após a crise financeira internacional. Os autores lembram que, ao se promover um determinado tipo de infraestrutura (como, por exemplo, ferrovias, rodovias ou internet de banda larga) ou de educação (escolas de engenharia ou de negócios), as políticas subjacentes estão favorecendo certos setores. Dado que, em algum grau, os países estão promovendo políticas industriais, resta saber qual seria o tipo mais adequado de política industrial a se perseguir.
O aprendizado proveniente dos “milagres”
Segundo os pesquisadores do FMI, a análise das experiências de desenvolvimento da última metade de século indica que as chances de um país alcançar níveis elevados de renda, semelhantes aos patamares de economias desenvolvidas, são baixas. Poucos foram os países que conseguiram migrar de patamares baixos para patamares mais altos de renda; em outras palavras, que conseguiram se transformar de países pobres em países ricos.
Isso pode ser observado a partir da comparação da renda per capita dos países como proporção da renda per capita americana ao longo do tempo para uma amostra de 182 países. A maioria dos países industrializados permaneceu rica e poucos foram os países que lograram sair de uma situação de renda relativamente baixa para renda relativamente alta em algumas décadas. Cerca de 16 economias tiveram esse êxito. No entanto, desconsiderando aquelas que já tinham um nível de renda média alta e que se integraram posteriormente à União Europeia e aquelas que descobriram algum recurso natural, sobretudo petróleo, restam apenas quatro economias: os chamados Tigres Asiáticos, a saber, Coreia do Sul, Taiwan, Cingapura e Hong Kong.
Conforme apontam Cherif e Hasanov, a análise de casos bem-sucedidos é uma ferramenta importante para que outros processos de desenvolvimento sejam tentados. Embora isso não seja garantia de que os demais casos obtenham o mesmo resultado, é um caminho apropriado a se tentar. Mais do que isso, estes casos não devem ser tratados simplesmente como exceção à regra, mas como fontes de informações relevantes para explicar o comportamento das taxas de crescimento ao longo do tempo.
Os autores consideram que o crescimento que um país irá obter resulta da combinação entre um conjunto de decisões de política que irá tomar e uma série de fatores exógenos que fogem ao controle governamental, de tal forma que as decisões de política podem mitigar ou ampliar a sorte que cada país tem em termos de crescimento econômico. Por exemplo, um país pode ter a sorte de ser abundante em recursos naturais, mas fazer uso inadequado disso, de modo a permanecer um país de baixa renda. Outro país pode não compartilhar dos mesmos recursos naturais, mas por meio de políticas mais acertadas pode lograr êxito em aumentar seus níveis de renda.
Políticas de tecnologia e inovação
Não é possível dissociar os “milagres econômicos” asiáticos das políticas industriais adotadas, segundo o estudo do FMI. Essa é uma das principais conclusões de Cherif e Hasanov. Tais políticas, por sua vez, precisam enfatizar as inovações, já que trajetórias sustentadas de crescimento exigem que um dado país introduza novos bens e serviços assim como adote e desenvolva novas tecnologias permanentemente.
Em outras palavras, a fim de se alcançar níveis elevados de renda, é preciso sustentar ganhos de produtividade e, para isso, o crescimento liderado pelas inovações torna-se condição essencial.
Trata-se, ao mesmo tempo, de inovar e sofisticar as exportações do país. Segundo os autores, este é um padrão observado nas economias bem-sucedidas do Leste Asiático, bem como nos casos de Alemanha e Japão anteriormente.
Objetivos ambiciosos de política, como alcançar os países mais ricos e na fronteira tecnológica, devem tomar a forma de metas precisas para se desenvolver indústrias selecionadas. O alcance de tais metas deve ser acompanhado e fiscalizado continuamente pelo Estado, de tal modo não apenas a garantir seu cumprimento, mas também a se adaptar às condições econômicas em transformação. Eis a natureza adequada das intervenções do Estado, com seus três princípios básicos: ambição, fiscalização e adaptabilidade.
Nesse sentido, o caso da Coreia do Sul é exemplar. No início dos anos 1970, o país não possuía nenhuma experiência significativa, capacitações domésticas ou capital físico em setores como siderurgia, construção naval e automotiva. Apesar disso, o país implementou produção em larga escala em cada uma dessas indústrias por meio de decisões governamentais e de incentivos e coerção sobre o setor privado, visando conquistar mercados externos e se tornar um grande produtor mundial em cada um desses setores, tal como é atualmente.
Apesar de o tipo e grau de intervenção governamental ter variado nos casos asiáticos de “milagre econômico”, é possível identificar a adoção das seguintes estratégias em termos de intervenção e política industrial em suas trajetórias de sucesso:
1. Clara intervenção governamental para criar novas capacitações em indústrias sofisticadas, implementando políticas que visassem deslocar os fatores de produção para indústrias tecnologicamente sofisticadas de bens e serviços transacionáveis, para além das capacitações existentes e, assim, alcançar a fronteira tecnológica;
2. Forte orientação exportadora, de modo que todo novo produto industrial deveria ser exportado, ao mesmo tempo em que seu sucesso nos mercados de exportação servia de avaliação e acompanhamento para os incentivos praticados, sem perder a rápida adaptação tanto do Estado como das firmas frente às mudanças nas condições econômicas ou surgimento de novos setores;
3. Intensa concorrência no mercado doméstico e externo com fiscalização e controle rígidos acerca do cumprimento das metas preestabelecidas, já que todo incentivo era condicionado a determinado desempenho, que não necessariamente a obtenção de lucros no curto prazo.
Nesse sentido, os pesquisadores do FMI diferenciam três abordagens acerca da atuação do Estado, buscando garantir ganhos de produtividade na economia.
A primeira abordagem – “abordagem rastejante ou gradual” (snail crawl approach) – não envolveria mudanças radicais; pelo contrário, visaria corrigir a falta de habilidades e capacitações, incentivar firmas privadas a se localizarem em determinadas áreas ou estabelecer agências de promoção às exportações. As políticas tradicionais se enquadrariam nesta categoria.
A segunda abordagem – “abordagem do salto à frente” (leapfrog approach) – iria além das medidas de intervenção padrão, buscando promover, sobretudo, setores relacionados às vantagens comparativas existentes no país e, em algum grau, novas oportunidades de diversificação.
Já a terceira abordagem – “abordagem do voo à Lua” (moonshot approach) – buscaria alcançar objetivos mais ambiciosos e promover mudanças mais profundas, de modo a criar indústrias e prover todo o apoio necessário às firmas domésticas para crescerem e exportarem para além dos setores baseados em vantagens comparativas do país. Isso exigiria, por sua vez, visão de longo prazo e capacidade de assumir riscos por meio de um Estado cuja intervenção pudesse ajudar a criar novos mercados ou expandir as fronteiras de mercados existentes para além do que o setor privado estaria disposto a realizar.
Essas diferentes abordagens permitem observar o que foi experimentado por algumas economias. As políticas de tecnologia e inovação, que são consideradas pelos autores a “verdadeira política industrial”, devem combinar crescimento de produtividade, sofisticação das exportações e inovação.
Assim, países como o Chile que, embora convergindo para o patamar de renda elevada, têm apresentado produtividade estagnada e baixa sofisticação de suas exportações, são classificados na primeira abordagem (rastejante ou gradual). Grandes exportadores de petróleo também podem entrar nessa categoria.
Já a Malásia exemplifica um caso da segunda abordagem (do salto à frente), em que houve um crescimento positivo da produtividade e melhoria no grau de sofisticação de suas exportações, porém com inovações limitadas. Por sua vez, os quatro Tigres Asiáticos representariam a terceira abordagem (do voo à Lua), em que se observam simultaneamente elevado crescimento da produtividade, crescente sofisticação das exportações e altas taxas de inovação.
A adoção de uma ou outra abordagem varia de acordo com o país e em cada período histórico. No caso dos “milagres econômicos” asiáticos, a adoção da terceira abordagem foi fundamental para o sucesso observado. No entanto, a depender das circunstâncias políticas e sociais, os países podem seguir abordagens distintas, as quais não são mutuamente excludentes e podem até ser aplicadas simultaneamente nos mais variados setores, de acordo com as necessidades e limitações verificadas a cada momento.
Inovação e sofisticação das exportações: a “verdadeira política industrial”
Como já apontado, ganhos de produtividade sustentados são a razão fundamental para se promover o alcance de elevados níveis de crescimento da renda de um país. Para isso, torna-se necessário passar de uma estratégia de crescimento baseada em investimento para outra baseada em inovação, adotando e desenvolvendo novas tecnologias, introduzindo novos produtos, promovendo concorrência no mercado, melhorando capacitações educacionais e de pesquisa, e aumentando a sofisticação da produção e das exportações.
Nesse sentido, para Cherif e Hasanov, falta às estratégias de crescimento convencionais um olhar mais cuidadoso sobre como reverter “falhas de mercado”. Os autores argumentam que a receita padrão de crescimento busca lidar, sobretudo, com as “falhas de governo”, mas pouco com as “falhas de mercado”.
As “falhas de governo” estão associadas à elevada inflação, ao excesso de gastos públicos, a empresas estatais pouco lucrativas, a monopólios em determinados setores, à corrupção governamental e às incertezas sobre direitos de propriedade, além de regras, regulações e outras distorções sobre o mercado de trabalho e outros mercados que impedem seu funcionamento adequado.
Medidas tradicionais, como reformas nos mercados de bens e de trabalho, melhoria no ambiente de negócios e nas instituições, manutenção de estabilidade macroeconômica, investimentos em infraestrutura e em capital humano, privatização de ativos estatais, e redução das regulações sobre as atividades de negócio são os principais ingredientes das prescrições convencionais de política para maior crescimento econômico.
Contudo, segundo Cherif e Hasanov, tais medidas não se mostram suficientes para o alcance permanente de níveis de renda mais elevados, como das economias mais avançadas. A principal restrição, nesse sentido, remete às “falhas de mercado” decorrentes de externalidades de aprendizagem ou falhas de coordenação, que exigem, em geral, investimentos conjuntos em diversas áreas e maiores encadeamentos setoriais na economia.
Logo, o reconhecimento da existência de “falhas de mercado” requer intervenção governamental para corrigi-las, apesar de muitos autores argumentarem que tal intervenção poderia apenas agravar a situação. Cherif e Hasanov destacam que, pelo contrário, a intervenção governamental com o objetivo de corrigir as limitações do mercado permitiria à economia alcançar resultados socialmente melhores. Dessa forma, a inação do governo, sob o medo de potencial interferência que se mostre contraproducente, definitivamente não seria a opção mais adequada de política.
A questão central do debate sobre qual política industrial adotar parte da discussão do que se considera adequado um país produzir. Isso se torna nítido a partir das três abordagens de intervenção governamental mencionadas anteriormente.
Na primeira abordagem (snail crawl approach), caberia ao país produzir bens e serviços em torno das indústrias existentes (como turismo e agricultura), buscando melhorar sua qualidade. Na segunda abordagem (leapfrog approach), caberia ao país adentrar em outros setores um pouco além das capacitações existentes na economia, com um possível apoio de investimentos estrangeiros diretos. Já na terceira abordagem (moonshot approach), caberia ao país buscar construir produtos sofisticados por firmas domésticas.
Por produtos sofisticados, entende-se não somente bens, mas também serviços transacionáveis, conducentes a elevados ganhos de produtividade difundidos para outros setores da economia (transacionáveis e não transacionáveis). Para isso, crescentes encadeamentos entre estes setores se tornam fundamentais, a fim de espraiar e reforçar os ganhos de produtividade por toda a economia.
Setores pouco sofisticados, como o setor de turismo, a seu turno, não permitiriam sustentar e espalhar ganhos de produtividade por toda a economia, pois embora pudessem incrementar o crescimento temporariamente por meio, por exemplo, de melhorias na infraestrutura local, não levariam ao desenvolvimento e introdução de novas tecnologias de modo permanente. Os autores relembram Baumol, afirmando que, embora artistas de rua possam tocar música mais rapidamente, é improvável que os turistas demandem tais serviços mais “eficientes”.
Desse modo, caberia a promoção de setores mais intensivos em tecnologia, com maiores ganhos de produtividade e com maiores espraiamentos sobre o restante da economia, o que não necessariamente coincide com os setores de maior valor agregado por trabalhador. Menciona-se, por exemplo, no caso americano, o fato de setores como o financeiro, imobiliário, petrolífero e de produtos à base de carvão apresentarem o maior valor adicionado por trabalhador, enquanto setores mais intensivos em tecnologia, como informática e eletrônica, apresentarem valor adicionado por trabalhador menor.
A fim de mensurar os produtos sofisticados, propõe-se uma medida baseada na intensidade de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e nas patentes registradas. A intensidade de P&D é dada pelos gastos em P&D como proporção das receitas líquidas ou do valor adicionado. A partir disso, encontra-se que, para os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), as principais indústrias com elevada intensidade de P&D são: informática, eletrônica e ótica; farmacêutica; equipamentos de transporte (exceto veículos); serviços de tecnologia da informação; automotiva; equipamentos elétricos; máquinas e equipamentos; química; e serviços científicos, profissionais e técnicos.
Os dados de patentes corroboram a medida anterior de sofisticação dos produtos. Para 2012, cerca de 57,5 mil, do total de 84 mil patentes registradas nos Estados Unidos, correspondiam ao setor industrial (68%) e as 26,5 mil restantes a setores não industriais (32%).
Dentre os setores industriais, a maioria das patentes relacionava-se a produtos eletrônicos e de informática, produtos químicos e farmacêuticos, máquinas, equipamentos de transporte e equipamentos médicos. Em setores não industriais, as patentes se concentravam em setores de software e serviços científicos e profissionais.
Tais medidas sugerem que produtos sofisticados não compreendem somente bens industriais, como também alguns tipos de serviços. De modo geral, os setores mais intensivos em tecnologia podem ser considerados, do ponto de vista industrial, os setores de produtos eletrônicos, de máquinas, produtos farmacêuticos, aeroespacial e de veículos, ao passo que, do ponto de vista dos serviços, pode-se mencionar os setores de tecnologia da informação e desenvolvimento de software, bem como os diversos serviços científicos e técnicos mais especializados.
Na visão dos autores do estudo, caberiam, portanto, esforços governamentais para incentivar maior complementariedade entre setores industriais e de serviços sofisticados, pois não bastam somente setores industriais, muito menos apenas serviços para o desenvolvimento econômico. A questão principal recai sobre quais tipos de indústrias e de serviços serão priorizados.
Em grande medida, os casos asiáticos bem-sucedidos de alcance de níveis elevados de renda per capita refletem a inserção desses países em tais setores de produtos (bens e serviços) mais sofisticados, inclusive com desenvolvimento de tecnologia própria ao longo do tempo. Isso se verifica por meio da forte expansão da produtividade industrial, cujas bases se mostram fundamentais para o desenvolvimento tecnológico.
No caso da Coreia do Sul, por exemplo, a produtividade industrial aumentou 45 vezes em relação ao início do período em 1970 ao longo de 45 anos, enquanto que para Chile e México a produtividade industrial praticamente apenas dobrou no mesmo período. Para Indonésia e Malásia, embora tenham apresentado desempenho melhor que as economias latino-americanas, a produtividade industrial ainda esteve muito aquém do padrão sul-coreano.
Os autores enfatizam que é necessário produzir produtos sofisticados para se alcançar a fronteira tecnológica e de renda, mas isso não basta. É preciso também que tais produtos sejam produzidos por firmas domésticas, pois isso permite a criação de tecnologia própria. O foco, portanto, de uma política industrial baseada na tecnologia e na inovação deve ser este: contribuir para o surgimento e crescimento de inovadores domésticos.
É visível, por exemplo, que países que se encontram na armadilha da renda média, como a Malásia, enfrentam dificuldades em criar sua própria tecnologia. A entrada de investimentos estrangeiros diretos e o estabelecimento de grandes empresas multinacionais no país ajudaram a fomentar as exportações, inclusive elevando seu nível de sofisticação. Contudo, o crescimento da produtividade industrial e da produtividade total da economia permaneceu muito atrás de outras economias, como a Coreia do Sul. Em comparação à Coreia do Sul e Taiwan, à Malásia falta a criação de tecnologia própria. A evolução das patentes registradas por Coreia do Sul e Taiwan nos Estados Unidos a partir dos anos 1980 é impressionante, enquanto trajetória semelhante não foi observada pela Malásia.
Os baixos gastos em P&D na Malásia contribuíram para um menor número de patentes. O gasto em P&D registrado em 2012, pouco superior a 1% do PIB da Malásia, foi muito inferior ao gasto que a Coreia do Sul realizava em meados dos anos 1990 (acima de 2% do PIB) e mesmo na década de 1980 (1,3% do PIB em 1984).
A ausência de firmas inovadoras nacionais na Malásia reforça seus baixos gastos em inovação. Países, como Cingapura, lograram maior êxito em criar empresas e tecnologias locais, apesar de também receberem elevados fluxos de investimentos estrangeiros diretos.
Coreia do Sul e Taiwan, por sua vez, dependeram menos de empresas multinacionais na criação de tecnologia, mas estiveram continuamente determinados em promover tecnologias próprias a partir de empresas nacionais sob fortes incentivos e direcionamentos estatais.
Os pesquisadores do FMI destacam, ainda, que os esforços sul-coreanos em promover inovação foram sistemáticos ao longo de todas as etapas de seu desenvolvimento e muito superior ao de seus pares nas últimas décadas. As experiências de Taiwan e Coreia do Sul mostram que entrar em setores de ponta e produzir tecnologia própria desde as etapas iniciais do desenvolvimento compensam por se sustentar elevadas taxas de crescimento no longo prazo.
Tal estratégia é de alto risco, mas também de alto retorno, o que torna importante incentivar mais setores do que firmas específicas, já que não se sabe de antemão qual firma irá se sobressair. O estudo aponta também que, nos principais países inovadores, como Coreia do Sul, Japão, Finlândia, Suíça e Estados Unidos, a maior parte dos gastos em P&D empresarial é realizada por grandes empresas nacionais em setores industriais intensivos em tecnologia, reforçando a necessidade de se consolidar tais setores bem como empresas nacionais inovadoras.
Política industrial em perspectiva histórica
O uso de política industrial mais ativa já foi bastante criticado por abordagens econômicas convencionais, sobretudo sob alegação de que agravaria distorções de mercado. Em geral, citam-se os casos de processos de industrialização por substituição de importações como uma tentativa fracassada de política industrial.
Em seu estudo, Cherif e Hasanov destacam que poucas foram as experiências históricas que, de fato, implementaram uma política industrial baseada em tecnologia e inovação como preconizam. Para isso, reforçam que as políticas dos casos asiáticos bem-sucedidos foram baseadas em orientação exportadora em indústrias tecnologicamente sofisticadas.
Cabe salientar que os processos de substituição de importações resultaram em considerável aumento da produção industrial, ainda que não na mesma magnitude do que observado nos “milagres” asiáticos.
A taxa média de crescimento anual do valor adicionado na indústria, em termos reais per capita, durante os períodos 1965-1980 e 1980-2010 permite verificar que, no primeiro período, muitas economias obtiveram relativo sucesso em promover suas indústrias a partir de políticas de substituição de importações. Em média, o valor adicionado industrial per capita cresceu 10% ao ano na Indonésia, 7% na Nigéria e 6% no Brasil durante o período 1965-1980. Nos “milagres” asiáticos, observou-se um crescimento ainda mais expressivo: 15% ao ano na Coreia do Sul e 12% em Taiwan e Cingapura.
Durante o segundo período, entre 1980 e 2010, quando tais políticas industriais foram descontinuadas na maioria das economias em desenvolvimento, as taxas de crescimento do valor adicionado industrial caíram significativamente e o setor industrial experimentou forte estagnação em muitos países. Nos referidos países asiáticos, contudo, o valor adicionado industrial continuou crescendo relativamente a taxas elevadas, sobretudo se controlado pelo nível de renda per capita inicial.
Poucos foram os casos, portanto, que perseguiram uma estratégia orientada para exportação na escala dos países asiáticos bem-sucedidos e, ao mesmo tempo, promoveram uma sofisticação de suas exportações a partir do desenvolvimento de tecnologias próprias.
Nesse sentido, um dos equívocos apontados por Cherif e Hasanov acerca da política de substituição de importações, como adotado, por exemplo, na Índia, refere-se ao fato de terem pouco incentivado a concorrência nos mercados doméstico e externo. Ao contrário, permitiu-se que firmas usufruíssem de rendas de monopólio nos grandes mercados domésticos sem incorrerem no arriscado e competitivo mercado internacional, preservando uma estrutura vulnerável a choques externos, uma vez que não exportando parte da produção para obtenção de divisas necessárias a determinadas importações.
A partir das discussões levantadas pelo estudo, reforça-se a ideia de que políticas industriais importam e são decisivas para que uma trajetória de crescimento sustentado da renda per capita de um país seja alcançada. Cherif e Hasanov argumentam que os casos asiáticos de “milagre econômico” não foram resultado de sorte, mas de políticas industriais ativas baseadas em tecnologia e inovação.
Nestes casos, por meio do estabelecimento de metas ambiciosas, o Estado direcionou indústrias e firmas para além das vantagens comparativas existentes. Ademais, a orientação exportadora exigiu, mediante pressão competitiva permanente, que as firmas inovassem e pudessem superar a dependência de determinados insumos importados. A disciplina de mercado e o controle do Estado foram seguidos de maneira rígida. Tais países de sucesso se mostraram comprometidos com o salto tecnológico em direção à fronteira e procuraram incentivar que essas tecnologias fossem produzidas domesticamente por empresas nacionais.
Isso não implica que haja uma receita única para o desenvolvimento nem tampouco que políticas industriais tais como promovidas no passado devam ser replicadas, mas certamente recolocam em discussão a importância de sua utilização para a obtenção de trajetórias mais sustentadas de crescimento no longo prazo.